Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais

9o Theoretical Issues in Research Conference Florianópolis, Brasil, Dezembro 2006.

Organizadoras Ronice Müller de Quadros Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos Sumário

Apresentação 4

Arqueologia das Línguas de Sinais: Integrando Lingüística Histórica com Pesquisa de Campo em Línguas de Sinais Recentes 22 Ted Supalla

Raízes, folhas e ramos – A tipologia de línguas de sinais 30 Ulrike Zeshan

Um estudo interlingüístico de segmentação da palavra em três línguas de sinais 52 Diane Brentari, Ronnie Wilbur

Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente: sobre concordância, auxiliares e classes verbais em línguas de sinais 65 Ronice Müller de Quadros, Josep Quer

Repensando classes verbais em línguas de sinais: O corpo como sujeito 82 Irit Meir, Carol Padden, Mark Aronoff e Wendy Sandler

A realização morfológica dos campos semânticos 102 Irit Meir

Posse e existência em três línguas de sinais 117 Deborah Chen Pichler, Katharina Schalber, Julie Hochgesang, Marina Milković, Ronnie B. Wilbur, Martina Vulje, Ljubica Pribanić

Uma Comparação Lexical de Línguas de Sinais no Mundo Árabe 130 Kinda Al-Fityani, Carol Padden

Dêixis, anáfora e estruturas altamente icônicas: Evidências interlingüísticas nas línguas de Sinais Americana (ASL), Francesa (LSF) e Italiana (LIS) 140 Elena Pizzuto , Paolo Rossini , Marie-Anne Sallandre, Erin Wilkinson Tipos de Representação em ASL 159 Paul G. Dudis

Estudos de aquisição de línguas de sinais: passado, presente e futuro 191 Diane Lillo-Martin

Modalidade e Aquisição da Língua: Estratégias e Restrições na Aprendizagem dos primeiros sinais 211 Richard P. Meier

Aquisição de concordância verbal em HKSL: Opcional ou obrigatória? 225 Gladys TANG, Scholastica LAM, Felix SZE, Prudence LAU, Jafi LEE

Aquisição bilíngüe da Língua de Sinais Alemã e do alemão escrito: Ausência de sincronia no desenvolvimento e contato com a língua 249 Carolina Plaza Pust, Knut Weinmeister

Gesticulação e aquisição da ASL como segunda língua 275 Sarah Taub, Dennis Galvan, Pilar Piñar, Susan Mather

Variação na língua de sinais americana: o papel da função gramatical 286 Ceil Lucas e Robert Bayley

Variação Sociolingüística em Numerais da NZSL 314 David McKee, Rachel McKee, George Major

Imagens da Identidade e Cultura Surdas na Poesia em Línguas de Sinais 329 Rachel Sutton-Spence

O sinalizante nativo não-(existente): pesquisa em língua de sinais em uma pequena população surda 340 Brendan Costello, Javier Fernández e Alazne Landa

Reflexões sobre a língua de sinais e a cultura surda em ambientes de comunicação mediada por computador (CMC): explorações e considerações iniciais 356 Maria Mertzani

Glossário 370 Apresentação

É com prazer que apresentamos à comu- representadas pela Profª Drª Ronice Muller nidade científica brasileira Questões Teóricas de Quadros e pela Profª Drª Maria Lúcia das Pesquisa em Línguas de Sinais – resultado Vasconcellos, respectivamente. Oportu- de uma seleção dos trabalhos divulgados no no mencionar que, estabelecendo de forma TISLR 9 (Theoretical Issues in Sign langua- concreta a interface entre as duas áreas, a ge Research 9) – 9º Congresso Internacional St. Jerome Publishing Ltd. (www.stjerome. de Aspectos teóricos das Pesquisas nas Lín- co.uk), uma das mais importantes editoras guas de Sinais – sediado pela Universidade especializadas em publicações em Estudos da Federal de Santa Catarina – UFSC, Florianó- Tradução, acaba de lançar o volume 1 de sua polis, SC, em dezembro de 2006. O TISLR, mais recente série, THE SIGN LANGUAGE evento internacional de maior importância TRANSLATOR AND INTERPRETER (ISSN em estudos de línguas de sinais, reuniu pes- 1750-3981): um dos artigos centrais do volu- quisadores de 33 países com várias línguas me (Nadja Grbic, 2007, pp.15-51) apresenta de sinais, trabalhando a partir de diferentes uma análise bibliométrica da pesquisa publi- arcabouços teóricos e metodológicos. Essa 9º cada sobre interpretação de línguas de sinais, edição do evento se voltou, especificamente, selando, de forma definitiva, a relação entre a para um mapeamento das pesquisas em Es- pesquisa em línguas de sinais e os estudos de tudos das Línguas de Sinais desde a década tradução e interpretação. Essa série re-afir- de 60 até 2007; assim sendo, nada mais opor- ma, sobretudo, a importância da tradução em tuno do que compartilhar, com pesquisado- seu papel de refletir e, até mesmo, criar valores res e estudantes brasileiros, o olhar reflexivo sociais e culturais, o que, no caso específico do desse novo campo disciplinar sobre si mesmo presente volume - Questões Teóricas das Pes- – evidência de sua maturação enquanto área quisas em Línguas de Sinais – consolida a pre- específica de estudos – via tradução dos tex- sença do ser surdo não apenas no contexto so- tos selecionados para a língua portuguesa na cial, mas na comunidade científica brasileira. sua variante brasileira. O projeto tem relevância acadêmica e O trabalho de produção deste volume social, uma vez que, ao trazer os textos na foi resultado da cooperação entre duas áreas Língua Portuguesa para o contexto brasileiro de especialização, quais sejam, Estudos Sur- com reflexões sobre as pesquisas nas diversas dos e Estudos da Tradução, áreas essas aqui línguas de sinais - cenário internacional - estará Apresentação oportunizando as análises comparativas contando com vários pesquisadores integrantes entre as diferentes línguas de sinais, bem destes programas. como contribuindo para a circulação do Maria Lúcia Vasconcellos vem desenvol­ saber teórico nesta área específica, a partir de vendo pesquisa em Estudos da Tradução desde iniciativa da UFSC. Os textos traduzidos para início da década de 90, interessando-se, de este volume inauguram vários temas sobre as forma especial pela linguagem da tradução, línguas de sinais no Brasil, possibilitando a o que vem explorando por meio de pesquisa socialização de discussões teóricas, bem como de cunho descritivo, pelo viés da Lingüística a disseminação de terminologias específicas Sistêmico-Funcional hallidayana e por meio em português dessa área de investigação. de atividades de formação de tradutores/as, Ronice Müller de Quadros vem desenvol­ nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em vendo pesquisas no campo dos Estudos Surdos Letras/Inglês, do Centro de Comunicação e desde 1995, dedicando-se especialmente Expressão – CCE, da UFSC. A tradução deste aos estudos da aquisição da língua de sinais volume resultou do trabalho de uma equipe de no sentido de elucidar questões relativas à tradutores coordenada pela Profª Maria Lúcia, estrutura da Língua Brasileira de Sinais. O in- que contou com a participação de um docente teresse especializado pela Língua Brasileira da UEL – Universidade Federal de Londrina de Sinais possibilitou o projeto de formação (Dr. Lincoln P. Fernandes, também membro do de professores surdos, professores bilíngües colegiado do Programa de Pós-Graduação em e tradutores e intérpretes de língua de sinais Estudos da Tradução - PGET) e graduandos, tanto no nível da graduação, como no nível da mestrandos e doutorandos que trabalham sob a pós-graduação. Na graduação, a Profa. Ronice supervisão da Profª Maria Lúcia, no Programa coordena o primeiro Curso de Licenciatura de Estudos da Tradução/PPGET, no Programa em Letras Língua Brasileira de Sinais que obje­ de Pós-Graduação em Inglês/ PPGI e nos cursos tiva formar professores de língua de sinais, de Graduação em Letras. oferecido pela Universidade Federal de Santa O método de trabalho incluiu a formação Catarina (UFSC). Este curso será reeditado da equipe de tradutores, a formação da equipe com uma nova turma de Licenciatura e passará de revisores, a definição dos consultores para a ofertar o Bacharelado, sendo que este último questões terminológicas (Ronice Quadros objetiva formar os tradutores e intérpretes de trabalhando como consultora “natural” do Língua Brasileira de Sinais, contemplando mais projeto), bem como a definição de procedi­ oito estados brasileiros. No total, o curso estará mentos de tradução a serem adotados e a seleção formando 950 professores e 450 tradutores do programa de apoio à tradução (PAT) a ser e intérpretes de língua de sinais até 2011. usado nos trabalhos. Além deste curso, a Profa. Ronice coordena o Valem algumas palavras sobre o Programa Inter-Programa de formação de professores de Apoio à Tradução (PAT) selecionado para e pesquisadores com 14 alunos de mestrado os trabalhos. O PAT utilizado, no nosso caso e dois alunos de doutorado com pesquisas específico, foi o Wordfast Versão 5.5 (www. sobre a língua brasileira de sinais em diferentes wordfast.net), um sistema de memória de programas, Programas de Pós-Graduação em tradução criado por Yves Champollion (para Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Literatura, de Pós-Graduação em Lingüística uma avaliação detalhada do Wordfast ver, e de Pós-Graduação em Estudos da Tradução, Nogueira & Nogueira, 2004 – www.cadernos.  Apresentação

ufsc.br/online/volume14.html). Não é nosso (ver Halliday, 2001, “Towards a theory of objetivo detalhar o funcionamento desse a ‘good’ translation”) do texto de partida, programa; entretanto, salientamos o fato anteriormente textualizado em outra língua. de que, com o uso do Wordfast, os ganhos A noção de tradução como retextualização de produtividade foram grandes, sobretudo foi proposta por Coulthard (1986, 1992) e pelo fato de o trabalho ter sido feito com um explorada por Costa (1992), que desenvolveu conjunto de artigos sobre o mesmo tema o seguinte argumento: “por meio de tradução, (pesquisa em línguas de sinais) e por ter sido um dado texto adquire sua expansão máxima, desenvolvido por uma equipe de tradutores: o uma vez que transcende os limites lingüísticos processo exigiu uma rigorosa uniformização dentro dos quais foi concebido” (p. 138, terminológica, o que foi possibilitado por tradução nossa), tornando-se o ponto de meio dos recursos de memórias de tradução partida que possibilita ao tradutor produzir e criação de glossários, disponibilizados pelo um novo texto no contexto tradutório Wordfast. da chegada: aqui sua mais importante Cumpre ressaltar que o projeto de decisão instala-se na dimensão do o que e tradução de Questões Teóricas das Pesquisas para quem retextualizar. As implicações e em Línguas de Sinais contribuiu, de forma conseqüências de tais decisões irão afetar a substancial, como laboratório para os seleção de significados a serem realizados e tradutores-em-formação da UFSC. A partici­ a configuração textual da tradução. Decidir pação em um projeto real de tradução – em ‘o que’, ‘para quem’ e, adicionamos, ‘como’, todas as suas etapas, desde o contato inicial são as dimensões que vêem por informar a entre as coordenadoras, passando por todas definição das características textuais de um as etapas intermediárias, incluindo o processo texto a ser traduzido, em um dado contexto negociação de significados e de revisão e, tradutório (Vasconcellos, 1997). finalmente, de entrega do produto à Editora Nesse sentido, os procedimentos adotados Arara Azul – constituiu uma oportunidade neste trabalho de tradução estão intima­ didática única que veio por desenvolver, mente ligados às convenções que regem a nos tradutores-em-formação, uma noção de produção de textos do tipo específico aqui profissionalismo que, de outra forma, não trabalhado – textos acadêmicos escritos teriam adquirido. – no contexto de chegada. No contexto dos No que tange o conceito de tradução procedimentos de tradução, é importante que informou os trabalhos, entende-se destacar três preocupações que permearam tradução como uma nova produção textual os trabalhos: (i) a adoção de convenções - certamente vinculada a uma produção genéricas do contexto de chegada; (ii) o textual anterior - em novo contexto, em uma uso de nominalizações; e, (iii) o uso de nova língua. Nesse sentido, e em termos do procedimento ‘explicitação’. arcabouço teórico hallidayano, entendemos a No que diz respeito ao item (i), o gênero tradução como uma re-textualização, ou seja, em questão é artigo acadêmico, que, no con- embora em uma nova configuração vinculada texto brasileiro (ocidental?), segue a tradição ao novo contexto lingüístico e cultural hegemônica da escrita acadêmica veiculada Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas de recepção, o texto traduzido sempre se em inglês, caracterizada por um uso de lin-  relaciona, no mínimo, ao conteúdo ideacional guagem dita ‘objetiva’, tipicamente despida de Apresentação colorido ‘emocional’ (ver Bennett, 2007). Em- Com relação ao item (iii), o procedi- bora estejamos cientes da ideologia embutida mento conhecido como ‘explicitação’ é uti- nesse tipo de ‘receita’ de discurso - que exclui lizado no sentido a ele atribuído por Blum- a circulação de conhecimento veiculada de Kulka (1986, p. 21): “... redundância semân- forma não canônica - optamos por seguir essa tica ausente no original”, ou seja, explicações convenção. Entretanto, uma vez que a natu- contextualizadoras que objetivam a leitura- reza da interface em que Questões Teóricas das bilidade do texto, tendo em vista os leitores Pesquisas em Línguas de Sinais foi produzido pretendidos. Inclui-se como ‘explicitação’ o – Estudos Surdos/Estudos da Tradução – é ine- uso de vários recursos, desde recursos coe- rentemente não-essencialista e busca o encon- sivos explícitos, até a adição de segmentos tro do “outro”, tentamos relativizar esse poder mais longos, ou glosas explicativas para con- do discurso hegemônico da escrita acadêmica, ceitos ou para ‘empréstimos’. A adoção des- respeitando as diferenças culturais manifestadas se procedimento, que Blum-Kulka (ibid.) no discurso dos artigos aqui agrupados. Como sugere ser um dos ‘universais’ da tradução, ilustração, citamos o artigo de Kinda Al-Fityani resultou em um maior número de palavras e Carol Padden, “Uma Comparação Lexical de nos textos traduzidos, como pode ser ates- Línguas de Sinais no Mundo Árabe”, cujo estilo tado pelos dados gerados pelo programa metafórico, não usual em papers acadêmicos do de apoio ao tradutor utilizado – Word Fast. mundo ocidental, foi considerado na produção Como ilustração, citamos os dados referen- do texto traduzido, numa tentativa de levar em tes ao texto de Al-Fityani et al, nas Tabelas conta sua heterogeneidade discursiva e marcar 1 e 2 abaixo: sua dimensão cultural. Quanto ao item (ii), uma questão central C:\Documents and Settings\lautenai\Al-Fityani_Padden_EN.doc Scanned: document, footnotes, headers/footers, textboxes. que permeou os trabalhos de tradução diz Analogy segments words char. % respeito ao fato de os textos em sua configu- Repetitions 10 15 90 0% ração no pólo de partida - inglês - terem sido 100% 0 0 0 0% “escritos-para-serem-falados”, já que foram 95%-99% 0 0 0 0% produzidos para serem apresentados no for- 85%-94% 0 0 0 0% mato “palestras” e/ou “comunicações”, no 75%-84% 0 0 0 0% TISLR 9. Na produção dos textos traduzidos, _0%-74% 313 4601 28774 100% Total 323 28864 o ‘modo’ do discurso (ver ‘modo’ do discur- 4616 (character so, como uma das variáveis do conceito de count includes spaces) ‘registro’, em Halliday, 1989) – “escrito-para- ser-falado” – mudou, então, para “escrito- Tabela 1: Dados gerados a partir do texto-fonte para-ser-lido”, o que lhe conferiu algumas características não presentes em textos ditos Como é possível observar nos segmentos orais (Koch, 1997, p. 62), como, por exemplo, salientados em negrito nas tabelas 1 e 2, o nú- maior elaboração, densidade informacional, mero de palavras do texto-fonte corresponde complexidade oracional (sobretudo com o a 4616, enquanto o número de palavras do uso de orações complexas e subordinação), texto-alvo corresponde a 5038 ocorrências, Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas uso de voz passiva, densidade lexical e uso de variação quantitativa essa que se constitui nominalizações nas traduções. como um dos parâmetros para aferir a uti-  Apresentação

lização do procedimento de ‘explicitação’ na (iii) problemas de língua e estilo (fluência, tradução. adequação ao público-alvo, uso de registro apropriado ou sub-língua, uso apropriado C:\Documents and Settings\lautenai\Al-Fityani_Padden_PT.doc de expressões idiomáticas, uso apropriado da Scanned: document, footnotes, headers/footers, textboxes. “mecânica” da escrita, envolvendo pontua- Analogy segments words char. % ção, espaçamento, tipicidades editoriais); e, Repetitions 102 329 2053 7% finalmente, (iv) problemas de apresentação 100% 0 0 0 0% 95%-99% 0 0 0 0% da tradução (layout, tipografia, organização). 85%-94% 0 0 0 0% Nos trabalhos de revisão de Questões Teóri- 75%-84% 0 0 0 0% cas das Pesquisas em Línguas de Sinais, a re- _0%-74% 226 4709 29083 93% visão do tipo “Grupo A” – cotejamento com Total 328 5038 31136 o texto-fonte – foi feita pelos coordenadores (character count includes spaces) de cada uma das quatro equipes de tradução, pela equipe de revisão e pela coordenado- Tabela 2: Dados gerados a partir do texto-alvo ra geral; a revisão do tipo “Grupo B” leitu-

ra apenas do texto alvo – foi feita por esses Ressalta-se o trabalho dos revisores dessa coordenadores, pela equipe de revisão e pela edição. O trabalho de revisão foi informa- coordenadora geral da tradução e, em última do pelos parâmetros de revisão sugeridos por instância, legitimada pela coordenadora do Mossop 2001 (Editing and Revising for Trans- Projeto Libras, Ronice Müller de Quadros, lators, St. Jerome, United Kingdom). Mossop sobretudo quanto à questão da terminolo- (ibid. pp. 100-112) sugere seus parâmetros a gia a ser adotada. Buscou-se, assim, garantir partir de pesquisa empírica sobre o que ele uma tradução que atendesse aos anseios de chama de “tipos de erros mais comuns” em seu público-alvo, a saber, pesquisadores, es- tradução. Embora o autor utilize o termo tudantes e todos interessados em uma visão “transferência” – do qual discordamos, por teórica dos estudos de língua de sinais. não ser compatível com a noção de tradução As organizadoras do volume estão cien- aqui adotada, como produção textual e não tes de sua responsabilidade no que tange à como transferência de significados – para seleção dos textos aqui organizados e o traba- descrever as ocorrências de erros, ele conse- lho de sua tradução, bem como da relevância gue sistematizar os problemas tipicamente do presente volume em termos da dissemi- encontrados e sugerir soluções para sua re- nação de terminologia a ser utilizada pela co- visão. Os problemas elencados são de quatro munidade científica da área, em língua por- tipos, sendo divididos em dois grandes gru- tuguesa. No mínimo dois motivos atestam a pos de trabalho de revisão, a saber: Grupo A relevância de Questões Teóricas das Pesquisas – que envolve leitura comparativa ou coteja- em Línguas de Sinais: (i) as traduções aqui mento do texto-fonte com o texto-alvo: (i) apresentadas foram utilizadas como ‘texto- problemas de ‘transferência’ de significado fonte’ para a tradução ‘indireta’ para Libras; (precisão; totalidade); (ii) problemas de con- e (ii) os termos aqui que escolhemos “pro- teúdo (lógica e fatos); Grupo B – que envolve duzir” irão, certamente, influenciar a produ- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas leitura unilingual, ou seja, já apenas do texto- ção e consumo de conhecimento na área, no  alvo enquanto entidade com status próprio; contexto brasileiro. Krieger & Finatto (2004) Apresentação apontam, com propriedade, a importância aqui publicados, com vistas a facilitar a comu- do processo denominativo para as atividades nicação na área, em termos de oferta de uma de conceitualização de uma área, explicando linguagem a ser compartilhada por pesquisa- o papel das terminologias na fixação e na cir- dores e estudantes interessados em pesquisa culação do saber científico: em línguas de sinais, no contexto de falantes da língua portuguesa. Apresentamos, a seguir O léxico temático configura-se, portan- e a título de ilustração, algumas soluções en- to, como um componente lingüístico, não contradas na tradução de termos centrais (para apenas inerente, mas também a serviço de mais detalhamentos, favor consultar o glossário comunicações especializadas, posto que os oferecido no final deste volume). Esclarecemos termos transmitem conteúdos próprios de que as decisões quanto aos procedimentos cada área. Por isso, os termos realizam duas adotados foram inspiradas pelo conjunto de funções essenciais: a de representação e a de possíveis estratégias tipicamente utilizadas por transmissão do conhecimento especializado. tradutores profissionais elencadas por Baker (2004, p. 17) (1992, p. 34). Em alguns casos, a decisão das organizadoras do volume, em negociações com É nesse contexto que Questões Teóricas das a equipe de tradução, foi fazer uso de “emprés- Pesquisas em Línguas de Sinais busca oferecer timos” – introduzindo, em português, o termo uma contribuição, por meio da construção e em sua configuração morfológica na língua de apresentação de um glossário – aqui definido partida, o inglês, muitas vezes com o acom- como “... repertório de unidades lexicais de panhamento de uma glosa, como foi o caso, uma especialidade” (Krieger & Finatto, 2004, por exemplo, de “línguas pro-drop (línguas de p. 51), que reflete um panorama da produção sujeito nulo)” (Quadros & Quer) (ver métodos e do pensamento nacional e internacional de tradução em Vinay & Darbelnet 1958/1995, da pesquisa em línguas de sinais, conforme pp.30-40). Em outros casos, uma tradução manifestada nos textos selecionados para literal, como em “body-anchored verbs”, em compor Questões Teóricas das Pesquisas em cuja tradução foram feitos, apenas, ajustes Línguas de Sinais – base de dados para o corpus devidos aos diferentes sistemas lingüísticos, textual - centrando-se no léxico especializado nesse caso, mudança na ordem das palavras: e freaseologias típicas da área. O pesquisador “verbos ancorados ao corpo” (Meir). Outra responsável pela elaboração do glossário solução comumente adotada foi a recriação, em apoiou-se em ferramentas eletrônicas: Word- português, de um termo em inglês, de tal forma Fast, o programa de memória de tradução a explicar o sentido implícito na expressão da utilizado e a suíte de programas WordSmith língua fonte, como em “bilingual bootstrap- Tools, um software de análise lexical para ping” (que sugere sucesso e facilidade, por um PCs, criado por Mike Scott e publicado pela indivíduo, no processo de aquisição bilíngüe, Oxford University Press desde 1996, agora em com pouca ou nenhuma ajuda externa), retex- sua versão beta 5.0 (esclarecemos que a versão tualizado como “desencadeamento bilíngüe” utilizada foi a 4.0). (Pust e Weinmeister). O glossário, organizado em ordem alfa- Finalmente, cumpre observar que os Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas bética, buscou representar os termos-chave e termos do glossário são apresentados com conceitos que se fizeram presentes nos artigos ilustração, a cada entrada, de sua ocorrência  Apresentação

nos textos, tanto texto-fonte como texto-alvo, devido aos processos lingüísticos de mudan- para facilitar seu entendimento em seu habitat ça, mas talvez devido à natureza das próprias natural. línguas de sinais. O autor explora essas formas Resta, finalmente, apresentar os trabalhos que, como apontado por ele, incluem apon- que compõem Questões Teóricas das Pesquisas tadores espaciais, direção de movimento do em Línguas de Sinais. Os artigos selecionados verbo como um marcador de concordância e representam diferentes áreas da lingüística, o uso de configurações de mão classificadoras. bem como suas possíveis interfaces. Os temas Como resultado de pesquisa interlingüística abordados anunciam novas perspectivas nos envolvendo 15 línguas de sinais que surgi- estudos das línguas de sinais de questões que ram naturalmente em diferentes partes do são vistas e revistas, além de temas completa- mundo, Supalla consegue mostrar que todas mente originais. Os artigos dos palestrantes as línguas utilizam localização e movimento convidados, Ted Supalla, Ulrike Zeshan, Paul através do espaço de maneira similar, para Dudis, Diane Lillo-Martin e Richard Meier marcar concordância gramatical com o su- estabeleceram uma divisão “natural” entre as jeito e o objeto e, com base nesses resulta- temáticas abordadas. Iniciamos com uma vi- dos, sugere que, devido a essas semelhanças são histórica dos estudos das línguas de sinais, entre línguas de sinais não relacionadas, partimos para as análises no campo da fono- falantes de línguas de sinais mutuamente logia, morfologia, sintaxe e semântica; vamos ininteligíveis são capazes de desenvolver para o bloco das interfaces da lingüística com um pidgin sinalizado (denominado sinal outros campos de investigação, com um foco internacional) que conserva tais estruturas nos estudos de aquisição da língua de sinais, morfológicas. Finalmente, observa que, na além de outras interfaces. Estes textos repre- pesquisa histórica e comparativa, é possível sentam algumas possibilidades das temáticas observar tanto processos de divergência, a serem investigadas na Língua Brasileira de quanto de convergência entre línguas de Sinais. Portanto, apresentam, de certa forma, sinais internacionais e tanto os processos impacto no desenvolvimento das pesquisas comuns a todas as línguas como processos no Brasil. específicos às línguas de sinais. O texto de abertura do volume, escrito A seguir, em “Raízes, folhas e ramos – A por Ted Supalla – “Arqueologia da Língua de tipologia de línguas de sinais”, Ulrich Zeshan Sinais: Integrando Lingüística Histórica com salienta o aumento de disponibilidade de da- Pesquisa de Campo em Línguas de Sinais Jo- dos de várias línguas de sinais ao redor do vens” – explora a interface entre a lingüística mundo como fator que possibilitou, pela pri- histórica e a pesquisa de campo para mostrar meira vez na história da pesquisa em língua a possibilidade de uma nova abordagem para de sinais, a ampliação do banco interlingüís­ a arqueologia da língua de sinais, por meio tico de dados para realizar estudos tipoló- de um conjunto alternativo de ferramentas e gicos significativos entre línguas de sinais. de uma explicação alternativa para as formas Sua contribuição para a discussão se dá em atuais. Supalla argumenta que uma arqueo- termos de oferta de um estudo que resume logia deve reconhecer a existência de formas e exemplifica os importantes resultados que Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas pré-determinadas comuns ao longo da história emergiram da pesquisa comparativa e siste- 10 das línguas de sinais que podem surgir não mática de línguas de sinais ao longo dos últi- Apresentação mos anos. Zeshan faz um passeio descritivo que informam o estudo são: Hipótese 1 - os e analítico, em oposição a um mero relatório sinalizantes demonstrarão maior sensibilida- sistemático e exaustivo de todo o campo de de com informações simultâneas e restrições estudo, examinando a nova sub-disciplina de fonológicas específicas da língua de sinais tipologia de língua de sinais sob uma varie- (LS) – tais como a distribuição de configu- dade de perspectivas. Observa, entre outras rações de mão (CMs), pontos de articulação fontes, aquelas cuja confluência cria o cam- (PAs) e movimentos (Ms) – do que os não- po de tipologia de língua de sinais (as “raí- sinalizantes; e Hipótese 2 – a natureza visual zes”, nos termos da metáfora do título), as do sinal fará com que tanto falantes, como si- diferentes maneiras de se fazer tipologia de nalizantes utilizem a informação em nível da língua de sinais e as metodologias associadas palavra para seus julgamentos na LS, apesar (os “ramos”) e alguns dados fascinantes e seu do fato de o trabalho em uma língua falada significado tipológico e teórico (as “folhas”). mostrar que falantes estão pré-dispostos a O autor organiza seu texto em quatro partes, usar seqüências de sílabas (por exemplo, o que propõem: (i) apresentar a tipologia de pé) para fazer julgamentos de segmentação língua de sinais, concentrando a atenção nos da palavra nas línguas faladas. A Hipótese objetivos e metodologias da área; (ii) ilustrar 1 foi parcialmente confirmada: sinalizantes os tipos de resultados que emergem dos estu- são mais sensíveis às informações simultâ- dos interlingüísticos em línguas de sinais; (iii) neas no sinal do que não-sinalizantes. A Hi- examinar exemplos dos resultados de estudos pótese 2 também foi confirmada: não-sina- comparativos amplos, assim como dados de lizantes adaptaram-se às estratégias de LSs línguas de sinais utilizadas em comunidades ao fazerem julgamentos de segmentação da com surdez hereditária; e, finalmente, (iv) palavra na modalidade visual. mostrar, no contexto de uma questão teori- Ronice Müller de Quadros e Josep Quer camente importante a respeito da natureza revisam – em seu artigo “Revertendo os ver- da linguagem humana na modalidade visu- bos reversos e seguindo em frente: sobre al-gestual, como a ampliação do banco de concordância, auxiliares e classes verbais em dados na tipologia de língua de sinais pode línguas de sinais” – as idéias principais das conduzir a pontos teoricamente desafiado- diferentes abordagens sobre a concordância res. Como consideração final, Zeshan chama verbal em LS e aperfeiçoam algumas delas, a atenção do leitor para o impacto, para além contribuindo para uma caracterização mais da lingüística, que a pesquisa em tipologia de precisa da concordância, da tipologia verbal e língua de sinais tem em comunidades surdas, dos chamados predicados auxiliares nas LSs. em todo o mundo. Ao revisitar a classificação tripartite padrão O texto de Diane Brentari e Ronnie Wil- dos verbos da língua de sinais, que é baseada bur faz um estudo interlingüístico de segmen- na suposição da diferença entre a concordân- tação da palavra em três línguas de sinais, no cia exibida por verbos espaciais e aquela exi- qual os autores analisam as estratégias de seg- bida por verbos de concordância, os autores mentação da palavra utilizada em 3 grupos questionam essa diferença, mostrando que de sinalizantes surdos (ASL, HZJ e ÖGS) e 3 os predicados espaciais que expressam mo- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas grupos de ouvintes não-sinalizantes (falantes vimento e os verbos de concordância recor- de Inglês, Croata e Austríaco). As Hipóteses rem ao mesmo tipo de elemento morfológico 11 Apresentação

para realizar o suposto tipo diferente de con- espacial), com argumentos pessoais (con- cordância: TRAJETÓRIA (PATH). Confor- cordância de pessoa), ou ambos; (b) os pre- me afirmam, a contribuição semântica desse dicados auxiliares podem concordar, apenas, morfema nas duas classes seria essencialmen- com argumentos pessoais/animados (con- te a mesma: em verbos espaciais, as posições cordância de pessoa); (c) os verbos reversos (slots) iniciais e finais de TRAJETÓRIA estão são verbos lexicais manuais, cujas trajetórias alinhadas com as localizações e, em verbos de são determinadas pela concordância espacial concordância, estão alinhados com os loci de e não pela concordância de pessoa gramati- sujeito e objeto. Visto que os verbos de con- cal; (ii) a concordância com traços locativos cordância parecem denotar transferência de e de pessoa gramatical é, com freqüência, in- um tema ou um sentido literal ou abstrato, distinguível na superfície, embora a estrutura estabelece-se, então, a generalização semânti- do argumento de cada predicado imponha ca que os espaços do morfema direcional de condições de licenciamento, em que o ar- TRAJETÓRIA podem ser ocupados por pa- gumento-sujeito de um predicado manual péis temáticos fonte e alvo em ambas as clas- deve ser licenciado pelo traço de pessoa; e, ses de predicados. Para verbos espaciais, isso finalmente, (iii) existe, ainda, ambigüidade é relativamente direto; para verbos de con- do locus como localização ou R-locus (por cordância, fonte e alvo são restritos a [+hu- exemplo, TELL [dizer] com concordância de mano], podendo, assim, ser renomeados pessoa gramatical vs. TELL com concordân- como agente e benefactivo, respectivamente. cia locativa no argumento-ALVO), havendo Quadros e Quer mostram que, por mais atra- necessidade de mais pesquisas para se de- ente que esse quadro possa ser, ele também se terminar até que ponto um locus atribuído depara com alguns sérios desafios, dentre os a um referente animado pode ser ambíguo, quais, provavelmente, o mais explorado é o entre um locus de pessoa gramatical ou um problema da subclasse dos verbos de concor- locus espacial. dância chamados “reversos” (backwards): em Em “Repensando classes verbais em lín- tais predicados, o alinhamento da trajetória guas de sinais: o corpo como sujeito”, Irit não é com o sujeito e o objeto, mas com a Meir, Carol Padden, Mark Aronoff e Wendy fonte e o alvo, o que resulta em uma trajetória Sandler lançam um novo olhar sobre a aná- que vai do locus do objeto ao locus do sujei- lise tradicional das classes verbais em línguas to. Para examinar essa questão e apresentar e de sinais. Para tanto, re-examinam o papel do sustentar seus argumentos, os autores discu- corpo e das mãos nos diversos tipos de verbos tem evidências recentes a partir da Língua de em ASL e ISL, voltam à classificação dos ver- Sinais Brasileira (LSB) e da Língua de Sinais bos nessas línguas e oferecem uma maneira Catalã (LSC). Os resultados de seus estudos alternativa de caracterizar estas classes: en- demonstram que: (i) o quadro que emerge quanto a análise tradicional se concentra no sobre concordância e classes verbais em LSs é papel das mãos na codificação das proprie- substancialmente modificado, com relação às dades gramaticais relevantes (as mãos são o suposições atuais, sendo possível afirmar que articulador ativo na língua de sinais e elas (a) os verbos não simples (“espaciais” + “de concentram a maior parte da carga informa- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas concordância”) podem, em geral, concordar cional contida no sinal), esses pesquisadores 12 com argumentos locativos (concordância propõem uma nova classificação dos verbos Apresentação em língua de sinais, observando não somen- nadas pelo campo semântico em que ele está te o que as mãos fazem, mas o papel que o sendo usado. Meir é cauteloso ao deixar claro corpo tem nas diferentes classes verbais. Afir- que não pretende sugerir a existência de um mam que a análise por eles proposta apresen- morfema específico na língua que codifique o ta vantagens, por ser capaz de explicar a pe- campo semântico ou indique o uso metafóri- culiaridade tipológica da concordância ver- co. Ao invés disso, afirma, diferentes campos bal em língua de sinais (a proeminência do semânticos possuem diferentes propriedades objeto em relação ao sujeito na concordância morfológicas na LSI, refletidas nas proprie- verbal) e a razão de algumas formas verbais dades morfológicas dos verbos utilizados serem mais complexas que outras, em rela- nesses campos. No desenvolvimento de seu ção à competição entre os diferentes papéis argumento, o autor analisa, primeiramente, do corpo em diversos sub-sistemas da língua as várias manifestações dos campos semân- e por conseguir fazer previsões interessantes ticos nas línguas faladas, para, a seguir, exa- acerca da tipologia e avanços diacrônicos em minar as propriedades morfológicas de cada línguas de sinais. O padrão ‘corpo como su- um dos campos na LSI e, então, investigar as jeito’, mesmo sendo básico, como argumen- implicações da análise para a teoria lingü- tam, é freqüentemente ofuscado por outros ística. A contribuição de Meir, no contexto sistemas em línguas de sinais. Entretanto, dessa discussão específica, reside na explici- uma vez que este padrão é reconhecido, ele tação, feita por ele, do significado teórico da se torna uma ferramenta explicativa robusta realização morfológica desses campos se- para um grande número de fenômenos inter- mânticos que, conforme demonstra, pode linguais e intralinguais, explicando porque ser vista em três dimensões: (i) a aceitação ‘corpo como sujeito’ emerge como estratégia da realização morfológica desses campos se- modelo em verbos de concordância de argu- mânticos preenche uma lacuna na relação mento único, esclarecendo a complexidade entre semântica e morfologia, pois, como o das formas de objeto em 1ª pessoa e, final- trabalho demonstra, a polissemia sistemática mente, explicando a aparente supremacia do de itens lexicais usados em diferentes campos objeto no sistema de concordância verbal em semânticos é codificada em uma língua trans- línguas de sinais. mitida na modalidade visual-espacial, a LSI No contexto de um questionamento e, muito possivelmente, também em outras do fato comumente aceito de que a forma línguas de sinais; (ii) as formas morfológicas morfológica de um verbo não reflete o cam- são, freqüentemente, levadas em conta como po semântico em que ele está sendo usado, evidência para a existência da categoria se- Irit Meir aponta uma lacuna na relação en- mântica específica expressa por essas formas tre morfologia e semântica, em seu texto “A (por exemplo, a existência de morfemas em Realização Morfológica dos Campos Semân- algumas línguas que expressam certas distin- ticos”. Conforme ele argumenta, contrarian- ções semânticas - como telicidade - pode ser do esse axioma, a Língua de Sinais Israelense interpretada como evidência de suporte para (LSI), aqui investigada como uma represen- análises que assumem a existência de entes tante das línguas de sinais em geral, constitui primitivos semânticos correspondentes a tais Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas uma língua em que as propriedades morfo- distinções; de modo similar, as diferenças lógicas de um verbo refletem e são determi- morfológicas entre as classes verbais em dife- 13 Apresentação

rentes domínios semânticos na LSI podem ser dada na literatura sobre a língua falada, mas interpretadas como suporte para teorias que ainda não investigada em dados relativos a assumem a existência dos campos semânticos línguas de sinais. Por fim, discutem as evi- e as propriedades morfológicas dos diferentes dências de uma natureza locativa subjacente campos podem oferecer uma perspectiva me- às construções possessivas e existenciais na lhor sobre suas propriedades); (iii) as distin- ASL, na ÖGS e na HZJ, geradas a partir dos ções morfológicas entre os campos semânti- dados analisados. Ao analisar seus dados, os cos, que uma vez identificadas, podem apoiar autores observam semelhanças entre essas uma análise específica em detrimento de três línguas quanto às estruturas sintáticas outra (por exemplo, no contexto da contro- empregadas para expressar posse e existên- vérsia existente com relação ao fato de verbos cia, bem como uma visível restrição com re- de MDE serem de natureza semelhante aos lação a quais dessas estruturas podem ocorrer verbos de mudança de localização). com possuidores inanimados e certos casos O estudo de Deborah Chen Pichler, Ka- de posse inalienável (por exemplo, posse de tharina Schalber, Julie Hochgesang, Marina parte do corpo). Os autores explicam tal res- Milković, Ronnie Wilbur, Martina Vulje trição por haver possibilidade de ela decorrer e Ljubica Pribanić – “Posse e existência em do fato de que a posse é, em sua expressão três línguas de sinais” – descreve, compara mais canônica, uma relação entre um pos- e documenta construções possessivas e exis- suidor animado e um possessum inanimado tenciais em três línguas de sinais: Língua de e que essa relação particular é enfatizada pelo Sinais Americana (ASL), Língua de Sinais pronome POSS explícito. Os autores cha- Austríaca (ÖGS) e Língua de Sinais da Cro- mam a atenção para (i) as características lo- ata (HZJ). Os autores observam as similari- cativas ou espaciais subjacentes às estruturas dades estruturais em construções possessivas existenciais e possessivas observadas na ASL, e existenciais nas três línguas, bem como as na ÖGS e na HZJ, sobretudo no que se refere restrições semânticas nos tipos de ‘possuidor’ aos mecanismos alternativos para expressar e de ‘possessum’ permitidos. Apontam, ain- posse (envolvendo uma apontação em dire- da, evidências para uma relação subjacente ção ao locus do possuidor ou um movimen- entre possessivos, existenciais e locativos, si- to do sinal do possessum em direção ao locus milar ao que é relatado sobre muitas línguas do possuidor) e para (ii) a natureza também faladas. Inicialmente, fazem uma descrição espacial da expressão de existência por meio geral das construções relevantes produzidas do estabelecimento de construções de figu- pelos participantes de seu projeto, que in- ra-base, nas quais a base é codificada como clui uma comparação de características sin- locação e a figura como o objeto ao qual se táticas e semânticas de diversas construções atribui existência. Por fim, apontam uma possessivas nas três línguas em estudo, obser- evidência diacrônica secundária das origens vando a ocorrência de padrões semelhantes locativas do verbo existencial/possessivo usa- nos corpora utilizados. Em seguida, discutem do na ÖGS e de um verbo existencial na HZJ. a noção de que as construções possessivas e Os autores fecham seu artigo reconhecendo existenciais são sintaticamente relaciona- a necessidade de cuidado ao se aplicar aná- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas das, não apenas entre si, mas também com lises originalmente desenvolvidas para dados 14 as construções locativas, noção essa consoli- de línguas faladas para as línguas de sinais, Apresentação deixando claro, entretanto, sua crença que de sinais são línguas distintas, em oposição a as atuais evidências da natureza locativa de dialetos e não são relacionadas historicamen- (certas) estruturas possessivas e existenciais te, podendo, assim, as similaridades em seus na ASL, na ÖGS e na HZJ são suficientemen- vocabulários serem atribuídas aos valores te convincentes para merecer uma investiga- culturais comumente compartilhados e aos ção rigorosa. repertórios gestuais. No cenário de uma descrição das lín- Elena Pizzuto, Paolo Rossini, Marie- guas de sinais do Oriente Médio, o trabalho Anne Sallandre e Erin Wilkinson exploram de Kinda Al-Fityani e Carol Padden explora – em “Dêixis, anáfora e estruturas altamente a possibilidade de existência de uma relação icônicas: Evidências interlingüísticas nas Lín- entre as línguas de sinais da região, por meio guas de Sinais Americana (ASL), Francesa das estatísticas lexicais – um método de com- (LSF) e Italiana (LIS)” – fatores tipológicos, paração de vocabulário entre as línguas de supostamente específicos de línguas de sinais, sinais para determinar o tipo de extensão da que afetam a dêixis e a anáfora nessa modali- relação lingüística. Os autores apontam pelo dade. Nesse contexto, o objetivo dos autores menos três circunstâncias simultâneas que é definir as estruturas dêitico-anafóricas como afetam a distribuição das línguas de sinais na recursos de coesão textual que permitem a fa- região: (i) as tradições de casamento comuns, lantes ou sinalizantes introduzir referentes no segundo as quais a existência de casamentos discurso (dêixis) e, subseqüentemente, referir- consangüíneos tem levado a altas freqüências se a eles em momentos posteriores (anáfora). de caracteres recessivos, em termos de sur- O estudo oferece evidências relevantes, a par- dez hereditária; (ii) as circunstâncias sociais tir de um exame comparativo de narrativas e culturais no mundo árabe que, de algum curtas produzidas nas três línguas de sinais; modo, propiciam mais oportunidades para amostras analisadas permitiram, também, se aprender a língua de sinais desde o nasci- avaliar, ainda que parcialmente, a influência mento, talvez em função de incidência mais das relações entre as línguas sobre os fenô- alta de surdez genética; e, (iii) as circunstân- menos investigados. A atenção da pesquisa cias culturais, sociais, políticas e econômicas, está concentrada em duas grandes classes de que levam as línguas de sinais no mundo recursos de referência dêitico-anafórica, no árabe a serem mais propensas ao isolamento contexto de línguas de sinais: (i) a classe ‘pa- umas das outras – aqui incluídos os costumes drão’, já amplamente investigada, realizada relacionados ao casamento no mundo árabe por meio de apontações manuais e visuais que e os fatores políticos das regulamentações estabelecem posições marcadas no espaço (os da imigração entre os países árabes que, por “loci”), às quais os referentes podem ser sim- dificultarem a migração, favorecem o desen- bolicamente atribuídos; e, (ii) a classe de com- volvimento de línguas de sinais isoladas. Os plexas unidades manuais e não-manuais que autores concluem que, dada a tradição de en- exibem características altamente icônicas e são dogamia no mundo árabe, o que leva a altas marcadas por padrões específicos do olhar, taxas de surdez genética, é muito provável que aqui referidas como Estruturas Altamente Icô- tenha havido uma longa história de línguas nicas (EAI) ou ‘Transferências’. Além dos pa- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas de sinais na região. Como mostram os resul- drões específicos do olhar, os autores apontam tados de sua pesquisa, muitas dessas línguas outros elementos que compõem as EAIs: (a) 15 Apresentação

formas manuais que codificam características contribui para uma categorização mais rigo- perceptivelmente salientes das relações entre rosa dos vários tipos de representação obser- os referentes e o referencial, identificadas na li- vados no discurso em ASL, o que, por sua vez, teratura sobre LS sob diferentes termos: “clas- leva a um maior entendimento de questões sificadores”, “morfemas produtivos”, sinais que envolvem a representação, dentre as quais “polissintéticos” ou “multicomponenciais”; e, a relação entre a representação de um evento (b) expressões faciais marcadas e/ou modifi- que envolve um sujeito e os sinais produzidos cações na direção da cabeça, dos ombros e do durante a representação. tronco, tipicamente identificadas na literatura Diane Lillo-Martin, no artigo “Estudos como “recursos de troca de papéis”. Conforme de aquisição de línguas de sinais: passado, concluem, diferentes subtipos de EAIs podem presente e futuro”, organiza uma apresenta- ser combinados entre si, ou com sinais padrão, ção das investigações no campo da aquisição para codificar simultaneamente informações da linguagem com crianças adquirindo algu- referentes a dois (ou até mais) referentes, per- ma língua de sinais, produzida nos últimos 20 mitindo assim uma especificação multilinear anos. A autora propõe esta revisão consideran- da referência dêitico-anafórica, que parece ser do algumas categorias para a sua apresentação, exclusiva da modalidade visual-gestual. uma vez que estes estudos tiveram diferentes Discutindo o papel do corpo e do espaço enfoques ao longo de suas produções. Alguns ao seu redor na representação de cenários, ob- estudos ocuparam-se de analisar o processo de jetos e eventos no discurso da ASL, Paul Dudis aquisição da língua de sinais em crianças sur- - no artigo intitulado “Tipos de Representação das, filhas de pais surdos, ou seja, em ambien- em ASL” – mostra como, se demonstrado que tes de aquisição espontânea da língua de sinais. os verbos e as construções da ASL têm com- Tais estudos verificaram que essas crianças ad- ponentes representando traços semânticos, a quirem a língua de sinais nos mesmos estágios representação se torna o foco da análise gra- de aquisição observados em quaisquer línguas. matical, na perspectiva lingüística cognitiva Esses resultados estabeleceram o paralelo entre a que ele se afilia. Conforme aponta Dudis, a aquisição de línguas de sinais e de línguas fa- a abordagem estabelecida no artigo, iniciada ladas. A partir desta conclusão, os estudos co- por outros lingüistas cognitivos que investi- meçaram a enfocar aspectos da lingüística que gam línguas de sinais, demonstra o potencial pudessem trazer contribuições para o desen- de análises adicionais para elucidar o papel volvimento teórico da ciência. A busca pelos da representação na gramática da ASL, dando efeitos da modalidade tornou-se importante, suporte à visão que, embora existam algumas pois o fato de as línguas de sinais se apresen- facetas da gramática da ASL que “submergem” tarem em uma modalidade visual-espacial a iconidade, outras facetas existem onde a ico- poderia trazer contribuições relevantes para a nicidade “emerge”. Uma análise minuciosa ciência lingüística. Percorrendo os 20 anos de da representação usando padrões lingüísticos pesquisas produzidas nesta área, Lillo-Martin cognitivos sugere que componentes adicio- apresenta algumas perspectivas para o desen- nais se revelam nessas representações icônicas: volvimento de investigações no futuro, con- o sujeito (ou o ‘eu’), o ponto de visualização tando com a presença mais efetiva de pesqui- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas (vantage point ou V-POINT) e a progressão sadores surdos. Os estudos comparativos en- 16 temporal. A identificação desses componentes tre as diferentes línguas de sinais, bem como Apresentação as pesquisas tendo como interlocutores os servados em quaisquer crianças nesse perí- pesquisadores de aquisição da linguagem em odo de aquisição. geral, parecem ser passos importantes no fu- Gladis Tang, Scholastica Lam, Feliz Sze, turo para a continuidade das investigações da Prudence Lau e Jafi Lee também trazem um aquisição das línguas de sinais, além, é claro, estudo no campo da aquisição da linguagem de contarmos com crianças adquirindo lín- com crianças surdas adquirindo uma língua guas de sinais. de sinais. No artigo, “Aquisição de concor- Um dos pesquisadores que deu início dância verbal em HKSL: Opcional ou obriga- aos estudos da aquisição da língua de sinais tória?”, os autores apresentam uma análise de é Richard P. Meier, que nos brinda com um uma questão gramatical que tem sido motivo artigo sobre os efeitos da modalidade na de grande debate nos estudos lingüísticos das aquisição da linguagem, um exemplo dos línguas de sinais, a questão da concordância estudos mencionados por Lillo-Martin que, verbal. Considerando as categorias apresen- também, integra Questões Teóricas das Pes- tadas por Lillo-Martin, a pesquisa realizada quisas em Línguas de Sinais (TISLR9). No por estes autores apresenta a característica seu artigo – “Modalidade e Aquisição da de desenvolver uma análise de um aspecto Língua: Estratégias e Restrições na Aprendi- gramatical que poderá elucidar aspectos da zagem dos primeiros sinais” – Meier apre- gramática das línguas de sinais e que podem, senta um estudo realizado com crianças também, representar uma contribuição teó- surdas adquirindo a língua de sinais muito rica para a lingüística. O trabalho apresentado cedo, por volta dos oito meses. As primeiras por estes pesquisadores está baseado em um produções das crianças, embora conside- estudo longitudinal com uma criança surda, radas como os primeiros sinais produzidos adquirindo a língua de sinais de . antes das primeiras palavras faladas produ- Os autores analisaram a produção de verbos zidas pelas crianças adquirindo línguas fala- com concordância verbal, observando que das, são, na verdade, combinações de mãos a aquisição desta categoria gramatical se dá com movimentos paralelos às combinações tardiamente. Os autores verificaram erros de dos primeiros sons produzidos pelas crian- omissão e comissão nesta criança traçando um ças ouvintes expostas a uma língua falada. paralelo com os estudos que verificaram este Nesse sentido, as crianças surdas balbu- mesmo padrão em outras línguas de sinais. ciam por volta dos oito meses e começam Carolina Plaza Pust e Knut Weinmeis- a produzir os primeiros sinais em período ter, em “Aquisição bilíngüe da Língua de Si- análogo àquele das crianças ouvintes. A nais Alemã e do alemão escrito: Ausência de questão da modalidade, especialmente, a sincronia no desenvolvimento e contato com aparente iconicidade de alguns sinais, não a língua”, avançam no campo da Psicolin­ apresenta papel relevante no processo de güística, realizando uma análise da aquisição aquisição da língua de sinais, pois os sinais de crianças surdas na língua de sinais e na es- produzidos pelos bebês surdos apresentam crita da língua falada em seu país, Alemanha. o mesmo padrão arbitrário dos sinais pro- O estudo faz parte de um grande projeto que duzidos pelos adultos. Os erros observados coleta dados do desenvolvimento bilíngüe de Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas na produção dos bebês estão relacionados crianças da escola bilíngüe de Berlim. A inves- com aspectos lingüísticos comumente ob- tigação objetiva analisar a interação gramatical 17 Apresentação

entre as duas línguas envolvidas no processo mento seja processo na língua de sinais gra- de aquisição, bem como os efeitos de modali- maticalmente. dade no desenvolvimento bilíngüe (língua de Entramos no campo da sociolingüística sinais e língua escrita). Na análise apresentada, com o artigo de Ceil Lucas e Robert Bayley Pust e Weinmeister elencaram evidências de – “Variação na língua de sinais americana: o variação inter- e intra-individual no desen- papel da função gramatical” – que analisa- volvimento bilíngüe da DGS e do alemão es- ram a variação de alguns sinais com mais de crito. Ao longo do período analisado, os alu- 200 sinalizantes americanos. Os autores ob- nos surdos apresentam um desenvolvimento servaram que os fatores fonológicos são con- significativo na produção de textos na língua sistentemente menos importantes do que a de sinais e na língua escrita. Esses alunos de- classe gramatical a que pertencem os sinais. A senvolvem a competência bilíngüe na escola, pesquisa realizada em escala significativa evi- onde aprendem a língua escrita alemã, e têm dencia a existência de restrições gramaticais contato com a língua de sinais alemã. que se aplicam à variação na língua de sinais O último texto que envolve o campo de que podem ou não ser comuns às variações já aquisição de linguagem é o de Sarah Taub, identificadas nas línguas faladas. Dennis Galvan, Pilar Piñar e Susan Mather Relativo à variação sociolingüística lexical, – “Gesticulação e aquisição da ASL como se- David McKee, Rachel McKee e George Major gunda língua”. A pesquisa aborda a aquisição – “Variação Sociolingüística em Numerais da da língua de sinais americana como segunda NZSL” – apresentam uma análise das variantes língua por pessoas ouvintes, mais especifica- existentes na forma de apresentação dos núme- mente, as possibilidades de transferência de ros na língua de sinais da Nova Zelândia. Os au- uma língua para outra, tema de pesquisas no tores analisam as variantes sob três aspectos so- campo da aquisição de segunda língua em ge- ciais: a região, a idade e o gênero dos sinalizantes. ral. Por se tratar de uma segunda língua na Os fatores sociais mais marcantes na variação modalidade visual-espacial, os autores apre- dos numerais da língua de sinais da Nova Zelân- sentam a hipótese de haver o aproveitamen- dia foram referentes à idade, seguidos de fatores to do uso de gestos para produção de sinais. regionais e de gênero (variáveis não marcadas). A habilidade gestual existente entre pessoas De modo geral, portanto, os autores observaram falantes está relacionada com a capacidade que as variáveis sociais determinam a variação cognitiva de representar conceitos no es- das formas dos numerais nessa língua. Há uma paço. A pesquisa vai verificar se essa repre- tendência a uma padronização mais consistente sentação mental coincide com a capacidade entre os sinalizantes mais jovens. mental cognitiva de representar os conceitos Rachel Sutton-Spence nos remete à pro- por meio da língua de sinais, especialmente, dução literária na língua de sinais, mais espe- quando a expressão manual-gestual é similar cificamente, na produção poética com o texto (por exemplo, com o uso de dêiticos). Os au- “Imagens da Identidade e Cultura Surda na tores observaram que, embora haja esta apro- Poesia em Línguas de Sinais”. A autora analisa, ximação entre as formas gestuais produzidas por meio da produção poética, elementos que por usuários e aprendizes da língua de sinais, traduzem marcas culturais e identitárias. A po- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas há necessidade do aprendiz reavaliar o uso esia na língua de sinais é uma forma de cultuar 18 em termos lingüísticos para que o conheci- as questões relacionadas com o ser surdo, tor- Apresentação nando-a um instrumento de empoderamento em ambientes de comunicação mediada por da comunidade surda. A autora identifica as computador (CMC): explorações e conside- imagens que se refletem nas poesias, trazendo rações iniciais” – encerra o presente volume. elementos que identificam os surdos, como a Seu trabalho entra no campo da lingüística celebração da língua de sinais, a celebração do aplicada trazendo contribuições para o de- ser surdo, a surdez como perda, a experiência senvolvimento da tecnologia associada ao uso visual dos surdos, a opressão que os surdos da língua de sinais como instrumento de co- sofrem e o lugar dos surdos. Sutton-Spence municação. Mertzani observou em seu estu- analisa estas manifestações traduzidas em dois do que o ensino da língua de sinais utilizando poemas, A escadaria e Cinco sentidos. Esses são a interação síncrona e assíncrona proporcio- apenas dois exemplos da criação de imagens na aos alunos a possibilidade de desenvolver que empoderam os surdos por meio de uma habilidades receptivas, bem como, interativas expressão criativa poética. na língua de sinais. O uso da ferramenta ofe- O trabalho de Brendan Costello, Javier rece a possibilidade do desenvolvimento da Fernández e Alazne Landa – “O sinalizan- interação negociada com feedback presente de te nativo não-(existente): pesquisa em língua forma sistematizada. As correções realizadas de sinais em uma pequena população surda” durante as interações online, normalmente, – concentra a atenção no conceito de usuário focaram o significado e a forma. Neste espaço nativo de uma língua e examina as diferentes de aprendizagem, houve negociações de tur- definições de sinalizante nativo no campo de no constante, instaurando-se o uso efetivo da pesquisa em línguas de sinais. Uma descrição língua de sinais entre os participantes. da população surda sinalizante do país Basco As organizadoras de Questões Teóricas mostrou que a porcentagem de 5% a 10% ti- das Pesquisas em Línguas de Sinais esperam picamente citada para indivíduos surdos nas- que a interface recém-instalada entre os Es- cidos de famílias surdas não se sustenta e, con- tudos Surdos e os Estudos da Tradução es- seqüentemente, existem poucos sinalizantes tará não apenas oportunizando contatos te- que podem ser considerados usuários nativos óricos e práticos entre as duas áreas, como da língua. Em virtude disso, foi desenvolvida também contribuindo para a circulação do uma metodologia de pesquisa que envolve o saber teórico na área de Estudos Surdos, no registro de meta-dados sociolingüísticos para Brasil. Reafirmamos, além disso, a relevân- cada informante, para que se meça até que cia do presente volume na criação de valores ponto um indivíduo pode ou não ser consi- sociais e culturais, o que, no caso específico derado um sinalizante nativo. Uma análise da de Questões Teóricas da Pesquisa em Línguas expressão de trocas de papel revela correlações de Sinais em Pesquisas sobre Línguas de Sinais entre competência nativa e aspectos específi- consolida a presença do ser surdo não apenas cos do uso da língua e sugere que o exame da no contexto social, mas na comunidade cien- produção lingüística de falantes não-nativos tífica brasileira. pode trazer informações importantes sobre os processos da gramaticalização e também sobre Florianópolis, 18 de março de 2008. a estrutura da língua em geral. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Maria Mertzani com seu artigo – “Refle- Ronice Müller de Quadros e xões sobre a língua de sinais e a cultura surda Maria Lúcia Vasconcellos 19 Apresentação

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Arqueologia das Línguas de Sinais: integrando lingüística histórica com pesquisa de campo em lín- guas de sinais jovens1,2

Ted Supalla University of Rochester

1. O Estado Atual da Teoria e da Prática majoritária. Além disso, os itens lexicais das línguas de sinais estrangeiras eram freqüente- A natureza de nosso entendimento das lín- mente importados na medida em que novas guas de sinais de todo o mundo baseia-se em escolas eram instaladas em países em desen- nossa história específica de pesquisa em lín- volvimento. Essa noção de línguas de sinais gua de sinais. A história de 40 anos da pes- “impuras” significou que os pesquisadores de quisa em línguas de sinais modernas inclui lingüística histórica se depararam com o fato tanto as conquistas importantes que fizeram de que processos históricos “naturais” eram avançar nosso conhecimento, quanto as pau- provavelmente ofuscados ou destruídos pelo tas de pesquisa que delimitaram nosso foco imperialismo lingüístico. Entretanto, tal visão e limitaram o nosso conhecimento. Durante nega, equivocadamente, a origem natural do esse período, a gênese e a evolução das línguas contato entre línguas na história mundial da de sinais se constituíram como uma área des- humanidade. O estudo da gênese e evolução considerada em nosso foco de pesquisa. Essa da língua é um “vôo cego”, se tais interações negligência pode ser atribuída à crença que as humanas naturais não forem levadas em con- línguas de sinais em desenvolvimento eram sideração na pesquisa em lingüística históri- freqüentemente “contaminadas” por práticas ca. Pesquisas como a reconstrução da lingüís- pedagógicas opressivas que tentavam moldar a tica comparativa em línguas de sinais não são língua de sinais para se adaptar à língua falada apenas possíveis, mas também valiosas, para

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Elaine Espíndola, Thiago Blanch Pires, Carolina Vidal Ferreira 2 O autor agradece a seus colaboradores pelas importantes contribuições ao trabalho sobre a história da ASL, das línguas de sinais recentes e da Língua Internacional de Sinais, especialmente, aos membros atuais e anteriores do Research Team do Sign Language Research Center: Aaron Brace, Patricia Clark, Merrie Davidson, Markku Joki- nen, Donald Metlay, Doug McKenney, Elissa Newport, Erin Sigmund, Annie Senghas, Marie Coppolla, Wanette Reynolds, Yutaka Osugi e Rebecca Webb. Agradece, ainda, a Betsy Hicks McDonald pela ajuda na escrita e na edição deste artigo. Esta pesquisa foi parcialmente financiada pelo NIH (National Institutes of Health), pela concessão da bolsa DC00167 para Elissa L. Newport e Ted Supalla e dois prêmios da NEH (National Endowment for the Humanities) Fellowship Awards a Ted Supalla. Arqueologia das Línguas de Sináis oferecer suporte aos objetivos da população lidade e do contato geográfico e social é parte surda mundial. Essa pesquisa complexa exi- integrante da pesquisa histórica. Entretanto, ge fontes de documentação multidisciplina- na pesquisa histórica em língua de sinais, os res e interpretação cuidadosa da linguagem e variados padrões de experiências de indivídu- pensamentos da população surda no contex- os surdos lutando para modelar suas vidas na to da comunidade/sociedade surda da época. sociedade ainda permanecem desconhecidos Com o tempo, os especialistas treinados em à comunidade científica. Às vezes, esse fato se língua de sinais para surdos e um crescente deve à noção de que o pensamento social e a conjunto de conhecimento nessa área darão resposta às condições políticas entre a popula- suporte aos esforços direcionados ao plane- ção surda têm se mantido uniformes ao longo jamento pedagógico e lingüístico útil para a do tempo. Dessa forma, a história da interação população surda mundial. entre pessoas surdas e ouvintes é fragmentada, A pesquisa em línguas de sinais moder- sendo presumida ao invés de documentada, nas teve início com o trabalho de William C. embora seja uma força que molda a evolução e Stokoe e seus colegas sobre a validação lingüís­ o crescimento das línguas de sinais. Além dis- tica da Língua de Sinais Americana (ASL). so, a robustez do processo de maturação das Compilando dados lexicográficos, Stokoe e línguas de sinais ainda não foi valorizada em sua equipe identificaram e documentaram sua totalidade, mesmo ao passar por reanálises aspectos de sinais individuais que eram estru- motivadas tanto por esforços intervencionais, turados de maneira similar às línguas faladas. quanto pela própria natureza diversificada da Durante o progresso da pesquisa, o trabalho comunidade surda, na qual apenas 5% são passou de validação para a instigante possibi- membros nativos, considerados ideais para lidade de a modalidade manual/visual ser um transmitir a língua para uma geração seguinte. “campo de testes” para os universais lingüísti- Diante desses fatos, fica claro que a trama da cos: aquelas tendências lingüísticas formais e comunidade surda é tecida pelos laços sociais substantivas contidas na teoria da Gramática entre indivíduos que utilizam uma língua de si- Universal. Muitos acadêmicos contribuíram nais comum. Uma infra-estrutura social como para o modelo lingüístico atual de um pro- essa pode ser afetada pela polarização entre as cesso multinível em camadas de co-articula- forças das línguas de sinais e das línguas fala- ção de auto-segmentos expressados através das competindo entre si. Além disso, tais forças das diferentes partes do corpo do sinalizante não são necessariamente uniformes ao longo e do espaço ao seu redor. Entretanto, em bus- do tempo, crescendo e decrescendo na história ca desse objetivo, observamos que essa pau- da comunidade. Geralmente, os pesquisadores ta passou a determinar as áreas de pesquisa têm deixado de incorporar padrões de inte- e os detalhes dos dados lingüísticos a serem ração entre surdos (ou sua ausência) em suas considerados “interessantes” em uma comu- pesquisas, baseando-se em pressuposições ou nidade. Trabalhar como um “pesquisador chegando a conclusões equivocadas sobre, por em língua de sinais” passou a ter significado de exemplo, a idade da comunidade sinalizante e pesquisar nessa área estritamente definida a capacidade de comunidades surdas alcançar de história e estrutura da língua. uma evolução lingüística completa. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas No campo mais amplo da sociolingüística, Apesar de sua complexidade, a pesquisa em o estudo de comunidades humanas e da mobi- lingüística histórica possui muito a oferecer ao 23 Ted Supalla

estudo da gênese e evolução das línguas de si- das, descobrimos a existência de um “Registro nais. Felizmente, muitas escolas têm em seus Clássico” da ASL, que não mais existe. arquivos registros históricos, revistas e filmes, Pesquisas histórico-literárias revelam tornando possível o traçado da história das co- a função desse registro como oratória clás- munidades sinalizantes e das línguas de sinais. A sica daquela época, praticada por sinali- integração de ferramentas lingüísticas, recursos zantes da elite, que transmitiam a língua de impressos, narrativos e visuais e documentação sinais tradicional do antigo Hartford, do podem resultar em uma análise cientificamen- Connecticut Institute for Deaf Mutes (Ins- te informada da história de uma língua. Essas tituto de Connecticut para Surdos-Mudos). técnicas serão úteis quando aplicadas tanto às Durante pelo menos sete gerações de trans- línguas de sinais estabelecidas regionalmente, missão da ASL, as formas arcaicas que foram quanto às línguas de sinais recém-emergentes originadas nessa escola desapareceram, res- e às línguas de sinais em desenvolvimento. À tando apenas os textos oratórios gravados em medida que observarmos os processos naturais vídeo. As pesquisas revelam, ainda, o motivo atualmente em andamento em línguas jovens, da preservação desse registro por parte da será possível preencher lacunas na história das National Association of the Deaf [Associação línguas de sinais mais antigas. Nacional dos Surdos]. Ao criar um banco de dados completo, consistindo de corpora com- postos de textos e vídeos, inter-referenciados 2. Arqueologia e Lingüística Histórica lexicalmente com outras palestras gravadas e da Língua de Sinais Americana (ASL) dicionários históricos (antigos), nossa pes- quisa forneceu uma rica fonte para investigar A pesquisa interdisciplinar ampla e recente da as formas lingüísticas, as práticas literárias história e evolução da ASL tem contribuído e poliglóssicas e a metalinguagem da época. para remodelar nossa percepção de materiais e À medida que nos familiarizamos com a an- processos históricos. Tendo em mãos as ferra- tiga estrutura da ASL e com sua pedagogia mentas de reconstrução da lingüística históri- por meio desse trabalho, pudemos apontar ca, pudemos revelar processos lingüísticos na- uma lacuna na história da ASL, provocada turais e importantes esforços de planejamento pela Idade das Trevas da pedagogia oral para da língua nas séries de palestras filmadas ar- pessoas surdas. Realizamos comparações lin- quivadas pelo NAD (National Association for güísticas sincrônicas e diacrônicas, ambas the Deaf [Associação Nacional para os Sur- no limite temporal dos filmes e em épocas dos]) da Universidade de Gallaudet (Supalla, subseqüentes e anteriores, e interpretamos a 2001, 2004; Supalla e Clark, no prelo). Esses metalinguagem de várias épocas à luz desse documentários históricos da ASL eram con- novo entendimento. Finalmente, refizemos siderados “impuros” por serem resultantes um elo na corrente da história da ASL consi- da importação da Língua de Sinais Francesa derando a protogramática da ASL como uma (LSF), de intervenções educacionais e do co- forma dinâmica de incorporação do contato nhecimento e práticas bilíngües entre a ASL e com a LSF e a língua de sinais caseira. a língua inglesa. Entretanto, depois de rever os Nosso novo modelo de pesquisa amplia- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas filmes e conduzir pesquisa histórica adicionais do permitiu que expandíssemos o escopo da 24 sobre os indivíduos e as organizações envolvi- investigação e reinterpretássemos a docu- Arqueologia das Línguas de Sináis mentação histórica existente. As descrições especializado para uma categoria gramati- metalingüísticas antigas, da Idade das Trevas, cal específica, como por exemplo, gênero. estavam apenas escondidas e não perdidas. As O aumento das funções gramaticais adicio- pesquisas históricas sobre a metalinguagem nais para gestos específicos em paradigmas da pedagogia demonstram que, no passado, de justaposição dá origem à polissemia, na os educadores consideravam os discursos medida em que um item lexical indepen- naturais como um trampolim educacional dente e uma partícula gramatical emergente para crianças surdas que iam para a escola compartilham uma mesma forma. Portan- utilizando um sistema de sinais caseiro. As to, as formas originalmente independentes línguas de sinais planejadas artificialmente, são convertidas em morfologia pré-deter- como o “sinal metódico”, eram consideradas minada, em uma tendência unidirecional sem importância para essas crianças e eram de mudança gramatical, de maneira muito incorporadas apenas parcialmente em con- semelhante àquela descrita na lingüística textos educacionais. Na escola, o “sinal de- histórica e na mudança gramatical em lín- senvolvido” era um discurso natural padro- guas faladas (Hopper e Traugott, 2003). Isso nizado promovido durante essa época. Um ocorreu quando o posicionamento de itens aspecto importante do “sinal desenvolvido” lexicais com carência de morfologia interna era o uso da sintaxe para expressar conceitos para recursão gerativa foi reanalisado como abstratos. Em inúmeros exemplos, o léxico uma relação gramatical entre uma partícula da língua de sinais foi expandido via “justa- hospedeira e uma secundária. Em ASL, tais posições” padronizadas. processos deram origem a um sistema de gê- De certo modo, podemos considerar nero em termos de parentesco. Nos primór- o sinal caseiro como uma protogramática dios da ASL, as justaposições incorporavam desse “sinal desenvolvido”, com seus gestos gênero nos seguintes termos: seqüenciais atuando como o precursor da justaposição. O laço semântico natural en- FEMININO, LEVANTA-BEBÊ “Mãe” tre os gestos adjacentes e os grupos gestuais MASCULINO, LEVANTA-BEBÊ “Pai” é reforçado pelo contexto do discurso. No MASCULINO, EMBALA-BEBÊ “Filho” discurso da língua de sinais, essas justapo- FEMININO, EMBALA-BEBÊ “Filha” sições funcionavam como um constituinte único. Como uma unidade única, eles eram Os itens lexicais importados da Língua de continuamente usados na mesma ordem e Sinais Francesa forneceram a matéria-prima nos mesmos ambientes, passando por pro- para muitas dessas justaposições. As pesqui- cessos lingüísticos naturais de redução e rea- sas históricas utilizando os filmes das palestras nálise, tais como a composição, um fenôme- da Universidade de Gallaudet nos permitiram no que foi bem descrito na área. Entretan- revelar as formas intermediárias, preenchen- to, no contexto da noção de composição, há do, portanto, uma lacuna na pesquisa em ASL uma outra distinção que tem sido ignorada. entre formas da ASL antiga e da ASL moder- Em alguns casos, esses processos de reestru- na, onde os morfemas MASCULINO e FEMI- turação e reanálise deram origem a paradig- NINO foram reduzidos a meras localizações, Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas mas gramaticais, ativando um processo de como parte de um paradigma de parentesco cliticização, onde um componente se torna sistemático de afixos de gênero. 25 Ted Supalla

Gênero feminino + PROGENITOR “Mãe” tem sido reanalisado como uma partícula Gênero masculino + PROGENITOR “Pai” que significa AGENTE e é hoje um morfema Gênero masculino + DESCENDÊNCIA “Filho” semi-regular de escopo limitado. Na ASL Gênero feminino + DESCENDÊNCIA “Filha” antiga, também a negação, uma forma arcaica do NOT (NÃO), na qual uma ou, até mesmo, Essa gramaticalização procede da justapo- as duas mãos “moviam-se para fora” para ex- sição sintática de palavras de conteúdo à cliti- pressar negação, aparecia na posição final da cização da palavra julgada como “dependente” LC (Verb Phrase [Locução Verbal]), como e, em alguns casos, a um processo produtivo em: WANT NOT (QUERER NÃO) e evo- de afixação. A cliticização refere-se a um fenô- luiu para uma partícula reanalisada, que foi meno onde a partícula de uma palavra que fre- posteriomente incorporada, de maneira res- qüentemente ocorre apenas em combinação tringida, a itens lexicais específicos freqüen- com outra palavra torna-se dependente desse tes (cf. DON’T-WANT) (NÃO QUERO). A paradigma, como o clítico “’m” em “I’m”, na função geral da negação foi substituída pelo língua inglesa. Essa dependência sintática ati- pré-verbal NOT (NÃO). Portanto, em mui- va processos fonológicos diacrônicos, como, tos paradigmas da ASL, observamos o padrão por exemplo, a redução natural de elementos histórico de desenvolvimento exposto abaixo redundantes encontrados na segunda posição (cf. Hopper e Traugott, 2003, para o padrão do constituinte. Em línguas de sinais, esse se- geral, e Supalla e Clark, no prelo, para uma gundo elemento é geralmente reduzido a uma descrição mais detalhada desses exemplos e mera localização, movimento ou característica do processo na ASL). da configuração de mão. Duas propriedades Portanto, a lingüística histórica possibili- de localização contrastantes exemplificam o tou uma abordagem científica para a Arqueo- resultado desse processo, uma localizada na logia da Língua de Sinais. Apesar de a origem área da testa e outra na parte inferior da bo- e a história dos sinais na ASL terem sido ex- checha, aparecendo regularmente no segmen- plicadas através da etimologia folclórica, tais to inicial de um paradigma mais amplo de pa- como a noção de que o sinal para “menina” rentesco sensível ao gênero. Um clítico pode representava o traçado de um cordão de cha- evoluir para um afixo quando se torna um péu ao longo da parte inferior da bochecha, morfema sistemático, produtivamente utiliza- dispomos agora de um conjunto alternativo do em processos flexionais ou para gerar itens de ferramentas e uma explicação alternativa lexicais derivados. para as formas atuais, graças à nossa “esca- Os sistemas de agenciamento e negação vação” da língua de sinais. É evidente, como na ASL também sofreram esse processo. De nas línguas faladas, que os processos em dis- maneira similar ao que ocorreu com as justa- cursos gestuais naturais levam a uma sintaxe posições mais antigas para os termos de pa- restringida e, finalmente, a uma morfologia rentesco, uma busca por formas mais antigas também limitada, o que nos permite obser- de agenciamento e negação revela frases sintá- var tanto os processos produtivos, quanto ticas regulares utilizando o sinal CORPO para os improdutivos ou obscuros remanescentes sinalizar uma pessoa envolvida em uma ativi- dessa evolução, na ASL moderna. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas dade específica, como BIGODE, ROUBAR, Ao mesmo tempo, nossa Arqueologia deve 26 CORPO = LADRÃO. O morfema CORPO reconhecer também a existência de outros ti- Arqueologia das Línguas de Sináis pos de formas pré-determinadas presentes nos 3. O Tema da TISLR9 primórdios da vida da língua e que aparecem em muitas línguas de sinais estudadas até ago- A atual integração entre a pesquisa em lingüís­ ra. Tais formas, comuns ao longo da história tica histórica e os estudos de campo afeta dire- das línguas de sinais, podem não ter surgido tamente o trabalho relevante ao tema de nos- devido aos processos lingüísticos de mudan- sa conferência na TISLR9 – Línguas de Sinais: ça, mas talvez devido à natureza das próprias Tecendo e desfiando o passado, o presente e línguas de sinais. Essas formas incluem os o futuro. Essas pesquisas nos possibilitam re- apontadores espaciais, a direção de movimen- visitar e revisar pressuposições a respeito do to do verbo como marcador de concordância passado já conhecido, que podem estar incor- e o uso de configurações de mão classificado- retas. Além disso, novas ferramentas e novos ras. No artigo “Sign Language Research at the dados surgirão de pesquisas futuras sobre lín- Millenium” (Pesquisa em Língua de Sinais no guas de sinais emergentes. Cada um dos di- Milênio), Newport e Supalla (2000) discu- versos tipos de comunidades e variedades de tem a tendência em direção a essas estruturas línguas de sinais possui um lugar e um papel nas línguas de sinais recentes, língua de sinais natural a realizar na Arqueologia das Línguas pidgins e até em sistemas de sinais caseiros. de Sinais, conforme demonstrado em nossas Recentemente, pesquisei 15 línguas de sinais análises recentes da história da ASL. Pude- que surgiram naturalmente em diferentes mos observar as contribuições para uma lín- partes do mundo. Essa comparação interlin- gua de sinais em evolução a partir de sistemas güística mostra que todas as línguas utilizam isolados de sinais caseiros de surdos, línguas localização e movimento através do espaço de sinais recentes em comunidades novas e de maneira similar, para marcar concordân- de registros de contato interlingüístico. Nesse cia gramatical com o sujeito e o objeto. “Os modelo, a pesquisa pode explorar mais do que pesquisadores também observaram estruturas uma única língua de sinais, como a ASL, no classificadoras em verbos de movimento em entendimento das dinâmicas sociais e lingüís­ muitas línguas de sinais. Supostamente, de- ticas de contato de línguas e na reconstrução vido a essas semelhanças entre línguas de si- das histórias das línguas de sinais e suas pro- nais não relacionadas, falantes de línguas de togramáticas. Os elos ausentes na gênese e sinais mutuamente ininteligíveis são capazes na evolução das línguas de sinais podem ser de desenvolver um pidgin sinalizado (deno- refeitos e as observações sobre a variação ti- minado sinal internacional) que conserva es- pológica e os pressupostos universais sobre as sas estruturas morfológicas e que é, portan- línguas de sinais que sofreram mudanças irão to, surpreendentemente, mais complexo do emergir naturalmente. É possível que esse tipo que os pidgins falados (Supalla e Webb, 1995; de pesquisa venha estabelecer relações entre a Webb e Supalla, 1995)” (Newport e Supalla, pesquisa em língua de sinais e a pesquisa mais 2000, p. 12). Portanto, na pesquisa histórica e ampla sobre gestos humanos, a origem das lín- comparativa, observamos tanto processos de guas e a capacidade lingüística das espécies. Os divergência, quanto processos de convergência atuais e futuros trabalhos cumprem, de forma entre línguas de sinais internacionais e tanto direta, os objetivos do TISLR 9, de “situar o Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas os processos comuns a todas as línguas como desenvolvimento dos estudos em línguas de processos específicos às línguas de sinais. sinais no tempo” e de “estabelecer relações in- 27 Ted Supalla

ternacionais entre pesquisadores em línguas As pesquisas histórico-lingüísticas que de sinais”, assim “criando oportunidades para compreendem a ecologia humana da história análises comparativas”. dos surdos, como por exemplo, os padrões Os participantes da TISLR e a World de interação e o contato interlingüístico, pro- Federation of the Deaf – WFD [Federação metem a realização de um “mapa rodoviário” Mundial de Surdos] têm aspirações maio- para a construção de uma infra-estrutura para res para os surdos e as comunidades surdas a língua de sinais na sociedade. A aplicação da mundiais. A visibilidade e a legitimidade para pesquisa promove credibilidade e visibilidade línguas de sinais nativas são objetivos-chave às línguas de sinais nativas existentes. Além tanto para a TISLR, quanto para a WFD. Em disso, a pesquisa em um paradigma arque- 1990, a WFD apresentou um relatório sobre ológico de bases-amplas fornecerá diretrizes o status das línguas de sinais demonstrando a para o planejamento e monitoramento das insatisfação da maioria dos participantes da línguas de sinais, em todo o mundo. Com o pesquisa em relação ao nível da língua de si- avanço da pesquisa, estaremos mais familia- nais utilizado nas escolas. Em resposta à essa rizados com certos tipos de situações de con- necessidade claramente percebida, a WFD tato, seremos capazes de identificar situações lançou uma lista de prioridades para pro- similares já ocorridas na história mundial das mover as línguas de sinais em todo o mun- línguas de sinais e seremos capazes de jul- do e prosseguiu com a afiliação na união de gar os possíveis efeitos de uma variedade de organizações mundiais que deram origem à línguas “importadas” e as estratégias de pla- “Convention on the Rights of Persons with nejamento lingüístico, a partir de nosso co- Disabilities” [Convenção sobre os Direitos nhecimento do passado. Essa familiaridade das Pessoas com Deficiência]. Essa declara- nos ajudará a responder algumas perguntas e ção é um primeiro passo para a construção de preocupações, tais como aquelas dos surdos e uma infra-estrutura mundial para as línguas de líderes nacionais, listadas abaixo: de sinais. Conforme prosseguimos, encon- • Até que ponto devemos promover o conta- tramos desafios no planejamento do acesso to interlingüístico em comunidades emer- ideal à língua de sinais para as pessoas surdas. gentes? Como fazer com que direitos, como o direito • Qual a forma de apoio mais útil para pro- à língua de sinais e o direito à educação, se- mover a transição natural de sistemas de jam garantidos de maneira a evitar práticas sinais caseiros? opressivas e a respeitar as práticas e capaci- • Quais são as conseqüências de se adotar dades das comunidades nativas? Como pro- uma língua de sinais como superestratum mover as línguas de sinais das comunidades estrangeiro se não existe nem história, nem quando crianças surdas que nascem de pais comunidade para uma comunidade surda ouvintes não podem ter acesso à educação, em desenvolvimento? como ocorre em 80% de países em desenvol- vimento e, quando, mesmo na existência do Tal paradigma científico não apenas acesso, raramente é defendido um papel para apóia e concorda com a pauta da população a língua de sinais? Como devemos tratar os surda mundial, como também amplia o es- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas sistemas de sinais caseiros que encontramos copo da própria pesquisa e da profissão do 28 nessas situações? “especialista em língua de sinais”. O conceito Arqueologia das Línguas de Sináis desse profissional tem sido introduzido em cumentados de mudança em línguas de sinais. escolas em sociedades industrializadas para Entretanto, “o caminho a ser seguido” certa- complementar o trabalho dos patologistas mente está na ampliação da pesquisa, de forma da linguagem e da fala, no campo das ciên- a abranger a diversificada realidade do mundo cias da audição e da fala. Outras carreiras na surdo e seus robustos sistemas de línguas de si- pesquisa em línguas de sinais serão possíveis nais naturais. no interior da “aldeia global surda”. Um es- pecialista em língua de sinais adequadamente treinado poderia aplicar seu conhecimento Referências de pesquisa nas seguintes áreas: • A estrutura e história das línguas de sinais HOPPER, PAUL; CLOSS TRAUGOTT, E. Gram- no mundo. maticalization. Cambridge, Cambridge Univer- • A aquisição da língua de sinais e os efeitos da sity Press, 2003. idade em que a língua de sinais é aprendida. 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Em relação Linguistics, v. 4, 2002. p. 285-297. à avaliação, não conhecemos a ampla gama de SUPALLA, Ted; WEBB, R. The grammar of variação e interação em língua de sinais. Ainda Language: A new look at não possuímos classificações tipológicas para as pidgin languages. In: EMMOREY, K.; REILLY, línguas de sinais. Por fim, conhecemos, apenas, J. (Orgs.), Sign, Gesture and Space. Mahwah, alguns marcos no desenvolvimento da aquisição NJ, 1995. de línguas de sinais nativas. Em nosso “banco” WEBB, R; SUPALLA Ted. Negation in Interna- de recursos para o planejamento de línguas de tional Sign. In: AHLGREN, I.; BERGMAN, B.; sinais, não possuímos dados suficientes sobre BRENNAN, M. (Orgs.), Proceedings of the a gênese e história das línguas de sinais e, tam- Fifth International Symposium on Sign Lan- pouco, possuímos padrões adequadamente do- guage Research. Hamburg, 1995. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

29 Raízes, folhas e ramos – a tipologia de línguas de sinais1

Ulrike Zeshan International Centre for Sign Languages and Deaf Studies University of Central Lancashire, Preston, UK

1. Introdução o campo de tipologia da língua de sinais (as “raízes”, nos termos da metáfora do título), Esta contribuição se propõe a resumir e a as diferentes maneiras de se fazer tipologia de exemplificar resultados importantes que língua de sinais e as metodologias associadas emergiram do estudo comparativo e sistemá- (os “ramos”) e alguns dados fascinantes e seu tico de línguas de sinais ao longo dos últimos significado tipológico e teórico (as “folhas”). anos. O aumento da disponibilidade de dados O restante deste artigo é organizado em de várias línguas de sinais ao redor do mun- quatro partes. A seção 2 apresenta a tipolo- do possibilitou, pela primeira vez na história gia de língua de sinais, concentrando-se nos da pesquisa em língua de sinais, ampliar sufi- objetivos e metodologias da área. As seções 3 cientemente nosso banco interlingüístico de e 4 ilustram os tipos de resultados que emer- dados para realizar estudos tipológicos signi- gem dos estudos interlingüísticos em línguas ficativos entre as línguas de sinais. Esse novo de sinais. Examinamos exemplos dos resulta- campo de estudo é conhecido como tipologia dos de estudos comparativos amplos, assim de língua de sinais. como dados de línguas de sinais utilizadas As seções a seguir examinam a nova sub- em comunidades com surdez hereditária. O disciplina de tipologia de língua de sinais a último tópico leva a uma questão teórica im- partir de uma variedade de perspectivas. Ao portante a respeito da natureza da linguagem invés de ser um relatório sistemático e exaus- humana na modalidade visual-gestual, mos- tivo de todo o campo de estudo, este artigo trando como a ampliação do banco de dados busca fornecer visões ilustrativas a partir de na tipologia de língua de sinais pode conduzir diferentes perspectivas2. Iremos observar, a pontos teoricamente desafiadores. O artigo entre outras, as fontes cuja confluência cria termina com a observação do impacto, para

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Elaine Espíndola, Thiago Blanch Pires, Carolina Vidal Ferreira 2 Zeshan (em preparação) é uma tentativa de resumir, de forma abrangente, o estado atual de conhecimento sobre a tipologia de língua de sinais. Raízes, folhas e ramos – A tipologia de línguas de sinais além da lingüística, que a pesquisa em tipolo- Em relação ao escopo total de sub-dis- gia de língua de sinais tem em comunidades ciplinas lingüísticas na pesquisa em línguas surdas, em todo o mundo. faladas, nenhum campo é mais naturalmente predestinado a ter um grande interesse em línguas de sinais do que o campo da tipolo- 2. Introduzindo a tipologia de língua gia lingüística. De um modo geral, desde seu de sinais surgimento na segunda metade do século 20, a tipologia lingüística tem se preocupado 2.1 As fontes da tipologia de língua de em avaliar as diferenças e semelhanças entre sinais as línguas. O artigo seminal de Greenberg (1963) é freqüentemente citado como um A tipologia de língua de sinais é influenciada por ponto crucial no desenvolvimento da tipo- duas disciplinas base da lingüística que anterior- logia lingüística e, desde então, tem havido mente apresentavam pouco contato entre si. um grande desenvolvimento na área. Ainda Como o próprio nome sugere, essas duas disci- que os tipologistas utilizem uma ampla va- plinas são: a pesquisa em língua de sinais e tipo- riedade de dados lingüísticos para estudar os logia lingüística. A interação entre elas é ilustra- padrões de variação das línguas, incluindo da, de maneira esquematizada, na Figura 1, que muitas línguas “exóticas” de todas as par- demonstra o duplo sentido inerente à tipologia tes do mundo, os dados das línguas de si- de língua de sinais. Por um lado, a tipologia de nais são praticamente ausentes de pesquisa língua de sinais utiliza recursos teóricos e meto- em tipologia lingüística. Muitos tipologistas dológicos da tipologia lingüística, mas amplia a de línguas faladas provavelmente comparti- gama de línguas disponíveis para incluir as lín- lham a impressão explicitada no trabalho de guas de sinais. Por outro lado, a tipologia de lín- Haspelmath (1997:17), em que o autor expli- gua de sinais utiliza os resultados da pesquisa em ca que as línguas de sinais não estão presentes língua de sinais, mas concentra-se na diversidade em seu principal estudo sobre artigos indefi- lingüística no grupo de línguas de sinais, a partir nidos porque “o estudo interlingüístico das de uma perspectiva tipológica. línguas de sinais ainda está em seus primór- dios e minha competência não me permite dizer coisa alguma sobre uma língua indivi- dual de sinais” (nossa tradução)3.

Pesquisa em Tipologia Tipologia O segundo tópico que é crucial à tipologia língua de sinais de língua linguística de sinais lingüística e que está intimamente relaciona- do ao primeiro, como a outra face da mesma moeda, é a busca por universais da linguagem (por exemplo, Comrie 1989, Whaley 1997, Song 2001). O que é que todas as línguas têm Figura 1: As disciplinas base da tipologia de em comum e que, portanto, pode-se consi- língua de sinais derar como sendo a verdadeira natureza da Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 3 “[t]he cross-linguistic study of sign languages is still in its infancy, and my own competence does not allow me to say anything even about an individual sign language.” 31 Ulrike Zeshan

linguagem humana? Além de qualquer outra não relacionadas constitui uma nova tarefa pergunta de pesquisa, torna-se imediatamen- sem precedentes paralelos em lingüística de te evidente que os tipologistas devem estar sinais, mas em vários aspectos similares ao tra- mais interessados no que a pesquisa em lín- balho correspondente na tipologia de língua gua de sinais tem a dizer sobre um tipo total- falada. Esses dois tipos de investigação têm o mente diferente de linguagem visual-gestual objetivo de conduzir a uma teoria de variação que ainda não tenha sido considerado antes. entre línguas de sinais, o que é o objetivo se- Assim como a maioria dos tipologistas que cundário mais importante da tipologia de lín- ignoraram as línguas de sinais, os pesquisado- gua de sinais. Considerar os padrões de dife- res de língua de sinais ainda não levaram em renças e semelhanças entre as línguas de sinais consideração uma perspectiva tipologicamente nos possibilita, também, reavaliar a questão informada em seus dados. Contudo, há muito dos universais da linguagem, tanto para as lín- a se ganhar com essa perspectiva, conforme se guas de sinais quanto para as línguas faladas, torna claro na seção 3, a seguir. De fato, a verda- bem como a questão das diferenças de moda- deira extensão da diversidade lingüística entre lidade entre línguas de sinais, por um lado, e as línguas de sinais só se torna aparente quando línguas faladas, por outro. A figura 2 mostra se aplica uma perspectiva tipológica aos dados um fluxograma de inter-relacionamento dos conhecidos e aos dados recém descobertos e principais objetivos acadêmicos da tipologia esses resultados continuam a surpreender até de língua de sinais. Os objetivos não-acadêmi- mesmo os lingüistas mais experientes. cos da tipologia de língua de sinais estão deta- Apesar da evidente ligação entre tipolo- lhados na seção 5 deste artigo. gia de língua de sinais e suas duas áreas base, Documentação de língua Estudos interlingüísticos não estamos lidando apenas com uma fusão de sinais individuais de língua de sinais dos dois outros campos. Ao invés disso, a ti- pologia de língua de sinais traz consigo todo um conjunto de hipóteses e metodologias. Teoria da variação Tais hipóteses e metodologias são detalhadas entre línguas de nas seções 2.2 e 2.3, respectivamente. sinais Universais da linguagem que não dependem da modalidade Diferenças de modalidades 2.2 Os objetivos e metodologias da entre línguas sinalizadas e tipologia de língua de sinais línguas faladas

A tipologia de língua de sinais possui dois ob- Figura 2: Os objetivos da tipologia de língua jetivos inter-relacionados, ambos associados de sinais a metodologias diferentes. A documentação detalhada de línguas de sinais individuais em todo o mundo se sobrepõe, em linhas gerais, à 2.2.1 Documentação de línguas de sinais pesquisa descritiva correspondente em lingüís­ individuais tica de sinais, porém com um foco um tanto diferenciado. Por outro lado, o estudo inter- Uma vez que apenas uma minoria das línguas Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas lingüístico sistemático de amostras amplas de de sinais existentes no mundo foi documen- tada até agora, estudos individuais de tantas 32 línguas de sinais genética e geograficamente Raízes, folhas e ramos – A tipologia de línguas de sinais línguas de sinais diferentes quanto possível Sul e Central foram escritas em espanhol ou são essenciais para uma tipologia de língua português. de sinais. Sem um banco de dados formado A mais importante contribuição para o por um grande número de línguas de sinais mosaico de dados de língua de sinais consiste geográfica e geneticamente não-relaciona- de línguas de sinais em agrupamentos comu- das, seria impossível um trabalho tipológico nitários (village communities) (ver trapézio significativo. Além disso, o valor de qualquer roxo na Figura 3). Línguas de sinais de agru- generalização feita a partir de uma abrangên- pamentos comunitários (village sign langua- cia limitada de dados, por exemplo, as línguas ge) serão destacadas na seção 3.2 e na seção de sinais, principalmente da Europa Ociden- 4, a seguir. Finalmente, a última imagem na tal e da América do Norte, estaria seriamente Figura 3 contém um triângulo azul marcado comprometido. Portanto, um dos objetivos com um ponto de interrogação. Esse sinal re- da tipologia de língua de sinais deve ser cole- presenta quaisquer outros tipos de línguas de tar informações confiáveis e adequadamente sinais que certamente serão descobertos ao estruturadas em uma vasta gama de línguas longo do percurso. E, o que é mais impor- de sinais. No momento, o estudo da extensão tante, é necessário investigar os vários tipos real da variação possível entre as línguas de de línguas de sinais minoritárias que podem sinais ainda é superficial. estar sendo utilizadas por grupos menores de Até agora, nosso conhecimento sobre as sinalizantes co-existindo simultaneamente línguas de sinais tem se desenvolvido como com línguas de sinais “nacionais”. um mosaico, que é, inicialmente, apenas es- boçado e com muitas áreas vazias, mas está, cada vez mais, nos fornecendo um quadro mais claro da extensão da diversidade das línguas de sinais (ver Figura 3). Nas primei- ras décadas, desde seus primeiros estudos, a pesquisa em línguas de sinais tem sido domi- nada pelas línguas de sinais “ocidentais”, da Europa e da América do Norte (neste caso, quase que unicamente a ASL) e, até certo ponto, isso ainda ocorre. Trabalhos recentes têm documentado línguas de sinais urba- nas em outras partes do mundo, como, por exemplo, na área do Levante Árabe (Hendri- Figura 3: O mosaico dos dados em línguas ks 2004, Hendriks & Zeshan, no prelo). Em de sinais muitas regiões, os resultados das pesquisas não são facilmente acessíveis ao público in- Para os propósitos da tipologia de lín- ternacional devido ao idioma de publicação. gua de sinais, nem todos os tipos de docu- Por exemplo, a maioria das publicações em mentação lingüística são igualmente válidos. Nihon Shuwa (língua de sinais utilizada no O tipo mais importante de documentação é Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Japão) está escrita em japonês e muitas pu- uma gramática de referência. Gramáticas de blicações nas línguas de sinais da América do referência são concisas; entretanto, elas con- 33 Ulrike Zeshan

têm relatos profundos de todas as estruturas entre lingüística tipológica e lingüística aplica- gramaticais encontradas em uma língua e são da será abordada detalhadamente na seção 5. importantes fontes de informação para tipo- logistas de língua falada, que podem se base- ar em centenas de gramáticas de referência, 2.2.2 Estudos interlingüísticos em línguas embora nem todas sejam de igual qualidade. de sinais Entretanto, até o momento atual, a pesquisa em língua de sinais ainda não produziu ne- Enquanto a documentação tipologicamente nhuma gramática de referência de nenhuma informada de línguas de sinais individuais língua de sinais. Dessa forma, os tipologistas busca descrever uma grande variedade de es- de língua de sinais têm de utilizar fontes não truturas dentro de cada língua, estudos inter- tão ideais. lingüísticos investigam um domínio grama- O arcabouço da tipologia de língua de tical específico em uma amostra suficiente- sinais é especialmente propício ao desenvol- mente ampla de línguas de sinais diferentes. vimento de análises descritivas de línguas de As duas correntes de pesquisa são comple- sinais ainda não documentadas, pois ela in- mentares, mas os estudos interlingüísticos corpora uma ampla perspectiva baseada no propõem desafios teóricos e metodológicos conhecimento já existente sobre a diversi- específicos, que serão brevemente discutidos dade tipológica entre as línguas faladas. Por nesta seção. exemplo, pesquisadores de língua de sinais Para se chegar a uma teoria de variação irão não apenas se preocupar em saber como entre línguas de sinais, é necessário fazer ge- o plural é expresso em uma língua de sinais, neralizações entre dados comparativos co- mas também se preocupar com o fato de a letados de uma grande variedade de línguas língua ter ou não uma categoria não-mar- de sinais. É essencial que essas generalizações cada para número, ou se o número verbal e sejam empiricamente embasadas, isto é, ba- nominal é expresso de maneira diferente ou seadas em evidências reais de uma gama de semelhante e como a categoria de número dados primários, ao invés de serem baseadas interage com as outras categorias. Não per- em suposições dedutivas e/ou pressuposi- guntaremos apenas como uma língua de si- ções baseadas em poucas, ou apenas em uma nais expressa posse, mas também se há uma língua de sinais. Os estudos interlingüísticos relação entre possessivos e existenciais e se há em línguas de sinais propõem perguntas de diferença entre posse alienável e inalienável. pesquisa sobre os parâmetros de variação que Questões tipologicamente informadas dessa podem ser observados nas línguas de sinais, natureza precisam ser respondidas em rela- sobre o grau de variação exibido e sobre os ção a um grande número de línguas de sinais, padrões de variação. Essas são tarefas inter-re- antes que trabalhos mais amplos possam ser lacionadas, porém distintas. Por exemplo, no realizados em tipologia de língua de sinais. domínio das perguntas, os parâmetros de va- Ao mesmo tempo, esse tipo de informação riação para a investigação incluem expressões descritiva é um insumo muito útil para as di- faciais que marcam perguntas, o uso de partí- mensões aplicadas da lingüística de língua de culas interrogatórias, o conjunto de palavras Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas sinais, tal como o desenvolvimento de mate- interrogativas em cada língua, o uso prag- 34 riais educativos de língua de sinais. A relação mático de perguntas, etc. Em cada parâme- Raízes, folhas e ramos – A tipologia de línguas de sinais tro, as línguas de sinais em uma amostragem da tipologia de línguas faladas. Inventários de exibirão um grau de variação e essas podem padrões, como por exemplo, um número li- ser comparadas entre si. Por exemplo, o grau mitado de tipos de construção utilizados para de variação relacionado a expressões faciais é expressar posse (como em Heine 1997), tam- bem pequeno entre as línguas de sinais por- bém podem ser aplicados às línguas de sinais. que há muita sobreposição de expressões uti- Entretanto, em outras áreas, é interessante lizadas em muitas línguas de sinais. Por outro observar que as línguas de sinais se compor- lado, os paradigmas de palavras interrogati- tam diferentemente das línguas faladas, por vas (isto é, conjuntos específicos de palavras exemplo, com relação a alguns aspectos do interrogativas para as quais existem itens domínio da negação (ver seção 3.1.1). lexicais distintos) demonstram um enorme Estudos interlingüísticos abrangentes en- grau de variação entre as diferentes línguas de tre línguas de sinais apresentam problemas sinais. Além disso, algumas palavras interro- teóricos e metodológicos específicos, alguns gativas, ou combinações dessas palavras são dos quais são comuns à tipologia de línguas encontradas com mais freqüência do que ou- faladas. Um ponto crítico, por exemplo, é tras, havendo evidências de inter-relaciona- a confiabilidade dos dados. Sem dúvida, já mento de palavras interrogativas e artigos in- que é impossível a um pesquisador ter o co- definidos (Zeshan 2004b, 2006). Tais padrões nhecimento de dezenas de línguas de sinais de diferenças em variabilidade, freqüência de diferentes, como saber se a informação que ocorrência, inter-relacionamento de domí- está sendo coletada está correta? Não há uma nios gramaticais, etc. devem ser levados em resposta simples para isso e o problema de conta em um arcabouço teórico de tipologia confiabilidade de dados é inerente à pesquisa de língua de sinais. Na medida em que a pes- tipológica em qualquer uma das duas moda- quisa em tipologia de língua de sinais progri- lidades de língua. Entretanto, os projetos em de, poderemos mapear a diversidade estrutu- tipologia de línguas de sinais estão, de certo ral das línguas de sinais, de forma cada vez modo, em uma situação diferente, pois é ne- mais detalhada. cessário gerar realmente uma grande parte Para a tipologia de língua de sinais, é im- dos dados, ao longo do próprio projeto de portante investigar explicações funcionais tipologia de língua de sinais. Isso se deve ao para as diferenças e semelhanças entre as fato de que há pouca informação publicada línguas de sinais. Geralmente, os resultados que seja facilmente acessível, mostrando que prévios da tipologia de línguas faladas podem os tipologistas de línguas de sinais têm mais ser úteis aqui. Por exemplo, a estreita relação chance de tomar medidas diretas para me- entre palavras interrogativos e artigos inde- lhorar a confiabilidade dos dados4. Por outro finidos ou entre posse e existência tem sido lado, a coleta de dados interlingüísticos tam- encontrada tanto em línguas faladas, quan- bém apresenta seus próprios desafios. Um to em línguas de sinais e as explicações para exemplo de como isso pode ser feito é discu- esses padrões foram sugeridas pela literatura tido na seção 3.1.2. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 4 Os tipos de medida a serem adotados não podem ser discutidos em detalhe aqui, mas consulte Zeshan (em preparação) para uma elaboração mais profunda desse assunto. 35 Ulrike Zeshan

Finalmente, os estudos interlingüísticos 3. Estudos de caso em tipologia de precisam lidar com a questão da amostra- línguas de sinais gem, isto é, a escolha das línguas a serem representadas em um estudo interlingüís- Os resultados do primeiro estudo amplo e tico. Pesquisadores em tipologia de línguas comparativo em tipologia de língua de sinais faladas trabalham com amostras de línguas foram publicados por Zeshan (2004a, 2004b, para as quais a informação sobre o domínio 2005 e 2006). Esse estudo concentra-se nas em questão está disponível. Essas amostras construções interrogativas e negativas (dura- têm de ser regionalmente equilibradas (isto ção do projeto 2000-2004) e foi seguido por é, não incluir muitas línguas de uma mesma um segundo estudo mais abrangente sobre região geográfica) e geneticamente equili- construções possessivas e existenciais (2005 bradas (isto é, não incluir muitas línguas de ainda em andamento; ver Perniss e Zeshan, uma mesma família lingüística). Entretanto, no prelo). Além de projetos de grande dimen- para as línguas de sinais, neste momento, são, pesquisas interlingüísticas de menor di- isso é muito difícil de ser feito, pois pou- mensão sobre conjuntos de línguas de sinais quíssimos dados estão disponíveis. Além de vários tamanhos têm sido conduzidas atu- disso, sabemos muito pouco sobre como as almente, incluindo o trabalho de McBurney línguas de sinais estão historicamente rela- (2002) sobre pronomes pessoais, Eccarius e cionadas, ou seja, a qual família lingüística Brentari (2007) sobre construções classifica- as línguas de sinais conhecidas pertencem, doras e Schwager & Zeshan (no prelo) sobre mesmo para se considerar apenas a questão sistemas de classes de palavra. de uma amostragem geneticamente equili- Nesta seção, apresento uma ilustração brada. Atualmente, não há solução teórica das metodologias e dos resultados que os pro- satisfatória para esse problema, portanto jetos em tipologia de línguas de sinais produ- devemos trabalhar com base nas conside- ziram. Uma visão mais abrangente pode ser rações práticas e tentar, apenas, incluir o encontrada em Zeshan (em preparação). Ao máximo de informação do maior número invés de tentar resumir todos os vários tópi- possível de línguas de sinais em nossos da- cos investigados, irei me concentrar em al- dos, a fim de cobrir uma área razoável. Por guns pontos de interesse e mostrar como eles exemplo, Zeshan (2004a, 2004b, 2005) utili- são relevantes para as idéias teóricas esboça- zou informações de 37 línguas de sinais dis- das nas sessões anteriores. A seção 3.1 trata tintas. Nada a ser feito, no momento atual, da negação não-manual entre as línguas de contra a tendência geográfica e/ou genética sinais, ao passo que a seção 3.2 se concentra nesse tipo de amostragem, exceto estar sem- nos padrões de posse predicativa. pre consciente dessa questão e, conseqüen- temente, formular cuidadosamente nossas generalizações. 3.1 Negação não-manual Na próxima sessão, apresento alguns exemplos de estudos interlingüísticos re- O projeto interlingüístico sobre interrogati- centes para ilustrar os tipos de resultados e vas e negativas mencionado acima incorpo- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas metodologias que tipicamente encontramos ra dados de 37 línguas de sinais diferentes, 36 nesses projetos. embora algumas sejam representadas mar- Raízes, folhas e ramos – A tipologia de línguas de sinais ginalmente devido à mínima quantidade cia similar. Há muitos critérios que podem de dados. Os dados são baseados em fontes ser utilizados para determinar se um sistema variadas, sendo que a principal parte pro- de negação apresenta proeminência manual vém de respostas dadas a um questionário ou não-manual (ver Zeshan 2004a para uma tipológico distribuído aos co-pesquisado- discussão detalhada). Os exemplos (1), (2) res espalhados pelo mundo (Zeshan 2006). e (3) abaixo, de línguas de sinais na Alema- Além dessas fontes, dados primários de pes- nha, Turquia e Índia, ilustram alguns desses quisa de campo coletados por mim e dados critérios, concentrando-se na questão de qual provenientes de fontes publicadas também parte da negação – manual ou não-manual contribuíram para a formação do banco de – é obrigatória e qual é opcional5. dados geral, sendo compilados para análise e arquivados no sistema Microsoft Access. Alemanha (Deutsche Gebärdensprache, Esse estudo produziu muitos insights fas- DGS, Língua de Sinais Alemã): cinantes, dos quais temos apenas idéias su- (1a) neg perficiais aqui. Um dos padrões mais interes- ICH VERSTEH santes emergiu de estudo da marcação não- IX1 UNDERSTAND manual de orações negativas entre línguas de sinais. Resumidamente, um movimento (1b) neg de cabeça para os lados em orações negativas ICH VERSTEH NICHT ocorre em todas as línguas de sinais para as IX1 UNDERSTAND NOT quais dados sobre esse tópico estavam dispo- níveis. Entretanto, o status gramatical desse (1c) * ICH VERSTEH NICHT movimento da cabeça negativo e as limita- IX1 UNDERSTAND NOT ções de uso são bem diferentes em línguas de “Eu não entendo”. sinais distintas. A principal diferença tipologicamente Turquia (Türk İşaret Dili, TID, Língua de relevante se relaciona à relativa proeminência Sinais Turca): da negação manual e não-manual nos siste- mas gramaticais das línguas de sinais. Todas (2a) neg-inclinar a cabeça as línguas de sinais nos dados coletados uti- BEN ANLAMAK DEGIL lizam tanto sinais negativos produzidos com IX1 UNDERSTAND NOT as mãos, quanto marcações não-manuais de orações negativas, principalmente na forma (2b) * neg-inclinar a cabeça de movimentos de cabeça, tais como o mo- BEN ANLAMAK vimento de cabeça para a esquerda e para a IX1 UNDERSTAND direita. Logicamente, então, ou a negação “Eu não entendo”. manual ou a não-manual poderia ser mais importante para marcar a oração negativa, Índia (Língua de Sinais Indo-Paquista- ou ambas poderiam apresentar proeminên- nesa, IPSL): Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

5 Para uma explicação sobre as convenções de transcrição, ver anexo ao final deste artigo. 37 Ulrike Zeshan

(3a) neg Um sinal manual negativo deve estar presen- IX1 UNDERSTAND NOT te na frase. Já que a negação manual é obriga- tória em TID, pode-se, então, considerá-la o (3b) neg sistema de negação manual dominante. Rela- IX1 UNDERSTAND tivamente poucas línguas de sinais nos dados coletados são desse tipo e estão todas fora da (3c) IX1 UNDERSTAND NOT Europa e da América do Norte, o que ilustra “Eu não entendo”. a importância de se ter uma grande variedade de dados disponíveis para um estudo tipoló- Em cada grupo de exemplos, a primeira gico. Além da TID, encontrou-se um sistema sentença (1a, 2a e 3a) é uma maneira comum de negação manual dominante em línguas de e gramatical de se dizer ‘Eu não entendo’. Na sinais do Japão, China e em um agrupamento Língua de Sinais Alemã (DGS), isso envolve comunitário em Bali. apenas a negação não-manual, não havendo Por fim, os dados da IPSL contrastam necessidade de um sinal manual negativo. En- com os dados da DGS e com os da TID, no quanto a negação manual e não-manual pode sentido de que nenhum dos exemplos em ocorrer simultaneamente na DGS (exemplo IPSL é gramaticalmente incorreto (marca- 1b), não é gramaticalmente correto omitir o dos com um asterisco*). Em IPSL, as orações movimento da cabeça para os lados. Junta- podem ser negadas tanto de maneira manu- mente com outras evidências que não analisa- al, como também não-manual, embora seja mos aqui, isso nos permite concluir que a DGS mais comum a utilização de ambas as for- tem um sistema de negação não-manual do- mas, como em (3a). Essa e outras evidências minante, em que o movimento da cabeça de sugerem que nem a negação manual nem a negação é obrigatório. Nos dados utilizados não-manual são dominantes em IPSL; por- para o estudo comparativo, esse tipo de siste- tanto, podemos falar de um sistema de ne- ma era mais comum entre as línguas de sinais, gação equilibrado. Uma possibilidade que incluindo todas as línguas de sinais ocidentais, vale a pena explorar no futuro seria a de que sendo o melhor descrito na literatura. sistemas equilibrados desse tipo estão em um Um tipo de sistema menos conhecido é estágio menos avançado de gramaticalização, exemplificado nos dados da TID em (2). A onde, de certo modo, o sistema ainda não forma usual de expressar a mesma sentença “decidiu” qual caminho seguirá. envolve tanto negação manual quanto não- A categorização das línguas de sinais em manual (2a)6. Ao contrário da DGS, na Língua sistemas de negação manual dominante e de Sinais Turca (TID) não é possível negar essa não-manual dominante, conforme ilustrada sentença usando-se apenas um movimento da nos exemplos acima, é um bom exemplo dos cabeça negativo, sendo essa a razão pela qual o tipos de generalizações que é possível fazer exemplo (2b) não é gramaticalmente correto. em tipologia de língua de sinais, com base em

6 A negação não-manual aqui é um movimento de cabeça para trás acompanhado das sobrancelhas erguidas, o Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas que é uma característica regional de algumas línguas de sinais do Leste do Mediterrâneo. A TID também utiliza um movimento de cabeça de lado para o outro além do movimento negativo para trás, mas isso não é diretamen- 38 te relevante para nossa presente discussão. Raízes, folhas e ramos – A tipologia de línguas de sinais uma investigação cuidadosa de dados empí- gravadas em vídeo. Os jogos são destinados ricos. As línguas de sinais podem se encaixar a elicitar construções possessivas e existen- em um dos três tipos, podendo-se determinar ciais, por exemplo, utilizando-se a imagem a freqüência relativa de cada tipo, resultando de uma árvore genealógica em uma ativida- em um padrão que consiste de vários outros de de jogo direcionada aos termos de paren- padrões possíveis, o que, ao longo do tempo, tesco relacionados à posse. Com base nos jo- contribuirá para uma teoria de variação tipo- gos gravados em vídeo, os co-pesquisadores lógica entre as línguas de sinais. extraem exemplos relevantes e respondem questões de um questionário tipológico que cobre vários sub-parâmetros desse domínio. 3.2 Posse predicativa A compilação desses dados leva a generali- zações indutivas, como a do tipo discutido Os dados desta seção provêm de um estudo abaixo. Assim, esses resultados podem ser, sobre as construções possessivas e existen- posteriormente, comparados com as línguas ciais em línguas de sinais. Conforme será es- faladas e, por fim, esses resultados podem clarecido abaixo, essas duas noções estão inti- re-alimentar as considerações teóricas com mamente relacionadas, por isso constituindo as quais iniciamos nosso estudo (lado direi- um mesmo campo de investigação. Este estu- to da Figura 4). do também foi realizado por co-pesquisado- res de vários países, mas a metodologia para o presente projeto é mais sofisticada do que aquela do primeiro projeto. A Figura 4 repre- senta esquematicamente o ciclo de pesquisa deste projeto. Um projeto de tipologia de língua de si- nais começa geralmente com a identificação dos parâmetros de variação tipológica dentro de um domínio alvo, nesse caso dentro do domínio da posse e existência (canto supe- rior esquerdo da Figura 4). A coleta de dados Figura 4: Desenho da pesquisa para o projeto é baseada nessas considerações teóricas e, no interlingüístico em posse e existência caso deste projeto, envolve um questionário tipológico a ser respondido pelos co-pesqui- Um dos sub-domínios desse projeto é sadores e técnicas especializadas de elicitação, a posse predicativa, isto é, maneiras de ex- utilizadas de modo padronizado por todos os pressar sentenças como ‘Eu tenho um car- participantes do projeto (canto inferior es- ro’, ‘Quantos filhos você tem?’, etc., com querdo). a posse em uma frase completa, ao invés Os materiais de elicitação consistem em de apenas em um sintagma nominal (NP) várias atividades de jogos com conteúdo vi- (‘meu cartão de crédito’, etc.). Na litera- sual, por exemplo, figuras, em que dois/duas tura tipológica sobre as línguas faladas, a Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas ou três sinalizantes devem interagir e as posse é uma área bem documentada (por conversações resultantes das interações são exemplo, Heine 2006, Baron, Herslund & 39 Ulrike Zeshan

Sorensen 2001, Payne 1999). Um número limitado de padrões para posse predicativa foi identificado nessa literatura e essa tipo- logia também pode ser aplicada às línguas de sinais com algumas modificações devido à natureza dos dados em língua de sinais. Exemplifico os diversos tipos nos exemplos abaixo:

MIM CARRO (ME) (CAR) a) De “pegar, agarrar” para posse

Nesse tipo, um sinal cujo significado original tem algo a ver com “pegar” ou “agarrar” é utilizado para expressar posse. A Língua de Sinais Sul-Coreana possui tal sinal glosado como TER EM MÃOS (HAVE-IN HAND) (juntamente com outro sinal glosado TER/ EXISTIR (HAVE/EXIST), ver abaixo). Os exemplos (4a) e (4b) mostram que TER-EM- MÃOS pode co-ocorrer tanto com um sinal TER-EM-MÃOS TER existencial positivo, quanto um negativo. (HAVE-IN-HAND) (HAVE) Curiosamente, entretanto, o padrão TER- Figura 5: Língua de Sinais Sul-Coreana EM-MÃOS não pode ser usado para certas ‘Eu tenho um carro’. noções abstratas como “ter tempo” (exemplo 4c). Para tais itens, o padrão existencial com Os dados comprovam o tipo de constru- o sinal TER/EXISTIR deve ser usado, o qual ção possessiva “pegar, agarrar”; portanto, essa possui uma distribuição mais ampla e geral é, definitivamente, uma estratégia disponível do que TER-EM-MÃOS. A Figura 5 mostra para as línguas de sinais. Entretanto, trata-se um exemplo de frase que utiliza os sinais pos- de um tipo de menor importância e muito sessivos/existenciais. menos freqüente que o padrão existencial, Coréia do Sul (Língua de Sinais Sul-Co- discutido a seguir. reana): (4a) TRABALHAR TER-EM-MÃOS TER/EXIS- TIR (WORK HAVE-IN-HAND HAVE/EXIST) b) Da existência à posse ‘ter trabalho’ (‘have work’) (4b) TRABALHAR TER-EM-MÃOS NÃO-EXIS- A maioria das línguas de sinais presente nos TIR (WORK HAVE-IN-HAND NOT-EXIST) ‘não ter trabalho’ (‘not have work’) dados utiliza-se de uma partícula que expres- (4c) *TEMPO TER-EM-MÃOS TER/EXISTIR sa tanto existência quanto posse (partícula Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas (*TIME HAVE-IN-HAND HAVE/EXIST) existencial). Por exemplo, tais partículas são 40 ‘ter tempo’ (‘have time’) utilizadas nas línguas de sinais da Índia/Pa- Raízes, folhas e ramos – A tipologia de línguas de sinais quistão, Turquia, Rússia, EUA, Reino Unido, Catalunha, Alemanha, Jordânia, Irã e China. Além disso, é muito comum que as partículas existenciais positivas e negativas sejam su- plementares, isto é, que tenham duas formas completamente diferentes e não relacionadas entre si. A Figura 6 mostra as partículas exis- tenciais positivas e negativas em Türk İşaret Dili (Língua de Sinais Turca – TID). Os pa- drões em (a) e (b) foram descritos para as lín- Figura 7: DGS (Alemanha): TER/EXISTIR em guas faladas por Heine (2006). espaço neutro (‘há’, ‘alguém tem’ (‘there is, someone has’); figura da esquerda) e com referência à primeira pessoa (‘Eu tenho’ (‘I have’); figura da direita)

c) De quantificador/modificador predica- tivo à posse

Um outro padrão muito comum encontra- do em muitas línguas de sinais é a constru- ção “quantificador predicativo /modificador” (Hengeveld 1992). Nesse padrão, quando novas informações sobre o item possuído são fornecidas como, por exemplo, sua quantida- de ou algum tipo de informação adjetiva, não há partícula que expresse a relação possessiva. Então, diz-se algo como: ‘Eu, os filhos são três’ (‘I, the children are three’), ‘Meus filhos são três’ (‘My children are three’), (exemplo 5).

Índia (Língua de Sinais Indo-Paquista- Figura 6: EXISTIR/TER e NÃO-EXISTIR/NÃO-TER nesa, IPSL): em Türk İşaret Dili (Turquia) (5a) IX1 FILHOS-pl EXISTEM (CHILD-pl EXIST) ‘Eu tenho filhos’ (‘I have children’). Em alguns casos, a partícula existencial/ (5b) IX1 FILHO-pl TRÊS (CHILD-pl THREE) possessiva pode ser flexionada no espaço, ‘Eu tenho três filhos’ (‘I have three children’.) isto é, o sinal muda sua forma de acordo (lit. ‘Meus filhos são três’/‘My children are three’). com o possuidor ou de acordo com o item (5c) s/n possuído. Exemplos desse tipo são encon- IX2 FILHO-pl EXISTEM? (CHILD-pl EXIST?) trados, por exemplo, em línguas de sinais ‘Você tem filhos?’ (‘Do you have children?’) na Coréia do Sul, China, Brasil e Alemanha em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas (5d) qu (ver Figura 7). IX2 CHILD-pl NUMBER WH 41 Ulrike Zeshan

‘How many children do you have?’ (IX2 FILHO-pl carro, etc. Esse sinal não pode ser usado em NÚMERO colocações com itens como uma caneta, uma “Quantos filhos você tem?) (lit. ‘Quantos são seus moeda ou um animal de estimação (exceto filhos?’/‘How many are your children?’) se, por exemplo, alguém possui uma loja de animais de estimação, onde os animais têm Vários outros padrões menos importan- extrema importância). Além disso, o uso do tes foram encontrados nos dados comparati- POSS é geralmente restrito a seres inanima- vos de língua de sinais (cf. Perniss & Zeshan, dos (e às vezes para animais) e não pode ser no prelo), sendo o principal interesse voltado usado para termos de parentesco (como pos- às estruturas de línguas de sinais de vilas; po- suir filhos), com itens abstratos (por exem- rém, não é possível discutir detalhadamente plo, possuir tempo) ou com termos para do- essa questão neste trabalho. enças e partes do corpo.

d) A semântica da posse

No domínio da posse, há muitos outros pontos de interesse, por exemplo, as vá- rias restrições na forma de expressar as di- ferentes categorias de posse. Por exemplo, relações de parentesco (‘meus pais’, ‘meus irmãos’, etc.) geralmente são expressas de maneira diferente da posse de objetos. As partes do corpo (‘minha cabeça’), doenças CARRO ESPOSO/A (‘tenho dor de cabeça’) e relação parte-todo (CAR) (SPOUSE) (‘telhado da casa’) geralmente utilizam pa- drões diferentes. Uma investigação mais detalhada dos dados também revela distinções semânticas sutis no domínio da posse, comparáveis ao nível de complexidade encontrado no domí- nio da posse em línguas faladas. A Figura 8 mostra o exemplo da Língua de Sinais Tur- ca, onde o último sinal da frase é um outro possessivo, além da partícula existencial na Figura 6. NÓS-DOIS POSSUÍMOS O sinal glosado POSS na Figura 8 é mui- (BOTH-OF-US) (POSS) to mais restrito quanto a seu uso do que o Figura 8: Língua de Sinais Turca ‘O carro sinal possessivo/existencial mais generaliza- pertence a mim e à minha esposa’. do TER/EXISTIR. POSS somente é utilizado Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas quando o item possuído é algo grande ou de Resumidamente, a investigação interlingüís­ 42 extrema importância como uma casa, um tica de posse e existência em línguas de sinais Raízes, folhas e ramos – A tipologia de línguas de sinais demonstra que os resultados da tipologia de as línguas de sinais analisadas na seção 3. Em língua faladas podem ser proveitosamente apli- oposição a essas línguas de sinais, há também cados às línguas de sinais, com algumas modi- as línguas de sinais utilizadas em agrupamen- ficações específicas à modalidade, tais como fle- tos comunitários com alto índice de surdez xões espaciais em possessivos. Mais uma vez, o hereditária, em que a situação sociolingüísti- projeto demonstra como os dados de língua de ca é radicalmente diferente. sinais podem ser agrupados em padrões tipo- O uso de línguas de sinais em agrupa- lógicos com valor explanatório. Além disso, a mentos comunitários tem sido identificado noção de uma perspectiva tipologicamente in- em muitas partes do mundo, por exemplo, a formada em língua de sinais, conforme discuti- vila Yucatec Mayan, no México, a vila Ada- do na seção 2.2.1, é claramente evidenciada nas morobe, em Gana, Providence Island, no Ca- distinções sutis e nos padrões lingüisticamente ribe, a tribo Urubu-Kaapor, na Amazônia, a ricos, como aqueles discutidos neste artigo. vila Ban Khor, no norte da Tailândia, a vila na região de St. Elizabeth na Jamaica, a tribo Al-Sayyid Bedouin em Israel (cf. Marsaja, no 4. Línguas de sinais em agrupamentos prelo, para informações mais detalhadas so- comunitários bre essas comunidades). As línguas de sinais de vilas mais comuns Conforme mencionado na seção 2.2.1, é de possuem características semelhantes. Nelas, a extrema importância para a tipologia de lín- surdez hereditária ocorre ao longo de mui- gua de sinais coletar dados das mais diver- tas gerações e, portanto, uma língua de sinais sas línguas de sinais. Ao mapear o território local se desenvolve na comunidade, mas ge- de diferentes línguas de sinais, é importante ralmente há ausência de contato, ou contato considerar os parâmetros sociolingüísticos muito limitado com pessoas surdas de fora dos variados contextos onde existem comu- da vila. As pessoas surdas estão integradas nidades que utilizam línguas de sinais. Tais na vida cotidiana de maioria ouvinte e não parâmetros incluem, entre outros: enfrentam barreiras de comunicação, pois - idade da língua de sinais a maioria das pessoas ouvintes no agrupa- - tamanho da comunidade usuária mento comunitário é relativamente fluente - situação de contato com outras línguas (fa- na língua de sinais local. Portanto, os mem- ladas/escritas/sinalizadas) bros surdos da vila geralmente não formam - grau de ameaça de extinção uma sub-cultura e não possuem identidade - número relativo de usuários de língua ma- de “surdo”, como é o caso das comunidades terna (L1) versus usuários de segunda lín- surdas urbanas. Devido ao maior número de gua (L2) sinalizantes ouvintes na “vila surda”, a maioria dos usuários utilizam a língua de sinais como Esta seção analisa o tipo de língua de si- L2, apenas os indivíduos surdos sendo usuários nais que difere radicalmente da situação mais monolíngües da língua de sinais da vila como conhecida das grandes comunidades surdas L1. A língua de sinais da vila, nesses tipos de urbanas que são usuárias das línguas de si- contextos, geralmente é antiga e possui uma Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas nais de minoria e são membros de um grupo comunidade estável que a utiliza e é, portanto, cultural minoritário, como é o caso de todas uma língua completamente desenvolvida. 43 Ulrike Zeshan

A pesquisa lingüística dessas línguas de sos mitos sobre sua origem. Diferentemente sinais, antes conhecidas apenas de uma pers- de outras línguas de sinais de vilas, que estão pectiva sócio-cultural, começou apenas re- ameaçadas de extinção pelas línguas de sinais centemente. Entretanto, já podemos obser- urbanas maiores em seus respectivos países, var claramente que essas línguas apresentam a Kata Kolok não corre perigo, embora essa estruturas que diferem radicalmente do que situação possa mudar a qualquer momento. é encontrado nas línguas de sinais urbanas. A extensiva coleta e transcrição de dados Um exemplo é o uso específico do espaço de de textos em Kata Kolok revelaram que o uso sinalização e dos aspectos espaciais da gramá- do espaço de sinalização difere radicalmente tica da língua de sinais. do que é conhecido sobre outras línguas de sinais. Na realidade, muitas das característi- cas estruturais consideradas universais entre 4.1 O uso do espaço de sinalização em todas as línguas de sinais se relacionam ao uso Kata Kolok, Bali do espaço de sinalização, como, por exemplo, a concordância verbal espacial. Portanto, é de A partir de 2004, nosso Grupo de Pesquisa em suma importância encontrar evidências de Tipologia de Língua de Sinais (Sign Langua- diferenças entre línguas de sinais nesse do- ge Typology Research Group) no Max Plan- mínio. Nesta seção, apenas um breve resumo ck Instituto de Psicolingüística (Max Planck dos resultados iniciais pode ser apresentado. Institute for Psycholinguistics) e, subseqüen- Publicações futuras deverão explicar cada fe- temente, na University of Central Lancashire nômeno e justificar a análise, em cada caso (Universidade do Centro de Lancashire), tem (cf. Zeshan, em preparação). expandido seu foco de pesquisa de forma a Na língua de sinais Kata Kolok, o espaço abranger a documentação lingüística das lín- de sinalização é muito maior do que os espa- guas de sinais de vilas. Uma das línguas de ços utilizados nas línguas de sinais de comu- sinais investigada nesse subprojeto é a Kata nidades surdas urbanas e geralmente tende a Kolok (literalmente “linguagem surda”), incluir movimentos com os braços totalmen- utilizada em um agrupamento comunitário te estendidos, movimentos do corpo inteiro no norte de Bali. Kata Kolok é a primeira (e (por exemplo, virar-se, inclinar-se para bai- única) língua das pessoas surdas na vila. Essa xo) e “representação” de movimentos (por língua também é, em maior ou menor pro- exemplo, “caminhar”). Como em outras lín- porção, utilizada como segunda língua pela guas de sinais, os sinalizantes de Kata Kolok maioria das pessoas ouvintes. A Kata Kolok podem criar disposições espaciais complexas, não é relacionada a nenhuma língua de sinais incluindo construções de duas mãos. O es- conhecida. Embora a Kata Kolok esteja em paço de sinalização é freqüentemente usado contato com línguas faladas, parece não ha- para expressar o movimento e a localização ver influência significativa de línguas faladas de referentes e as relações espaciais entre os em sua estrutura. Entretanto, há evidências referentes. Entretanto, a escolha de locais de influência significativa dos gestos locais na para estabelecer referentes em Kata Kolok é Kata Kolok, como era de se esperar. Acredi- bem peculiar, pois a língua utiliza referência Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas ta-se que a língua de sinais existe na vila há espacial absoluta. O que se torna especial- 44 vários séculos e a comunidade possui diver- mente evidente no caso do dedo indicador Raízes, folhas e ramos – A tipologia de línguas de sinais apontando. A referência espacial absoluta sig- referentes a dois touros, um que é bom para nifica que ao invés de selecionar locais arbitrários procriar e outro que não é tão bom. Em uma no espaço para estabelecer referência, por exem- língua de sinais urbana, como as Línguas de plo, à direita ou à esquerda do sinalizante, a loca- Sinais Indiana, Alemã, Japonesa ou America- lização dos referentes no mundo real determina na, os dois touros provavelmente seriam loca- para onde o sinalizante irá apontar. Para que isso lizados pelo sinalizante à direita e à esquerda, funcione, os sinalizantes precisam sempre saber respectivamente, já que o fato de colocá-los a localização dos referentes no mundo real (por em lados opostos reflete, metaforicamente, exemplo, a casa das pessoas de quem os sinali- o contraste lógico que está sendo feito entre zantes estão falando). Essa habilidade é comum os dois. Entretanto, o sinalizante Kata Kolok entre várias vilas comunitárias de pessoas ouvin- aponta para um local ligeiramente à esquerda tes, por exemplo, em comunidades aborígines com o braço levantado e quase todo esticado, australianas, podendo a influência de um sistema referindo-se ao primeiro touro e aponta para de referência espacial absoluta ser observada em trás de si mesmo, para referir-se ao segundo seus gestos (Levinson 2003:244). Curiosamente, touro. A razão para isso é que no mundo real, a língua balinesa falada utiliza um esquema de esses eram os lugares onde os dois touros vi- referência absoluta, de tal forma que a lógica es- viam na vila e tanto o sinalizante quanto o pacial das línguas falada e sinalizada se sobrepõe, destinatário estão cientes da localização exata no caso do balinês e do Kata Kolok. das casas dos touros, a partir do lugar onde Para ilustrar como a referência espacial estavam sentados, durante a conversa. Esse absoluta funciona na língua de sinais Kata princípio de localização é radicalmente dife- Kolok, veja o exemplo a seguir de uma enun- rente do que sinalizantes de uma comunida- ciação sinalizada 7: de urbana fariam, em um texto similar. Além de utilizar a referência espacial (6) q absoluta, o uso do espaço de sinalização em ACASALANDO QU Kata Kolok também difere em outros as- pectos de línguas de sinais urbanas mais co- q nhecidas. Por exemplo, sinalizantes de Kata ACASALANDO IX:frente.l Kolok não utilizam uma linha metafórica de tempo onde o passado está atrás do sinalizan- IX:trás RUIM (MATING WH MATING IX: te e o futuro à frente. Além disso, um sistema fwd.l IX:back BAD) de concordância verbal espacial é quase com- ‘Onde/com qual você está acasalando (seu gado)?’ pletamente ausente (Marsaja, no prelo). Para (‘Where/with which one are you mating (your cow)?) uma análise mais abrangente dessas diferen- Você está acasalando com este? (Are you mating it with ças e seus significados para o estudo compa- this one?) Aquele é ruim. (That one is bad.) rativo das línguas de sinais (ver Zeshan, em preparação). Aqui o sinalizante utiliza o dedo indica- Curiosamente, outra língua de sinais de dor apontando (IX) para estabelecer dois loci vila, a Língua de Sinais Adamorobe em Gana, Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 7 WH (do inglês) em Kata Kolok é um sinal de pergunta com uma semântica geral, portanto se emprega para uma grande variedade de palavras interrogativas dependendo do contexto da expressão. 45 Ulrike Zeshan

também apresenta muitas peculiaridades no algumas pessoas ouvintes dessa comunidade uso do espaço de sinalização. Entretanto, esse usam comunicação sinalizada, mas dada a si- sistema é diferente tanto das línguas de sinais tuação sociolingüística, não está claro “se sua urbanas quanto da Kata Kolok (ver Nyst, sinalização constitui uma língua de sinais ou 2007), o que é interessante porque impossibi- um sistema de sinais caseiros compartilhado” lita qualquer conclusão prematura sobre tais (van den Bogaerde, 2006). Situações similares diferenças como sendo devidas a um novo e com qualquer número de pessoas surdas ob- unificado “tipo de língua de sinais de vila”. viamente existem em muitas comunidades, Certamente, afirmar isso seria muito simplis- especialmente em países em desenvolvimento ta e mais pesquisas sistemáticas em línguas e o status de sua comunicação estabelece um de sinais de vilas se fazem necessárias no mo- desafio teórico a lingüistas. mento. Resumidamente, a pergunta de pesquisa é a seguinte: O que é necessário para uma língua ser viável em termos de tempo e espaço? Essa 4.2 A sinalização em agrupamentos co- pergunta não pode ser abordada no âmbito das munitários – A linguagem é gradual? línguas faladas, devido ao extremo isolamento lingüístico que as pessoas surdas podem en- As línguas de sinais utilizadas tanto na vila frentar e que produz os conhecidos sistemas Adamorobe, em Gana, como na vila surda em de sinais caseiros improvisados e idiossincráti- Bali, existem por várias gerações e seus status cos, de funcionalidade relativamente limitada lingüístico como línguas amadurecidas não é (ver, por exemplo, o trabalho de Goldin-Me- questionado. As comunidades que utilizam adow, 2003), não desenvolvidos entre pessoas línguas de sinais também são em número su- ouvintes. Se pensarmos em contextos onde a ficientemente alto para serem consideradas comunicação gestual é utilizada por pessoas uma comunidade lingüística viável; no caso surdas, o resultado pode ser uma variação des- da Kata Kolok, por exemplo, abrangendo cer- de sinalizantes caseiros extremamente isola- ca de 50 pessoas surdas de todas as idades e a dos até comunidades de línguas de sinais, com maioria dos mais de 2000 membros ouvin- todos os pontos intermediários possíveis, na tes8. Entretanto, a situação lingüística é tão escala de variação. São esses pontos interme- clara em outros contextos rurais onde as pes- diários, como possivelmente o de Suriname, soas surdas vivem e se comunicam por meio os casos de “sistemas de sinais caseiros com- do modo gestual. Por exemplo, uma pesquisa partilhados”, que se constituem como o maior de campo recente investigou uma comunida- enigma teórico. Em casos como esse, é possível de rural no Suriname, onde 11 pessoas surdas que um sistema de sinal tenha deixado de ser foram identificadas até agora e o período de um sistema de sinal caseiro limitado, mas ain- tempo conhecido de existência dessa comuni- da não seja uma língua de sinais amadurecida? dade sinalizante foi rastreado como sendo de É possível se pensar a linguagem como um fe- não mais do que 50 anos. As pessoas surdas e nômeno gradual? Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 8 Contudo, a Língua de Sinais Adamorobe está atualmente ameaçada devido à influência da Língua de Sinais 46 Ghaniana, que os membros mais jovens aprendem na escola local para surdos (Nyst 2007). Raízes, folhas e ramos – A tipologia de línguas de sinais

A representação esquemática na Figura 9 passar do tempo. Entretanto, os semi-falan- ilustra esse ponto. Dois tipos hipotéticos de tes que ainda utilizam um pouco dessa lín- comunidades de pessoas surdas são represen- gua adotaram uma outra língua falada como tados. Nesta situação, haveria somente um ou sua língua principal e, portanto, não se pode dois indivíduos surdos em cada uma das vilas chamar essas pessoas de semi-linguais (‘semi- (indicados pelos pontos dentro dos quadra- lingual people’). A situação a respeito da sina- dos), cada qual podendo ser, a principio, um lização entre pessoas surdas é diferente, nesse sinalizante de sinal caseiro. Entretanto, esses aspecto. indivíduos podem ter contato irregular e não Esse conjunto complexo de questões sistemático um com o outro (indicado pelas ainda não foi abordado pela pesquisa em setas), por exemplo, encontrando-se uma ou língua de sinais, tendo as comunidades sina- duas vezes por ano para um grande festival, lizantes minoritárias do tipo discutido aqui especialmente se as vilas forem muito distan- acabado de começar a fazer parte do quadro tes umas das outras e o transporte for difícil. da lingüística da língua de sinais. Enquanto Quando tal situação seria suficiente para uma as respostas ainda parecem estar muito lon- língua em comum surgir e ser mantida entre ge, o fato de se levantar as questões certa- essas pessoas? Em outras palavras, é possível mente demonstra como as novas evidências que um sistema lingüístico seja mantido ao a partir dos diversos conjuntos de comuni- longo do espaço? Qual distância pode ser to- dades sinalizantes podem ser uma experiên- lerada antes que o sistema seja rompido? cia enriquecedora e podem, potencialmente, levantar questões teóricas muito profundas em lingüística.

Figura 9: Situação de contato hipotética entre 5. Conclusão: Tipologia de língua de sinais além da lingüística

Este artigo demonstrou maneiras fascinantes como os resultados a partir da tipologia de língua de sinais podem enriquecer nosso en- pessoas surdas em uma área rural tendimento da diversidade lingüística entre as línguas de sinais e entre a linguagem hu- A mesma pergunta poderia ser feita em mana em geral. Contudo, a história não aca- relação ao tempo. Como deve ser a escala de ba aqui. A pesquisa em tipologia de língua de tempo de contato entre indivíduos surdos sinais também apresenta efeitos nas comu- para que surja uma língua de sinais verdadei- nidades usuárias, efeitos esses que vão além ra? Quanto tempo de ausência pode ser to- da pesquisa teórica. Muitos desses efeitos são lerado antes que o sistema seja rompido? As bem conhecidos na lingüística da língua de línguas faladas enfrentam essa questão prin- sinais, mas são invocados, de forma especial- cipalmente quando as línguas estão desapa- mente pronunciada, no campo da tipologia Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas recendo e sabe-se que o processo de desgaste de língua de sinais devido à amplitude de sua começa a afetar o sistema lingüístico, com o pesquisa, que vai além das áreas de pesquisa 47 Ulrike Zeshan

mais estabelecidas em comunidades surdas mos em detalhes aqui, discuto brevemente urbanas, nas sociedades industrializadas do os benefícios potenciais às comunidades que Ocidente. utilizam línguas de sinais, geralmente asso- A pesquisa sobre línguas de sinais e so- ciadas à pesquisa em tipologia de língua de bre comunidades surdas precisa ser especial- sinais. mente sensível quanto às considerações éticas O maior benefício da pesquisa em tipolo- na maneira como a pesquisa é conduzida e gia de língua de sinais certamente refere-se às como os resultados são aplicados. Atualmen- muitas línguas de sinais cujas estruturas lin- te, com a pesquisa em língua falada penetran- güísticas ainda não foram documentadas até do novas áreas como a documentação em o presente. Tendo em vista que a tipologia de grande-escala de línguas ameaçadas, as pre- língua de sinais procura, sistematicamente, ocupações éticas se tornaram mais comuns essas línguas e se concentra ativamente no e mais abertamente discutidas na lingüística. campo da documentação lingüística (cf. se- Por exemplo, as diretrizes éticas do departa- ção 2.2.1), muitas comunidades de línguas mento de lingüística do Instituto Max Planck de sinais podem se beneficiar desses recursos para Psicolingüística (Max Planck Institute adicionais, ao serem consideradas, pela pri- for Psycholinguistics) afirmam: meira vez, na pesquisa sobre suas línguas. Com o passar do tempo, essa pesquisa Os membros do departamento devem, sem- pode gerar importantes recursos lingüísticos, pre que possível, assegurar-se que estão con- uma vez que é apenas com base em trabalho tribuindo com as comunidades em que es- descritivo sólido que projetos em lingüísti- tão trabalhando. Exceções a essa política só ca aplicada, como, por exemplo, o ensino podem ser consideradas em circunstâncias da língua de sinais, o treinamento de intér- realmente não-usuais, onde a implementa- pretes, etc., podem se tornar bem sucedidos ção da política é impossível e tais exceções e sustentáveis. Um exemplo de como a pes- requerem justificação detalhada, bem como quisa teórica e a pesquisa aplicada podem ser a aprovação do diretor do departamento conduzidas simultaneamente é documenta- (MPI-EVA 2002). do, no caso da Índia, no trabalho de Zeshan, Vasishta e Sethna (2004). As comunidades sinalizantes são geral- Reforçar a lingüística e, subseqüente- mente vulneráveis e freqüentemente enfren- mente, as dimensões aplicadas da pesquisa tam opressão lingüística, portanto, a maioria em língua de sinais é especialmente impor- dos lingüistas de língua de sinais está ciente tante em muitos países em desenvolvimento e de seus deveres de “dar retorno às comunida- a tipologia de língua de sinais está em posição des”. Com a ascensão da pesquisa nas mais de contribuir para tais desenvolvimentos. Se diversas comunidades dentro do paradigma pesquisadores experientes conduzirem tra- da pesquisa em tipologia de língua de sinais, balho de campo em uma determinada região novas questões surgem relacionadas a tal lín- onde a língua de sinais e suas aplicações ainda gua, por exemplo, trabalhos na “vila surda” não se estabeleceram, a troca de conhecimen- ou em situações de línguas de sinais amea- to importante entre o pesquisador estrangei- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas çadas (cf. (Nonaka, 2004). Esse é um ponto ro e a comunidade surda local pode acontecer 48 muito crítico, portanto, ao invés de entrar- e sinalizantes locais terão uma oportunidade Raízes, folhas e ramos – A tipologia de línguas de sinais de receber treinamento lingüístico. Conse- IX1 qüentemente, o nível de consciência metalin- pronome de primeira pessoa güística em comunidades surdas sem experi- (first person pronoun) ência prévia em língua de sinais irá aumentar IX2 com o tempo. pronome de segunda pessoa Finalmente, participar de um grande (second person pronoun) projeto interlingüístico possibilita uma opor- tunidade de treinamento excelente, para pes- IX quisadores iniciantes, que passarão a fazer dedo indicador apontado para uma certa dire- parte de um grupo de pesquisa e poderão ser ção (index finger pointing in a certain direction) guiados por coordenadores do projeto e por frente.1 (fwd.l) colegas pesquisadores na equipe do projeto, direção para frente-esquerda para desenvolver um projeto de pesquisa que (forward-left direction) seja independente até certo ponto e, ao mesmo tempo, que aconteça com um espaço estrutu- atrás (back) rado de acordo com padrões e metodologias direção para trás (backwards direction) comuns da pesquisa em línguas de sinais. -pl Embora ainda haja muitas questões não forma plural de um sinal (plural form of a sign) resolvidas no domínio do empoderamento das comunidades surdas mundiais, a pesqui- neg sa em tipologia de línguas de sinais claramen- movimento da cabeça negativo te tem uma contribuição a fazer e pode, po- (negative headshake) tencialmente, fazer uma diferença real para a neg-balançar a cabeça (neg-tilt) situação das comunidades surdas em muitas cabeça inclinada para trás para negar partes do mundo. (backwards head tilt for negation) Abreviações e convenções de transcrição: q expressão não-manual para pergunta (non- SINAL (SIGN) manual expression for question) glosa para s sinal manual (gloss for s manual sign) s/n (y/n) SINAL/SINAL (SIGN/SIGN) expressão não manual para perguntas sim/não sinal com dois significados (non-manual expression for yes/no question) (sign with two meanings) qu (wh) SINAL-SINAL-... (SIGN-SIGN-…) expressão não-manual para pergunta qu- sinal único transcrito por mais de uma pala- (non-manual expression for wh-question) vra de glosa (single sign transcribed with more than one gloss word) QU (WH) Agradecimentos

palavra interrogativa generalizada em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas (generalised question word) A Pesquisa em Tipologia de língua de sinais do Instituto Max Planck para Psicolingüísti- 49 Ulrike Zeshan

ca (Max Planck Institute for Psycholinguistics) University Press. 2. ed., 2006. em Nijmegen, na Holanda, e conseqüente- HENDRIKS, B. An introduction to the Gram- mente na University of Central Lancashire in mar of Jordanian Sign Language. Salt, 2004. Preston, Reino Unido, financiada pelo Con- HENDRIKS, B.; ZESHAN, U. Sign Languages selho Alemão de Pesquisa (German Research in the Arab World. In: VERSTEEGH, Kees et Council) (Deutsche Forschungsgemeinschaft, al. (Orgs.). Encyclopedia of Arabic Language DFG) através de um programa de pós-dou- and Linguistics (EALL). Leiden, no prelo. torado de excelência (Emmy Noether Award HENGEVELD, K. Non-verbal predication: The- ZE507/1-2 e ZE 507/1-3). Sou muito grato a ory, Typology, Diachrony. Berlim, Mouton de todos os participantes nos dois estudos in- Gruyter, 1992. terlingüísticos em interrogativas e negativas LEVINSON, S. Space in language and cognition e em possessão e existência (para uma lista – explorations in cognitive diversity. Cam- completa das contribuições ver Zeshan 2006 bridge: Cambridge University Press, 2003. e Perniss & Zeshan, a ser publicado, respec- MARSAJA, I. G.; KOLOK, Desa. A deaf village tivamente). Obrigado também a Kang-Suk and its sign language in Bali. In: Indonesia. Byun, Hasan Dikyuva e Waldemar Schwager Nijmegen, NL: Ishara Press, no prelo. pelas ilustrações dos sinais neste artigo. MAX PLANCK INSTITUTE FOR EVOLUTIO- NARY ANTHROPOLOGY (MPI-EVA), De- partment of Linguistics .Ethics Guidelines. Lei- Referências pzig: MPI-EVA. Disponível em: . Acesso BOGAERDE, B. V. D. Kajana Sign Language. em: 2002. Trabalho apresentado ao Sign Languages in McBURNEY, S. Pronominal reference in signed Village Communities, Nijmegen, 2006. and spoken language: are grammatical cate- COMRIE, B. Language Universals and Linguistic gories modality-dependent? In: MEIER, R., Typology. Oxford: Basil Blackwell, 2. ed., 1989. KEARSY, C.; QUINTO-POZOS, D. (Orgs.). ECCARIUS, P.; BRENTARI, D. Symmetry and Modality and structure in signed and spoken dominance: A cross-linguistic study of signs languages. Cambridge: Cambridge University and classifier constructions. Lingua, v. 7, p. Press, 2002. p. 329-369. 1169-1201, 2007. NONAKA, A. Sign Languages - The Forgotten GOLDIN-MEADOW, S. The resilience of lan- Endangered Languages: Lessons on the Impor- guage: What gesture creation in deaf children tance of Remembering. Language in Society, can tell us about how all children learn lan- v. 5, p. 737-767, 2004. guage. Hove, Psychology Press, 2003. NYST, V. A descriptive analysis of Adamorobe GREENBERG, J. Some universals of grammar Sign Language (Ghana). Utrecht, 2007. with particular reference to the order of mean- PAYNE, D. External Possession. Typological Stu- ingful elements, In: GREENBERG, Joseph H. dies in Language. Amsterdam, v. 39, 1999. (Org.).Universals of language. Cambridge, PERNISS, P.; ZESHAN, U. (Orgs.). Possessive MA, 1963. and existential constructions in sign languages. HASPELMATH. Indefinite pronouns. Oxford: Sign Language Typology Series, Nijmegen, v. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Clarendon Press, 1997. 2, no prelo. 50 HEINE. Possession. Cambridge: Cambridge SCHWAGER, W.; ZESHAN, U. Word classes in Raízes, folhas e ramos – A tipologia de línguas de sinais

sign languages – Criteria and classifications. In: GIL, D.; HASPELMATH, M. (Orgs.).World Ansaldo, U.; Don, J.; PFAU, R. (Orgs.). Stud- Atlas of Language Structures. Oxford: Oxford ies in Language, no prelo. University Press, 2005. p. 558-567. SONG, J. J. Linguistic Typology. Morphology and ZESHAN, U. (Org.). Interrogative and nega- Syntax. Harlow: Pearson Education, 2001. tive constructions in sign languages. In: Sign WHALEY, L. Introduction to typology: The uni- Language Typology Series, Nijmegen, v. 1, ty and diversity of language. Thousand Oaks, 2006. Sage Publications, 1997. ZESHAN, U. Sign Language Typology. Oxford: ZESHAN, U. Hand, Head and Face – Negative Oxford University Press, 2006, no prelo. Constructions. Sign Languages. Linguistic ZESHAN, U.; MADAN, V.; MEHER, S. Imple- Typology, v. 8:1, 2004. p. 1-58. mentation of Indian Sign Language in Edu- ZESHAN, U. Interrogative constructions, em: cational Settings. Asia Pacific Disability Sign Languages – Cross-linguistic perspectives. Rehabilitation Journal, v. 15, n. 2, 2004. p. Language, v. 80.1, 2004. p. 7-39. 15-39. ZESHAN, U. Sign Languages, In: DRYER, M.; Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

51 Um estudo interlingüístico de segmentação da palavra em três línguas de sinais1

Diane Brentari Ronnie Wilbur Universidade de Purdue

1. Introdução isso, podemos lidar com algumas perguntas de pesquisa interessantes: A determinação dos limites da palavra fornece informações importantes sobre sua estrutura 1. Surdos, sinalizantes nativos e ouvintes fonológica. Cada língua tem um conjunto de não-sinalizantes utilizam os mesmos prin- restrições sobre o que pode ser uma possível cípios para identificar os limites da palavra palavra. Freqüentemente, essas restrições são em uma seqüência de sinais (em uma lín- estipuladas em termos prosódicos, tais como gua de sinais que nenhum dos dois grupos o número admissível de pés ou seqüências entende)? de tipos de pés. A especulação de que as lín- 2. A língua de sinais ou língua/cultura domi- guas de sinais são mais semelhantes entre si nante faz diferença na resposta à primeira do que as línguas faladas (Newport e Supalla pergunta? 2000) levanta a questão da possibilidade de as línguas de sinais compartilharem algumas A fim de lidar com essas perguntas, pre- das mesmas restrições quanto ao que pode cisamos considerar onde sinalizantes e falan- ser um possível sinal. Enquanto se sabe que tes preferem dividir uma seqüência de sinais inventários de Configuração de Mão (CM) e porque escolhem fazê-lo. Neste estudo, os diferem entre as LSs (Eccarius 2002), sabe-se, parâmetros de sinais, Configuração de Mão também, que os inventários de Localização (CM), Ponto de Articulação (PA) e Movi- (L) e Movimentos (Ms) não são estudados. mento (M) são sistematicamente variados Nosso estudo compara as estratégias de seg- para nos permitir testar as pistas (cues) que mentação de palavras utilizadas em três gru- são utilizadass para tomar tais decisões. A in- pos de sinalizantes surdos (ASL, HZJ e ÖGS) formação obtida nos permite entender mais e três grupos de falantes ouvintes de sinais sobre a estrutura do sinal, especificamente, leigos (Inglês, Croata e Austríaco). Ao fazer quais combinações dos parâmetros fonoló-

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Lincoln Paulo Fernandes, Lautenai Antonio Barthalamei Junior Um estudo interlingüístico de segmentação da palavra em três línguas de sinais gicos são permitidas em um sinal isolado e começa não é a mesma coisa que identificar bem-formado, e como isso pode ser diferente qual palavra está envolvida. A segmentação da por língua de sinais. A comparação entre sina- palavra também não é necessariamente base- lizantes e não-sinalizantes também nos permi- ada em unidades segmentárias. Por exemplo, te determinar o efeito da experiência sobre a palavras monossilábicas podem ser separadas análise (parsing) da seqüência de sinais. Ava- com base nas seqüências sonoras ao invés da liamos o impacto de dois fatores inter-sujeitos: seqüência de segmentos individuais das quais Modalidade de Língua (Falada e Sinalizada) e são compostas. Língua Específica e um fator intra-sujeito: Pa- Para investigar a segmentação da pala- râmetro Fonológico (CM, PA e M). vra, as pistas que podem ser utilizadas como A informação obtida a partir de um base na tomada de decisões são confrontadas estudo como este pode ser aplicada a uma para determinar a força relativa de cada uma. situação prática – a análise (parsing) auto- Possíveis pistas podem ser ritmo e proprie- mática das transmissões de sinais por algo- dades dos sons ou dos próprios sinais. As ritmos computacionais de reconhecimento crianças adquirem as restrições/estratégias de sinais. O computador precisa saber quais de segmentação da palavra de uma língua pistas utilizar para decidir se um sinal come- específica através de algum tipo de aprendi- çou ou terminou. zagem estatística. O sinal por si só (visual ou Na Sessão 2, discutimos a importância da auditivo) tem algum efeito na maneira como segmentação da palavra para o entendimento uma pessoa decide onde estão os limites das da estrutura do sinal, percepção e aplicação palavras, isto é um “efeito de modalidade”. para reconhecimento automático do sinal e Devido a esse efeito de modalidade, nossa fornecemos detalhes importantes da fonolo- primeira hipótese é que sinalizantes terão gia da língua de sinais para o entendimento julgamentos mais rigorosos do que não-si- da natureza das tarefas e suas implicações. nalizantes sobre onde fazer a divisão entre Na Seção 3, o experimento é apresentado; na dois sinais. Os sinalizantes demonstrarão Seção 4, são apresentados os resultados e na sensibilidade a informações mais simultâne- Seção 5, discutimos os resultados e direções as e a restrições fonológicas específicas da LS futuras. – tais como a distribuição das configurações de mão (CMs), pontos de articulação (PAs), e movimentos (Ms) – do que os não-sinali- 2. Contexto zantes. Além disso, sinalizantes utilizarão as regras de sua própria LS para segmentação e 2.1 Segmentação da Palavra até mesmo para uma LS pouco conhecida. Nossa segunda hipótese é que a segmen- A segmentação da palavra é a competência ne- tação nas línguas de sinais e a segmentação cessária para dividir uma seqüência de sinais nas línguas faladas requerem estratégias di- ininterruptos da língua em partes menores ferentes. A natureza visual do sinal fará com e manejáveis para processamentos futuros. que ambos, falantes e sinalizantes, utilizem Entretanto, a segmentação da palavra não é informações em nível da palavra para seus Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas identificação da palavra por si só, ou seja, sa- julgamentos em uma dada língua de sinais, ber onde uma palavra termina e a próxima apesar de trabalhos sobre línguas faladas de- 53 Diane Brentari e Ronnie Wilbur

monstrarem que os falantes são inclinados a reto. A repetição de um M é, também, tratada usar uma seqüência de sílabas (por exemplo, como um único sinal. o pé) para fazer julgamentos de segmentação Outras combinações de movimentos não da palavra em línguas faladas. Esperamos que são permitidas em um único sinal. Uma com- os falantes se adaptem à nova modalidade binação proibida é uma seqüência de um M de língua mudando para uma abordagem de de trajetória seguido por um M local ou vice- segmentação em nível da palavra. versa (Perlmutter 1992). Uma outra com- binação impossível para um único sinal é a seqüência de dois círculos, cada um em uma 2.2 Parâmetros Fonológicos da LS direção diferente (Uyechi 1996). Finalmente, embora a seqüência “M circular seguido por 2.2.1 Dados úteis: CM um M de trajetória reta” seja permitida, o in- verso, “M de trajetória reta seguido por um No experimento, concentramos a atenção M circular”, não o é (Uyechi 1996). nas CMs marcadas e não marcadas. Consi- Apesar dessas restrições gerais, alguns si- deramos as CM não marcadas como sendo o nais lexicais, tal como DESTROY [destruir] dedo indicador “um” ou a mão inteira “to- (Figura 1), tem 2 CMs e 2 M e ainda assim dos”. Essas são as primeiras CMs adquiridas são bons. e as últimas perdidas, em casos de dano cere- bral. Consideramos todas as outras combina- ções de dedos selecionados sendo CM marca- das. Em uma palavra, quando há duas CMs, elas geralmente são versões abertas e fechadas da mesma CM, ou uma ou ambas CMs não são marcadas.

2.2.2 Dados úteis: M

Dois movimentos podem ocorrer no mesmo Figura 1: O sinal dissilábico ASL2 DESTROY sinal sob certas condições. Se um M é uma trajetória (em Brentari [direção] ou [traço], com formas de “arco”, “reta”, “círculo” ou 2.2.3 Dados úteis: PA “7”) e o outro é o local (mudanças de abertu- ra, orientação ou colocação), ambos podem Existem quatro principais regiões do corpo: ocorrer simultaneamente em um único sinal. cabeça, braço, tronco e a mão não-dominan- Existem também sinais da ASL que permitem te. Um sinal monomorfêmico pode ter um a seqüência de um círculo seguido de um M ou dois PAs em cada região, porém não em Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

2 54 Reproduzido com permissão da MIT Press, Cambridge MA. Um estudo interlingüístico de segmentação da palavra em três línguas de sinais diversas regiões (por exemplo, não na cabeça e no braço). Além disso, existem três planos (vertical, horizontal e sagital mediano), nos quais um sinal monomorfêmico pode ser fei- to, mas mudanças através destes planos não são permitidas.

3. Método

3.1 Sujeitos Figura 2: Exemplo de visualização dos itens de Seis grupos de sujeitos participaram do estu- tarefa na tela do computador do: três grupos de sinalizantes surdos e três grupos de ouvintes de sinais leigos dos EUA, 3.3 Estímulos Croácia e Áustria (Tabela 1). Todos os sinali- zantes eram culturalmente surdos (eram bem Todos os 168 estímulos eram “pseudo-sinais” integrados à Comunidade Surda) e haviam (ou seja, sinais sem sentido/nonsense), com- sido treinados nos últimos 20 anos. Os não- postos de combinações contrabalançadas de sinalizantes eram provenientes das mesmas Movimentos (Ms), Configuração de Mão áreas urbanas, assim como os sinalizantes de (CM), e Ponto de Articulação (PA), a fim de cada país e da mesma faixa etária (entre 20- criar uma pista de conflito. Há 6 condições M 55 anos de idade). vs. 5 condições CM vs. 2 condições PA3. Isso resultou em 28 células (duas são impossíveis de construir), nas quais as pistas M, CM e PA Tabela 1: Grupos Participantes são confrontadas para testar as estratégias mais resilientes de segmentação da palavra, Grupo & Língua EUA (N) Croácia (N) Áustria (N) em cada grupo de participantes. Nosso de- Sinalizantes surdos ASL 13 HZJ 10 ÖGS 10 senho procura determinar a força relativa de Falantes ouvintes Austríaco de sinais leigos Inglês 13 Croata 10 Alemão 10 cada uma dessas pistas em relação às outras, assim como os efeitos relativos de diferentes formas em cada um desses tipos de pistas. 3.2 Tarefas Configurações de Mão são separadas em grupos não-marcados (CMn) e marcados Os participantes foram solicitados a assistir a (CMm): (1) CMn inclui B,5,A,S e 1; e (2) alguns vídeo clipes e a clicar em uma das duas CMm inclui todas as outras CM. Existem cin- caixas para responder à pergunta: “1 sinal ou co condições de CM nos estímulos, duas das 2 sinais?” (A Figura 2 mostra os botões com a quais são permitidas em sinais monomorfê- etiqueta na língua alemã). micos da ASL e três que não são permitidas. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

3 Detalhes da gravação em vídeo, o sinalizante e a cronometragem do estímulo são fornecidos em Brentari (2006). 55 Diane Brentari e Ronnie Wilbur

Os tipos fonotaticamente permissíveis são Tabela 3: Condições de Ponto de Articulação (1) apenas uma CM ou (2) uma seqüência de duas CM que compartilham o mesmo con- Condição No. PA em estímulo Resposta prevista junto de dedos selecionados e são relaciona- 1 1 PA 1 dos por uma mudança de abertura ([aberto] 2 2 PA 2 [fechado]). Os tipos não permitidos são (3) duas CMn (ou seja, o indicador ou todos os Há seis condições de M, divididas na- dedos), (4) uma CMn e uma CMm, e (5) duas quelas que são permissíveis em sinais mo- CMm3. É previsto que combinações permis- nomorfêmicos e naquelas que não são (e síveis eliciarão respostas de 1 (significando, que também não são permissíveis em com- um sinal aceitável) e aqueles com combina- postos de ASL) (Tabela 4). Duas das con- ções não permitidas eliciarão respostas de 2 dições são permissíveis em sinais mono- (significando, o estímulo não pode ser um morfêmicos: (1) um grupo de 30 itens tem sinal aceitável). As condições, as marcações um movimento e (2) um outro grupo de de suas CM, as combinações no sinal de estí- 30 itens com dois movimentos, o que é um mulo e a resposta prevista (número de sinais) movimento repetido. As quatro condições são apresentadas na Tabela 2. de M restantes contêm 108 itens que não são permissíveis, tanto em sinais monomor- Tabela 2: Condições de Configuração de Mão fêmicos quanto em sinais compostos. Essas condições incluem: (3) 24 combinações de Condição Marcação Resposta movimentos locais não permissíveis (por No. de CM CM em estímulo prevista exemplo combinações de mudanças de CM 1 U 1 CM (sem mudança 1 de abertura) e mudanças de orientação); (4) 30 com- binações ilícitas (illicit combinations) de 2 U 1 CM (+ mudança 1 de abertura) dois movimentos de trajetória (por exem- 3 U+U 2 CMn 2 plo reta + arco ou círculo + círculo com 4 U + M 1 CMn+1 CMm 2 o segundo círculo indo na direção oposta);

5 M + M 2 CMm 2 (5) 24 combinações de um movimento de trajetória e uma mudança de configuração Há duas condições de PA: um PA ou de mão; e (6) 30 combinações de um mo- dois PAs (Tabela 3). Novamente, as formas vimento de trajetória e uma mudança de com dois PAs não ocorrem em sinais mono- orientação. morfêmicos da ASL, mas podem ocorrer em A organização geral dos estímulos é re- sinais compostos. As escolhas de PA vieram presentada na Tabela 5. Colocando os sinais do conjunto de regiões mais importantes do em conflito nesta forma, podemos avaliar di- corpo (cabeça, tronco, H2, braço) e dos pla- retamente os seguintes fatores de segmenta- nos tridimensionais. ção da palavra. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 3 Os tipos (3) e (4) são compostos possíveis, mas não são sinais monomorfêmicos e as combinações do tipo (e) 56 não ocorrem em sinais únicos de tipo algum. Um estudo interlingüístico de segmentação da palavra em três línguas de sinais

Tabela 4: Condições de Movimento 3.4 Análise

Condição Resposta Porque nossos dados são binários (os es- No. M Permissibilidade M em estímulo prevista pectadores respondem “1” ou “2”), fize- 1 1 M gramatical M 1 mos uso da regressão logística binária, em 2 2 M Gramaticais M + M 1 vez da tradicional ANOVA. A regressão nos 3 M locais agramaticais Local M1 + local 2 diz quais fatores são importantes e nos dá M2 valores de qui-quadrado, para o qual rela- 4 M de trajetória Trajetória M1 + 2 agramaticais trajetória M2 tamos a estatística de Wald e seu nível de

5 Trajetória agramatical + Trajetória + 2 significância. mudança de CM mudança de CM

6 Trajetória agramatical + Trajetória + 2 mudança de orientação Mudança de orientação 4. Resultados

Vamos relatar, inicialmente, os resultados Tabela 5. Distribuição dos itens no conjunto para os Parâmetros Fonológico e, a seguir, para de estímulos. As células cinza indicam formas os Grupos, primeiro utilizando a Modalidade fisicamente impossíveis. (“∆”= “mudança”) da Língua (sinalizante, não-sinalizante), de- pois utilizando Línguas individuais (seis pos- M M M M M M 1or+ 2 1path+ 1path+ sibilidades), e por fim as interações. Vamos 1 (repetição) 1hsA trajetória 1hsA 1orA seguir concentrando a atenção nos detalhes CM PA(1) 3 3 0 3 0 3 de uma condição, Condição 1 CM (CMnm), 1 PA(2) 3 3 0 3 0 3 que fornecem uma visão mais avançada das CM PA(1) 3 3 3 3 3 3 2- A de estratégias utilizadas para decidir a segmen- abertura PA(2) 3 3 3 3 3 3 tação da palavra.

CM PA(1) 3 3 3 3 3 3 1u+1u PA(2) 3 3 3 3 3 3

CM PA(1) 3 3 3 3 3 3 4.1 Parâmetros Fonológicos 1u+1m) PA(2) 3 3 3 3 3 3

CM PA(1) 3 3 3 3 3 3 Achamos que CM, PA e M são todos efeitos 1m+1m PA(2) 3 3 3 3 3 3 principais significativos (CM: df=4, Wald = 280.0213, p<.0001; PA: df=1, Wald=755.8732, Os estímulos foram apresentados aos par- p<.0001; M: df=5, Wald=904.7584, p<.0001) ticipantes na tela do computador em quatro entre os Grupos (Tabela 6). Além disso, exis- blocos, com intervalos entre eles. Os blocos tem interações significantes entre três deles de apresentação foram revezados de modo (CM*PA: df=4, Wald=112.1380, p<.0001; que o primeiro sujeito iniciou com o bloco 1, CM*M: df=18, Wald = =238.0592, p<.0001; o segundo com o bloco 2, e assim por diante, PA*M: df=5, Wald = 42.9386, p<.0001). Isso retornando ao bloco 1 para o quinto sujeito quer dizer, se um espectador utilizar uma e repetindo o revezamento conforme neces- CM, PA, ou M para decidir sobre os limites Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas sário, até que todos os sujeitos passassem por da palavra dependerá do que o outro CM, PA todos os blocos. ou M possa estar inserido no sinal. 57 Diane Brentari e Ronnie Wilbur

Tabela 6: Efeitos da CM, M e PA e rem uso significantemente maior das infor- combinação de 2 parâmetros mações de CM do que os não-sinalizantes (df =4,Wald =13.4804, p=.0092). Retornaremos DF Qui-Quadrado de Wald P a seguir às diferenças de CM. CM 4 280.0213 <.0001

PA 1 755.8732 <.0001

M 5 904.7584 <.0001 4.2.2 Língua

CM*PA 4 112.1380 <.0001

CM*M 18 238.0592 <.0001 A comparação de todos os sinalizantes com todos os não-sinalizantes mascara a varia- PA*M 5 42.9386 <.0001 ção em cada grupo. Para explorar isso ainda mais, analisamos os resultados pela língua (ASL, Inglês, HZJ, Croata, ÖGS, Austríaco 4.2 Grupos Germânico) e encontramos um efeito signifi- cativo (df=5, Wald = 76.1424, p<.0001). Para Passemos agora para a análise das diferenças isto, uma análise post-hoc revelou que (1) a entre os grupos. Brentari (2006) relatou que ASL diferiu mais das línguas européias fala- não há diferença entre sinalizantes (ASL) e das (Croata, Autríaca-Germânica) do que do não-sinalizantes (falantes de Inglês). Nes- Inglês e não diferiram da HZJ ou ÖGS, (2) te estudo, estenderemos esses resultados a falantes de Inglês divergiram de todas as lín- dois grupos adicionais de sinalizantes (HZJ e guas européias (HZJ, ÖGS, Croata e Alemão- ÖGS) e dois grupos adicionais de não-sinali- Austríaco) e (3) não houve diferenças entre zantes (falantes da língua croata e da língua as línguas européias. alemã-austríaca). Para a modalidade de lín- Utilizando a língua em vez da modali- gua, ainda temos dois grupos, os sinalizantes dade de língua, continuamos sem encontrar e não-sinalizantes. Para a língua, temos seis interação com M (df=25, Wald=22.8873, grupos. p=0.5841) e continuamos a encontrar uma interação com CM – quer dizer, sensibilida- de a CM, porém não a M, depende da língua 4.2.1 Modalidade de Língua que o sujeito utiliza (df=20, Wald =42.6356, p=.0023); ou seja, a sensibilidade a CM va- Não há efeitos de grande significância na ria significativamente entre todas as línguas modalidade de língua (df=1, Wald =.0738, (também entre as línguas de sinais, não ape- p=.7859). Em ambos os grupos, sinalizantes nas entre sinalizantes e não-sinalizantes). e não-sinalizantes utilizaram as mesmas es- Para confirmar esta sensibilidade, em- tratégias gerais: 1 valor = 1 palavra. Isto é par- pregamos medidas de d-prime (d’), um teste ticularmente válido para parâmetro morfoló- estatístico de sensibilidade e que nos permite gico M, que não era afetado pela Modalidade reconhecer e controlar padrões de respos- de Língua. ta irrelevantes, como dizer sempre “1 sinal” Porém, os sinalizantes se mostraram independentemente dos estímulos (Keating Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas mais sensíveis a uma quantidade maior de 2005). Isso é calculado a partir da diferença 58 informações simultâneas, no sentido de faze- de significado do Índice-Z das batidas (por Um estudo interlingüístico de segmentação da palavra em três línguas de sinais exemplo, o valor previsto de resposta era “1 para ASL como o foram para os sinalizan- sinal”, e a resposta verdadeira era “1 sinal”) tes pertencentes a ASL. As sensibilidades a menos os Alarmes Falsos (o valor previsto PA e a M indicam que restrições em nível da da resposta era “2 sinais” e a resposta foi “1 palavra da Hzj e da ÖGS também diferem sinal”) (Tabela 7). Um valor de 1.0 para d’ daquelas da ASL. inclui por volta de 69% de todos os casos.

Tabela 7: Sensibilidade a cada parâmetro depois da aplicação de d’

Modalidade de Língua Língua d’-CM d’-PA d’-M

Sinal ASL 1.65 .78 .79

Falado Inglês 2 .21 .04 .86

Sinal HZJ 3 .33 .38 .23

Falado Croata 4 .01 .56 .04

Sinal ÖGS 5 .86 .54 .60

Falado Alemão Austríaco 6 .25 .02 .25

Observando-se, primeiramente, as dife- renças de sensibilidade entre o grupo de mo- dalidade falada e sinalizada percebemos que (1) a sensibilidade em geral para os não-sina- d’-CM azul Línguas d’-PA verde 1 ASL lizantes estava substancialmente abaixo dos d’-M bege 2 Inglês 3 HZJ sinalizantes e (2) a CM era mais importante 4 Croata para os sinalizantes e menos importante para 5 ÖGS 6 Austríaca não-sinalizantes (Figura 3). Alemã Comparando os três grupos de sinali- zantes (Línguas 1, 3 e 5), o que vemos na Figura 3: d’ para CM e M pela língua Figura 3 é que as CMs utilizadas nos estímu- los, retiradas da ASL, foram mais relevantes Examinando os grupos de não-sinalizan- para os sinalizantes da ASL e menos relevan- tes (Línguas 2, 4 e 6), percebemos que os fa- tes para os outros dois grupos de sinalizan- lantes de língua inglesa dependeram enorme- tes, embora com mais relevância para os si- mente de um M, os falantes da língua croata nalizantes da ÖGS, do que para os sinalizan- dependeram enormemente do PA, enquanto tes da HZJ. Isto sugere que os inventários os falantes da língua austríaca dependeram de CM e as restrições nessas duas línguas de igualmente do M e da CM. Em suma, eles sinais variam, em graus diferentes, daqueles adotaram estratégias diferentes para pesar as da ASL. Naqueles casos onde a CM pode ser pistas disponíveis que têm o efeito geral de Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas a única pista disponível sobre o qual se base- produzir 2 valores = 2 palavras, 1 valor = 1 ar uma decisão, as CMs não foram tão úteis palavra. 59 Diane Brentari e Ronnie Wilbur

4.3 Condição 1 de CM diferente pelo PA para sinalizantes e não- sinalizantes e, curiosamente, também no Como visto na Figura 4, que mostra a res- interior do grupo de sinalizantes. Os sinali- posta média correta para as condições “sinal zantes da ASL mostraram-se sensíveis à CM, = 2”, a maior diferença entre sinalizantes e a despeito de os estímulos conterem um ou não-sinalizantes está na condição 1 de CM. dois PAs. Os sinalizantes da HZJ não se mos- Para esses itens, na base de uma CM isolada, traram sensíveis à CM quando os estímulos os sujeitos deveriam responder “um” para a apresentavam apenas um PA, porém mostra- questão se o estímulo é um ou dois sinais; no ram-se sensíveis, quando o PA apresentava entanto, cada estímulo também contém pelo dois PAs. Ao contrário, sinalizantes da ÖGS menos um PA e um M. A diferença entre mostraram-se sensíveis à CM quando os estí- essa condição e todas as outras é significativa mulos apresentavam apenas um PA, porém, (df=1, Wald= 9.3123, p=0.0023) em maiores não quando apresentavam dois PAs. Para os detalhes do que as outras. não-sinalizantes, se os estímulos continham apenas um PA, suas respostas foram sensíveis à CM, ou seja, eles prestavam atenção se havia mais do que uma CM. No entanto, quando o estímulo continha dois PAs, os não-sinali- zantes não se mostraram sensíveis à CM.

Tabela 8: O Efeito da Linguagem x PA na Condição 1 de Configuração de Mão

Língua PA = 1 PA = 2 Figura 4: Respostas dos sujeitos para condições ASL Wald= 16.6679, p=.0022 Wald = 35.7146, p<.0001 de CM 1-5 para sinalizantes (1) e não- sinalizantes (2) (cortesia de J. Bourneman) HZJ Wald=3.8585, NS Wald = 11.5864, p=.0207 ÖGS Wald=24.7699, p<.0001 Wald = 3.5, NS Explorar essa condição com mais deta- Inglês Wald = 29.1783, p<.0001 Wald = 5.3665, NS lhe revela padrões interessantes de interação Croata Wald = 48.3648, p<.0001 Wald = 6.9677, NS entre parâmetros fonológicos e os grupos de Alemão Wald = 13.4635, p=.0092 Wald = 7.3515, NS sujeitos. Na condição 1 de CM, os estímulos Austríaco contêm um único CM não-marcado do in- ventário da ASL. O grau em que os sujeitos utilizam essa informação adicional virá por 5. Conclusões e trabalhos futuros afetar sua resposta - “um” ou “dois” - apesar de haver apenas uma CM. A primeira obser- 5.1 Hipótese 1 vação é que tanto sinalizantes, quanto não-si- nalizantes foram sensíveis ao M na condição Os sinalizantes demonstraram sensibilida- 1 de CM. de a informações mais simultâneas e a res- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas A segunda observação é que as decisões trições fonológicas específicas da língua de sinais – tais como distribuição das configu- 60 na condição 1 de CM são afetadas de forma Um estudo interlingüístico de segmentação da palavra em três línguas de sinais rações de mão (CMs), pontos de articula- Os resultados apresentados aqui tam- ção (PAs), e movimentos (Ms) – do que os bém dão suporte à hipótese de que sinali- não-sinalizantes. zantes usarão regras de sua língua de sinais A hipótese 1 foi parcialmente confir- para a tarefa de segmentação, mesmo em mada: os sinalizantes são mais sensíveis às uma língua de sinais desconhecida. Os sina- informações simultâneas no sinal do que lizantes da ASL estavam, basicamente, lidan- os não-sinalizantes. Os resultados relatados do com o inventário fonêmico de suas pró- aqui demonstram duas tendências aparen- prias línguas, enquanto tomavam decisões temente contraditórias: nenhuma diferença sobre as restrições em nível da palavra em entre sinalizantes e não-sinalizantes e uma combinações. Ao contrário, os sinalizantes diferença clara entre sinalizantes e não-si- da HZJ e ÖGS lidaram de forma diferente nalizantes, com relação aos parâmetros fo- com os inventários fonêmicos e as restrições nológicos específicos. As semelhanças dos ao nível da palavra. Os estímulos podem ter sinalizantes e não-sinalizantes em geral é contido CM, PA e M que não são fonêmicos o resultado do mesmo tratamento de Mo- tanto em HZJ, quanto em ÖGS. Além disso, vimento, ou seja, para ambos os grupos, o as restrições ao nível da palavra para essas Movimento foi um fator significativo na to- duas línguas de sinais podem ser diferentes. mada de decisão quanto à segmentação da Por exemplo, alguns dos estímulos que po- palavra. As diferenças entre os dois grupos deriam, claramente, ser separados em dois resultam do papel ou da falta de PA e CM. O sinais na HZJ ou ÖGS, na ASL podem ser uso do PA variou para os não-sinalizantes, sinais isolados admissíveis, ou vice-versa. O não havendo quase variação alguma para os exemplo da ASL DESTROY, discutido an- falantes da língua inglesa e da língua alemã- teriormente, ilustra a complexidade dessas austríaca e com significativa variação para restrições no sentido de que algumas com- os falantes croatas, assim como para os si- binações de dois movimentos ainda podem nalizantes, de forma similar ao que foi ob- ser consideradas um único sinal na ASL. servado em relação ao contraste entre HZJ Face aos inventários fonêmicos e combina- e ÖGS, no que diz respeito à forma como ções pouco familiares, os sinalizantes devem os valores de PA afetaram suas decisões nas utilizar as regras de sua própria língua de condições de CM. sinais para tomar decisões de segmentação. Nossos resultados indicam que a CM é Esse fato é sublinhado pelos diferentes pa- especial na fonologia da língua de sinais. Os drões de decisão para HZJ e ÖGS, ou seja, sinalizantes prestam mais atenção a ela na suas sensibilidades diferenciais para CM segmentação da palavra, do que os não-si- nas duas condições do PA. Os sinalizantes nalizantes. A CM também é claramente mais da HZJ não se mostraram sensíveis à CM categórica do que o PA, que pode ser tratado quando o estímulo apresentava apenas um de maneira diferente mesmo em línguas de PA, porém mostraram-se sensíveis, quando sinais distintas, ou o Movimento, que é tra- o PA apresentava dois PAs. Contrariamente tado de forma semelhante por sinalizantes e a essa situação, os sinalizantes da ÖGS mos- não-sinalizantes. Existe também uma grande traram-se sensíveis à CM, quando os estímu- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas diferença no inventário de CM entre as LSs e los apresentavam apenas um PA, mas não os sistemas de gestos. quando o estímulo apresentava dois PAs. Se 61 Diane Brentari e Ronnie Wilbur

fosse meramente uma questão de modali- padrão trocaico (forte-fraco) ou iâmbico dade, seria de se esperar que os sinalizantes (fraco-forte). Em vez disso, como acontece da HZJ e os sinalizantes da ÖGS agissem de com a segmentação da palavra baseada na forma semelhante e não no padrão contras- harmonia vocálica, cada mudança no valor tante como aqui foi observado. desencadeou a percepção de que ela sinalizou o início de uma nova palavra. Portanto, concluímos que os espectado- 5.2 Hipótese 2 res de LSs utilizam a palavra para segmentar as seqüências sinalizadas, o que atribuímos, A natureza visual do sinal fará com que tanto em larga escala, à natureza visual/gestual das falantes quanto sinalizantes usem informa- línguas de sinais, ao passo que os ouvintes das ção ao nível da palavra para seus julgamentos línguas faladas dependem muito mais de síla- na LS, apesar do fato de trabalhos sobre uma bas para a segmentação da palavra, o que atri- língua falada mostrarem que falantes são pré- buímos à natureza auditivo/vocal das línguas dispostos a usar uma seqüência de sílabas (ou faladas (cf. discussão de diferenças em Allen, seja, o pé) para fazer julgamentos de segmen- Wilbur & Schick 1991; Brentari 1998; Wilbur tação da palavra em línguas faladas. & Allen 1991; Wilbur & Petersen 1997). A segmentação nas línguas de sinais e nas línguas faladas requer estratégias diferentes. A segmentação da palavra em línguas faladas 5.3 Direções futuras depende muito das pistas rítmicas – pés tro- caicos (por exemplo, “chil.dren, break.fast”). Existem vários fatores que merecem ser mais O que é mais “baseado na sílaba”. As línguas explorados. Um deles é a forma como “repre- de sinais utilizam pistas baseadas em domí- sentamos com palavras” a questão para nos- nios, que são mais baseados na palavra (1 va- sos sujeitos. Poderíamos antecipar resultados lue=1 word). Os sinalizantes abordam a tare- diferentes se reformulássemos as instruções fa de maneira diferente dos não-sinalizantes. para pedir aos sinalizantes “Esta forma poderia Os sinalizantes prestam atenção, primeiro no ser composta?” Na ASL, existem sinais com- M e depois na CM e, por fim, no PA. Os não- postos que permitem 2 PAs contrastivas, por sinalizantes prestaram atenção - na maioria exemplo: FEMALE (cabeça)^MARRY (mão) das vezes - primeiro no M, depois no PA e, = “wife”. Existem também sinais compostos geralmente, ignoraram a CM. que contêm 2 PAs contrastivas e 2 CMs, como Uma questão chave para a tarefa aqui em SLEEP^SUNRISE = “oversleep”. apresentada é se a dependência em pistas de Dada a interação entre a ASL e a soletra- M é um efeito da palavra ou um efeito da sí- ção de uma mão do alfabeto, existe um nú- laba. Gostaríamos de argumentar que essa mero substancial de sinais contendo 2 CMs dependência é um efeito da palavra, pois a contrastivas. Esses incluem empréstimos de estratégia geralmente utilizada pelos partici- sinais como #JOB (reduzido de uma seqüên­ pantes é “1 valor=1 palavra”. Para a sílaba ser cia de letras soletrada manualmente para ape- uma unidade relevante, a evidência de uma nas a primeira e a última letra com um mo- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas seqüência silábica de um tipo em particular vimento de torção de pulso) e sinais iniciali- 62 seria necessária, assim como o pé, com um zados como #BACKGROUND e #PROJECT. Um estudo interlingüístico de segmentação da palavra em três línguas de sinais

As respostas de sinalizantes da ASL para os Robin Shay da Purdue, por servir como um estímulos originais que apresentamos podem modelo para a criação dos estímulos; Pra- ser afetadas se considerarem a possibilidade dit Mittrapiyanuruk da Purdue, por criar de a forma ser um composto. o software da apresentação; Petra Eccarius Por outro lado, os compostos não são tão da Purdue, Marina Milković e Ljubica bem estudados na HZJ e na ÖGS e uma pri- Pribanić da University of Zagreb e Kathari- meira impressão é que, na HZJ, existem bem na Schalber da Áustria pela coleta de dados; poucos compostos. Na HZJ, não existem (vir- as comunidades de Surdos em Indianápolis, tualmente) sinais inicializados ou emprésti- Zagreb e Viena e a Vienna Deaf Association mo de sinas da soletração manual. A situação por seu auxílio e participação; ao Statistical para a ÖGS não é geralmente estudada. Então Consulting Service da Purdue e J. Bourne- fica difícil prever qual efeito a mudança nas man pela orientação e análise; à Purdue Uni- instruções pode ter nesses dois grupos. versity Faculty Scholars Fund e o National Ao mesmo tempo, fica claro que muitas Science Foundation Grant No. 0345314. A questões sobre nossos resultados não serão pesquisa de Wilbur sobre o reconhecimento respondidas até termos descrições melhores automático dos sinais da ASL é conduzida das fonologias nas línguas HZJ e ÖGS. Um in- em parceria com Avinash Kak, EE na Pur- ventário dos PAs característicos na HZJ revela due e financiada com recursos da NSF Grant que na área da cabeça, a HZJ tem localização No. 0414953. característica em frente ao pescoço, localiza- ção não utilizada na ASL; caracteristicamen- te, a ASL utiliza a frente do pulso e o dedo da Referências mão não-dominante, diferentemente da HZJ; a HZJ utiliza o lado radial do pulso, o que não ALLEN, G. D.; WILBUR, R. B.; SCHICK; B. S. é característico da ASL (Šarac Kuhn, Alibašić Aspects of rhythm in American Sign Language. Ciciliani & Wilbur 2006). O inventário de CM Sign Language Studies 72: p.297-320. da HZJ também difere da ASL – nem todas BRENTARI, D. A prosodic model of ASL phonol- as CMs da ASL são utilizadas na HZJ e a HZJ ogy. Cambridge: MIT Press, 1998. tem CMs que não são utilizadas na ASL, por BRENTARI, D. Effects of language modality on exemplo, os dedos indicador e médio estendi- word segmentation: An experimental study of dos e adjacente, cada um com o polegar aber- phonological factors in a sign language, em: to (“U-th”) (Šarac Kuhn, Alibašić Ciciliani & ANDERSON, S., GOLDSTEIN, L.; BEST, C. Wilbur 2006). Ainda não temos informações (Orgs.) Papers in Laboratory Phonology, v. 8, equivalentes para a ÖGS, também não haven- p.155-164, 2006. do indicação alguma das restrições ao nível da ECCARIUS, P. Finding common ground: A com- palavra, para a ÖGS ou para a HZJ. parison of across multiple sign languages. Dissertação de Mestrado - Purdue University, 2002. Agradecimentos KEATING, P. D-prime (signal detection) analysis. Disponível em: . equipe que tornaram este projeto possível: Acesso em 2005. 63 Diane Brentari e Ronnie Wilbur

NEWPORT, E.; SUPALLA, T. Sign language re- KUHN, N. S.; ALIBAŠIĆ, C. T.; WILBUR, R. B. Pho- search at the millennium. In: EMMOREY, K. & nological parameters in . LANE, H., (Orgs.) The signs of language revisi- Sign Language & Linguistics 9, p.33-70, 2006. ted: An anthology to honor Ursula Bellugi and UYECHI, L. The geometry of visual phonology. Edward Klima, Mahwah, p. 103-114, 2000. Stanford, 1996. PERLMUTTER, D. Sonority and syllable struc- WILBUR, R. B.; ALLEN, G. Perceptual evidence ture. In: American Sign Language. Linguistic against internal structure in ASL syllables. In: Inquiry, v 23: p. 407-442, 1992. Language and Speech, v. 34: p.27- 46, 1991. ROZELLE, L. Does predict handshape? WILBUR, R. B.; PETERSEN, L. Backwards sign- Dependence between phonological parame- ing and ASL syllable structure. Language and ters. TISLR 8, 2004. Speech, v. 40: p. 63-90, 1997. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

64 Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente: sobre concordância, auxiliares e classes verbais em línguas de sinais1

Ronice Müller de Quadros (Universidade Federal de Santa Catarina) Josep Quer (Universiteit van Amsterdam)

1. Introdução recem denotar transferência de um tema ou em um sentido literal ou abstrato, estabelece- A classificação tripartite padrão dos verbos se a generalização semântica que os espaços das línguas de sinais (Padden 1983/1988) do morfema direcional de TRAJETÓRIA po- baseia-se na suposição que a concordância dem ser ocupados por papéis temáticos fon- exibida por verbos espaciais e por verbos te e alvo em ambas as classes de predicados de concordância é de um tipo diferente: en- (Fischer & Gough 1975). Para verbos espa- quanto os primeiros exibem concordância ciais, isso é relativamente direto; para verbos locativa (ou seja, com os loci associados a ar- de concordância, fonte e alvo são restritos a gumentos locativos), os últimos concordam [+humano], podendo, assim ser renomeados morfologicamente com argumentos sujeito e como agente e benefactivo, respectivamente. objeto (ou seja, com os loci ligados aos seus Por mais atraente que este quadro pos- referentes). Entretanto, os predicados espa- sa ser, ele também se depara com alguns sé- ciais que expressam movimento e os verbos rios desafios. Provavelmente, o desafio mais de concordância recorrem ao mesmo tipo de explorado é o problema da subclasse dos elemento morfológico para realizar o suposto verbos de concordância chamados “rever- tipo diferente de concordância: TRAJETÓ- sos” (backwards): em tais predicados, o ali- RIA (PATH) (Meir 1998; DIR in Meir 2002). nhamento da trajetória não é com o sujeito A contribuição semântica desse morfema nas e o objeto, mas com a fonte e o alvo, o que duas classes seria essencialmente a mesma: em resulta em uma trajetória que vai do locus do verbos espaciais, as posições (slots) iniciais e objeto ao locus do sujeito. A solução de Meir finais de TRAJETÓRIA estão alinhadas com (1998) é separar concordância morfológica as localizações e, em verbos de concordância, com fonte e alvo de concordância sintática estão alinhadas com os loci de sujeito e obje- com o objeto, o que é explicitamente marca- to. Visto que os verbos de concordância pa- do pela orientação da mão em ISL2.

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos 2 Meir (2002) oferece uma versão mais elaborada desta análise baseada na sua proposta inicial. Ronice Müller de Quadros e Josep Quer

No entanto, a perspectiva tradicional so- e/ou com os argumentos objeto do predica- bre a concordância verbal em LSs tem que do (Fischer 1973) e é morfologicamente rea- abordar mais profundamente questões que lizado pelo movimento de trajetória e/ou de receberam pouca ou nenhuma atenção na orientação3. Por outro lado, a concordância literatura relevante. Neste artigo, revisamos espacial é uma relação locativa estabelecida as idéias principais nas diferentes abordagens com pontos no espaço de sinalização cor- e, então, aperfeiçoamos algumas delas, assim respondentes às localizações. Quando esses contribuindo para uma caracterização mais pontos constituem o início e o fim de um precisa da concordância, tipologia verbal e movimento, eles são interpretados como ar- os chamados predicados auxiliares nas LSs. gumentos locativos do verbo de movimento A fim de sustentar os argumentos, evidências (FONTE-ALVO). Entretanto, há discordân- recentes são discutidas a partir da Língua de cia sobre esta proposta. Kegl (1985), por Sinais Brasileira - LSB - e da Língua de Sinais exemplo, observou que verbos espaciais e de Catalã – LSC. concordância podem concordar com a FON- TE-ALVO, uma linha de análise desenvolvida no trabalho de Meir (1998, 2002). 2. Concordância Verbal e Classes A classificação verbal mais comum da Verbais nas LSs Língua de Sinais Americana [American Sign Language – ASL] segue o agrupamento tri- 2.1 Concordância sintática vs. partite de Padden (1983/1988, modificada concordância temática em 1990: 119): (1) verbos simples que não flexionam em número e pessoa e tampouco Há uma discussão clássica na literatura das aceitam afixos locativos; (2) verbos de con- línguas de sinais sobre o status da concor- cordância que flexionam em pessoa e núme- dância, nesse tipo de língua. A realização ro e não aceitam afixos locativos; e, (3) ver- morfológica da concordância é compreen- bos espaciais que não flexionam em número, dida como o movimento entre dois pontos pessoa ou aspecto, mas aceitam afixos loca- associados com os argumentos de certos ver- tivos. Observe-se que Padden diferenciou bos. Pesquisadores como Kegl (1985), Pad- entre flexão e afixação com verbos espaciais den (1983/1988), Janis (1992, 1995), Fischer e de concordância, respectivamente (concor- (1996) e Mathur (2000) apresentaram dife- dância sintática e morfológica). rentes análises identificando a concordân- Segundo Aronoff, Meir e Sandler (2005), cia como algo determinado por motivações concordância sintática consiste em copiar ín- sintáticas e/ou semânticas e concedendo um dices referenciais livremente sob condições status distinto à concordância sintática e es- sintáticas específicas (envolvendo a verifica- pacial. Por um lado, a concordância sintática ção de características). Concordância mor- (e/ou semântica) é interpretada como uma fológica nas LSs corresponderia à realização relação gramatical estabelecida com o sujeito manifesta daqueles índices sintáticos. Na re- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 3 Para fins de simplicidade, neste artigo tratamos a questão da orientação (apresentando-se nos termos de Meir) 66 como expressão de concordância morfológica sobre o verbo. Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente lação de concordância em geral, há um con- ses verbos de ‘verbos de movimento’. Fischer trolador e um alvo da concordância. O pri- (1973), Fischer & Gough (1978), e Baker & meiro é o nominal do qual o index é copia- Cokely (1980) os chamam de ‘verbos direcio- do, enquanto o segundo é o elemento sobre nais’. Padden (1983), inicialmente, denomi- o qual o indicador é copiado. Geralmente, o nou esses verbos ‘verbos de flexão’, mas após verbo leva consigo um marcador que refle- Padden (1990), ela adotou o termo ‘verbos te características morfológicas específicas do de concordância’, reconhecendo que verbos controlador do sujeito. A especificidade nas de flexão incluem verbos espaciais e de con- línguas de sinais é que a concordância é ex- cordância, assim como qualquer outro tipo pressa diretamente através de índices refe- de flexão que pudesse ser vinculada a qual- renciais, isto é, através da cópia dos loci re- quer verbo. Janis (1995) utiliza a terminolo- ferenciais (R-loci) nos espaços morfológicos gia ‘concordância locativa’ e ‘concordância correspondentes do verbo de concordância. não locativa’ para se referir à flexão locativa Arnoff, Meir e Sandler analisam o caso espe- e flexão de concordância, respectivamente. O cífico da concordância morfológica nos ver- motivo da proliferação dos termos está pro- bos da língua de sinais como tendo dois espa- vavelmente relacionado à forma que a flexão ços de localização abertos que determinarão a vinculada ao verbo toma e também ao status TRAJETÓRIA do sinal à la Meir (1998). Para da concordância propriamente dita. Pare- verbos de concordância, existe a concordân- cem, também, existir verbos opacos (fuzzy) cia com os argumentos gramaticais. Para ver- que não se encaixam, rigorosamente, na clas- bos espaciais, há localizações em que a traje- sificação tripartite, visto que suas proprieda- tória do verbo é uma representação direta da des temáticas e gramaticais podem ser inclu- trajetória do objeto de movimento. Assim, no ídas em mais de uma classe. Kegl (1985:35) sentido proposto por Meir (1998), a direção observa que a necessidade de invocar noções da trajetória com os verbos de concordân- temáticas tais como agente, paciente, fonte e cia é determinada por papéis temáticos dos alvo “surge do fato que em línguas como o argumentos (argumentos FONTE-ALVO), inglês não há correlação fixa entre papéis se- enquanto a orientação das mãos é determi- mânticos/temáticos e relações gramaticais”. nada pelo papel sintático dos argumentos do Esse caveat é importante, na medida em que objeto. Em relação à interpretação semântica também se aplica às línguas de sinais. envolvida, os verbos de concordância deno- tam TRANSFERÊNCIA e os verbos espaciais denotam MOVIMENTO. Nessa perspectiva, 2.2 Concordância temática: incorporando a semântica do verbo é o que determina as verbos reversos (backward verbs) no classes verbais. cenário A terminologia adotada para as classes verbais em ASL não é universalmente aceita. O status atribuído à concordância por Meir Alguns pesquisadores tais como Loew (1984), (1998, 2002) está restrito às relações semân- Lillo-Martin (1986) e Emmorey (1991) se ali- ticas estabelecidas pela TRAJETÓRIA. Meir nham a Padden em sua classificação e uso do (1998) mostra que a direcionalidade deve ser Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas termo ‘verbos de concordância’. Outros, en- isolada, devido à existência dos verbos rever- tretanto, como Supalla (1990), chamaram es- sos. Verbos reversos são predicados de con- 67 Ronice Müller de Quadros e Josep Quer

cordância em que a posição inicial do sinal dessa abordagem é a omissão do marcador é a localização do objeto e a posição final é de concordância na ASL, por meio do que a aquela do sujeito, diferentemente de outros marcação do sujeito pode ser opcionalmente verbos de concordância. Na análise de Meir, omitida, nos verbos regulares e reversos. Isso “a direção do movimento de trajetória marca não seria de se esperar em uma abordagem as relações semânticas (ou temáticas) entre os temática como a de Meir, uma vez que de- argumentos do verbo enquanto a orientação veríamos especificar que em verbos regulares das mãos marca as relações sintáticas entre de concordância, o argumento opcionalmen- os argumentos do verbo” (Meir 1998). Meir te omitido é aquele que carrega a FONTE, (1998) argumenta que a direcionalidade não enquanto a concordância ausente nos verbos é o elemento fonológico relevante para carac- reversos é aquela associada ao argumento terizar relações gramaticais de argumentos, ALVO. mas, sim, a orientação das mãos. A orienta- ção das mãos é o direcionamento para o qual a palma e/ou as pontas dos dedos são orien- 2.3 Concordância Sintática vs. tadas nos verbos de concordância, o que é de- Concordância Locativa terminado pelo locus referencial atribuído ao argumento-objeto do verbo. Padden oferece três testes para diferenciar a Os verbos reversos são os exemplos mais natureza sintática e locativa da concordância, apropriados para dar suporte ao argumen- em casos onde a similaridade superficial dos to de Meir. Nesses predicados, a direção do morfemas envolvidos pode levar a uma iden- movimento não se inicia na posição associa- tificação dos dois tipos. Ela distingue entre da ao sujeito gramatical e termina na posi- ‘concordância de pessoa’, na qual morfemas ção do objeto, mas, sim, de maneira inversa. de pessoa gramatical se diferenciam entre Entretanto, a orientação das mãos na direção primeira e não-primeira pessoa gramatical, e da localização do objeto é preservada. Por- ‘localização espacial’, na qual o que é men- tanto, Meir propõe a existência da marca- cionado é qualquer ponto físico sobre ou em ção dupla, isto é, concordância da trajetória volta do corpo do sinalizador. temática (FONTE-ALVO) e concordância Primeiramente, com verbos espaciais, a sintática (orientação da mão em direção ao interpretação da concordância é locativa, uma objeto). Alguns de seus verbos apresentados vez que ela é interpretada como movimento como exemplos desse padrão reverso em ASL entre localização específica no espaço (1a); a e ISL (Língua Israelense de Sinais) são COPY, concordância sintática implica a interpreta- INVITE, TAKE ou TAKE ADVANTAGE OF ção da pessoa dos vetores envolvidos no mo- [COPIAR, CONVIDAR, LEVAR ou BENE- vimento, isto é, os pontos iniciais e finais do FICIAR-SE DE]. movimento correspondem às posições asso- Sua análise difere essencialmente do re- ciadas aos argumentos sujeito e objeto (1b). lato de Padden sobre reversibilidade, o que oferece apenas uma abordagem sintática, isto (1) a. a-CARRY-BY-HAND-b [a-LEVAR- é, verbos reversos apresentam concordância COM A-MÃO-b] Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas reversa com o sujeito e o objeto. Um forte ‘I carry it from here to there.’ [Eu o 68 argumento oferecido por Padden em favor levo daqui para lá] Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente

b. 1-GIVE-2 [1-DAR-2] Terceiro, a marcação recíproca apenas ‘I give you.’ [Eu lhe dou] ocorre com verbos de concordância (3a). Formas análogas com verbos espaciais rece- Padden alega que no primeiro exem- bem uma interpretação locativa (3b). plo, há concordância com o sujeito; isto é, a primeira pessoa está marcada através da (3) a. a-GIVE-b/b-GIVE-a [a-DAR-b/b- posição inicial do sinal, que envolve uma lo- DAR-a] calização próxima ao corpo do sinalizador. ‘They gave something to each other.’ No segundo exemplo, o ponto inicial está [Eles deram algo um para o outro] também perto do corpo do sinalizador. En- b. a-PUT-b/b-PUT-a [a.COLOCAR-b/ tretanto, no segundo caso há um morfema b-COLOCAR-b] locativo, em vez de concordância de pessoa ‘I put one in each other’s place.’ [Eu gramatical com a primeira pessoa, embora coloco um no lugar do outro] isso possa parecer concordância de pessoa. Ela mostra essa diferença listando as possí- Rathmann & Mathur (no prelo) ofere- veis variações em (1a): I carry it from here cem alguns testes sintáticos adicionais que, (near my chin) to here [Eu o levo daqui argumenta-se, provocam a separação entre (meu queixo) para cá], I carry it from here verbos espaciais e de concordância, o que (near my chest) to here [Eu o levo daqui corresponde à distinção entre concordância (perto do peito) pra cá], I carry it from here locativa e sintática. (near of the lower part of my body) to here Primeiramente, nenhuma FONTE XP sur- [Eu o levo daqui (perto da parte inferior do ge com verbos de concordância (4a), enquanto meu corpo) para cá]. Entretanto, não há va- isso é possível com verbos espaciais (4b). riações significativas para (1b), isto é, (1b) será sempre entendido como tendo a pri- (4) a. *PAPER JOHN-i BILL-j MARY-k meira pessoa como sujeito da sentença, sem j-GIVE-k [*JORNAL JOHN-i BILL- mudanças na localização do sinal. j MARY-k j-DAR-k] Segundo, a marcação distributi- ‘John gave paper from Bill to Mary.’ va (também conhecida como marcação [John passou o jornal de Bill para a exaustiva (exhaustive marking)) só pode Mary] aparecer com concordância de pessoa b. PAPER JOHN-i HOME-a (2a). Uma forma similar ocorrendo com SCHOOL-b a-BRING-b [JORNAL um verbo espacial produz uma interpreta- JOHN-i CASA-a ESCOLA-b a- ção locativa (2b). TRAZER-b] ‘John brought paper from home to (2) a. 1-GIVE-3dist [1-DAR-3ista] school.’[John trouxe jornal de casa ‘I give it to (each of) them.’ [Eu o dou para a escola] para (cada um) (d)eles] b. PUT-a PUT-b PUT-c [COLOCAR-a Segundo, os verbos de concordância não COLOCAR-b COLOCAR-c] podem modificar a trajetória, ao passo que os Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas ‘I put them there, there and there.’ verbos espaciais podem. De acordo com esses [Eu os coloco ali, lá e acolá] autores, interromper o movimento pela me- 69 Ronice Müller de Quadros e Josep Quer

tade com verbos de concordância produz um Rathmann e Mathur (no prelo) analisam resultado agramatical (5a), ao passo que a a concordância verbal nas línguas de sinais mesma mudança em uma trajetória espacial como resultado de uma inovação lingüística simplesmente apresenta uma interpretação que permite a interação das propriedades lin- diferente (5b). güísticas dos verbos de concordância com o gesto: se um verbo seleciona dois argumen- (5) a. *PAPER JOHN-i BILL-j MARY-k j- tos animados, ele pode participar da concor- GIVE-k (halfway) [*JORNAL JOHN-i dância com o sujeito e o objeto, em traços BILL-j MARY-k j-DAR-k (inter- de pessoa e número. É importante observar rompendo o movimento)] que essa posição reduz a concordância verbal ‘John gave paper halfway to Mary.’ à concordância com argumentos animados, [John passou o jornal para Mary in- excluindo, assim, a concordância de pessoa terrompendo o movimento] com argumentos inanimados. Como vere- b. PAPER JOHN-i HOME-a SCHOOL-b mos abaixo, esta proposta enfrenta o desafio a-BRING-b (halfway) [JORNAL empírico de esclarecer os chamados verbos JOHN-i CASA-a ESCOLA-b a-TRAZER- de concordância que concordam com um ar- b (interrompendo o movimento)] gumento inanimado. Esse aspecto se tornará ‘John brought paper halfway to essencial na elaboração de nossa proposta. school.’ [John trouxe o jornal para a Nesse sentido, Janis (1992, 1995) escola (interrompendo o movimento] adota uma perspectiva significativamen- te diferente, no sentido que descarta classes Terceiro, o argumento portando o papel verbais e estabelece que a concordância, nas temático de ALVO nos verbos de concordân- LSs, é, na verdade, uma concordância de caso cia não pode ser questionado por ONDE (6a), controlada pelo caso que o argumento dos ao passo que os verbos espaciais podem. verbos traz consigo e por seus papéis temá- ticos. A concordância se dá ou com o caso (6) a. WHO/*WHERE JOHN-i i-GIVE locativo ou com o caso direto (não-locativo, PAPER [QUEM/*ONDE JOHN- concordância gramatical), o primeiro tendo i i-PASSAR JORNAL] destaque sobre o segundo, no ranqueamento ‘Quem/*para onde o John deu o jornal?’ dos traços de controlador. Janis (1992: 192) b. *WHO/WHERE JOHN-i BRING- observa que a análise geralmente aceita da a PAPER [*QUEM/ONDE JOHN-i distribuição verbal da ASL não pode prever TRAZER-a JORNAL] com que o verbo irá concordar, tampouco ‘*Who/where did John bring paper que forma de concordância um verbo terá to?’ [*Para quem/onde o John passou em todas as situações. A partir dessa pers- o jornal?] pectiva, ela considera o caso de verbos como COPY [copiar] ou ANALYZE [analisar] na Posteriormente, retomaremos alguns ASL e sugere que a concordância apresen- desses argumentos empíricos, ora para tada com objetos animados e inanimados questionar sua validade, ora para utilizá- se correlaciona com a concordância do caso Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas los em defesa da proposta apresentada nes- direto e locativo e que não é necessário pos- 70 te artigo. tular duas entradas lexicais diferentes para as Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente duas opções de concordância: simplesmente incluem verbos como GIVE [dar], LEAVE depende do caso do argumento que funciona [deixar], BRING [trazer], BITE [morder], como controlador de concordância verbal. HIT [atingir], HURT [machucar] e BLEED Sua posição, nesse sentido, é muito pertinen- [sangrar] que concordam com os NPs (pro- te à proposta apresentada neste artigo. nomes pessoais), assim como PPs (por exem- plo, locativos). Esses verbos são ou espaciais ou de concordância, segundo a classificação 2.4 Conseqüências para as classes verbais de Padden. Talvez Fischer e Gough já tives- e a divisão de concordância sintática/ sem capturado a idéia que desenvolveremos locativa em nossa análise: há motivos para conside- rar ambas as classes como instanciações de A divisão entre verbos espaciais e de concor- uma classificação opaca (fuzzy classification), dância é relevante por motivos sintáticos, vis- embora possa haver outros motivos indepen- to que esses verbos possuem características a dentes para distinguí-las. serem verificadas em Frases de Concordân- De acordo com Fischer e Gough, a re- cia (cf. discussão de Janis 1995). Entretanto, versibilidade é um processo que está parcial- mostramos nesta seção que a classificação mente relacionado à direcionalidade. Verbos verbal proposta por Padden não é sempre como MEET [encontrar], FLATTER [elo- apropriada, pelo menos se compreendida giar] e FREQUENT [freqüentar] são clara- como classes definidoras mutuamente exclu- mente reversos, isto é, há uma mudança na dentes: nos dados, encontramos verbos sim- orientação da mão, além do direcionamento ples com algum tipo de traço locativo, assim do sinal. Esses verbos são considerados ver- como verbos de concordância com concor- bos de concordância em análises recentes dância locativa e verbos espaciais com algu- (Padden 1990, Baker e Cokely 1980). Entre- ma concordância com traço de pessoa. tanto, nessa classe, Fischer e Gough também Há variantes diferentes na classificação incluem verbos tais como KICK e BITE, que dos verbos na literatura que refletem os limi- não são geralmente analisados como verbos tes opacos (fuzzy borders) entre classes ver- de concordância. Esses verbos podem ser si- bais em línguas de sinais, como a ASL. Um nalizados na direção da localização a que eles exemplo é uma versão inicial de classificação se referem, ou eles podem ser sinalizados em verbal de Fischer e Gough (1978), na qual três uma posição neutra. No primeiro caso, eles aspectos são identificados como correspon- parecem ter flexão e, no segundo caso, pare- dentes à flexão verbal para pessoa: direciona- cem ser simples. Esse tipo de exemplo reflete, lidade, reversibilidade e locacionalidade. novamente, os limites opacos da classificação A classe verbal direcional, conforme mencionada anteriormente. analisada por Fischer e Gough, inclui ver- A última característica da flexão verbal, bos que fisicamente se movem em direção para Fischer e Gough, é a locacionalida- ao argumento ou argumentos estabelecidos de. Eles apresentam WANT [querer] como no espaço. Nesse sentido, essa classe é mui- exemplo de um verbo locacional, no qual o to mais geral do que a classe verbal de con- sinal pode ser articulado ou perto da locali- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas cordância, conforme classificada por Padden zação do sujeito ou perto da localização do (1983/1988), visto que verbos direcionais objeto. Padden (1990) analisa WANT como 71 Ronice Müller de Quadros e Josep Quer

um verbo simples que pode portar um clítico te da concordância de pessoa, deve haver locativo. concordância da pessoa do sujeito em exem- É interessante observar que Fischer e plo da ASL como (1a), visto que ela permite Gough oferecem exemplos nos quais há com- um pronome do sujeito nulo (cf. Quadros binações possíveis das qualidades direcionais, 1999:105-106 for LSB)4. Em um exemplo da reversas e locativas, por exemplo, FLATTER LSB como (7), um argumento nulo do sujei- [elogiar], FOOL [enganar], FREQUENT to deve ser também colocado: [freqüentar], HIT [atingir] e PAINT [pin-

tar]. Além disso, verbos como HATE [odiar], (7) CARRY [levar] BORROW [pegar emprestado], LOOK [olhar] ‘I carry it (from here) (to there).’ [Eu o e FEED [alimentar] podem ser tanto direcio- levo (daqui) (para lá)] nais quanto reversos, ao passo que LOCK [trancar], OWE [dever] e PITY [ter pena] po- Tal exemplo não seria possível se a locali- dem combinar aspectos reversos e locacionais. zação espacial a fosse sinalizada em uma loca- Esses são exemplos que não possuem uma lização que não está associada a uma pessoa, análise clara nas línguas de sinais, se for levada como no exemplo agramatical apresentado a em consideração uma classificação rígida. seguir, retirado da LSB: Com relação a verbos simples, Fischer e

Gough (1978) os descrevem como exceções. (8) *CARRY Por exemplo, verbos tais como HEAR [ou- ‘(He) carries it from here (a place that vir], LISTEN [escutar], EAT [comer], DE- does not coincide with the subject) to CIDE [decidir], PRAISE [louvar], DANCE there.’ [Ele o leva daqui (um lugar que [dançar], ASSOCIATE [associar], JOIN [li- não coincide com o sujeito) para lá] gar-se] e TEASE [provocar] são menciona- dos como exceções, pois eles não apresentam A sentença (8) só poderia ser gramatical se flexão de concordância. Hoje em dia, existe o sujeito fosse pronunciado. (7) é possível por- consenso quanto ao fato de esses verbos for- que, fonologicamente, a concordância e o lo- marem uma classe nas línguas de sinais, dife- cativo têm a mesma forma expressa no mesmo rente dos verbos que possuem uma concor- ponto e, como conseqüência, o pronome nulo dância explícita. para o sujeito é permitido e a sentença torna- Como vimos na seção 2.3 acima, Padden se gramatical. Pronomes nulos são permitidos (1990) apresenta evidências para a diferença em línguas tais como ASL e LSB, pois elas são entre os afixos de localização espacial para pro-drop (línguas de sujeito nulo) (Lillo-Mar- verbos espaciais e a concordância de pessoa e tin 1986, Quadros 1995). Em ambas as línguas, número para verbos de concordância. há restrições que se aplicam às sentenças que É importante observar que, embora a permitem pronomes nulos. A restrição básica localização espacial seja claramente diferen- se refere à informação contida no verbo, isto é,

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 4 Um caso comparável foi discutido por Padden (1983/88) para verbos espaciais (vide acima): mesmo se às vezes o locus da fonte ou alvo do movimento possa coincidir com um locus de pessoa, isso não quer dizer que o predi- 72 cado concorda em pessoa com o locus, segundo ela. Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente se o verbo inclui informação de concordância em ASL que explica essa distribuição opaca relacionada à pessoa, ele permite argumentos (fuzzy distribution), com que estamos lidando nulos (externos e/ou internos). neste artigo. Sua análise estabelece que GIVE Portanto, como mencionado anteriormen- é uma extensão de CARRY-BY-HAND para a te, parece que a combinação de locativos em as- classe de posse e que INFORM é uma exten- sociação a verbos espaciais pode ser combinada são de GIVE para a classe cognitiva. O que faz com concordância não locativa, mas eles devem a diferença entre esses verbos são as formas ser pronunciados na mesma localização, para divergentes que o classificador manual (han- permitir uma concordância nula associada ao dling classifier) assume a cada exemplo. argumento não-locativo. Se não são pronuncia- Quadros (1999), como Janis, adotou dos no mesmo ponto e há um argumento nulo apenas uma distinção entre classes verbais, não-locativo, há um tipo de restrição morfoló- aquelas com marcadores de concordância gica em sinais que exclui a sentença. e aquelas sem tais marcadores, verbos não- Essa proposta difere da de Padden simples e simples, respectivamente, em sua (1990), que exclui a concordância do sujeito terminologia. Seu argumento é sintatica- com verbos espaciais. Padden (1990) segue mente motivado, visto que as estrutura sin- Supalla (1986) e Liddell (1984) ao assumir que tática tem uma forma diferente em sentenças a morfologia de concordância co-ocorre com associadas a verbos não-simples e simples. a morfologia locativa. A conclusão de Padden Não há evidência, em termos de sintaxe, é que o espaço em volta do sinalizante possui para manter a divisão entre verbos espa- dimensões diferentes em cada nível de análise ciais e verbos de concordância; entretanto, (espaço fonológico para localizações contras- a autora reconhece que as relações semân- tivas; espaço morfológico para concordância ticas desempenham um papel na distinção e espaço sintático para indexação e anáfora). de verbos que têm concordância espacial ou Considerando os fatos em (3) e (4), parece de pessoa gramatical. Entretanto, conforme haver possíveis combinações entre esses dife- Quadros observou, não fica tão claro a que rentes níveis quando a sentença é produzida, classe o verbo pertence. Um verbo de con- diferentemente da análise de Padden. cordância padrão pode se comportar como Kegl (1985: 108) discute um tipo de ver- um verbo espacial padrão; um verbo simples bo que não está incluído na categoria (con- pode assemelhar-se a um verbo espacial ou cordância) GIVE [dar], tampouco na catego- de concordância. ria (espacial) CARRY-BY-HAND [levar com Janis (1992) observa uma relação entre a mão], mas está incluído “verdadeiramente verbos espaciais e de concordância que é si- a meio caminho entre os dois tipos de verbo”: milar ao que Kegl (1985) analisou como uma trata-se do exemplo do tipo HAND-OVER. relação metafórica entre os dois grupos. Ao Esse verbo tem uma localização associada a invés de manter uma análise sincrônica como uma localização (FONTE) e a outra a uma em Kegl, Janis propôs um relato em termos pessoa (ALVO). Nesse exemplo, o sinal pode de relações históricas: verbos não-locativos ser interpretado com ou sem a noção de trans- (concordância) seriam formas lexicalizadas ferência de posse. A análise de Kegl é bastante de predicados classificadores. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas elucidativa, visto que ela mostra uma manei- Janis (1992) observou que a proposta ra diferente de abordar a distribuição verbal lexical feita por Padden prevê, corretamen- 73 Ronice Müller de Quadros e Josep Quer

te, que todos os marcadores de concordân- (i) A generalização empírica que os ver- cia em um verbo serão, necessariamente, do bos de concordância em LS são a realização mesmo tipo (sujeito/objeto ou locativa). En- de um morfema de trajetória ligado a uma tretanto, como observado acima, alguns ver- interpretação subjacente de transferência é bos podem aparecer com mais de um tipo de falsa, pois tal significado de transferência não concordância, visto que eles são, realmente, está prontamente disponível. Isso se torna ocorrências verbais diferentes, isto é, a análise especialmente evidente com verbos de con- deve dizer, por exemplo, que há dois verbos cordância que são transitivos puros e não TEACH [ensinar], um que é membro da clas- bitransitivos (ditransitives) e, assim, apre- se de concordância e outro que é membro da sentam concordância com objeto direto, não classe espacial. Conseqüentemente, o verbo com o objeto indireto. Os predicados em (9) será listado duas vezes no léxico. Obviamen- são exemplos disso, em LSB e LSC. te, isso não é desejável. Além disso, a análise de classe verbal não pode prever quando uma (9) CHOOSE, SUMMON [escolher, convocar] forma de concordância específica ocorrerá. (LSB, LSC)

(ii) Ainda em relação ao problema anterior, 3. Problemas com os pontos de vista deve-se observar que o papel temático do se- alternativos existentes gundo argumento de concordância em um ver- bo de concordância não é sempre um ALVO, Além dos problemas empíricos mencionados mas é, freqüentemente, também um TEMA. para uma classificação estática tripartite dos Na LSB e LSC, encontramos verbos transitivos verbos e uma separação rigorosa da concordân- (ambos regulares ou reversíveis) onde o segun- cia locativa vs. sintática, estabelecida na propos- do argumento de concordância é um TEMA: ta amplamente aceita de Padden, precisamos abordar outras dificuldades existentes com os (10) PRESS, INVITE [pressionar, convidar] pontos de vista alternativos discutidos acima. (LSB, LSC) A abordagem temática, conforme apre- sentada no trabalho de Meir, reduz essen- (iii) O contra-argumento mais forte à cialmente a concordância da língua de sinais abordagem temática vem do fato de que, à concordância espacial com os papéis loca- nas LSs que têm um auxiliar de concordân- tivos temáticos trazidos pelos argumentos cia (AUX), o AUX concorda com o sujeito e envolvidos em uma relação de transferência. o objeto gramaticais, não com a FONTE e Entretanto, essa redução se depara com vá- ALVO temáticos.5 Conforme observado em rios contra-argumentos:

5 Conforme apresentado em Pfau & Steinbach (2005) e Steinbach (2005), um número significativo de LSs possui itens que podem ser rotulados como auxiliares. Diferentes tipos foram identificados inter- e intralinguisticamen- te. Na maioria dos casos, esse auxiliar somente marca o sujeito sintático e a concordância do objeto e não instan-

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas cia outras características gramaticais como o aspecto. Concentramos aqui no mais discutido tipo “gramatical”, que é realizado como uma configuração de mão do indicador que move do locus do sujeito para o do objeto, 74 glosado como AUX por conveniência. Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente

Mathur (2000) e Pfau & Steinbach (2005) necessidade de se postular uma análise de aces- para a DGS, Smith (1990) para a TSL e Bos so duplo, o que parece pouco desejável. (1994) para a SLN, essa dissociação da con- cordância sintática se torna aparente apenas (12) a GIRL IX-1 3-BUY-1 (LSB) (LSC) quando um auxiliar co-ocorre com um verbo b. NOTES IX-1 3-COPY-1 (LSB) reverso: A direção da trajetória do AUX é a costumeira sujeito-objeto, o que é o oposto Além disso, os testes oferecidos em daquela realizada pelo verbo lexical: Rathmann e Mathur (no prelo) para distin- guir entre verbos espaciais e de concordância (11) a. IX-1 CHILD 3-TAKE-1 mostraram não serem válidos para a LSB e a 1 AUX-3 (LSC) LSC. Primeiramente, o argumento FONTE b. GIRL 2-AUX-3 TAKE-3 pode co-ocorrer com o TEMA pessoal de um (LSB) verbo de concordância, contra suas previsões:

Esses dados não têm sido levados a sé- (13) AIRPORT MARIA IX-2 2-PICK-UP-3 rio na discussão sobre concordância em LS, ‘You pick up Maria from the airport.’ apesar de sua enorme relevância6. Eles consti- [Você pega a Maria no aeroporto] tuem contra-evidência razoavelmente sólida, não apenas contra uma abordagem temá- Segundo, TEMA e FONTE podem ser tica aos verbos de concordância, mas tam- questionados exatamente com o mesmo verbo, bém contra a explicação de Liddell para con- conforme ilustrado nos seguintes dados da LSB: cordância como dêixis (vide, por exemplo, Liddel 2003). Tal AUX de concordância nun- (14) a. wh dam com localizações ou com argumentos b. wh predicados psíquicos na LSC, que são tipica- mente estativos, não envolvendo transferên- Terceiro, a modificação da trajetória, tan- cia alguma de interpretação. to em verbos espaciais quanto em verbos de Juntamente com as objeções levantadas concordância, possui interpretação aspectu- sobre a abordagem temática à LS, gostaríamos al. A leitura obtida é aquela do iniciador não de mencionar problemas adicionais à aborda- realizado no caso do verbo de concordância, gem de animacidade (animacy approach), de conforme (15a); além da leitura puramente Rathmann e Mathur. Segundo eles, a concor- locativa, essa leitura aspectual é também pos- dância está restringida a argumentos anima- sível com verbos espaciais, conforme (15b). dos, mas também encontramos concordância com objetos inanimados. Em seu quadro teóri- (15) a. BOOK JOHN-i MARY-j i-GIVE- co, isso exigiria suposições adicionais e, talvez, a j (halfway) [LIVRO JOHN-i Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 6 Isso pode ser parcialmente atribuído ao fato de que a ASL, como outras LSs, não parece ter tal auxiliar de con- cordância. 75 Ronice Müller de Quadros e Josep Quer

MARY-j i-DAR-j (movimento in- ferentemente de verbos de concordância “re- terrompido)] gular”, os verbos reversos, em sua maioria, ‘John almost gave the book to não são bitransitivos. Isso pode ser facilmen- Mary.’ [John quase passou o livro te observado nas listas dos verbos reversos em para a Mary]. ASL e ISL, fornecidas em Meir (1998): b. BOOK JOHN-i SCHOOL- a BRING-a (halfway) [LITERA- (16) ASL: COPY, EXTRACT, INVITE, TURA JOHN-i CASA-a ESCOLA- MOOCH, STEAL, TAKE, TAKE-AD- a a-TRAZER-a (movimento inter- VANTAGE-OF, TAKE-OUT, GRAB, rompido)] LIE-TO ‘John almost brought the book to school.’ [John quase trouxe o ISL: COPY, TAKE, CHOOSE, INVITE, livro para a escola] TAKE-ADVANTAGE-OF, ADOPT, IN- Com toda a evidência discutida até agora HERIT, IMITATE, SUMMON, IDEN- e com a discussão dos argumentos oferecidos TIFY-WITH na literatura, parece claro que não podemos nos apegar a uma divisão mutuamente exclu- Nos levantamentos feitos para a LSB e a dente dos verbos em três classes morfossintá- LSC, os verbos reversos, em sua maioria, cla- ticas, conforme geralmente se assume. O que ramente não são bitransitivos: observamos é que os verbos, às vezes, apresen- tam um comportamento híbrido, pelo menos (17) LSB: TAKE/GET/PICK-UP, CHOOSE, entre a concordância e classes espaciais, e que COPY, IMITATE, PERCEIVE, EX- a concordância locativa e a sintática não são PLOIT, INVITE, SUMMON // ASK- sempre incompatíveis na mesma forma ver- FOR, BORROW, STEAL bal. Além disso, apontamos algumas inade- quações essenciais da abordagem temática à LSC: TAKE/BUY, CHOOSE, GET/ concordância. Entre outras contra-evidências, GUESS, SUMMON, COPY, INVITE, afirmamos que elementos AUX em LSB e LSC UNDERSTAND // ASK, STEAL, TAX são puras instanciações de concordância sintá- tica. Isso se torna claro com os verbos reversos. Surpreendentemente, esses predicados Entretanto, a questão que surge é o que a tra- têm, apenas, um argumento interno obriga- jetória está realizando naqueles verbos, já que tório, que é atribuído a um papel temático não é a concordância sintática. Na próxima se- ção, as questões relevantes são recapituladas e de TEMA, e não de FONTE. Essa diferença é uma tentativa de resposta é oferecida. importante para as explicações que baseiam a trajetória reversa dos verbos reversos em pro- priedades temáticas. Contra o argumento de 4. O que está concordando nos verbos Meir (2002), o único argumento interno deve- reversos? ria receber marcação acusativa e não dativa. Argumentamos que a interação de auxi- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Uma generalização sobre os verbos reversos liares com verbos reversos revela propriedades 76 que geralmente não é mencionada é que, di- essenciais dessa classe. Conforme menciona- Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente do acima, quando um auxiliar co-ocorre com b. IX-x IXy x-AUX-y TALK um verbo reverso, a trajetória vai de sujeito a (verbo simples) (LSB) objeto e isso é o oposto do que ocorre com a trajetória realizada pelo verbo lexical. Diferen- Nossa solução para este dilema é retirar temente da LSB, onde o AUX somente emerge os verbos reversos da classe de verbos de con- com verbos reversos, em LSC isso pode ocor- cordância e tratá-los como verbos manuais rer tanto com verbos de concordância regular, (handling verbs) com trajetória, onde a tra- quanto com verbos reversos7. jetória, na verdade, concorda com as locali- zações e não com os argumentos sintáticos. (18) IX-x IX-y x-AUX-y y-TAKE-x (LSC) Esse argumento é consistente com o fato de que o objeto pode, às vezes, ser inanimado, (19) a. *GRAMMA-x GRAMPA-y x- mas o sujeito deve sempre ser animado, con- AUXY-y x-TAKE-CARE-y (verbo de forme os predicados classificadores manuais. concordância) A partir dessa perspectiva, a concordância de trajetória apresentada pelos verbos reversos b. IX-x IX-y x-AUX-y (y)-PICK-UP com o objeto (o argumento TEMA) não é (verbo reverso) (LSB) sintática, mas locativa. Isso parece um tanto simples, quando observamos predicados re- É interessante observar que, na LSB, es- versos cujos significados envolvem uma ope- ses são os únicos exemplos onde um auxiliar ração manual em sua interpretação básica, podem co-ocorrer com um verbo flexionado, como o verbo TAKE: em um contexto não marcado. Além disso, (21) BOOK-x x-TAKE-1 (LSC/LSB) a presença do auxiliar permite uma forma alternativa do verbo reverso que não possui Apesar disso, em alguns casos, uma trajetória, mas que pode apresentar orienta- transferência metafórica deve ser assumi- ção das mãos em direção ao locus do argu- da, desde uma operação de manuseio literal mento interno. até uma operação abstrata, conforme em COPY (22). Um outro bom exemplo disso é (20) a. IX-x IX-y x-AUX-y (y)-PERCEIVE o verbo UNDERSTAND [entender] na LSC (verbo reverso) (LSB) (23), que, como sua contraparte em inglês

7 Os elementos AUX não exibem propriedades idênticas em LSB e em LSC. Em LSB, o AUX pode ser identificado como somente tendo a função de explicar as características de concordância do sujeito e objeto. Ele não pode co-ocorrer com verbos de concordância quando forem flexionados, mas em contextos de elípse e estruturas de foco do verbo, o mesmo pode surgir juntamente com um verbo de concordância inflexivo. Além disso, sua dis- triuição sintática é altamente restrita na oração. A contraparte LSC do AUX parece se comportar mais como um predicado principal privado de conteúdo semântico, mais próximo de um verbo do que um auxiliar puro. Isso exibe mais liberdade de posicionamento na oração. Além disso, ele marca a concordância de sujeito e objeto, mas diferente da maioria dos exemplos de AUX descritos para outras LSs, O AUX LSC pode flexionar-se por aspecto.

Além do mais, ele pode co-aparecer com verbos de concordância flexionados a fim de expressar ênfase. Entre- em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas tanto, essas diferenças são tangênciais ao argumento proposto no texto com relação à natureza da concordância exibida por esses elementos. 77 Ronice Müller de Quadros e Josep Quer

‘grasp’[agarrar/compreender] liga a opera- e de concordância, com base nos insights ad- ção mental de entendimento a um movimen- vindos dessa discussão. to manual. Em outros casos, como INVITE Adotando a terminologia de Quadros, [convidar], a transferência metafórica pode os verbos em LSs deveriam ser classificados ser menos óbvia, mas argumentamos que ela como verbos com concordância e verbos está na base de sua origem etimológica. sem concordância (simples). A concordân- cia é morfologicamente realizada como tra- (22) BOOK-x x-COPY-1 (LSC/LSB) jetória8 e a concordância da trajetória pode ser com localizações (traços espaciais) ou (23) BOOK-x x-UNDERSTAND-1 (LSC) loci-R (traços de pessoa e número). Na maioria das vezes, a realização superficial Embora os detalhes de tal proposta ainda desses dois tipos de concordância é indis- necessitem ser mais trabalhados, a conclusão tinguível, mas a evidência baseada no AUX é clara: na verdade, os verbos reversos não de concordância na LSB e LSC nos permite pertencem à classe de verbos de concordância concluir, com segurança, que ambos os ti- (sintática) “puros”, mas incluem a classe de pos de concordância podem (e deveriam) verbos manuais (altamente lexicalizados), uma ser tratados separadamente. Uma evidên- subclasse dos verbos espaciais transitivos. cia essencial para tal argumento pode ser Isso também explicaria porque certos ver- oferecida por meio de teste das possibilida- bos de transferência específicos como PHONE des de co-occorrência do AUX com verbos [telefonar] na LSB/LSC foram originalmente reversos. Conforme mencionado anterior- desenvolvidos de forma simples em verbos de mente, a trajetória dos elementos AUX se- concordância pela morfologização do afixo de gue na direção oposta daquela desse tipo de concordância em verbo lexical. É interessante verbo, ou seja, a partir do locus do objeto observar que, pelo menos no estado atual de para o locus do sujeito. Foi também apon- nosso conhecimento, casos desse tipo não são tado que o AUX ocorre, apenas, quando observados em relação a verbos reversos. concorda com objeto e sujeito animados. Visto que verbos reversos podem admitir objetos animados e inanimados, é possível 5. Retomando a concordância e as prever que o AUX pode aparecer apenas classes verbais com os primeiros e não com os segundos. Emerge, então, a seguinte predição: Tendo questionado a visão clássica sobre as classes verbais e a concordância em LSs, bem (24) *BOOK-x x-TAKE-2 2-AUX-x como a alternativa mais proeminente em ter- (LSC/LSB) mos de concordância temática, passamos, (25) a. CHILD-3 3-TAKE-2 2-AUX-3 agora, a um esboço de uma caracterização (LSC) que nos parece adequada de classes verbais b. CHILD-3 2-AUX-3 3-TAKE (LSB) Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 8 Conforme dito anteriormente, aqui glossamos orientação como um outro meio morfológico para expressar 78 concordância abertamente, em combinação com a trajetória ou por si só. Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente

A partir dessa sólida evidência, podemos (26) a. ASK (LSB: regular vs. LSC: reversa) concluir que apenas os traços de pessoa por- b. ASK-FOR (LSB: reversa vs. LSC: tadores do loci-R entram em concordância regular) pessoal/sintática. Torna-se claro que apenas argumentos animados podem portar tais Ao mesmo tempo, a mesma estrutura traços em LSs.9 Resta, ainda, uma pergunta, conceitual lexical, na mesma língua, pode quanto à natureza do tipo de concordância exibir formas lexicais com concordância e locativa. Gostaríamos de sugerir que ela, basi- sem concordância: camente, se reduz à concordância com os loci identificados pelos argumentos dotados de (27) BORROW (LSC)10 traços locativos. Dessa forma, abre-se, natu- ralmente, a possibilidade de uma mesma tra- Diante de todas estas evidências, parece jetória concordar com um argumento pessoal não ser mais possível manter a visão simplis- e um argumento locativo, na mesma forma ta de classes verbais e de concordância, con- verbal. Vimos que tais instâncias ocorrem. forme proposto nas abordagens de Padden e Uma outra conseqüência da abordagem Meir. Os resultados desses trabalhos nos ser- sugerida aqui é que a concordância temáti- viram como ferramentas úteis para entender ca não pode ser mantida como o fator sub- os fenômenos em estudo, mas enfrentamos jacente que explica a gramática de trajetória novos desafios na análise. Parece estar na nas classes tradicionais de verbos de concor- hora de partir em busca de explicações mais dância (regulares e reversos) e verbos espa- complexas. ciais. Manter a análise FONTE-ALVO prova ser empiricamente incorreto, uma vez que muitas instâncias de verbos de concordân- 6. Conclusões cia não são bi-transitivos, mas simplesmente transitivos com um objeto TEMA/PACIEN- Após a discussão oferecida neste artigo, o qua- TE. Além disso, se a estrutura temática fosse dro que emerge sobre concordância e classes a motivação subjacente para a expressão de verbais em LSs é substancialmente modifi- concordância, variação entre as línguas ou cado, com relação às suposições atuais sobre dentro da mesma língua não seria de se espe- esses tópicos. Pode-se afirmar que os verbos rar. Esses contra-exemplos são encontrados não simples (“espaciais” + “de concordân- em LSC e em LSB, onde a mesma estrutura cia”) podem, em geral, concordar com ar- conceitual lexical foi lexicalizada com rela- gumentos locativos (concordância espacial), ção à direcionalidade, de maneira oposta, nas com argumentos pessoais (concordância de duas línguas: pessoa), ou ambos. Os predicados auxiliares

9 Uma exceção interessante a essa generalização que não podemos tratar aqui é a concordância AUX com o argu- mento inanimado de CAUSA, em declarações psicológicas. O fator crucial é que tais argumentos nunca podem ter uma interpretação locativa. em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 10 Na realidade, esse é o caso de um predicado que parece ter ido de verbo de concordância para verbo simples, embora ambas as formas coexistam sobre os falantes simultaneamente. 79 Ronice Müller de Quadros e Josep Quer

podem concordar, apenas, com argumentos Referências pessoais/animados (concordância de pessoa) e apontam para o fato de que os verbos re- ARONOFF, M.; MEIR, I.; SANDLER, W. The versos são verbos lexicais manuais, cujas tra- paradox of sign language morphology. Lan- jetórias são determinadas pela concordância guage, v. 81, p. 301-344, 2005. espacial e não pela concordância de pessoa BAKER, C.; COKELY, D. American Sign Lan- gramatical. guage: a teacher’s resource text on grammar Conforme mencionado acima, a con- and culture, 1980. cordância com traços locativos e de pessoa BOS, H. An auxiliary verb in Sign Language of The gramatical é, com freqüência, indistinguível Netherlands. In: AHLGREN, I.; BERGMAN, B.; na superfície. Entretanto, a estrutura do ar- BRENNAN, M. (Orgs.). Perspectives on Sign gumento de cada predicado impõe as condi- Language Structure, v. 1, 1994. p. 37-53. ções de licenciamento, conforme discutido BRENTARI, D. Backward Verbs in ASL: Agree- nos exemplos (7) e (8), em que o argumen- ment Re-opened. In BRENTARI, D., LARSON, to-sujeito de um predicado manual deve ser G.;MACLEOD, L. (Orgs.). CLS, Papers from the licenciado pelo traço de pessoa. 24th Annual Regional Meeting of the Chicago Existe, ainda, uma questão de ambigüi- Linguistic Society, Part Two: Parasession on dade do locus como localização ou R-locus Agreement in Grammatical Theory, p. 16-27. (por exemplo, TELL [dizer] com concordân- FISCHER, S.; GOUGH, B. Verbs in American Sign cia de pessoa gramatical vs. TELL com con- Language. SLS, v. 18, p. 17-48, 1978. cordância locativa no argumento-ALVO), FISCHER, S. Verb Inflections in American Sign havendo necessidade de mais pesquisas para Language and Their Acquisition by the Deaf se determinar até que ponto um locus atribu- Child. In: WINTER MEETING OF THE LIN- ído a um referente animado pode ser ambí- GUISTIC SOCIETY OF AMERICA, 1973. guo, entre um locus de pessoa gramatical ou FISCHER, S. The role of agreement and auxilia- um locus espacial. ries in sign languages. Lingua, v. 98, p. 103-120, 1996. JANIS, W. D. Morphosyntax of the ASL verb Agradecimentos phrase. Tese de Doutorado–State University of New York at Buffalo, 1992. Esta pesquisa foi parcialmente financiada por JANIS, W. D. A crosslinguistic perspective on recursos da bolsa CNPq #301993/2004-1 para ASL verb agreement. In: Karen EMMOREY, R. M. de Quadros, bolsa CAPES/ PVE (Brasil) K.; REILLY, J. S. (Orgs.) Language, Gesture, e projetos (Espanha) MEC BFF2003-04867 e and Space. NJ: Lawrence Erlbaum Associates, HUM2006-08164/FILO para J. Quer. Gosta- Publishers, 1995. p. 255-286. ríamos de agradecer Santiago Frigola por sua KEGL, J. Locative relations in American Sign Lan- ajuda com os exemplos em LSC e Nelson Pi- guage Word Formation, Syntax, and Discourse. menta pelos Clipes de LSB. Tese de Doutorado–MIT, 1985. LIDDELL, S.K. Grammar, Gesture and Meaning in American Sign Language. Cambridge: Cam- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas bridge University Press, 2003. 80 Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente

LILLO-MARTIN, D. C. Parameter setting: evi- na língua de sinais brasileira e reflexos no dence from use, acquisition, and breakdown processo de aquisição. Dissertação de Mestra- in American Sign Language. Tese de Douto- do–PUCRS, Porto Alegre, 1995. rado–University of California, San Diego. Uni- QUADROS, R. M. de. Phrase Structure of Brazi- versity Microfilms International. Ann Arbor. lian Sign Language. Tese de Doutorado–PUC/ Michigan, 1986. RS, Porto Alegre, 1999. LOEW, R. C. Roles and Reference in American RATHMANN, C.; MATHUR, G. Verb Agree- Sign Language: A Development Perspective. ment as a Linguistic Innovation in Signed Tese de Doutorado–University of Minnesota, Languages. In: QUER, J. Seedorf (Org.). Signs 1984. of the time. Signum Verlag, no prelo. MATHUR, G. Verb Agreement as Alignment in SMITH, W.H. Evidence for Auxiliaries in Taiwan Signed Languages. Tese de Doutorado–MIT, Sign Language. In: FISCHER, S.D.; SIPLE P. 2000. (Orgs.), THEORETICAL ISSUES IN SIGN LAN- MEIR, I. Syntactic-semantic interaction in Israeli GUAGE RESEARCH, v. 1: Linguistics, p. 211-228. Sign Language verbs: The case of backwards Chicago: University of Chicago Press, 1990. verbs. In: Sign Language and Linguistics, v. 1.1, STEINBACH, M. What do agreement auxiliaries p. 3-37, 1998. reveal about the syntax of sign language agree- MEIR, I. A Cross-Modality Perspective on Verb ment? In: SIGNA VOLANT, Milano, 2005. Agreement. NLLT, v. 20, p. 413-450, 2002. STEINBACH, M.; PFAU, R. Grammaticalization PADDEN, C.A. Interaction of Morphology and of auxiliaries in sign languages. In: PERNISS, Syntax in American Sign Language. New York/ P.; STEINBACH, M.; PFAU, R. (Orgs.). Vis- London: Garland Publishing, 1983/1988. ible variation: Cross-linguistic studies on sign QUADROS, R. M. de. As categorias vazias pro- language structure. Berlin: Mouton de Gruyter, nominais: uma análise alternativa com base 2007. p. 303-339. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

81 Repensando classes verbais em línguas de sinais: o corpo como sujeito1

Irit Meir, Carol Padden, Mark Aronoff e Wendy Sandler

Este artigo oferece um novo olhar sobre a A análise acima se concentra no papel das análise tradicional das classes verbais em lín- mãos na codificação das propriedades grama- guas de sinais. De acordo com esta análise ticais relevantes. As mãos são o articulador (Padden 1988), os verbos de muitas línguas ativo na língua de sinais e elas concentram a de sinais podem ser categorizados em uma maior parte da carga informacional contida das seguintes classes: verbos simples, verbos no sinal. Entretanto, neste artigo gostaríamos espaciais e verbos de concordância. Essas de propor um novo olhar sobre a classifica- classes se diferenciam segundo as proprieda- ção dos verbos em língua de sinais, observan- des dos argumentos que cada classe codifica. do não somente o que as mãos fazem, mas Verbos de concordância, verbos que codifi- o papel que o corpo tem nas diferentes clas- cam transferência codificam o papel sintático ses verbais. Propomos que a função básica dos argumentos, bem como as características do corpo nas formas verbais em uma língua de pessoa e número através da direção do de sinais é representar o argumento sujeito. movimento das mãos e posição das palmas. Outras funções gramaticais codificadas pelos Nos verbos espaciais, isto é, a classe verbal verbos, por exemplo, a primeira pessoa, são que denota movimento e posição no espaço, desenvolvidas posteriormente e são sobre- a direção do movimento codifica a posição postas pela função básica do “corpo como dos argumentos locativos, o ponto de par- sujeito”, criando mais complexidade gra- tida e o destino. A forma do movimento de matical na língua. Esta análise apresenta as trajetória que as mãos estão executando ge- seguintes vantagens: explica a peculiaridade ralmente expressa a forma da trajetória que tipológica da concordância verbal em língua o objeto percorre no espaço. Verbos simples, de sinais, a saber, a proeminência do objeto que constituem a classe semântica padrão, em relação ao sujeito na concordância verbal; não codificam nenhuma propriedade grama- explica a razão de algumas formas verbais se- tical em seus argumentos. rem mais complexas que outras, em relação

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Elaine Espíndola, Thiago Blanch Pires, Carolina Vidal Ferreira Repensando classes verbais em línguas de sinais

à competição entre os diferentes papéis do formacionais específicos de um sinal podem corpo em diversos sub-sistemas da língua; e, corresponder a componentes de significados; finalmente, faz previsões interessantes acerca isto é, a mão e o corpo (o peito e a cabeça) da tipologia e avanços diacrônicos em línguas podem ser usados separadamente para co- de sinais. dificar diferentes partes de um evento. Mos- tramos agora que essa correspondência entre uma parte de um evento codificado e o corpo 1. Padrão de lexicalização em línguas ou as mãos não é aleatória, pelo contrário, o de sinais corpo e a mão codificam aspectos particula- res do evento de forma sistemática. O termo ‘padrões de lexicalização’ foi usado pela primeira vez por Talmy (ex., 1983, 1985) em sua descrição de como as línguas faladas 1.1 O corpo como sujeito codificam eventos de movimento. Talmy (1985, 2000) aponta que verbos por si só não O corpo do sinalizador não é meramente um codificam todos os componentes de signifi- lugar formal para a articulação dos sinais, mas cado de tais eventos. pode, em princípio, ser associado a um signi- As línguas têm a tendência a serem mais ficado em particular ou a uma função especí- sistemáticas a respeito de quais componen- fica. Argumentamos que em verbos icônicos tes de significado serão codificados por quais ou parcialmente icônicos articulados no cor- tipos de itens lexicais. Portanto, algumas po, os chamados “verbos ancorados no cor- línguas (ex. inglês, alemão, russo e chinês) po”, o corpo representa o argumento sujeito. codificam modo de movimento nos verbos Usamos o termo iconicidade para nos e codificam direção do movimento por pre- referir ao mapeamento regular entre os ele- posições ou partículas (“satélites” nos termos mentos formacionais de uma expressão e os de Talmy), enquanto que outras línguas (ex. componentes de seu significado (Taub 2001, hebreu, espanhol, japonês e turco) expressam Russo 2004). Este mapeamento pode ser de- a direção do movimento no verbo, sendo o monstrado analisando-se a correspondência componente de modo expresso por locuções entre os elementos formacionais e os compo- adverbiais. A maneira sistemática em que nentes de significado (conforme Taub 2001). uma língua codifica os componentes parti- Para exemplificar, o verbo COMER na Lín- culares de um evento por meios lingüísticos gua de Sinais Israelense (ISL) e na Língua de disponíveis é denominada de ‘padrões de le- Sinais Americana (ASL), está ilustrado na xicalização’. Figura 1 abaixo. A mão assume uma Forma Nas línguas de sinais, os meios lingüísti- particular , movendo-se em direção à boca cos empregados para comunicar um evento a partir de uma localização à sua frente e re- são as mãos e o corpo do sinalizador e o espa- pete este movimento por duas vezes. ‘Comer’ ço ao seu redor. Ao examinar os itens lexicais significa ‘colocar (comida) dentro da boca, que denotam eventos em três línguas de sinais mastigar se necessário e engolir’ (Webster’s diferentes (Língua de Sinais Americana, Lín- New Word Dictionary, Third College Edi- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas gua de Sinais Israelense e Língua de Sinais Al- tion). Uma representação possível da Estru- Sayyid Beduína) descobrimos que elementos tura Conceitual Lexical é: 83 Irit Meir, Carol Padden, Mark Aronoff e Wendy Sandler

2. X causa [y ir [para dentro da boca COMER é sinalizado na boca do sinalizador, de x]] quer o sujeito da ação seja a 1ª, a 2ª ou a 3ª pessoa. Isto é, o sinal COMER possui uma Pela Figura 1, torna-se óbvio que o sinal CO- única forma em todas essas sentenças: “Eu MER é icônico. Entretanto, ao ir além da im- como”, “você come” ou “ele/ela come”, e esta pressão geral de iconicidade, é possível ob- forma é sinalizada na boca do sinalizador. servar que um mapeamento explicitado entre Ao examinar uma gama de verbos ancora- forma e significado como um conjunto de dos no corpo, observamos que em sinais icô- correspondências tem a vantagem de mostrar nicos, o corpo corresponde a um argumento qual dentre os vários elementos formacionais participativo no evento. Os exemplos seguin- corresponde a quais aspectos do significado. tes são da ISL, porém listas similares de pala- Tal mapeamento está ilustrado na Tabela 1. vras podem ser encontradas também em ASL. 1. Verbos psicológicos (Localização: Pei- to): FELIZ, AMAR, SOFRER, CHATEADO, ESTAR CHATEADO COM, MACHUCAR: O peito corresponde ao local das emoções no argumento experienciador. 2. Verbos de atividades mentais (Loca- lização: Têmporas e testa): SABER, LEM- BRAR, ESQUECER, APRENDER, PREO- CUPAR, PENSAR, SONHAR, ENTENDER, Figura 1: O verbo COMER (ISL e ASL) COMPREENDER, INFORMAR (uma idéia) Têmporas ou a testa representam o local da Mapeamento Icônico para COMER FORMA SIGNIFICADO atividade mental do experienciador.

Segurando um objeto 3. Verbos de percepção (Localização: Ór- -configuração de mão (comida) gãos dos sentidos): VER, OLHAR, OUVIR, Boca do sinalizador Boca do agente que come ESCUTAR, CHEIRAR: Os olhos, a orelha ou o nariz representam o local da atividade do Movimento para dentro Colocando um objeto dentro da boca experienciador. Movimento duplo Um processo 4. Verbos que indicam fala (Localização: Boca): FALAR, DIZER, PERGUNTAR, RES- Tabela 1: Mapeamento icônico para COMER PONDER, EXPLICAR, GRITAR, SUSSU- RAR: A boca representa a parte relevante do O que é crucial para nosso argumento corpo do argumento-agente. neste artigo é a relação de correspondência 5. Verbos de mudança de estado (Loca- entre a localização do sinal (a boca) e a boca lização: Rosto, peito, olhos): CORAR, ME- daquele que come, o agente argumentativo LHORAR, ACORDAR: O rosto, o peito e os no evento. Em outras palavras, o corpo, cons- olhos representam a parte relevante do corpo tituindo um dos componentes formacionais do argumento-paciente (undergoer). do sinal, representa um argumento particular Como a lista acima mostra, o argumento Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas do evento, o agente. É importante notar que representado pelo corpo e correspondendo a 84 o corpo não representa a 1ª pessoa. O sinal propriedades específicas do corpo pode ser Repensando classes verbais em línguas de sinais associado a vários papéis temáticos: agente, as propriedades dos argumentos são inferidas paciente, experienciador e receptor. Entre- do significado dos verbos ou são parte dele. tanto, a escolha do argumento específico a ser Por exemplo, o verbo espirrar implica que o representado pelo corpo do sinalizador não é sujeito possui um nariz; que o sujeito de lam- aleatória. No caso de um predicado de um só ber possui língua; que o sujeito de desmaiar lugar, o corpo naturalmente é associado com é animado e que o sujeito de zangado é sen- o argumento único do predicado. No caso sível. Nas línguas de sinais, tais propriedades de eventos transitivos, observamos que o ar- podem ser representadas por certos aspectos gumento associado a propriedades do corpo da forma do sinal, particularmente, partes do é o argumento mais utilizado: o agente em corpo. Quando o sinal que denota um even- verbos (ex. COMER, BE- to é sinalizado em alguma parte do corpo, o BER, OLHAR) ou verbos (ex. PERGUNTAR, INFORMAR, propriedades do argumento-sujeito3. EXPLICAR) e o experienciador e perceptor em verbos (ex. VER, OUVIR, AMAR)2. Segundo princípios gerais 2.2 Mãos como evento de mapeamento entre estruturas temáticas e sintáticas (ex. Fillmore 1968, Jackendoff O mapeamento icônico do sinal COMER 1990, Grimshaw 1990, Falk 2006 e outros), o aponta para a assimetria básica entre o cor- argumento associado ao papel temático mais po e as mãos. O corpo representa um aspecto utilizado é o argumento-sujeito. A generaliza- do evento, o argumento-sujeito. As mãos, ao ção correta a se fazer é que o corpo é associado contrário, possuem um grau maior de liber- ao argumento-sujeito do verbo ao invés de ser dade. As mãos possuem uma forma específica, associado a um papel temático específico. A em uma orientação específica e se movem de implicação desta análise é que o padrão básico uma maneira específica e em uma direção es- de lexicalização ao representar um estado em pecífica. Conseqüentemente, as mãos podem línguas de sinais é corpo como sujeito. representar muito mais aspectos dos compo- Em outras palavras, o corpo representa ou nentes do significado do sinal. Os aspectos do corresponde a alguma propriedade do argu- movimento podem corresponder aos aspec- mento-sujeito (de que tem sentimentos, é sen- tos temporais do evento (por exemplo, teli- sível, tem uma boca, etc.). Em línguas faladas, cidade), a direção do movimento geralmente

2 Verbos psicológicos (psych verbs) do tipo “assustar”, cujos argumentos são causador e experienciador, e exi- bem um mapeamento sintático-temático diferente, não são reconhecidos sem ASL ou ISL. De modo a expressar um evento de susto, ISL utiliza uma construção verbal leve e perifrástica “DAR SUSTO”, enquanto em ASL se usaria uma paráfrase como “Eu fiquei assustado porque...”. 3 Kegl (1986) também sugere que o corpo está associado ao sujeito argumentativo. Enquanto sua análise não é compatível com a apresentada aqui, ela difere em muitas maneiras importantes. Primeiro, ela refere-se a mudan- ça do corpo (“uma mudança sutil do corpo a uma posição específica no espaço sinalizador”, p.289), e não ao corpo em si, como parte dos componentes fonológicos do sinal. Segundo, ela argumenta que mudança do corpo

(que ela denomina “Proeminência de papel clítico”) é um morfema, funcionando como sujeito clítico e como em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas indicativo do “papel proeminente” (um termo vago em sua análise). Nós não argumentamos por um status de morfema do corpo, nem reivindicamos suas funções sintáticas. 85 Irit Meir, Carol Padden, Mark Aronoff e Wendy Sandler

codifica papéis temáticos espaciais dos argu- sinalizador, em oposição aos demais aspectos mentos, tais como ponto de partida e destino do evento. e a localização final do sinal sendo associada ao argumento-recipiente. A configuração da mão geralmente representa o argumento em 2.3 Fatores que ofuscam o padrão básico movimento (o tema) ou a manipulação do argumento (paciente) pelo sujeito. Em CO- O padrão básico de lexicalização ‘corpo MER, por exemplo, o movimento para den- como sujeito’ descrito acima é mais presente tro do verbo representa o ato de colocar algo em verbos icônicos ancorados no corpo, os dentro da boca de alguém; a configuração de quais pertencem à classe dos verbos simples. mão específica representa o ato de segurar ou Em outros campos do léxico e da gramática manipular um objeto sólido, a comida, no de qualquer língua de sinais, outras estrutu- caso de ‘comer’ e o movimento duplo denota ras e processos na linguagem freqüentemente uma ação ou um evento atélico. ofuscam este padrão. A versatilidade das mãos As mãos, portanto, podem codificar versus a estabilidade do corpo possivelmente muito mais aspectos do evento do que o significam que as mãos assumem cada vez corpo. Isso é o esperado. As mãos são mui- mais papéis nos níveis lexicais e gramaticais to mais versáteis que o corpo: primeiro, as das línguas de sinais, na medida em que o lé- mãos podem mover-se no espaço; segundo, xico expande, resultando em formas que não elas podem assumir diferentes configura- se encaixam no padrão ‘corpo como sujeito’. ções de mão; terceiro, elas formam um par. Dois fatores foram brevemente menciona- O componente movimento, em si mesmo, é dos, examinamos profundamente um tercei- complexo por incluir a maneira e a direção ro fator: a saber, o papel do corpo em formas do movimento. O corpo, ao contrário, não flexionadas dos verbos de concordância. demonstra nenhuma destas propriedades. O Primeiro, nem todas as partes do corpo corpo não se move da mesma maneira que são locais possíveis para a articulação de um as mãos e só existe um corpo. Deste modo, o sinal. Tipicamente, o espaço designado aos corpo codifica um número consideravelmen- sinais é no corpo ou em sua frente, na área lo- te menor de aspectos do evento. Curiosa- calizada entre a cintura e a cabeça. As partes mente, ele codifica um aspecto particular do do corpo localizadas abaixo da cintura rara- evento, um argumento - o sujeito. De certa mente funcionam como locais para a articu- forma, este argumento é privilegiado, pois é lação de sinais. Portanto, as ações praticadas formacionalmente colocado à parte dos ou- pelas pernas e pés do sujeito não são articu- tros componentes do significado do evento. ladas por estes membros, pelo contrário, as Percebemos, portanto, que um padrão básico pernas e pés são representados pelos braços de lexicalização nas línguas de sinais dá su- e mãos. Comumente em línguas de sinais, os porte à supremacia do sujeito na linguagem4 dedos indicador e médio representam as duas e é o argumento representado pelo corpo do pernas. Verbos que denotam ações como de Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

86 4 Para uma discussão mais a fundo sobre a primazia do sujeito na língua, Cf. Meir et al (2007). Repensando classes verbais em línguas de sinais pé, levantar, pular, cair, sentar-se, andar (em (ISL), quando sinalizado na têmpora (Figu- ASL e ISL) possuem a configuração de mão ra 2a), pode apenas se referir a um sujeito na mão dominante, geralmente pratican- absorvendo informação. Quando o sinal do a ação na mão não-dominante (no é sinalizado em espaço neutro (Figura 2b) plano horizontal, com a palma para cima ou ele pode referir-se a um sujeito inanimado, para baixo, representando uma superfície). como uma esponja absorvendo água5. Pare- Verbos que denotam uma maneira específica ce-nos que as propriedades do corpo em si, de caminhar, como, por exemplo, andar de o corpo de um ser animado, limita as pos- salto-alto, é expressa por uma configuração sibilidades de significado que o corpo pode de mão em ASL e por uma configura- representar. ção de mão em ISL, com o dedo mínimo apontando para baixo. Nestes verbos, o corpo não faz parte da estrutura fonológica do sinal e as propriedades do sujeito são representa- das pela configuração de mão (por exemplo, o sujeito possui pernas). Segundo, o corpo representa o sujei- to apenas para seres animados. Os eventos que envolvem sujeitos inanimados são arti- Figura 2: ABSORVER: a. com um sujeito humano. culados pelas mãos, geralmente no espaço b. com um sujeito não-humano. à frente do sinalizador. Freqüentemente, a mão dominante pratica o sinal sobre a mão O corpo em verbos de concordân- não-dominante. Como é o exemplo do ver- cia: 1ª pessoa bo ‘comer’. Em inglês e outras línguas fala- das, o mesmo verbo pode ser usado metafo- Os verbos de concordância são aqueles ricamente com sujeitos inanimados, como que codificam as propriedades de pessoa e em: O ácido comeu o metal, A casa comeu número de seus argumentos-sujeito e objetos todas as minhas economias. Em ASL e ISL, (indireto). No nível semântico, verbos de con- o verbo COMER não pode remeter a refe- cordância denotam eventos de transferência, rentes inanimados. A iconicidade do sinal, a transferência de uma entidade (concreta ou especialmente sua localização (a boca do si- abstrata) de um possuidor anterior para outro nalizador), limita os contextos possíveis e as posterior. Diferentemente dos verbos simples, extensões metafóricas do sinal (Meir 2004). que possuem uma única forma verbal, os ver- De modo semelhante, o sinal ABSORVE bos de concordância possuem muitas formas.

5 Há funções em ASL e ISL, notavelmente funções teatrais ou poéticas, em que o corpo pode ser usado para objetos inanimados. Estes são os casos de personificação, onde os objetos assumem qualidades de seres animados. Um humorista surdo famoso em ASL descreveu o trajeto de uma bola de golfe utilizando sua cabeça, com olhos expres- sivos e outras expressões faciais como se a bola de golfe fosse humana. A bola de golfe, “contente sentada em uma

árvore” (com a árvore sendo representada pela mão em escala apropriada abaixo do queixo), foi “surpreendida em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas voando pelo ar” quando foi atingida por um taco de golfe. Tais formas são raramente encontradas em conversas diárias em ASL, a não ser que o sinalizador pretende fazer um jogo de humor na linguagem. 87 Irit Meir, Carol Padden, Mark Aronoff e Wendy Sandler

Entretanto, cada verbo de concordância pos- As formas flexionadas de verbos de con- sui também uma forma de citação, uma for- cordância são construídas no sistema de Loci- ma utilizada em verbetes de dicionário, para R e a oposição entre o corpo e o espaço. Nestas representar o lexema. As formas de citação de formas, os aspectos do movimento das mãos verbos de concordância ainda manifestam a codificam os papéis sintático e semântico dos estratégia ‘corpo como sujeito’: as mãos mo- argumentos do verbo, enquanto as localiza- vem-se em relação ao corpo. O movimento que ções iniciais e finais do sinal são associadas ao parte do corpo quando o argumento-sujeito Loci-R e codificam as propriedades prono- é o possuidor fonte (em verbos como DAR e minais dos argumentos. As mãos movem-se ENVIAR, os chamados ‘verbos de concordân- entre os Loci-R associados aos argumentos- cia regulares’) e em direção ao corpo quando o sujeito e ao argumento-objeto (indireto) do argumento-sujeito é o possuidor destino (em verbo de maneira sistemática. A ordem linear verbos como LEVAR ou COPIAR, os chama- do Loci-R codifica o papel semântico dos ar- dos ‘verbos reversos’). Entretanto, em formas gumentos: as mãos movem-se do argumento flexionadas de verbos de concordância, o cor- fonte em direção ao destino, ou argumento po não é mais o sujeito, mas, ao invés disso, receptor. A orientação das mãos, isto é, a di- codifica a 1ª pessoa. reção da palma e da ponta dos dedos, codifica Formas flexionadas de verbos de concor- seus papéis sintáticos: as mãos se voltam para dância incorporam a categoria gramatical de o objeto sintático indireto (Meir, 1998a, b). pessoa, codificada no sistema pronominal da Nessas formas, o corpo representa a 1ª pessoa, língua por meio do emprego do contraste en- não o sujeito. Examinemos as seguintes for-

tre o sinalizador e o espaço em sua volta. No mas verbais: 1DAR2 (‘Eu dei a você’), 2DAR1

sistema pronominal de ASL e ISL e em muitas (‘Você me deu’), 2DAR3 (‘Você deu a ele’). outras línguas de sinais, o corpo do sinalizador Em todas estas formas, as mãos movem-se representa a 1ª. pessoa, enquanto as localiza- do R-locus sujeito ao R-locus objeto. Se o ções no espaço de sinalização são associadas sujeito é a 1ª pessoa e o objeto é a 2ª pes- com referentes outros que não a 1ª pessoa soa, as mãos se movem do corpo em direção (Meier, 1990). A associação de referentes de ao destinatário. Se o sujeito é a 2ª pessoa e 3ª pessoa a localizações específicas no espaço o objeto é a 1ª pessoa, então, a direção do é freqüentemente alcançada através da sinali- movimento é invertida. No caso de ambos zação do sinal para aquele referente e depois os argumentos indicarem qualquer pessoa por meio de um sinal que aponta ou direciona que não a 1ª pessoa, o corpo não estará en- o olhar em direção a um ponto específico no volvido na forma e as mãos se moverão do espaço. A indicação subseqüente em direção R-locus associado ao destinatário em dire- àquela localização no espaço (freqüentemente ção a outro locus no espaço, associado a um chamada de locus R(eferencial), cf. Lillo-Mar- referente de 3ª pessoa. tin e Klima, 1990) tem a função de referência Os verbos de concordância codificam pronominal. Apontar em direção a alguém propriedades de pessoa e número dos argu- denota pronome pessoal de 1ª pessoa; apontar mentos-sujeito e argumento-objeto (indire- para um R-locus já estabelecido no espaço de to). Verbos de concordância codificam, en- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas sinalização denota referência pronominal ao tão, duas categorias gramaticais: pessoa gra- 88 referente associado ao R-locus dado. matical e papéis sintáticos. Repensando classes verbais em línguas de sinais

A pessoa é codificada pelo corpo e locali- xibilidade para a codificação do evento: a zações no espaço: um locus na região ou pró- oposição corpo-espaço representa a categoria ximo da região do peito do sinalizador marca gramatical de pessoa (1ª pessoa versus não-1ª a 1ª pessoa. Qualquer outro locus ao redor pessoa), enquanto o movimento e orientação do corpo marca qualquer pessoa que não a das mãos podem codificar os papéis sintáti- 1ª pessoa, incluindo-se a 2ª pessoa e a 3ª pes- cos dos argumentos. Os verbos espaciais, in- soa (Meier, 1990). Os papéis sintáticos dos cluindo-se construções com classificadores, argumentos são codificados pelo movimento são aqueles que possuem pontos iniciais e das mãos entre esses loci. Conclui-se que, em finais determinados por referentes espaciais, formas completamente flexionadas de verbos isto é, pela localização real ou designada na de concordância, o corpo não é mais o sujei- disposição espacial e não pelos argumentos to, mas sim, a 1ª pessoa. O padrão de lexica- sintáticos do sujeito ou do objeto. As localiza- lização modelo e básico é ofuscado por um ções codificadas pelos verbos nesta classe são processo morfológico que utiliza os mesmos interpretadas analogicamente e literalmente elementos formacionais, porém associa tais e não como representando os argumentos elementos a funções gramaticais diferentes. gramaticais (Padden, 1998). Nestes sinais, o movimento se inicia em um local e termina em um outro local diferente, descrevendo a 3. Classes verbais em língua de sinais trajetória do movimento de uma entidade. reconsideradas: o papel do corpo Verbos espaciais, por exemplo, DIRIGIR-A e MOVER-A incorporam distinções especí- Compreendidos o papel do corpo e os papéis ficas de localização e movimento através do das mãos nos diversos tipos de verbos em espaço de sinalização em frente ao corpo, ASL e ISL, é possível voltar à classificação dos mas não em contato com o próprio corpo, o verbos nessas línguas e oferecer uma maneira que é importante para tais distinções. Supalla alternativa de caracterizar estas classes, consi- (1982) descreve os verbos de movimento e derando o papel do corpo juntamente com o localização como se existissem em uma ‘esca- papel das mãos. la’ apropriada. Se os sinais estão em contato Verbos simples, especialmente aqueles com o corpo, então a escala torna-se relativa ancorados no corpo, podem agora ser defi- ao corpo do sinalizador e o significado muda nidos como um conjunto de verbos no qual para ‘um carrinho de brinquedo movendo-se o corpo é o sujeito e a categoria de pessoa para o lado de um corpo humano’. Nos ver- gramatical não é codificada. Nas formas fle- bos espaciais e construções com classificado- xionadas de verbos de concordância, o corpo res, a(s) mão(s) representa(m) entidades que não é mais o sujeito. Ao invés disso, o corpo se movem no espaço; tipicamente, o corpo é a 1ª pessoa e as localizações no espaço de não é envolvido no evento, de maneira algu- sinalização são associadas a referentes que ma ou pode ser usado como um ponto de re- não são de 1ª pessoa e as mãos, especialmen- ferência espacial (o chamado ground ou base, te a direção do movimento e a orientação cf. Talmy 1983), com relação à pessoa para das mãos, codificam os papéis sintáticos e quem o evento de movimento é descrito. A Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas semânticos dos argumentos. O afastamento caracterização das três classes verbais está re- do evento do corpo oferece uma maior fle- sumida na Tabela 2. 89 Irit Meir, Carol Padden, Mark Aronoff e Wendy Sandler

Classes verbais Corpo Mãos Espaço língua possui concordância com o objeto, ela

Verbos simples Corresponde ao Não codifica ------possui também concordância com o sujeito, sujeito propriedades porém não vice-versa. Portanto, a expectativa dos argumentos é que sejam encontradas línguas faladas com Verbos de 1ª Pessoa Codifica Referentes concordância os papéis a Não-1ª concordância de sujeito e sem concordância sintáticos e pessoa semânticos dos de objeto, mas não línguas com concordân- argumentos cia de objeto e sem concordância de sujeito Verbos Ponto de Codifica os Localizações (Cf. Keenan 1976: 316; Lehmann 1988: 64). espaciais referência papéis locativos no espaço espacial ou não dos argumentos Esta hierarquia também implica no fato envolvido de que em uma dada língua, se uma forma Tabela 2: Classes verbais redefinidas verbal codifica a concordância com o obje- to, ela também codifica concordância com o sujeito. Nas línguas de sinais, este não é o 4. Um enigma tipológico em língua caso. Primeiramente, não se sabe de nenhu- de sinais ma língua de sinais que tenha concordância com o sujeito e não tenha concordância com 4.1 Supremacia do objeto sobre o sujeito o objeto. Segundo, e ainda mais importante, existem diversos fenômenos no sistema de A concordância verbal nas línguas de sinais concordância verbal em certas línguas de si- apresenta desafios interessantes para a teoria nais que resultam em formas marcadas para lingüística, porque é similar à dos sistemas concordância de objeto, mas não de sujeito. de concordância verbal em línguas faladas, Dois desses fenômenos são descritos aqui. embora seja, ao mesmo tempo, muito dife- (a) Verbos de concordância única: em rente dela. Uma diferença é que em línguas ASL e ISL, verbos de concordância encaixam- de sinais, a concordância verbal é marcada se em várias subcategorias. Alguns verbos apenas em uma classe verbal, verbos que de- concordam apenas com um argumento. Nes- notam transferência, enquanto em línguas ses verbos, o ponto inicial do verbo é marcado faladas, os sistemas de concordância geral- por ser localizado em alguma parte do corpo mente se aplicam a todos os verbos de uma (principalmente em alguma parte do rosto) língua específica6. Uma segunda diferença é e, portanto, não é determinado pelo R-locus que no sistema de língua de sinais, a concor- do outro argumento do verbo. PERGUNTAR dância com o objeto tem prioridade sobre a (ISL) é um desses verbos: sua localização ini- concordância com o sujeito. Esta situação é cial é perto da boca e sua localização final é diferente daquela das línguas faladas, onde o em direção ao R-locus do objeto do verbo. sujeito é o argumento de maior importância Mesmo que o sujeito não seja 1ª pessoa, o na Hierarquia de Relações Gramaticais (GR) verbo ainda assim se inicia em um local perto (Greenberg, 1966: 37-38) e, portanto, o argu- da boca. Portanto, uma forma verbal signifi- mento mais acessível à concordância verbal. cando “Ele perguntou a você” possui a forma Esta hierarquia implica no fato de que se uma PERGUNTAR2 ao invés de 3PERGUNTAR2. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

90 6 Para uma análise sobre este tópico, Cf. Meir (2002). Repensando classes verbais em línguas de sinais

Eis alguns exemplos de verbos com concor- verbo partindo do corpo, e não de uma locali- dância de argumento único em ISL: zação próxima ao R-locus do sujeito. Em ou- tras palavras, quando o R-locus que funciona RESPONDER, EXPLICAR, CONTAR como marcador de concordância de sujeito (boca), VER (olho), VISITAR (olho), IM- é omitido, o verbo geralmente é ancorado PORTAR-(se) (testa), TELEFONAR (orelha) ao corpo em seu ponto inicial, concordando apenas com seu objeto. Tais verbos asseme- Em ASL, formas de concordância de ar- lham-se às formas de verbos com concordân- gumento único incluem VER, TATEAR, ES- cia única, discutidas na sessão anterior7. PIAR. Curiosamente, nesses verbos é sempre As línguas de sinais, portanto, parecem, o marcador de concordância de sujeito (isto em um primeiro momento, obedecer a uma é, o R-locus associado ao sujeito sintático) hierarquia inversa em se tratando de concor- que é omitido. O marcador de concordância dância verbal: o objeto é mais proeminente de objeto, portanto, parece ser obrigatório, que o sujeito. Se um verbo concorda com mas não o marcador de sujeito. O mesmo apenas um argumento, trata-se do argumen- fenômeno é descrito em outras línguas de si- to-objeto (recipiente). E, se uma forma ver- nais, ex. Língua de Sinais Dinamarquesa (Di- bal codifica concordância com o sujeito, ela namarquesa SL), (Engberg-Pedersen 1993: também codifica concordância com o objeto. 191), e Língua de Sinais Italiana (LIS) (Pizzu- Vários pesquisadores notaram este compor- to 1986: 25-26). tamento peculiar e tentaram oferecer uma ex- (b) Omissão do marcador de concordân- plicação. Janis (1995: 220) mostra que a hie- cia de sujeito: tem sido observado que o mar- rarquia de concordância da ASL assemelha-se cador de concordância de sujeito é opcional- às hierarquias encontradas em outras línguas mente excluído (Padden 1988; Bahan 1996; para marcadores de caso. Meir (1998b, 2002) Liddell 2003). Conforme Padden aponta, o se apóia nessa observação e analisa a orienta- marcador de concordância de sujeito de um ção das mãos (que segundo sua análise, mar- verbo pode ser opcionalmente excluído, seja ca os papéis sintáticos dos argumentos) como ele realizado como o ponto inicial do verbo marcações de relações de caso. Entretanto, (como nos tipos verbais ‘dar’) ou como seu tanto Janis quanto Meir admitem que as lín- ponto final (como nos tipos verbais ‘levar’). guas de sinais ainda não são usuais no sentido Quando o marcador de concordância de su- de que as relações de caso são marcadas no jeito é excluído, Padden observa, “a forma re- verbo e não nos argumentos. Portanto, ne- sultante possui movimento linear reduzido” nhuma solução satisfatória foi oferecida até (ibid. p. 117). Contudo, quando o sujeito de agora a esse enigma tipológico. tais formas verbais reduzidas é a 2ª ou a 3ª Sugerimos que o enigma pode ser re- pessoa, os sinalizadores tendem a sinalizar o solvido por uma nova maneira de se olhar a

7 Quando o objeto está em 1ª pessoa, o verbo retém o movimento em direção ao corpo do sinalizador. Nestas for- em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas mas, o corpo é a 1ª pessoa e não o sujeito. As formas de verbos com concordância única descritas aqui ocorrem somente em objetos que não são em 1ª pessoa. 91 Irit Meir, Carol Padden, Mark Aronoff e Wendy Sandler

classificação verbal em línguas de sinais, que é representada pelo corpo do sinalizador. Em considera o papel do corpo nas três classes outras palavras, o sujeito não é codificado verbais. Essa abordagem mostrará que o su- pelo sistema de concordância verbal, mas, ao jeito é o argumento mais proeminente tam- invés disto, pela forma lexical do verbo, como bém em línguas de sinais, mas que essa proe- nos verbos simples. De certo modo, o sujeito minência é manifestada de uma maneira um é mais profundamente entranhado em verbos tanto diferente nas línguas de sinais. simples e em verbos de concordância única do que em verbos de concordância completa, por ser parte do próprio item lexical em si e 4.2 A solução não adicionado por um afixo flexional. Essa linha de pensamento sugere que o Conforme mostramos na sessão 3 acima, sujeito é um argumento privilegiado tanto uma diferença importante entre verbos de em línguas de sinais, como em línguas fa- concordância e verbos simples reside no pa- ladas. Mas as duas modalidades permitem pel do corpo. Nos verbos simples, o corpo re- diferentes possibilidades para expressar este presenta o sujeito e a categoria da pessoa não status especial. A modalidade manual-visual é codificada. Nos verbos de concordância, o utiliza a assimetria natural entre o corpo e as corpo codifica a 1ª pessoa e as mãos codifi- mãos para codificar a assimetria sujeito-pre- cam todas as outras pessoas, isto é, codifican- dicado na forma de itens lexicais que deno- do os referentes que não são 1ª pessoa bem tam o estado das coisas. A assimetria é codi- como seus papéis sintáticos. ficada pela estrutura dos itens lexicais nessas Voltando aos verbos de concordân- línguas. Os processos gramaticais, tais como cia única, podemos sugerir uma solução ao concordância verbal, podem fazer com que enigma tipológico apresentado. Verbos de este padrão se torne opaco, mas essa tendên- concordância única podem ser considera- cia básica emerge como modelo padrão em dos como um tipo híbrido de verbos simples várias situações. A modalidade auditiva das e verbos de concordância. Assim como nos línguas faladas não pode codificar as proprie- verbos simples, nos verbos de concordância dades do sujeito na estrutura lexical das pa- única, o corpo representa o sujeito. As mãos, lavras. O status especial do sujeito é expresso ao contrário, comportam-se como nos verbos na estrutura gramatical, por ser o alvo mais com concordância (completa): elas codifi- acessível para vários processos morfológicos cam propriedades de não-1ª-pessoa e o obje- e sintáticos. to sintático. Esses verbos, então, representam o sujeito pelo corpo. O que não é indicado nessas formas não é o marcador de sujeito, 5. papéis competitivos do corpo: mas a especificidade a respeito da pessoa. Es- sujeito, 1ª pessoa, corpo humano ses verbos retêm suas trajetórias no que diz respeito ao corpo como sujeito, uma vez que A análise do papel do corpo em verbos sim- se movem de perto do corpo para fora (ou ples versus verbos de concordância demons- em direção ao corpo em caso de um “verbo tra que o corpo pode incorporar funções Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas reverso”). Nossa análise sugere que a referên- gramaticais diferentes da língua, ambos fa- 92 cia ao sujeito é obrigatória, e não opcional, e zendo uso de propriedades diferentes do cor- Repensando classes verbais em línguas de sinais po humano. Os diferentes sub-sistemas da men). Nessas formas, o torso superior está língua utilizam essas propriedades diferentes disponível como um conjunto detalhado de do corpo. Os seres humanos usam seu corpo locais, usados por sinais para se referirem a para praticar vários tipos de ações. Portanto, pontos específicos do corpo. o corpo pode ser utilizado para representar Esses três papéis diferentes, de represen- essas ações, da perspectiva de um argumento tar o sujeito, a 1ª pessoa e as localizações no particular participante do evento, o sujeito. corpo, são empregados em três subsistemas Esse aspecto do corpo é codificado na forma distintos na língua. Entretanto, poderia ha- lexical de verbos simples. O corpo é também ver casos onde estes papéis competem entre o corpo do sinalizador, emissor na situação si. Por exemplo, em verbos de concordân- comunicativa. O papel do emissor é codifica- cia única o corpo representa o sujeito, mas do na categoria lingüística da pessoa; o corpo a representação das formas do objeto em 1ª representa a 1ª pessoa, como no sistema pro- pessoa também é necessária, como em (ISL): nominal e nas formas flexionadas dos verbos “ele pergunta a mim”. De modo similar, uma de concordância. localização no corpo pode representar não só O corpo também pode representar um um evento acontecendo ao sinalizador, mas corpo humano e todos os seus vários órgãos: também pode representar o sinalizador atu- a boca, olhos, orelhas, testa, peito, braços, etc. ando em uma parte do corpo de um referente Apontar para um órgão específico pode ter a em 3ª pessoa, como em ‘Eu penteei o cabelo função de referir-se àquele órgão. Realmen- dele/dela’. Como as línguas de sinais resolvem te, os sinais para olhos, nariz, boca, coração, estas situações? Essas formas são, na verdade, braços e outros órgãos do corpo são freqüen- mais complexas e complicadas e diferentes temente sinais dêiticos, que apontam para línguas de sinais propõem soluções distintas o órgão em questão. Os sinais referentes às a esses problemas. Examinaremos, aqui, dois ações praticadas em vários órgãos do corpo casos: As formas de objetos de 1ª pessoa de podem ser modulados para expressar a parte verbos de concordância de argumento único do corpo específica envolvida no evento. O e verbos transitivos que denotam atividades sinalizador pode usar seu corpo para indicar do corpo. onde no corpo ele foi atingido em um even- to expressado pela seguinte sentença – “Ele me bateu no braço”. Dependendo de onde 5.1 As formas de objetos de 1ª pessoa de no braço a mão sinalizadora toca no corpo, um verbo de concordância de argumento por exemplo, a parte superior ou inferior do único braço, o sinalizador pode especificar onde, no braço, o evento aconteceu. Ou, em um Em verbos de concordância de argumento evento como ‘O cirurgião abriu meu peito’, o único, a posição inicial do sinal é no corpo e sinal OPERAR envolve um curto movimento as mãos movem-se em direção ao local no es- para baixo tocando o osso externo do sina- paço associado com argumento-objeto. Mas lizador. O sinalizador pode contrastar este se o argumento objeto é o primeiro referente, local com cirurgia em outro lugar no corpo, então as posições iniciais e finais do sinal são Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas como cirurgia cerebral (tocando em alguma ambas no corpo. Se o mesmo local do corpo parte da cabeça) ou uma cesariana (no abdô- é utilizado, então o sinal não teria nenhum 93 Irit Meir, Carol Padden, Mark Aronoff e Wendy Sandler

movimento de trajetória, resultando em um 5.2 Verbos transitivos que denotam sinal fonologicamente impossível. Como as atividades do corpo línguas de sinais resolvem este conflito? A ISL e a ASL apresentam duas estratégias diferen- Os sinais para verbos que denotam ações tes. Em ISL, uma forma verbal como “ele me praticadas em órgãos do corpo, como ESCO- perguntou” começa no R-locus associado ao VAR-CABELO versus ESCOVAR-DENTES, referente sujeito (‘ele’), move-se em direção BATER-NO-OMBRO versus BATER-NO- à boca (o local lexicamente especificado do ROSTO são sinalizados nos órgãos respecti- sinal) e depois se move para baixo, em dire- vos. Tais formas se beneficiam do fato de o ção ao peito do sinalizador, a localização que corpo do sinalizador estar sempre lá no even- codifica a 1ª pessoa. Essa forma é, portanto, to discursivo e, portanto, referências a ór- mais complexa que as formas flexionadas re- gãos do corpo podem ser feitas simplesmen- gulares de verbos de concordância, já que tem te apontando ou sinalizando perto do órgão especificações de lugares para três locais dis- em questão. Em tais formas, o corpo não está tintos: o R-locus do sujeito, a boca e o peito. necessariamente associado com o argumen- De maneira similar, a forma verbal de ‘você to-sujeito ou com a 1ª pessoa, mas, ao invés me vê’, começa no locus da 2ª pessoa, move- disso como uma entidade do mundo real que se em direção aos olhos e depois em direção está sendo empregada no discurso sinalizante ao peito. A ASL também utiliza essa estratégia como um dispositivo referencial. Contudo, a para alguns verbos como VER e CONTAR. interpretação padrão de tais formas é que o A ASL também apresenta uma diferente corpo é também o corpo do sinalizador, por- estratégia, utilizada com alguns verbos. Por tanto, 1ª pessoa. A interpretação não marca- exemplo, uma forma verbal significando “ele da de uma forma como ESCOVAR-CABELO me telefonou” começa na orelha, depois se é então, ‘Eu escovei meu cabelo’. Mas como move para o R-locus estabelecido para a 3ª sinalizar ‘Eu escovei o cabelo dela’? Articular pessoa e depois se move para o peito do sina- o sinal na cabeça do sinalizador tenderia a lizador. Em ASL e ISL, tais formas possuem ser interpretado como escovando o próprio especificações para os três lugares, mas a or- cabelo, enquanto articular o sinal em um es- dem desses lugares é diferente: o movimen- paço neutro, na direção do R-locus associado to vem do corpo para o R-locus do sujeito e ao referente da 3ª pessoa perde a especifici- depois para o R-locus do objeto. Se o objeto dade em relação ao cabelo. Tais formas são é a 1ª pessoa, o sinal parte do peito do sinali- notoriamente difíceis e os sinalizadores de zador, mas pode também partir de outro R- línguas diferentes podem utilizar estratégias loci. Em ISL, tais formas são restritas ao ob- diferentes para este desafio. Uma estratégia jeto como 1ª pessoa. Quando o objeto não é é articular o sinal primeiramente no corpo 1ª pessoa, o verbo não pode codificar o mar- do sinalizador, especificando o local exato cador de concordância de sujeito, resultando no corpo onde a ação acontece e depois di- em um verbo de concordância de argumento recionar o sinal para o outro referente, es- único. As diferenças e as semelhanças entre a pecificando o objeto gramatical. Uma outra ASL e a ISL mostram que as soluções a pro- técnica é dividir o evento transitivo em dois Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas blemas lingüísticos similares podem assumir sub-eventos intransitivos, especificando o 94 diferentes formas. que cada argumento está fazendo. Um clipe Repensando classes verbais em línguas de sinais mostrando uma garota escovando o cabe- bem como formas complexas começando lo de sua mãe pode ser expresso por ‘MÃE com sinais ancorados no corpo. Na ISL, os SENTA; GAROTA PENTEIA’. Pedimos des- sinais direcionados a locais no espaço são crições das três ações envolvendo partes do preferidos e a ordem dos sinais varia nas corpo em duas línguas: ISL e ABSL. Estes formas complexas. Assim como acontece clipes mostraram: uma menina alimentando nas formas de objeto em 1ª pessoa, citadas sua mãe, uma menina escovando o cabelo de acima, desafios semelhantes podem resultar sua mãe e um homem dando um tapinha no em soluções diferentes, ou pelo menos em ombro da menina. As respostas de 16 sina- tendências diferentes em diferentes línguas lizadores de ABSL (adultos e crianças, faixa de sinais. etária 4-40) e 17 sinalizadores de ISL (faixa etária 30-90) foram analisadas e codificadas. Das 63 respostas em ABSL, 22 envolveram 6. Consequências e previsões para a verbos sinalizados no corpo do sinalizador teoria do ‘corpo como sujeito’ (35%), 12 foram sinalizados em direção a um local no espaço (19%); 20 formas envolveram Argumentamos que o ‘corpo como sujeito’ é articular o sinal no corpo do sinalizador e de- um modelo básico de estratégia de lexicaliza- pois o sinal em direção a um local no espaço ção em línguas de sinais e que a concordân- e 7 foram sinalizados na ordem inversa. Duas cia verbal é um mecanismo mais complexo, formas envolveram três verbos: outro-eu- o qual se apóia nessa estratégia básica, mas outro. Parece-nos que a ABSL prefere sinais também a obscurece, pois envolvem uma ancorados no corpo ou primeiro, sinais an- categoria gramatical adicional (pessoa gra- corados no corpo e, depois, direcionando o matical) e o distanciamento do sujeito em verbo para fora do corpo. relação ao corpo. Levando-se em conta que Em ISL, encontramos um padrão dife- a configuração ‘o corpo é sujeito’ é mais bá- rente: das 72 respostas, somente 15 foram si- sica, as seguintes previsões emergem: (a) se nais ancorados no corpo (aproximadamente uma língua de sinais apresenta concordância 20%), enquanto 39 formas verbais foram di- verbal, ela deve apresentar verbos de ‘corpo recionadas a locais no espaço (54%). 23 for- como sujeito’ (isto é, verbos simples), mas não mas foram complexas: eu-outro (15), outro- vice-versa; (b) de uma perspectiva diacrônica, eu-outro(4), (3) e eu-outro-eu (1). os verbos de ‘corpo como sujeito’ aparecem Esses resultados indicam que em ambas antes dos verbos de concordância, isto é, uma as línguas não existem formas estabelecidas língua de sinais que possuía basicamente ver- para expressar tais eventos, mas cada língua bos de “corpo como sujeito” passaria a adicio- demonstra suas preferências. Na ABSL, os nar concordância verbal ao seu sistema verbal sinais ancorados no corpo são preferidos, somente em estágios avançados8.

8 Entretanto, não argumentamos que todas as línguas de sinais devem desenvolver concordância verbal à medida em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas que envelhecem. Nosso argumento é que se uma língua de sinais desenvolve concordância verbal, esperamos que tal desenvolvimento atinja um estágio em que a língua tenha somente verbos de “corpo como sujeito”. 95 Irit Meir, Carol Padden, Mark Aronoff e Wendy Sandler

Descrevemos duas línguas que se com- de surdez nesta comunidade, típica de sur- portam de acordo com estas previsões: A Lín- dez congênita recessiva (Lane, Pillard, and gua de Sinais Al-Sayyid Beduína (ABSL), uma French 2000), tem tido implicações sócio- língua recente com verbos simples, mas sem lingüísticas: membros surdos da comunida- verbos de concordância, e a Língua de Sinais de são integrados à estrutura social e não são Israelense (ISL), uma língua que não possuía estigmatizados ou marginalizados e a língua concordância verbal nos primeiros estágios de sinais desenvolvida na comunidade como de sua história e desenvolveu este sistema em um meio de comunicação é utilizada por estágios posteriores. membros surdos e uma fração significativa dos membros ouvintes da comunidade (Kis- ch 2000). 6.1 ABSL: Uma língua de sinais sem A Língua de Sinais Al-Sayyid Beduína concordância verbal (ABSL) possui estrutura lexical diferen- te de outras línguas de sinais utilizadas na O grupo Beduíno Al-Sayyid foi fundado região, incluindo a Língua de Sinais Israe- aproximadamente 200 anos atrás, na re- lense (ISL) (Sandler et al. 2005) e a Língua gião da Negev, atual Israel. Originalmente de Sinais Jordaniana (LIU) (Al-Fityani & ‘camponeses’ fellahin do Egito que traba- Padden 2006) e, como o esperado, as lín- lhavam para Beduínos tradicionais como guas não são mutuamente inteligíveis. Em empregados, o grupo Al-Sayyid funciona um estudo anterior, mostramos que a ABSL atualmente com autonomia e é considera- desenvolveu consistentemente o fraseado do Beduíno por estrangeiros. Esse grupo SOB em uma geração, o que difere do fra- está atualmente em sua sétima geração e seado no ambiente sinalizado e de línguas têm aproximadamente 3500 membros que faladas (Árabe e Hebreu) da região. O que residem juntos em uma única comunidade não encontramos foram processos morfo- separada dos outros. O casamento consan- lógicos flexionais como concordância ver- güíneo é considerado a norma no grupo bal. Como resultado da falta de morfologia desde sua terceira geração. Tais padrões de de concordância verbal na ABSL, o padrão casamento são comuns na região e levam básico de lexicalização do ‘corpo como su- a laços internos muito fortes e à exclusão jeito’ é mais aparente. Das três classes ver- de membros externos ao grupo. É um in- bais - simples, com concordância e espacial dicativo de que os Al-Sayyid ainda se vêem - a ABSL possui somente duas: verbos sim- como uma única grande família, embora ples e verbos espaciais. Verbos que deno- agora subdividida em subfamílias. tam transferência, que em muitas línguas Na quinta geração desde a fundação de sinais constituem a classe dos verbos de da comunidade (há aproximadamente 70 concordância, comportam-se como verbos anos), nasceram quatro irmãos surdos na simples em ABSL. comunidade. As duas gerações seguintes Essa observação é baseada em dados também apresentaram surdez em muitas colhidos a partir de 9 sinalizadores da se- outras famílias. Atualmente, o número de gunda geração (faixa etária 28-45) e de 12 Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas indivíduos surdos na comunidade é de apro- sinalizadores da terceira geração (faixa 96 ximadamente cem. A peculiar distribuição etária 4-24). Um conjunto de clipes desig- Repensando classes verbais em línguas de sinais nados a colher uma variedade de verbos transitivos e intransitivos perpassando diferentes categorias semânticas foi mos- trado aos sinalizadores. A partir desses dados, identificamos um subconjunto de clipes envolvendo as seguintes ações de transferência entre duas entidades: DAR, ATIRAR, PEGAR, LEVAR e ALIMENTAR. Figura 3: Mulher dá uma bola a Dois outros clipes envolveram as ações de um homem. VER e MOSTRAR, que em muitas línguas de sinais comportam-se como verbos de concordância. Analisamos as respostas dos sinalizadores a esses clipes coleta, re- sultando em um total de 201 formas ver- bais (incluindo repetições e descrições de eventos únicos com duas orações). Das 201 formas de transferência produzi- das, 176 envolveram movimento em relação À direita à esquerda dar ao corpo. Movimentos de dentro para fora quando o sujeito é a fonte (como em DAR, Figura 4: Ele está aqui, ela está ali. Ela deu ATIRAR e ALIMENTAR), ou em movimen- (a bola) a ele. tos de fora para dentro se o sujeito é o desti- no (como em verbos reversos, LEVAR e PE- Em número menor de respostas (25 de GAR). Houve pouca ou nenhuma movimen- 201), os sinalizadores utilizaram uma for- tação para o lado; o movimento se concen- ma com um movimento de trajetória não trava do centro para fora ou do centro para partindo do corpo, mas de um lado para dentro. O movimento do centro para fora– o outro (ilustrado na Figura 6). Em uma dentro apareceu mesmo com o fato das ações análise detalhada, notamos que esses sinais nos clipes mostrarem os atores transferindo envolviam segurar ou manipular um objeto um objeto de um lado para o outro da tela. e movê-lo para outro local. Por exemplo, Os sinalizadores não imitaram a direção do cinco dessas respostas partiram de uma movimento na ação do clipe, ao invés disso, ação no clipe em que um homem ergue usaram o movimento de acordo com o plano um cachecol do chão e o move para frente central deles. Figura 3 mostra figuras de uma da mulher que então, o aceita. (Figura 5) ação em que uma mulher dá uma bola a um Essa ação assemelha-se menos a uma ação homem. Em sua resposta, a sinalizadora in- de transferência do que à ação de erguer o dica que a mulher está no lado direito da tela cachecol de sua posição inicial no chão e e o homem à sua esquerda, mas sua forma movê-lo em direção à localização da mu- verbal não utilizou nenhum desses locais, o lher. O cachecol não estava inicialmente em movimento do verbo DAR foi do centro para posse do homem, mas no chão à sua frente. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas fora. A Figura 4 abaixo mostra a resposta da Analisamos essas produções verbais como sinalizadora. verbos espaciais, já que eles estão conforme 97 Irit Meir, Carol Padden, Mark Aronoff e Wendy Sandler

os outros sinais produzidos pelos mesmos ses verbos, o corpo representa o argumento- sinalizadores em resposta às ações nos cli- sujeito, seja o sujeito a fonte da transferência pes em que um objeto movia-se pelo espa- (como em DAR, ATIRAR e ALIMENTAR), ço sem envolver transferência. Por exem- ou o seu destino (como em LEVAR e PE- plo, ao descrever uma bola sendo atirada GAR). Essas formas não codificam distinções em um aro dentro de uma sala, sinalizado- de pessoa. Isto é, os sinalizadores não varia- res geralmente descreviam a trajetória da ram a direção da forma verbal quando a pes- bola movendo suas mãos de um lado para o soa do sujeito e o objeto da oração variaram. outro no espaço sinalizador. Dos 13 clipes Os verbos que envolvem transferência de destinados à geração mais nova, que envol- uma entidade a outra se comportam como a viam movimentos para o lado, 12 vieram classe padrão de verbos simples. de clipes exibindo um evento de ver e outro De acordo com o que foi mencionado de mostrar, sendo a forma verbal acompa- acima, em línguas de sinais com sistema de nhada por um movimento da cabeça para concordância verbal, o corpo é a 1ª pessoa o lado. e as mãos codificam os papéis sintáticos dos argumentos. Nesse sistema, o padrão ‘corpo como sujeito’ não aparece mais, já que a cate- goria da pessoa está sobreposta a ele. O siste- ma verbal ABSL não codifica pessoa gramati- cal fornecendo evidência ao padrão básico de ‘corpo como sujeito’.

Figura 5: Homem move o cachecol para a mulher. 6.2 Língua de Sinais Israelense: A perspectiva diacrônica

A Língua de Sinais Israelense (ISL) é uma língua de sinais relativamente jovem, que passou a existir juntamente com a comuni- dade surda israelense há aproximadamente 70 anos. Diferentemente da ABSL, a ISL de- senvolveu-se em uma situação de pidgin. Os Cachecol dar membros da primeira geração da comuni- dade surda vieram de contextos diferentes, Figura 6: “Há um cachecol, ele (o) entregou em termos de país de origem e de língua. (a ela) (esquerda para direita)”. Alguns membros dessa geração nasceram em Israel, sendo a maioria composta de imi- A ABSL, portanto, não possui sistema de grantes que vieram da Europa (Alemanha, concordância verbal. O que é crucial ao nos- Áustria, Hungria e Polônia) e mais tarde do so argumento é o modelo de padrão lexicali- Norte da África e do Oriente Médio. Alguns Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas zação do ‘corpo como sujeito’ que os verbos desses imigrantes trouxeram a língua de si- 98 de transferência em ABSL demonstram. Nes- nais de seus respectivos países. Outros não Repensando classes verbais em línguas de sinais possuíam sinais ou utilizavam algo como 7. Conclusões sinal caseiro9. Atualmente, quatro gerações de sinalizadores convivem simultaneamente As línguas de sinais demonstram que o sta- na comunidade surda: a primeira geração, tus privilegiado do sujeito se manifesta não que contribuiu para os primeiros estágios de apenas em seu comportamento nos vários formação e desenvolvimento da língua e a níveis estruturais, mas também na estrutura quarta geração, que adquiriu e desenvolveu lexical inerente aos sinais. Isto é, a noção de a língua moderna como um sistema lingüís- sujeito é construída na estrutura das palavras tico completo. em si, mesmo antes de elas se combinarem Enquanto a sinalização da primeira ge- em unidades maiores. A divisão do trabalho ração de sinalizadores (idade 65 em diante) entre o corpo e as mãos nesses sinais suge- demonstra variações individuais conside- re que o evento deve ser conceitualizado em ráveis em termos de vocabulário, fraseado termos de predicado em relação ao sujeito. O e dispositivos gramaticais, a sinalização agenciamento de um dos argumentos partici- desta geração não possui concordância ver- pantes do evento é um componente básico da bal. Sinalizadores mais velhos geralmente estrutura lexical que expressa o evento. não flexionam os verbos de transferência. O padrão ‘corpo como sujeito’, mesmo Usam verbos simples, de modo similar aos sendo básico, como argumentamos, é fre- resultados encontrados no estudo da ABSL. qüentemente ofuscado por outros sistemas Sinalizadores, entre 40 e 50 anos, utilizam em línguas de sinais. Entretanto, uma vez verbos de concordância como verbos de que este padrão é reconhecido, ele se torna concordância única, partindo do corpo e uma ferramenta explicativa robusta para um concordando com o objeto (recipiente). grande número de fenômenos interlinguais e Sinalizadores jovens (30 anos ou menos) intralinguais. Ele explica porque este padrão flexionam verbos de concordância para o su- emerge como estratégia modelo em verbos de jeito e objeto, mas as formas de concordância concordância de argumento único, esclarece apenas com objeto ainda são utilizadas. a complexidade das formas de objeto em 1ª Engberg-Pedersen (1993: 193) descreve pessoa e explica a aparente supremacia do uma tendência similar na Língua de Sinais objeto no sistema de concordância verbal em Dinamarquesa: sinalizadores mais velhos ten- línguas de sinais. Os desenvolvimentos dia- dem a utilizar verbos de concordância como crônicos numa língua de sinais, bem como verbos de concordância única, concordando diferenças tipológicas entre línguas de sinais, apenas com o argumento-objeto (indireto). também encontram uma explicação natural Sinalizadores jovens, ao contrário, utilizam quando se reconhece o papel do corpo na es- formas verbais em que a concordância é mar- trutura do sinal. É útil também para demons- cada com o sujeito e objeto. Entretanto, o pa- trar a conexão com outros fenômenos, como drão anterior é também utilizado. por exemplo, o fato de que gestos da pers- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 9 Para uma descrição da história da comunidade surda em Israel e o desenvolvimento da ISL, Cf. Meir & Sandler (no prelo). 99 Irit Meir, Carol Padden, Mark Aronoff e Wendy Sandler

pectiva do sinalizador são mais transparentes LEHLANN, C. On the function of agreement. In: que os gestos da perspectiva do observador BARLOW, M.; FERGUSON, C. (Orgs.) Agree- (Marentette et al., 2007) e além de observa- ment in Natural Language. Stanford: CSLI, ções em relação aos estágios de aquisição da 1988. p. 55-65. concordância verbal por crianças surdas em LIDDELL, S. Grammar, gesture, and meaning várias línguas de sinais. Deixamos estes tópi- in American Sign Language. New York: Cam- cos para futuras pesquisas. bridge University Press, 2003. LILLO-MARTIN, D.; KLIMA, E. Pointing out differences: ASL pronouns in syntactic theory. Referências In: FISCHER, S. D.; SIPLE, P. (Orgs.). Theoreti- cal Issues in Sign Language Research. Chicago AL-FITYANI, K.; PADDEN, C. A lexical com- and London: The University of Chicago Press, parison of sign languages of the Arab world. 1990. p. 191-210. Trabalho apresentado ao TISLR 9, Florianó- MARENETTE, P.; VOGELSANG, N.; PIKA, S.; polis, 2006. NICOLADIS, E. The transparency of iconic BAHAN, B. Non-manual Realization of Agre- gestures: Differences in viewpoint and language ement in American Sign Language. Tese de modality. Trabalho apresentado ao TISLR 9, Doutorado em–Lingüística Aplicada_Boston Florianópolis, 2006. University, 1996. MEIER, R. Person deixis in American Sign Language. ENGBERG-PEDERSEN, E. Space in Danish Sign In: FISCHER, S. D.; SIPLE, P. (Orgs.). Theoretical Language. Hamburg: Signum-Verlag, 1993. issues in sign language research. Chicago: Uni- FALK, Y. N. Subjects and Universal Grammar. versity of Chicago Press, 1990. p. 175-190. Cambridge: Cambridge University Press, MEIR, I. A cross-modality perspective on verb 2006. agreement. Natural Language and Linguistic FILLMORE, C. J. The case for case. In: BACH, E.; Theory, v. 20, 2002. p. 413-450. HARMS R.T. (Orgs.). Universals in linguistic MEIR, I. Syntactic-semantic interaction in Israeli theory. New York: Holt, 1968. p. 1-88. Sign Language verbs. In: Sign Language and GREENBERG, J. H. Language Universals. In: Linguistics, v. 1, 1998. p. 3-38. Janua Linguarum Series Minor, v. 59. The MEIR, I. Thematic structure and verb agreement Hague: Mouton. 1966. in , Tese de Doutora- GRIMSHAW, J. Argument Structure. Cambridge, do–Hebrew University: Jerusalem, 1998. Mass: MIT Press, 1990. MEIR, I. Spatial Grammar in Signed and Spoken JACKENDOFF, R. S. Semantic and cognition. Languages: Modality Effects on Grammatical Cambridge, Mass: MIT Press, 1990. Structure. Trabalho apresentado ao TISLR 8, JANIS, W. D. A crosslinguistic perspective on Barcelona, 2004. ASL verb agreement. In: Karen EMMOREY, MEIR, I.; SANDLER, W. A Language in Space: K.; REILLY, J. S. (Orgs.) Language, Gesture, The Story of Israeli Sign Language. New York: and Space. NJ: Lawrence Erlbaum Associates, Lawrence Erlbaum Associates. Publishers, 1995. p. 255-286. MEIR, I.; PADDEN, C.; ARONOFF, M.; SADLER, KEENAN, E. L. Towards A Universal Definition Of W. Body as subject. Em andamento, 2007. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas “Subject” In: LI, C. (Org.). Subject and Topic. PADDEN, C. Interaction of Morphology and 100 New York: Academic Press. 1976. p. 303–333. Syntax in American Sign Language. Outstan- Repensando classes verbais em línguas de sinais

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101 A realização morfológica dos campos semânticos1

Irit Meir Universidade de Haifa, Israel

1. Introdução rações de mudança de valência. Em russo, por exemplo, um verbo télico pode derivar de um Apesar de o léxico às vezes se referir a ‘uma verbo atélico por afixação, como em (1). Em coleção de formas idiossincráticas’, também hebraico, muitas operações de mudança de já foi apontada a existência de uma série de valência são codificadas usando-se padrões regularidades e generalizações que se man- verbais diferentes (os chamados binyanim), têm entre itens lexicais. exemplificados em (2). Em tais casos, pare- Restringindo-nos aos verbos, essas rela- ce existir algum tipo de paralelismo entre a ções sistemáticas de significados podem se morfologia e a semântica, no sentido de que referir a noções de aspecto, como, por exem- a complexidade morfológica corresponde à plo, a perfectividade, telicidade e estaticidade; complexidade semântica. a operações de mudança de valência, como a causativização, passivização e reflexivização 1. Russo: pit’(‘beber’, atélico), vypit’ (‘beber e a extensões metafóricas sistemáticas entre tudo’, télico) campos semânticos diferentes, como, por 2. Hebraico: zaz (‘mover-se’,intransitivo) – exemplo, o uso de itens lexicais espaciais heziz (‘mover’, causativo); – huzaz (‘ser para denotar noções temporais ou de posse movido’) (RAPPAPROT-HOVAV & LEVIN (doravan- te RH&L) 1998). Entretanto, o terceiro tipo de relações se- Muito freqüentemente, relações sistemá- mânticas, as extensões metafóricas sistemáti- ticas de significado entre palavras são codi- cas sobre campos semânticos distintos, não ficadas morfologicamente. Muitas línguas se encontra morfologicamente codificado em faladas possuem marcadores morfológicos línguas faladas. Por exemplo, um verbo como para marcar noções de aspecto ou para ope- ir e as preposições de e para (em 3a-c abaixo) são sistematicamente polissêmicos, quan-

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Lincoln Paulo Fernandes, Lautenai Antonio Barthalamei Junior, Jose Rodolfo da Silva A realização morfológica dos campos semânticos do usados nos campos semânticos espaciais, ções semânticas relacionadas a aspecto ou a de posse e identificação (GRUBER, 1965 e valência serem expressas com freqüência na JACKENDOFF, 1990/2002). morfologia, os traços dos campos semânticos não o são. 3. a. The messenger went from Paris to Istan- Neste trabalho, argumento que a Língua bul [O mensageiro foi de Paris para Is- de Sinais Israelense (LSI), como uma repre- tambul]. sentante das línguas de sinais em geral, cons- b. The inheritance finally went to Fred [A titui precisamente uma língua de tal tipo, isto herança finalmente foi para Fred]. é, uma língua em que as propriedades mor- c. The light went from green to red [A luz fológicas de um verbo refletem e são deter- foi do verde para o vermelho]. minadas pelo campo semântico em que ele (JACKENDOFF, 2002, p. 356) está sendo usado. Com essa afirmação, não quero dizer que há um morfema específico Em (3a), o verbo denota movimento na língua codificando o campo semântico real ao longo de uma trajetória. Em (3b-c), ou indicando uso metafórico. Ao invés disso, não existe movimento real; ao invés disso, o diferentes campos semânticos possuem dife- verbo expressa que o argumento sujeito so- rentes propriedades morfológicas na LSI, que freu algum tipo de mudança: mudança de são refletidas nas propriedades morfológicas possuidores em (3b) e mudança de proprie- dos verbos utilizados nesses campos. dades em (3c). O sentido específico de ir, em Primeiramente, analiso as várias mani- cada uma dessas frases, é inferido pela natu- festações dos campos semânticos nas línguas reza dos complementos das preposições de e faladas (Seção 2) e, então, examino as pro- para (locações, possuidores ou propriedades, priedades morfológicas de cada um dos cam- respectivamente). Usando a terminologia de pos na LSI (seções 3-6). A Seção 7 investiga as Jackendoff, podemos dizer que cada frase implicações da análise para teoria lingüística denota um evento em um campo semântico em geral. específico: espacial, de posse e identificação, respectivamente. É o campo semântico espe- cífico que determina a interpretação especial 2. Efeitos do campo semântico nas de ir, de e para. Entretanto, apesar de as re- línguas faladas lações de significado entre itens lexicais em diferentes campos serem sistemáticas e ocor- Antes de considerarmos a LSI, vamos primei- rerem em muitos itens lexicais dentro de uma ro examinar como os diferentes campos se- língua e em muitas línguas, tais relações não mânticos se manifestam na estrutura lingüís­ são codificadas morfologicamente. Essa não tica das línguas faladas. Os exemplos aqui é, absolutamente, uma peculiaridade do in- apresentados são da língua inglesa, mas fenô- glês. RH&L (1998, p. 264) afirmam que “não menos similares são confirmados em outras conhecemos língua alguma na qual a forma línguas faladas. O termo ‘campo semântico’ morfológica de um verbo reflete o campo se- é usado aqui no sentido da teoria léxico-se- mântico em que ele está sendo usado”. Essa mântica de Jackendoff (1990, 2002), na qual Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas afirmação aponta uma lacuna na relação en- uma situação é codificada em termos de fun- tre morfologia e semântica. Apesar de as no- ções conceituais nucleares, ao redor das quais 103 Irit Meir

situações são organizadas, tais como SER, 5. IR (X, [Trajetória DE (Y) PARA (Z)]) FICAR, IR, os argumentos dessas funções e um traço de campo semântico. As funções As frases em (4a-d) diferem em relação à na- conceituais especificam o tipo de situação tureza dos argumentos, ou seja, as variáveis na expressa pelo predicado e determinam os ELC. Isso é determinado pelo campo semântico (número e tipo de) argumentos que parti- específico, conforme resumido na Tabela 1: cipam do evento. O traço de campo semân- tico “...determina o caráter dos argumentos O campo semântico X Y e Z o tipo de inferências que podem ser feitas.” Espacial Um objeto Locações (Jackendoff 2002, p. 360, ênfase minha). A Posse Um objeto (concreto Seres humanos ou abstrato) (possuidores) estrutura semântica de um predicado é dada Temporal Um evento Pontos no tempo em um esquema de Estrutura Lexical Con- Identificação Entidade Propriedades da entidade ceitual (ELC). Analisemos um grupo de frases expres- Tabela 1: A natureza dos argumentos em sando um evento de MUDANÇA em quatro diferentes campos semânticos campos semânticos diferentes (as três primei- ras sentenças foram apresentadas acima (3a- Além de determinarem a natureza dos c) e são repetidas aqui por conveniência): argumentos, os campos semânticos freqüen- temente determinam escolhas lexicais especí- 4. a. The messenger went from Paris to Is- ficas. Por exemplo, em frases denotando esta- tanbul [O mensageiro foi de Paris para dos em inglês, cada campo semântico empre- Istambul]. [localização] ga uma preposição diferente (ou nenhuma), b. The inheritance finally went to Fred [A conforme ilustrado em (6a-d). A escolha de herança finalmente foi para Fred]. [posse] verbo pode variar, também dependendo do c. The light went from green to red [A luz campo: o verbo ir é usado nos campos es- foi do verde para o vermelho]. [identi- pacial, de posse e identificação, conforme ficação] as sentenças (4a-c) acima mostram, mas no d. The meeting was changed from Tuesday campo temporal, um verbo diferente é usado, to Monday [A reunião foi mudada de ser-movido ou ser-mudado (ibid., p. 359): terça-feira para segunda-feira]. [tem- poral] 6. Escolha de preposições: (JACKENDOFF, 2002, pp. 356-357) a) The book is in the drawer [O livro está na gaveta]. Todas essas frases denotam um evento b) The meeting is on Monday [A reunião é de MUDANÇA: o sujeito de cada frase sofre na segunda-feira]. algum tipo de mudança; está sendo caracteri- c) The money is with Fred.(?)[O dinheiro zado como estando no estado 1 no início do está com Fred] evento e estado 2, no fim. Isso é representado d) The light is ∅ green [A luz é ∅ verde]. esquematicamente pela ELC em (5), onde a mudança é capturada pela função IR e os es- 7. Escolha do verbo: Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas tados 1 e 2 pelos argumentos das funções DE a) He went to Istanbul [Ele foi para Istam- 104 e PARA: bul]. A realização morfológica dos campos semânticos

b) The meeting (*went) was changed from tos da estrutura sintática das sentenças. Não Tuesday to Wednesday [A reunião (*foi) há efeito algum na forma dos verbos. Agora foi mudada de terça-feira para quarta- passamos a considerar uma língua em uma feira. modalidade diferente, a modalidade visual- (JACKENDOFF, 2002, p. 359) espacial, e examinamos os efeitos dos campos semânticos nesta língua. Minha tese é que em Outra diferença entre os campos está línguas visual-espaciais, ilustradas aqui pela na variedade de preposições que podem ser LSI, os efeitos de campo semântico são tam- usadas. O campo semântico espacial permite bém manifestados na morfologia dos verbos. distinções graduais mais finas (exemplifica- A razão disso é que cada campo semântico das em 8), enquanto outros campos são mui- tem propriedades morfológicas distintas, que to mais restritos (9-11). determinam, pelo menos, algumas das pro- priedades morfológicas dos verbos e predica- 8. He went to/towards/in the direction of/clo- dos naquele campo. Essas propriedades estão ser to the hill [Ele foi para a/rumo à/na di- relacionadas a dois fatores: 1. o fato de loci-R reção da/mais perto da colina]. estarem ou não sendo empregados; 2. a natu- 9. He gave the book to/*towards/*in the di- reza do uso do espaço. As três próximas se- rection of/*closer to Tom [Ele deu o livro ções examinam as propriedades morfológicas para/*rumo a/*na direção de/*mais perto dos quatro campos semânticos na LSI, com de Tom]. relação a esses fatores. 10. The light changed to/*towards/*in the di- rection of/*closer to green [A luz mudou para/*rumo ao/*na direção do/*mais per- 3. Campos espaciais e de posse na LSI to do verde]. 11. The meeting was moved to/ closer to Os verbos que denotam mudança nos cam- /*towards/*in the direction of Monday [A pos semânticos espaciais e de posse apresen- reunião foi mudada para/*rumo a/*mais tam grande semelhança morfológica. Nos perto de/*em direção a segunda-feira]. dois tipos de verbos, os pontos iniciais e fi- nais não são lexicamente especificados, mas Jackendoff atribui esta diferença à na- são, na verdade, determinados por locações tureza do campo semântico em questão. Ele no espaço associadas com os argumentos do afirma (ibid., p.361) que posse, por exemplo, verbo. Esses pontos, freqüentemente chama- diferentemente de espaço, é descontínua; dos de loci-R, determinam a direção do mo- não existem pontos intermediários entre um vimento de trajetória do verbo. Os loci-R são possuidor ou outro. Conseqüentemente, os cruciais ao sistema referencial das línguas de únicos pontos especificáveis na ‘trajetória’ de sinais e são muito importantes para entender posse são os pontos iniciais e finais, ou seja, o as propriedades morfológicas dos diferentes possuidor anterior e o possuidor futuro. campos semânticos. Por essa razão, eles são Assim, vêem-se os efeitos dos campos descritos mais detalhadamente aqui. semânticos em português, principalmente Nas línguas de sinais, nominais em uma Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas no tipo de argumentos e possíveis inferên- oração são associados com locações discretas cias, nas escolhas lexicais e em alguns aspec- no espaço, chamados de loci-R(eferenciais). 105 Irit Meir

Essa associação normalmente é estabelecida no espaço e a trajetória do verbo se move da sinalizando-se uma frase nominal e, então, localização de origem à localização do alvo. apontando ou direcionando o olhar para um 2 ponto específico no espaço . Esses loci-R são 12. JERUSALÉM INDICADORa, TEL-AVIV

usados para referências anafóricas e prono- INDICADORb, CARROaTRAJETÓRIAb. minais para os nominais associados a eles e ‘The car went from Jerusalem to Tel-Aviv.’ são, assim, compreendidos como a mani- [O carro foi de Jerusalém para Tel-Aviv].

festação visual dos traços pronominais dos 13. BOY INDEXa, GIRL INDEXb, BOOK

nominais em questão (vide, entre outros, aGIVEb [GAROTO INDICADORa, GA-

Bahan 1996, Janis 1992, Klima e Bellugi 1979, ROTA INDICADORb, LIVROaDARb]. Lillo-Martin e Klima 1990, Meier 1990). Ob- ‘The boy gave the book to the girl’ [O me- serve, entretanto, que essas locações não são nino deu o livro para a menina]. determinadas por categorias de traços, como, por exemplo, gênero ou classe de substanti- Os dois sinais de apontar em (12), INDI-

vo. Cada argumento é designado seu próprio CADORa e INDICADORb, estão associados locus-R e assim ele pode ser compreendido com referentes locativos, ou seja, locações. mais como um indicador do que como um Os mesmos dois sinais em (13) estão associa- complexo de traços. Línguas de sinais, então, dos com referentes humanos, dois possuido- têm índices R manifestos (Lillo-Martin e Kli- res (anterior e futuro possuidor) no evento ma, 1990). (giving event) representado na frase. Em ambas Além de sinais pronominais, verbos que as frases, o predicado é um sinal cujo movi- denotam movimento (mudança de locali- mento de trajetória é variável, no sentido que zação) e transferência (mudança de posse)3 seus pontos iniciais e finais são determinados também se utilizam do sistema de loci-R: os pelos pontos no espaço estabelecidos pelos si- pontos iniciais e finais dos verbos não são le- nais de INDICADOR. E em ambas as frases, a xicamente especificados. Ao invés disso, eles trajetória se desloca da origem para o alvo. são determinados em cada discurso com as Ambos os campos semântico, espacial e locações no espaço associadas com os loci-R de posse, então, utilizam loci-R de um modo estabelecidos para os argumentos de origem e semelhante. Em verbos dos dois campos, os alvo do verbo. O movimento de trajetória do pontos iniciais e finais são associados com verbo, então, é do locus-R associado com o loci-R dos argumentos de origem e alvo dos argumento de origem para aquele associado verbos (Meir, 2002). Contudo, existem di- com o argumento alvo. ferenças importantes entre os dois campos. As duas frases em LSI abaixo (12-13) de- Essas diferenças estão relacionadas ao uso notam uma mudança de localização e uma do espaço. No campo semântico espacial, o mudança de posse. Em ambas, os argumen- espaço sinalizado é interpretado como uma tos estão associados com locações específicas representação análoga do espaço do mundo

2 O sinal de apontamento é freqüentemente glosado como INDICADOR e o subscrito que o acompanha indica

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas um ponto específico no espaço. 3 Os verbos de movimento e de transferência são, freqüentemente, denominados ‘verbos espaciais’ e ‘verbos de 106 concordância’, respectivamente, com base na classificação de verbos na ASL, proposta por Padden (1988). A realização morfológica dos campos semânticos real, que é contínuo. No campo semântico de ser to Jerusalem’ [Eu moro em um lugar en- posse, o espaço sinalizado consiste de pontos tre Jerusalém e Tel-Aviv que é mais perto de discretos/sub-partes. Essa diferença, entre um Jerusalém]. A diferença entre (a) e (b) quan- uso contínuo e discreto do espaço, determina do se aponta para C, ao invés de A, enfatiza a interpretação da relação entre os loci-R e as as naturezas díspares dos dois usos do espaço. possíveis formas do movimento de trajetória Essa diferença se manifesta em vários aspec- do verbo. tos do comportamento morfológico dos loci- As diferenças entre os dois usos do espa- R e dos verbos nos dois campos, conforme os ço podem ser ilustradas pelo seguinte exem- itens (i-iv) descrevem: plo: Considere dois loci, A e B, no espaço de sinalização. Em (a) esses loci correspondem a I. Variações fonéticas: Variações nas pró- lugares, enquanto em (b) eles correspondem prias formas dos sinais de apontar, ou seja, a pessoas4. apontar para locações perto umas das ou- tras, mas não para a mesma localização, 14. o o o são interpretadas como variações fonéticas A C B no caso de pronomes pessoais, mas como distinções de significado, no caso de pro- a) A=Jerusalém B=Tel-Aviv nomes locativos, conforme ilustrado aci- 5 I LIVE INDEXA. [EU MORO INDICADO- ma .

RA]. ‘I live in Jerusalem’ [Eu moro em Je- II. Expressão de relações espaciais: Formas rusalém]. locativas expressam relações espaciais, en- quanto formas pronominais pessoais não o b) A=John B=Mary fazem. Por esta razão, loci associados a refe-

INDEXA HAPPY [INDICADORA FELIZ]. rentes pessoais não implicam em nenhuma ‘He (John) is happy’ [Ele (John) é feliz]. relação espacial entre esses referentes; mas com referentes locativos, a posição relativa A diferença entre os dois tipos de pro- com relação aos mesmos é representativa nome aparece quando o sinalizante aponta das relações espaciais entre eles. para o ponto C, uma locação próxima, mas III. O espaço entre dois loci: Já que formas não idêntica ao ponto A. No caso de (b), essa locativas expressam relações espaciais, variação fonética não resulta em uma mu- quando dois loci locativos são estabeleci- dança do significado da frase. Contanto que dos, supõe-se, necessariamente, que exis- o ponto C esteja mais perto de A do que B, a te um espaço entre eles. Assim, a noção frase ainda significaria ‘John is happy’ [John ‘entre x e y’ está implicitamente expressa é feliz]. No caso de (a), entretanto, a frase te- (Janis 1992, p. 137). Em outras palavras, ria um significado diferente: ‘I live in a place o espaço entre dois pronomes locativos between Jerusalem and Tel-Aviv which is clo- é significativo e pode ser posteriormente

4 Este exemplo é baseado no exemplo de Janis para a ASL (Janis 1992;135), mas ele é, também, válido para a ISL.

5 Esta diferença foi mencionada por Padden (1988) como o critério mais evidente para a distinção entre os em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas verbos de concordância e os verbos espaciais, mas ela é, também, válida para os pronomes, conforme apontado por Janis 1992. 107 Irit Meir

mencionado no discurso. No caso de pro- etc. A trajetória na mudança de verbos nomes pessoais, por outro lado, o espaço de posse não pode ser modificada dessa entre dois pronomes não carrega signifi- forma. Ela tem uma forma estável, espe- cado. cificada para cada registro lexical. Por IV. Apresentando um novo locus: Dado que exemplo, os verbos SEND [ENVIAR] o espaço entre dois pronomes locativos é e HELP [AJUDAR] têm um movimen- significativo e, de certo modo, implícito, to de trajetória retilíneo; GIVE [DAR], há também a implicação de que existem SAY [DIZER] e ASK [PERGUNTAR] outros loci naquele espaço. Conseqüen- possuem um movimento de trajetória temente, quando o sinalizante aponta curvado; os verbos TEACH [ENSINAR] para um novo locus não mencionado an- e EXPLAIN [EXPLICAR] possuem um teriormente (como o ponto C, no exem- curto movimento duplo. Não é possível plo acima), esse locus é interpretado em mudar os traços de movimento inerentes relação às ligações espaciais previamente desses verbos6. estabelecidas que se mantêm entre A e B. vi. A relação entre a trajetória e os loci-R: Ou seja, é interpretado como um ponto No domínio espacial, se o movimento de (ou uma localização) entre A e B, mas trajetória não alcançar o ponto B, a inter- mais próxima de A. A situação é diferente pretação é que a entidade em movimento quando A e B são associados a referentes não alcançou o local associado com B. No não-locativos: o espaço entre A e B não domínio de posse, o que é importante é é significativo. Por esta razão, outros loci a direção geral da trajetória. Se ela real- não estão comprometidos. Quando se mente começa em A ou termina em B não aponta para um novo locus, existem duas resulta em mudança de significado. possibilidades: ou o novo ponto é com- preendido como uma dos loci existentes Apesar de existirem distinções claras en- (se está mais próximo de um do que do tre os dois usos do espaço, eles podem se so- outro), ou o outro locus não é interpre- brepor. Primeiramente, quando os referentes tável, já que não foi associado a referente estão presentes, os sinais de apontar são dire- algum. cionados aos seus locais reais. Em tais casos, V. Modificação do movimento da trajetória: as variações fonéticas dos sinais de apontar O movimento de trajetória dos verbos (por exemplo, apontar na direção próxima espaciais pode ser modificado para re- ao local de um referente) são mais provavel- fletir a forma da trajetória empreendida mente interpretadas como distintivas do que por uma entidade, como, por exemplo, quando os referentes não estão presentes. Ou zigue-zague, círculos, subindo, descendo seja, apesar de os sinais serem usados para re-

6 Uma outra modulação possível é a altura da trajetória. Como observado por Liddell (1990) para a ASL e válida, também, para a ISL, quando um dos argumentos é mais alto que o outro, a trajetória partirá de um R-loci mais

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas baixo para um mais alto, ou o inverso. Por exemplo, quando os argumentos do verbo ASK (PERGUNTAR) são uma mãe e uma criança, a trajetória do verbo é de um ponto mais alto para um ponto mais baixo, se a mãe estiver 108 fazendo uma pergunta para a criança e de um ponto mais baixo para um ponto mais alto, no caso inverso. A realização morfológica dos campos semânticos ferir a pessoas e não a lugares, o uso do espa- 4. Campo semântico temporal ço parece ser contínuo, ao invés de discreto, nesses casos. Em muitas línguas, conceitos temporais são Em segundo lugar, às vezes um evento freqüentemente construídos usando-se ex- envolve tanto uma mudança de movimen- pressões espaciais, como preposições espa- to quanto de posse. Por exemplo, uma ciais e verbos de movimento, por exemplo, frase como ‘Mary handed Harry the book’ the coming year [o ano seguinte], the time [Mary entregou o livro para Harry]. Em ahead of us [o tempo a nossa frente], the worst tais casos, o verbo talvez exiba tanto uso period is behind us [o pior período já passou], contínuo quanto discreto do espaço, de- a year ago [um ano atrás]7. As línguas de si- pendendo do que está sendo enfatizado, a nais, como línguas articuladas no espaço, mudança de localização ou de posse (Meir podem incorporar essas noções espaciais nas 1998). próprias formas dos sinais. Em muitas línguas Em suma, verbos no campo semânti- de sinais, itens lexicais que denotam concei- cos espacial e no campo semântico de pos- tos temporais são localizados em uma linha se compartilham uma estrutura morfológica do tempo imaginária, uma linha horizontal comum: em ambos os campos, as especifica- na altura do rosto ou do ombro. Nessa linha, ções fonológicas para os pontos de início e o corpo do sinalizante constitui um ponto de fim são determinados por loci-R associados referência denotando o presente. O passado ao argumento do verbo e a direção do mo- é conceituado como a área atrás do ombro vimento de trajetória se dá da origem para o ou rosto, enquanto o futuro ocupa a área à alvo. Eles diferem no modo como utilizam o frente do sinalizante. A direção do movimen- espaço. No domínio espacial, o espaço é con- to em sinais, que denota conceitos de tempo, tínuo; os loci-R são parte de um continuum; expressa relação temporal. Um exemplo pode desta forma, ao se estabelecer loci-R, o conti- ajudar. Os sinais YESTERDAY [ONTEM] e nuum entre eles também é estabelecido. Ou- TOMORROW [AMANHÃ] na Figura 1a-b tros pontos nesse continuum e a relação en- são um par mínimo. Eles têm a mesma con- tre diferentes pontos dentro dele (o sentido figuração de mão e localização, mas diferem de ‘entre’) estão todos contidos naquele sis- na direção do movimento. Em YESTERDAY tema. No domínio de posse, por outro lado, a mão se move para trás e em TOMORROW o espaço é composto de sub-partes discretas: a mão se move para frente. Outros pares de cada locus-R representa uma unidade inde- sinais em LSI são também diferenciados de pendente discreta. Portanto, o que importa é maneira similar pela direção da trajetória, que os loci são distintos entre si, mas o ar- por exemplo, ‘last week/year’ [semana/ano ranjo espacial e a relação entre as unidades é passado] versus ‘next week/year’ [semana/ irrelevante. ano que vem]8.

7 Lyons (1977;718) observa que “a espacialização do tempo é um fenômeno tão óbvio e difundido na estru-

tura gramatical e lexical de tantas línguas do mundo que ela tem sido freqüentemente observada, mesmo por em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas pesquisadores que não aceitam a hipótese de localismo”. 8 Para uma análise detalhada do uso da linha de tempo em expressões temporais na ASL, ver Taub 2001, cap. 7. 109 Irit Meir

nhã para semana que vem] (ou – ‘The mee- ting scheduled for tomorrow was postponed to next week’ [A reunião agendada para ama- nhã foi adiada para semana que vem]).

Como é evidente pelas glosas da LSI, as expressões temporais TOMORROW [AMA- NHÃ] e NEXT-WEEK [SEMANA-QUE- Figura 1: (a) YESTERDAY [ONTEM] (b) TOMORROW VEM] não são associados aos loci-R no es- [AMANHÃ] paço. Portanto, os pontos iniciais e finais do verbo não podem ser determinados por asso- Visto que noções e relações temporais são ciações com os loci-R previamente estabele- expressas como movimento em uma linha cidos. A direção do movimento de trajetória temporal, pode-se esperar que a estrutura dos do verbo é determinada pelo seu significado. sinais que denotam mudança no tempo seria Visto que o verbo POSTPONE [ADIAR] sig- muito similar à dos verbos denotando mu- nifica ‘mover para frente no tempo’, a dire- dança de localização, já que mudança de tem- ção se dá do corpo do sinalizante para frente, po poderia ser expressa como uma mudança ou seja, de um ponto proximal do sinalizante de localização espacial numa linha de tempo para um ponto distal. O movimento de um imaginária. E, de fato, existem algumas simi- ponto distal para um proximal tem o sen- laridades na estrutura dos verbos nesses dois tido de ‘adiantar’, movendo-se para trás no domínios; em ambos o sinal consiste de um tempo. Os pontos iniciais e finais, então, não movimento de trajetória cuja direção é vari- são associados aos loci específicos no espaço. ável. Entretanto, também existem diferenças Ao invés disso, é a relação espacial entre eles importantes. Essas diferenças se originam de (proximal ou distal em relação ao corpo do dois fatos: (a) na LSI, as expressões temporais sinalizante que codifica a direção da mudan- não são localizadas e (b) a natureza do espaço ça temporal). é diferente: expressões temporais, diferente- Alguns sinalizantes localizam o evento, a mente das espaciais, são localizadas em eixos reunião em (15) (MEETING TOMORROW

específicos no espaço, não em um espaço tri- INDEXa [REUNIÃO AMANHÃ INDICA-

dimensional. DORa]). A expressão temporal inicial é um Vejamos uma frase na LSI que expressa modificador do substantivo (‘the meeting um evento de MUDANÇA no domínio es- tomorrow’ [a reunião amanhã]) e não uma pacial, ou seja, re-agendando um evento no frase independente. O verbo, então, se move tempo: do locus-R associado ao evento ou para fren- te ou para trás, dependendo de o evento ter sido adiado (postponed) ou adiantado (pre- 15. MEETING TOMORROW INDEXa POS- TPONE NEXT-WEEK [REUNIÃO AMA- poned). Isso contrasta com os verbos de mu- dança de localização ou posse, onde a direção NHÃ INDICADORa ADIAR SEMANA- da trajetória é totalmente determinada pelas Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas QUE-VEM]. ‘The meeting was postponed from tomorrow locações no espaço associadas aos argumen- 110 to next week’ [A reunião foi adiada de ama- tos de origem e de alvo. A realização morfológica dos campos semânticos

As preposições from (de) e to (para) são O campo semântico temporal, então, usadas em inglês não apenas para expressar difere do espacial e de posse no sentido de mudança no tempo (como em 16), mas, tam- que seus argumentos Y e Z não são locali- bém, para expressar uma extensão de tempo zados. Além disso, verbos nesse campo se (como em 17): movem em eixos específicos no espaço: o eixo sinalizador-para-frente e o eixo lado- 16. The meeting was moved from 2 to 4 [A a-lado. Na LSI, parece que nenhuma re- reunião foi mudada das 2 para as 4]. ferência é feita a pontos específicos nesses 17. The meeting is from 2 to 4 [A reunião é eixos; o que importa é a relação entre os das 2 às 4]. pontos iniciais e finais. Outras línguas de sinais, entretanto, podem exibir comporta- A LSI difere nesse aspecto: para re-agendar mentos diferentes. De acordo com Wilbur eventos, o eixo ântero-posterior é usado (ou (no prelo, 17), na LSA . seja, um eixo perpendicular ao peito do sinali- Também é possível que o tempo do zante, como nas Figuras 2a-b). Uma extensão evento seja significativamente manipula- de tempo, por outro lado, é expressa por uso do em contextos apropriados (18 [15 para de um eixo lado-a-lado (o eixo paralelo ao pei- ela]). Em (18b), a ocorrência final do sinal to da sinalizante, ilustrado na Figura 2c). POSTPONE pode ser feito com dois mo-

Figura 2: Eixos no espaço temporal: (a) POSTPONE [ADIAR], (b) PREPONE [ADIANTAR], (c) extensão de tempo. vimentos para frente, um parando em um b. ONE-WEEK TWO-WEEK WANT POSTPONE WHICH POSTPONE + ponto (py) significando uma semana e o X Y X Y,Z segundo, em um ponto mais distal, signi- + [UMA-SEMANA DUAS-SEMANAS QUERER ADIAR QUAL ADIAR + +] ficando duas semanas (pz). O contexto do X Y X Y,Z discurso determina como esses pontos são ‘Do you want to postpone it for one interpretados no tempo (semanas, minu- week or two?’ [Você quer adiar por tos, etc.). uma semana ou duas?].

Em ambas as línguas, porém, o domínio 18. a. WEDDING MUST XPOSTPONEY [CASAMENTO TER-QUE ADIAR ] temporal utiliza-se de eixos específicos no X Y . espaço, ao contrário dos domínios espaciais Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas The wedding had to be postponed [O casamento teve que ser adiado]. e de posse, que empregam um espaço tridi- mensional, seja contínuo ou discreto. 111 Irit Meir

5. Campo semântico de identificação: localização. De acordo com Lakoff e Johnson mudança de propriedades (1999, p. 52), nosso conceito de mudança de estado se baseia na experiência primária de As mudanças de propriedades nas línguas movimento ao longo de uma trajetória, onde faladas são freqüentemente denotadas por mudança de estado é percebida como parte verbos de mudança-de-estado (MDE): blush de uma mudança de localização durante o [enrubescer], redden [avermelhar], get well movimento. [melhorar]. Um verbo de MDE codifica, como parte de seu significado, o estado fi- nal do argumento que passa pela mudança. O verbo redden, por exemplo, especifica que um referente alcançou o estado de estar ver- melho. O estado inicial está contido e pode ser caracterizado como “Estado não Final”. Ou seja, verbos de MDE só podem significar ‘mudar de não-A para A’. O verbo redden só pode significar ‘mudar de não-vermelho para (a) (b) vermelho’; não pode significar ‘mudar de amarelo ou de qualquer outra cor para ver- melho’ (CARTER, 1976). Quando expressam um evento de mudança onde os estados fi- nais e iniciais não são valores opostos da mes- ma propriedade, as línguas faladas freqüente- mente usam um padrão espacial, no qual os estados iniciais e finais são marcados como (c) origem e alvo, respectivamente, pelas prepo- Figura 1: Verbo de MDE em LSI: (a) (GET)-BETTER, sições from e to (ou into, em alguns casos), (b) BLUSH, (c) GET-PALE. como em (19-22): O que acontece quando não há um item 19. The light went from green to red [A luz lexical para expressar uma mudança específi- foi do verde para o vermelho]. ca de estado? Conforme os exemplos (19-22) 20. Things went from bad to worse [As coisas mostram, a língua inglesa utiliza um modelo foram de mal a pior]. espacial. Se a LSI fosse utilizar meios espaciais 21. The witch turned the frog into a prince para expressar mudança de propriedades, uma [A bruxa transformou o sapo em um frase significando ‘The leaves turned from príncipe]. green to yellow’ [As folhas mudaram de verde 22. He changed from this nice young guy into para amarelo] tomaria a seguinte forma: a horrible nerd [Ele mudou de um jovem simpático para um idiota horrível]. 23. *LEAVES, GREEN INDEXa, YELLOW Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas INDEX , CHANGE PATH [FOLHAS, Em tais frases, a mudança de proprieda- b a b VERDE INDICADOR , AMARELO INDI- 112 de é conceituada em termos de mudança de a CADORb, MUDANÇA aTRAJETÓRIAb] A realização morfológica dos campos semânticos

Nessa sentença hipotética, o estado ini- ‘The green leaves turned yellow’ [As fo- cial GREEN está localizado no ponto (a), o lhas verdes ficaram amarelas]. estado final YELLOW no ponto (b) e a mu- 25. DOCTOR INDEXa THEN FAT NOW dança de um para outro seria denotada por CHANGE THIN [MÉDICO INDICA- um sinal cujo movimento de trajetória é de DORa ENTÃO GORDO AGORA MUDA (a) para (b). Conforme o asterisco indica, FINO]. entretanto, essa sentença é agramatical na ‘The doctor that used to be fat has become LSI. A agramaticalidade origina-se, primei- thin’ [O médico que costumava ser gordo ramente, do fato que os estados iniciais e ficou magro]. finais não podem ser localizados. Isso pode 26. BOY INDEXa THEN SICK NOW ser parte de uma restrição geral na língua HEALTHY [MENINO INDICADORa EN- em que somente expressões referenciais po- TÃO DOENTE AGORA COM SAÚDE]. dem ser localizadas. Os estados nas senten- ‘The boy that was sick became healthy’ [O ças acima são predicados, não argumentos. menino que estava doente ficou bom]. Conseqüentemente, não são referenciais e, portanto, não podem ser localizados (Meir Uma mudança de evento no domínio de 2004). Qualquer locus-R estabelecido neste identificação, então, difere consideravelmen- discurso seria interpretado como se estivesse te dos tipos similares de eventos, em outros associado à expressão referencial na senten- campos semânticos. Os verbos MDE pos- ça (LEAVES), ao invés de estar associada às suem um movimento de trajetória invarian- suas propriedades. Além disso, visto que há te, completamente especificado no léxico. somente uma expressão referencial na sen- Ademais, os estados finais e iniciais (os argu- tença, a mesma não pode conter dois loci-R, mentos Y e Z na LCS) não podem ser locali- já que se espera que cada locus-R esteja as- zados. Portanto, nenhum meio espacial está sociado a um referente diferente. Portanto, disponível nesse domínio e a língua recorre à um modelo espacial não tem a função de ex- morfologia não espacial e à estrutura de fra- pressar mudança de estado na LSI. se para expressar uma mudança de evento de Como a língua expressa tais eventos, en- propriedade. tão? Há duas possibilidades. Uma é utilizar o verbo BECOME/CHANGE-TO [tornar- se/mudar para]. O estado final seria expres- 6. Resumo: As propriedades morfoló- so como complemento do verbo e o estado gicas dos quatro campos semânticos inicial como um modificador do nominal que se refere à entidade sofrendo mudan- Os verbos denotando mudança nos quatro ça, como em (24). A segunda, é utilizar um campos semânticos examinados possuem modelo temporal, onde os estados finais e propriedades morfológicas diferentes. Nos iniciais são marcados pelos advérbios tem- campos espaciais e de posse, as locações fi- porais THEN [então] e NOW [agora], como nais e iniciais dos sinais não são especifica- em (25-26): das lexicalmente e são determinadas pelos loci-R dos argumentos origem e alvo (Y Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 24. LEAVES GREEN CHANGE YELLOW [FO- and Z) dos verbos. Esses loci, por sua vez, LHAS VERDES MUDAM AMARELO]. determinam a direção do movimento de 113 Irit Meir

trajetória do verbo. A diferença entre os Uso do espaço Loci-R dois campos está nos seus usos de espaço

– contínuo versus descontínuo. O espaço, Espacial Contínuo, Semelhante Locações no domínio espacial, é semelhante ao es-

paço do mundo real e, conseqüentemen- De posse Descontínuo Referentes te, é contínuo. A relação espacial entre os Temporal loci-R representa a relação entre locações Consiste de eixos ------e o espaço entre essas locações é signifi------cativo. No domínio de posse, os loci-R De identificação (sem uso direcional do ------espaço) representam referentes e não locações. As relações espaciais entre os loci-R não são Tabela 2: Propriedades morfológicas dos significativas e nenhum espaço entre elas campos semânticos está envolvido. Os campos temporais e de identificação não fazem uso dos loci-R; tanto expressões 7. Conclusões e conseqüências temporais quanto propriedades não podem ser localizadas. Portanto, frases denotando O significado teórico da realização mor- um evento de mudança nesses domínios não fológica desses campos semânticos possui envolvem localização dos pontos iniciais e três dimensões. Primeiro, ela preenche uma finais do evento. Ao invés disso, o referen- lacuna na relação entre semântica e morfolo- te sofrendo mudança (o argumento X no gia. Como apontado na Seção 1, das três rela- LSC) pode ser localizado, o ponto inicial ções sistemáticas de significado mencionadas (o argument Y) é freqüentemente expresso em RH&L (1998), somente duas – relações de como um modificador daquele nominal e aspecto e de mudança de valência – são co- o ponto final (o argumento Z), como um dificadas morfologicamente. O terceiro tipo, complemento do verbo. Assim, a estrutura a polissemia sistemática de itens lexicais usa- das frases nesses domínios pode ser bas- dos em diferentes campos semânticos, não é tante similar. Os dois domínios diferem no codificado morfologicamente nas línguas fa- uso do espaço. O domínio temporal faz uso ladas. Contudo, como este trabalho demons- de eixos no espaço, onde a direção do mo- trou, essa polissemia sistemática de itens lexi- vimento do verbo codifica a ordem relativa cais usados em diferentes campos semânticos (sequencing) dos eventos. Verbos no campo é codificada em uma língua transmitida na de identificação não possuem morfologia modalidade visual-espacial, a LSI e, muito espacial alguma; seus movimentos de traje- possivelmente, também em outras línguas tória, se é que existem, são completamente de sinais. Isso sugere que nenhuma relação especificados para cada verbo no léxico e sistemática de significados entre os itens le- não podem ser modulados para expressar xicais está livre, em princípio, de ser codifica- movimento ao longo de diferentes trajetó- da em termos morfológicos. A questão ainda rias no espaço. permanece com relação à razão pela qual so- As propriedades morfológicas dos dife- mente as línguas de sinais codificam campos Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas rentes campos semânticos são resumidas na semânticos morfologicamente. Deixo essa 114 Tabela 2: questão em aberto, por enquanto. Provavel- A realização morfológica dos campos semânticos mente, isso está relacionado com o fato de as trimento de outra. Por exemplo, existe uma línguas de sinais serem articuladas no espaço controvérsia com relação ao fato de verbos de e terem o espaço a seu dispor, para expressar MDE serem de natureza semelhante aos ver- relações espaciais, assim como outros tipos bos de mudança de localização. Abordagens de relações que são metaforicamente cons- localistas, por exemplo, Andersen (1971), pro- truídas no domínio espacial. Entretanto, uma põem uma análise unificada para os dois tipos explicação completa e explicíta para a ques- de verbo. Jackendoff, em seus primeiros tra- tão ainda não foi formulada . balhos (por exemplo, 1983), também defende Segundo, formas morfológicas são fre- uma análise unificada, mas muda sua abor- qüentemente levadas em conta como evidên- dagem em seus trabalhos posteriores (1990, cia para a existência da categoria semântica 2002), onde ele sugere que os verbos de MDE específica expressa por essas formas. RH&L têm uma função INC(oativa) em seus (LCSs) e (1998, p. 260) afirmam, por exemplo, que a não uma função IR. RH&L (2002, 2005) apre- existência de morfemas em algumas línguas sentam fortes argumentos demonstrando que que expressam certas distinções semânti- os verbos de MDE diferem de outros tipos de cas (como telicidade) pode ser interpretada verbos, do mesmo modo que seus argumentos como evidência de suporte para análises que semânticos são construídos na sintaxe. O fato assumem a existência de entes primitivos se- de os verbos de MDE na LSI não terem mor- mânticos correspondentes a tais distinções. fologia espacial pode apresentar suporte adi- De modo similar, as diferenças morfológicas cional a uma análise não-locativa dos verbos entre as classes verbais em diferentes domí- de MDE e para sugerir análises diferentes para nios semânticos na LSI podem ser interpre- um evento de MUDANÇA no campo espacial, tadas como suporte para teorias que assu- de posse e temporal e um evento de MUDAN- mem a existência dos campos semânticos, ÇA no campo de identificação. como Jackendoff (1990, 2002). Além disso, as propriedades morfológicas dos diferentes campos podem oferecer uma perspectiva me- Referências: lhor sobre suas propriedades. Por exemplo, Jackendoff sugere (2002, p. 361) que o ‘espa- ANDERSON, J.M. The Grammar of Case: Towar- ço’ de posse é descontínuo. Ele chega a essa ds a Localistic Theory. Cambridge: Cambridge conclusão apenas com base em possíveis in- University Press, 1971. ferências (“algo não pode estar no meio do BAHAN, B. Non-manual Realization of Agre- caminho entre pertencer a A e pertencer a ement in American Sign Language. Tese de B”). Contudo, na LSI, essa diferença é ex- Doutorado–Boston University. 1996. plicitamente evidente no comportamento CARTER, R. J. Some constraints on possible morfológico de verbos de transferência, em words. Semantikos, v. 1, 1976. p. 27-66. contraste com os verbos espaciais, assim ofe- GRUBER, J. Lexical structures in syntax and recendo fortes argumentos a favor da suges- semantics. North-Holland Linguistic Series, tão de Jackendoff. v. 25. Amsterdam: North-Holland Publishing Terceiro, as distinções morfológicas entre Company, 1976. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas os campos semânticos - uma vez identificadas JACKENDOFF, R. S. Semantic and cognition. - podem apoiar uma análise específica em de- Cambridge, Mass: MIT Press, 1983. 115 Irit Meir

JACKENDOFF, R. S. Semantic and cognition. MEIR, I. Thematic structure and verb agreement Cambridge, Mass: MIT Press. 1990. in Israeli Sign Language, Tese de Doutorado– JACKENDOFF, R. S. Foundations of language. Hebrew University: Jerusalem, 1998. Oxford: Oxford University Press, 2002. MEIR, I. Motion and Transfer: The Analysis of JANIS, W. D. Morphosyntax of the ASL verb Two Verb Classes in Israeli Sign Language. In: phrase. Tese de Doutorado – State University DIVELY, V. (Org.). Signed Languages: Discov- of New York at Buffalo, 1992. eries from International Research, Washington LAKOFF, G.; JOHNSON, M. Philosophy in The D.C, 2001. p. 74-87. Flesh, The Embodied Mind. New York: Basic MEIR, I. A Cross-Modality Perspective on Verb Books, 1999. Agreement. NLLT, v. 20, p. 413-450, 2002. LEVIN, B.; RAPPAPORT HOVAY, M. Argument PADDEN, C.A. Interaction of Morphology and realization. Cambridge: Cambridge University Syntax in American Sign Language. New York/ Press, 2005. London: Garland Publishing, 1983/1988. LIDDELL , S. Four Functions of a locus: Reexami- RAPAPORT HOVAY, M.; LEVIN, B. Morphol- ning the structure of space in ASL. In: LUCAS ogy and lexical semantics. In: SPENCER, A.; (Org.) Sign Language Research, Theoretical ZWICKY, A. (Orgs.) Handbook of Morphol- Issues. Washington D.C, 1990. p. 176-200. ogy. Oxford: Blackwell, 1998. p. 248-271. LILLO-MARTIN, D.; KLIMA, E. Pointing out di- RAPAPORT HOVAY, M.; LEVIN, B. Change fferences: ASL pronouns in syntactic theory. In: of state verbs: Implications for theories of FISCHER, S. D.; SIPLE, P. (Orgs.). Theoretical argument projection. BLS, v. 28, 2002. p. Issues in Sign Language Research. Chicago and 269-280. London: The University of Chicago Press, 1990. TAUB, S. F. Language from the body: Iconicity and p. 191-210. metaphor in American Sign Language. Cam- LYONS, J. Semantics. Cambridge: Cambridge bridge: Cambridge University Press, 2001. University Press, 1977. WILBUR, R. B. Complex Predicates involving MEIER, R. Person deixis in American Sign Language. Events, Time and Aspect: Is this why sign In: FISCHER, S. D.; SIPLE, P. (Orgs.). Theoretical languages look so similar? In: QUER, J. issues in sign language research, Chicago: Uni- (Org.). Theoretical issues in sign language versity of Chicago Press, 1990. p. 175-190. research. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

116 Posse e existência em três línguas de sinais1,2

Deborah Chen Pichler Ronnie B. Wilbur Gallaudet University Purdue University [email protected] [email protected]

Katharina Schalber Martina Vulje Sem afiliação institucional no momento University of Zagreb [email protected] [email protected]

Julie Hochgesang Ljubica Pribanić Gallaudet University University of Zagreb [email protected] [email protected]

Marina Milković University of Zagreb [email protected]

1. Introdução utilizados. Em seguida, discutiremos a noção de que as construções possessivas e existen- Este trabalho resulta de um estudo inter- ciais são sintaticamente relacionadas, não lingüístico sobre estruturas possessivas e apenas entre si, mas também com as constru- existenciais na Língua de Sinais Americana ções locativas. Essa é uma noção consolidada (ASL), na Língua de Sinais Austríaca (ÖGS) na literatura sobre a língua falada, tendo sido e na Língua de Sinais Croata (HZJ). Começa- popularizada pela proposta sintática de Free- remos com uma descrição geral das constru- ze (1992). Entretanto, ainda não se investigou ções relevantes produzidas pelos participan- a plausibilidade de estendê-la a dados relati- tes deste projeto. Tal descrição incluirá uma vos a línguas de sinais. Por fim, discutiremos comparação de características sintáticas e se- as potenciais evidências de uma natureza lo- mânticas de diversas construções possessivas cativa subjacente às construções possessivas e nas três línguas alvo, observando-se a ocor- existenciais na ASL, na ÖGS e na HZJ, gera- rência de padrões semelhantes nos corpora das a partir dos dados analisados.

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Ladjane Maria Farias de Souza, Alinne Balduíno Pires Fernandes 2 Este trabalho foi financiado pelo auxílio n. 0345314 da National Science Foundation. Agradecemos a todos os nossos participantes surdos pela contribuição para este projeto e a Ulrike Zeshan e seu grupo de pesquisa. Deborah Chen Pichler e outros

2. Metodologia 3.1 Locuções nominais possessivas: Características estruturais Nossos dados foram obtidos a partir de su- jeitos surdos da Gallaudet University, Esta- Encontramos estruturas possessivas na forma dos Unidos (6 sujeitos), Viena, Áustria (5 de locuções nominais nas três línguas alvo. sujeitos) e Zagreb, Croácia (4 sujeitos). Os Todas as três línguas empregam um pronome dados foram elicitados por meio de tarefas possessivo (glosado como POSS nos exem- desenvolvidas para o estudo comparativo plos abaixo), formado pelo deslocamento intitulado Sign Language Typology3: Pos- da configuração de mão “B” em direção ao session and Existentials, dirigido por Ulrike locus do possuidor4. A ordem canônica das Zeshan. Os sujeitos participaram de quatro palavras nas locuções nominais possessivas “jogos” que visavam à produção de constru- foi, em todos os casos, (Possuidor)-POSS- ções possessivas e existenciais. Uma breve Possessum, com o sinal do possuidor aparecen- descrição de cada uma destas tarefas encon- do apenas quando necessário (por exemplo, tra-se no Apêndice A deste relatório. Em por motivo de esclarecimento ou ênfase). alguns casos, os dados de elicitação foram complementados por consultas e discussões (1) POSS-1s CAR / AUTO / AUTO com sinalizantes nativos, a respeito de estru- [ASL, ÖGS, HZJ] turas específicas (em diferentes níveis para poss-1s carro / carro / carro cada equipe). ‘my car’

(2) (MOM) POSS-3s COUSIN 3. Descrição das construções [ASL] possessivas e existenciais na ASL, na ‘Mom’s cousin / her cousin’ ÖGS e na HZJ (3) (VATER) POSS-3s BRUDER [ÖGS] Nossos dados compreendem uma vasta pai poss-3s irmão gama de construções possessivas e existen- ‘my father’s brother / his brother’ ciais, porém, apenas um subconjunto de- las será discutido aqui. Este artigo enfoca (4) (MAMA) POSS-3s MAČKA [HZJ] as construções existenciais (por exemplo, Mãe poss-3s gato There is a problem; There is a man in the ‘Mom’s cat / her cat’ room), locuções nominais possessivas (NP) (por exemplo, my car; John’s sister) e a for- Além dessa forma básica descrita acima, ma do verbo have nos predicados possessi- também observamos formas variantes de lo- vos (por exemplo, I have a car). cuções nominais possessivas, inclusive uma

3

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas N. do T.: Tipologia da Língua de Sinais: Construções possessivas e existenciais. 4 Consulte o Apêndice B para ver uma foto da configuração de mão B do pronome possessivo, bem como de 118 outros sinais possessivos e existenciais relevantes para este estudo. Posse e existência em três línguas de sinais na qual o pronome possessivo é substituído Os participantes austríacos e croatas não por pronomes pessoais correspondentes (5- produziram estruturas possessivas do tipo 7) ou totalmente suprimido (essa forma é mostrado em (10), embora ocorram emprés- chamada de estrutura de locução nominal timos lexicais do alemão e do croata sinali- possessiva “justaposta”, e está ilustrada nos zados para ÖGS e HZJ, respectivamente. Por exemplos 8-9). isso, não podemos comentar sobre a freqüên- cia e a aceitabilidade de estruturas semelhantes (5) (MOM) PRO-3s COUSIN [ASL] tomadas de empréstimo pela ÖGS e pela HZJ. ‘Mom’s cousin / her cousin’

(6) PRO-2 OMA LEBEN NOCH ? [ÖGS] 3.2 Locuções nominais possessivas: pro-2 avó viver ainda Características semânticas ‘Is your grandmother still living?’ As locuções nominais possessivas dos corpo- (7) PRO-2 BAKA PRO-2 [HZJ] ra mostram algumas restrições estruturais, pro-2 avó pro-2 dependendo das características semânticas ‘your grandmother’ do possuidor e do possessum, assim como do tipo de posse entre eles (i.e. alienável vs. ina- (8) VATER BRUDER lienável). Essas restrições são, com algumas [ÖGS] exceções, notavelmente semelhantes para as pai irmão três línguas alvo. A configuração mais bási- ‘the brother of (my) father’ ca para as locuções nominais possessivas em nossos dados é a que envolve a posse alienável (9) MAJKA SESTRA de um possessum inanimado por um possui- [HZJ] dor animado. O possessum pode ser concreto mãe irmã (11) ou abstrato (12). Expressões de posse ‘the sister of (my) mother’ inalienável entre um possuidor animado e um membro da família também são bastante Na ASL, observamos uma quarta pos- aceitas nas três línguas alvo, conforme ilus- sibilidade de se construir locuções nomi- trado nos exemplos (5-9) acima. Em todos nais possessivas empregando-se o sinal esses casos, a estrutura da locução nominal APOSTROPHE-S, originário do inglês escri- possessiva pode ter a forma de quaisquer va- to. É provável que essa forma tenha sido to- riações estruturais discutidas na seção 3.1. mada de empréstimo pela ASL por meio do inglês sinalizado. No entanto, nossos infor- (11) POSS-1 AUTO [HZJ] mantes julgaram-na aceitável na ASL, parti- poss-1 carro cularmente em enunciados com posse reite- ’my car’ rada, como no exemplo abaixo. (12) POSS-1 IDEJA [HZJ] (10) POSS-1 FATHER ’S BROTHER’S WIFE poss-1 idéia Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas [ASL] ’my idea’ ‘my father’s brother’s wife’ 119 Deborah Chen Pichler e outros

Há restrições estruturais em locuções no- exibem o padrão oposto, ou seja, expressam minais possessivas envolvendo a posse inaliená- existência com um verbo possessivo. Como vel de uma parte do corpo por um possuidor veremos, os dois padrões estão representados animado (13-14). Neste caso, a forma justa- em nossos dados: a ASL e a HZJ usam um posta é preferida, ou seja, a estrutura só é ple- verbo, glosado como have, para formar cons- namente aceita quando não há pronome entre truções possessivas e existenciais, enquanto a os sinais para possuidor e possessum. A mesma ÖGS usa um verbo, glosado como exist, para restrição se aplica nos casos em que há um pos- desempenhar as mesmas funções. suidor inanimado, como na relação parte-todo, observada em (15). Essas restrições se mostra- ram mais claras nos dados da ASL e da ÖGS. 3.3.1 Predicados possessivos na ASL e na Embora tenhamos alguma evidência de que as HZJ: Características estruturais mesmas restrições possivelmente se aplicam à HZJ, no momento, não temos dados suficien- Os predicados possessivos na ASL empregam tes para determinar até que ponto elas são ati- o verbo possessivo HAVE (16). As constru- vas. O primeiro quadro do Apêndice C resume ções possessivas negativas tendem a empre- nossas observações a respeito das características gar a forma supletiva NONE (17). Embora semânticas da ASL, da ÖGS e da HZJ. nossos dados incluam exemplos de constru- ções possessivas negativas formadas por NOT (13) SISTER (?POSS-3) NOSE [ASL] HAVE, tais exemplos foram posteriormen- ’my sister’s nose’ te considerados como “soando inglês” por nossos informantes nativos e podem ter sido (14) MAČKA (*POSS-3) BRKOVI [HZJ] gerados pelas metodologias de elicitação usa- gato poss-3 bigode das neste projeto. Na HZJ, a posse é expressa ’the cat’s whiskers’ através do verbo IMATI have (18) e a forma negativa (também supletiva) é NEMATI not- (15) HAUS (*POSS-3) DACH [ÖGS] have (19). Como as duas línguas – ASL e HZJ casa poss-3 telhado – obedecem à ordem canônica sujeito-verbo- ’the house’s roof’ objeto (SVO), a ordem de sinais mais comum para os predicados possessivos é Possuidor- HAVE/IMATI -Possessum, como mostram os 3.3 Predicados possessivos exemplos abaixo.

A seguir, passamos a tratar dos predicados (16) PRO-1 HAVE CAR [ASL] possessivos ou possessivos em forma de ora- ’I have a car’ ções. Eles podem ser classificados em duas subcategorias, dependendo do tipo de pre- (17) PRO-1 CAR NONE [ASL] dicado usado para expressar posse na língua ’I don’t have a car/ I have no car’ alvo. Analogamente ao que é observado nas línguas faladas, algumas línguas de sinais for- (18) DJED IMATI KAPA SIVO [HZJ] Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas mam construções possessivas por meio de velho-homem ter boné cinza 120 uma construção existencial, enquanto outras ’The old man has a grey cap’ Posse e existência em três línguas de sinais

(19) PRO-1 NEMATI KUĆA [HZJ] 3.3.3 Predicados possessivos na ASL, na pro-1 não-ter casa ÖGS e na HZJ: Características semânticas ’I don’t have a house/ I have no house’ Como observamos acima com relação às lo- Além das estruturas de predicado posses- cuções nominais possessivas, os predicados sivo discutidas acima, os participantes norte- possessivos na ASL, na ÖSG e na HZJ ocor- americanos também produziram uma varian- rem com mais naturalidade e aceitabilidade te sem o verbo possessivo, na qual dois itens com um possuidor animado e um possessum possuídos (elípticos, porém representados por concreto. Também se mostraram freqüen- seus modificadores VERDE e AZUL no exem- tes nos nossos dados as expressões de posse plo (20) abaixo) foram deslocados em dire- alienável de objetos abstratos (24) e de posse ção aos loci de seus respectivos possuidores. inalienável de membros da família (23; veja também o exemplo 22). (20) SEE BOOK THERE? GREEN (deslocado em direção ao PRO-2), BLUE (deslocado em direção ao (23) PRO-3 HAVE THREE KIDS [ASL] PRO-1) ‘He has three kids’ [ASL] ’See books there? The green (one) is (24) PRO-1 IDEE DA [ÖGS] yours, and the blue (one) is mine.’ pro-1 idéia existir ‘I have an idea’

3.3.2 Predicados possessivos na ÖGS: Carac- A posse inalienável de uma parte do cor- terísticas estruturais po parece ocorrer na ASL, na ÖGS e na HZJ conforme mostram os exemplos (25-27). No A posse é expressa na ÖGS por meio do verbo entanto, é possível que alguns desses casos, DA exist (ver Apêndice B para uma imagem particularmente nos dados da HZJ e da ASL, desse verbo). Como a ÖGS é uma língua SOV, revelem uma forte influência da gramática DA aparece no fim da oração, o que resul- das línguas majoritárias falada/escrita. Um ta na forma básica POSSUIDOR – POSSES- exemplo disso é o uso do verbo HAVE com SUM – DA para predicados possessivos (21). estados físicos, como no exemplo (25), ao in- As construções possessivas negativas são for- vés do deslocamento do sinal “HURT/PAIN” madas pelo sinal KEIN no ou ÜBERHAUPT- em frente à parte afetada do corpo, como na NICHT not at all, com ou sem o verbo DA (22). ASL padrão. Como a maior parte dessas ex- pressões foi produzida durante a tarefa “Mé- (21) PRO-1 AUTO DA [ÖGS] dico-Paciente”, acreditamos que a tarefa pos- pro-1 carro existir sa ter acidentalmente elicitado um registro da ‘I have a car’. ASL mais próximo ao do inglês comumente empregado com profissionais da área médi- (22) PRO-1 KEIN KIND (DA) [ÖGS] ca, os quais, nos EUA, são não-sinalizantes e pro-1 nenhum filho existir ouvintes em sua espantosa maioria. O exem- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas ‘I have no children / I don’t have any plo (26), em que a preposição croata u “in” children’. é articulada em silêncio, sem sinais corres- 121 Deborah Chen Pichler e outros

pondentes, também é compatível com essa (30) WALL CL-F:buraco-na-parede hipótese. [ASL] ‘The wall has a hole’ (25) PRO-2 HAVE HEADACHE? [ASL] ‘Do you have a headache?’ O segundo quadro do Apêndice C resu- me nossas observações a respeito das carac- (26) IMATI PRO-2 BOLJETI u UHO ? [HZJ] terísticas semânticas dos predicados possessi- ter pro-2 dor ‘in’ ouvido vos na ASL, na ÖGS e na HZJ. ‘Do you have an earache?’

(27) PRO-2 KOPFWEH DA? [ÖGS] 3.4 Expressões de existência pro-2 dor-de-cabeça existir ‘Do you have a headache?’ Como mencionamos anteriormente, a ASL e a HZJ são línguas que expressam existên- Há em nossos dados alguns exemplos de cia usando um verbo possessivo, enquanto a predicados possessivos com um possuidor ÖGS mostra o padrão oposto, expressando inanimado, mas eles parecem estar sujeitos a posse com um verbo existencial. Essa diferen- severas restrições. Um de nossos consulto- ça tipológica, juntamente com o fato mencio- res austríacos, por exemplo, comentou que, nado anteriormente de que a ASL e a HZJ são enquanto objeto inanimado, uma casa “não línguas SVO enquanto a ÖGS é uma língua pode possuir coisa alguma”. Como vimos an- SOV, constituem as principais diferenças que teriormente com as locuções nominais pos- observamos nas construções existenciais das sessivas, os predicados possessivos com um três línguas alvo. possuidor inanimado (por exemplo, relações parte-todo) tendem a ser expressos por meio de mecanismos diferentes da construção pa- 3.4.1 Estruturas existenciais na ASL e na HZJ drão Possuidor-HAVE/DA/IMATI-Possessum. Nossos dados incluem diversos exemplos de A existência é expressa na ASL com o verbo relações parte-todo expressadas por meio de possessivo HAVE e com uma forma supleti- construções classificadoras, nas quais a entida- va negativa correspondente NONE. Em nos- de todo é estabelecida como entidade base e a sos dados, NOT HAVE também ocorreu em entidade parte como figura (cf. Talmy (1978)). algumas construções existenciais negativas. Três destes exemplos são mostrados abaixo. Há distinções entre NONE e NOT HAVE, particularmente o fato de que o último ten- (28) TAXI VIER REIFEN DA [ÖGS] de a acompanhar um possuidor animado. O taxi quatro rodas existir HAVE existencial aparece mais comumente ‘The taxi has four wheels’ antes do objeto cuja existência é expressa (31), enquanto NONE aparece com mais freqüên- (29) TAXI VIER REIFEN CL-rodas-forma-e- cia após o objeto (32). Além das construções locação [ÖGS] que usam HAVE, os participantes usaram Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas táxi quatro rodas cl-rodas-forma- mecanismos alternativos para expressar exis- 122 e-locação ‘The taxi has four wheels’ tência, inclusive um aceno de cabeça em di- Posse e existência em três línguas de sinais reção ao objeto (33), uma apontação em di- 3.4.2 Estruturas existenciais na ÖGS reção ao locus do objeto (34) e construções classificadoras que estabelecem o objeto no Na ÖGS, a existência é expressa com o verbo espaço (35). DA exist (38). Esse verbo é posicionado no fim da oração e pode ser deslocado no espaço (31) HAVE PROBLEM [ASL] para mostrar multiplicidade ou locação (39). ‘There is a problem’ As construções existenciais negativas são si- nalizadas com KEIN no ou ÜBERHAUPT- (32) PROBLEM NONE [ASL] NICHT not at all, com ou sem o verbo DA ‘There is no problem’ (40). Os participantes austríacos, de modo análogo aos norte-americanos e croatas, ______aceno de cabeça freqüentemente produziram classificadores (33) PROBLEM [ASL] deslocados no espaço, como mostra o exem- ‘There is a problem’ plo (41).

(34) MONEY IX(table) [ASL] (38) PROBLEM DA [ÖGS] ‘There is money on the table’ problema existir ‘There is a problem’ (35) WALL CL-F:buraco-em-parede [ASL] ‘There is a hole in the wall’ (39) DREI BUCH DA+++ [ÖGS] três livros existir(rep) As construções existenciais na HZJ são ‘There are three books’ expressas com o verbo possessivo IMATI have, com uma forma supletiva negativa cor- (40) KEIN PROBLEM (DA) [ÖGS] respondente NEMATI not-have (36). Como nenhum problema existir na ASL, a existência também pode ser ex- ‘There is no problem’ pressa de forma alternativa por meio de uma apontação na direção do possuidor e de cons- (41) RAUM 25 SESSEL CL-reihe [ÖGS] truções classificadoras que estabelecem a po- sala 25 cadeiras cl-em-uma-fileira sição do objeto no espaço. Além disso, a HZJ ‘There are 25 chairs (in a row) in the room’ tem um segundo verbo somente-existencial POSTOJATI exist (37), que é usado princi- palmente em contextos formais e que não 4. A relação entre as estruturas apareceu em nosso corpus. possessivas, existenciais e locativas

(36) PRO-1 SLIKA IMATI / NEMATI PTICE [HZJ] Muitos pesquisadores observaram que as pro-1 foto ter / não-ter pássaros expressões possessivas e existenciais de um ’In my photo, there are / are no birds’ grande número de línguas faladas mantêm certa relação com as construções locativas (cf. (37) POSTOJATI PROBLEM [HZJ] Lyons (1968), Clark (1978), Freeze (1992), Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas existir problema Harley (2003), inter alia). Neste artigo, con- ‘There is a problem’ sideraremos, em linhas gerais, a análise sintá- 123 Deborah Chen Pichler e outros

tica proposta por Freeze (1992), amplamente citada, que visa a unificar essas três constru- ções. Freeze postula que tanto as construções possessivas quanto as existenciais derivam da mesma estrutura locativa subjacente. Ele ba- seia sua análise no paradigma do russo fala- do, onde as semelhanças estruturais entre as três construções em questão são prontamen- te identificadas.

(42) Kniga byla na stole [Russo; construção locativa] do livro (na stole) para a posição de sujeito livro-NOM estava sobre mesa-LOC (spec de IP), tornando-o o sujeito gramati- ‘The book was on the table.’ cal da oração. De modo semelhante, a cons- trução existencial em (43) é derivada quan- (43) Na stole byla kniga do o papel temático semântico, codificado [Russo; construção existencial] nesse caso pela locução nominal knjiga sobe sobre mesa-LOC estava livro-NOM ‘There was a book on the table.’ para se tornar o sujeito gramatical. Quan- to à construção possessiva, Freeze propõe (44) U menja byla sestra que a locução nominal do possuidor (menja [Russo; construção possessiva] no exemplo (44)) funciona essencialmente para 1sg-GEN era irmã-NOM como uma locação [+humana] para o pos- ‘I had a sister.’ sessum. Essa análise aplica-se diretamente a línguas como o russo, em que as constru- De acordo com Freeze, a estru- ções possessivas são realizadas usando uma tura subjacente nos exemplos (42- 44) preposição explícita. Em línguas em que isso inclui um complemento preposicio- não ocorre, Freeze supõe que a preposição nal do verbo «byla», como pode ser vis- é elíptica. Essa proposta tem a vantagem de to na representação mostrada em (45). reduzir as estruturas possessivas a estrutu- ras existenciais com uma locação humana. (45) Derivação das estruturas locativas, Como no caso das construções existenciais, possessivas e existenciais de acordo com a “locação” da locução nominal sobe para Freeze (1992)5 Spec de IP, tornando-se o sujeito gramatical da construção possessiva. Segundo a proposta de Freeze, a estru- Além das semelhanças estruturais, Free- tura locativa em (42) é derivada movendo- ze (1992) também menciona uma evidência se o constituinte P’ que codifica a locação diacrônica que corrobora sua hipótese sobre Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

124 5 Este gráfico foi extraído de Harley (2003). Posse e existência em três línguas de sinais a natureza locativa subjacente das constru- existência de uma estrutura locativa subjacen- ções possessivas e existenciais. Ele aponta a te nas construções possessivas e existenciais na existência de uma longa lista de proformas ASL, na ÖGS e na HZJ. Até agora, acreditamos com origens locativas usadas na expressão que dois aspectos particulares de nossos dados de existência no francês, catalão, italiano, es- apresentam características locativas: o uso re- panhol, árabe e samoano falados, bem como corrente do espaço (com pontos de locação e do sujeito locativo lexical there usado nas ex- classificadores) e o fato de que alguns dos pre- pressões existenciais do inglês. dicados que observamos são plausivelmente Embora as línguas sinalizadas e faladas derivados de sinais locativos. compartilhem um grande número de carac- De novo, sabe-se que a organização es- terísticas fundamentais, sabemos que elas di- trutural das línguas de sinais diverge da das ferem em aspectos importantes. Não é nossa línguas faladas em muitos aspectos e é impor- intenção, ao citar a análise de Freeze (1992), tante levar tais diferenças em consideração, insistir na estrutura sintática específica que ao se buscar estender para as línguas de sinais, ele propõe. Ao invés disso, nós a tomamos análises originalmente desenvolvidas para como um modelo útil para a investigação línguas faladas. A análise de Freeze (1992) de- sistemática de relações subjacentes plausíveis pende de uma locução prepositiva na posição entre construções possessivas, existenciais e de complemento verbal em construções pos- locativas nas línguas de sinais. Nos últimos sessivas e existenciais e é nessa LP que as ca- anos, diversos pesquisadores apontaram evi- racterísticas locativas dessas duas construções dências para essa relação em várias línguas se originam. As preposições explícitas do tipo de sinais. Kristofferson (2003) observa que comum nas línguas faladas são bastante raras na Língua de Sinais Dinamarquesa, todas as nas línguas de sinais que estudamos (e talvez construções possessivas, existenciais e loca- nas línguas de sinais de um modo geral). En- tivas usam o mesmo verbo e são diferencia- tretanto, encontramos informações locativas das apenas pela ordem dos sinais (base-figura codificadas pelo uso do espaço. Por exemplo, para as construções possessivas e existenciais todas as três línguas do nosso estudo usam e figura-base para as locativas). Mais recente- a apontação (inclusive para pronomes pes- mente, Ulrike Zeshan e seu grupo de pesqui- soais) para expressar posse e existência. Na sa deram início a um projeto de comparação medida em que uma apontação usada como tipológica interlingüística das expressões pos- pronome pessoal indique a locação de um sessivas e existenciais em línguas de sinais, en- possuidor (por exemplo, à la Liddell 2003), focando a relação entre essas duas construções esse uso pode ser entendido como a codifica- em mais de vinte línguas de sinais, incluindo ção do possuidor enquanto locação humana, as Línguas de Sinais Finlandesa e Flamenca segundo a abordagem de Freeze (1992). Além (De Weerdt & Takkinen (2006)), a ASL (Chen disso, embora ainda não tenhamos dados re- Pichler & Hochgesang (no prelo)) e a ÖGS levantes da ÖGS ou da HZJ, a ASL permite a (Schalber & Hunger (no prelo)). Ao analisar- expressão de posse usando não mais do que o mos as construções possessivas e existenciais deslocamento de sinais no espaço em direção coletadas para o presente projeto, nos pergun- aos loci dos possuidores, como no exemplo em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas tamos que evidência poderia haver nelas para a citado anteriormente em (20). 125 Deborah Chen Pichler e outros

Quanto às expressões de existência, o tóricos entre a HZJ e a ÖGS pode ser expli- uso da apontação ilustrado no exemplo (34) cada pelo fato de que crianças croatas surdas constitui um terceiro exemplo de uma carac- foram enviadas à Áustria para estudar no fim terística locativa. Observe-se que essas cons- do século XIX. De modo análogo, na HZJ, o truções são ambíguas, permitindo tanto uma verbo existencial alternativo POSTOJATI to leitura existencial (there is no money on the exist pode ter origens locativas, dada a sua se- table) quanto uma leitura mais diretamen- melhança superficial com o sinal da HZJ para te locativa (The money is on the table). En- STOJITI, que significa aproximadamente contramos a mesma ambigüidade (também “estar localizado em”. O sinal é claramen- observada por Kristofferson (2003) para a te locativo, permitindo o deslocamento no língua de sinais dinamarquesa) nas constru- espaço para indicar a locação do objeto em ções classificadoras de base-figura, como nos questão. É claro que esse tipo de comparação exemplos (29), (35) e (41), [que constitui] etimológica é um tanto quanto especulativa, outra estrutura alternativa usada na ASL, na porém nós a citamos aqui como uma evidên- ÖGS e na HZJ para expressar existência. Se cia secundária, como o faz Freeze ao discutir nos dispusermos a considerar a locução no- a (igualmente sugestiva) evidência diacrônica minal que representa a base nestes exemplos das origens locativas das construções posses- (i.e. TAXI, WALL ou RAUM) como uma lo- sivas e existenciais nas línguas faladas. cação, e a locução nominal que representa a figura (i.e. REIFEN, HOLE ou 25 SESSEL) como o tema, essas estruturas podem até ser 5. Conclusões submetidas à análise sintática proposta por Freeze (1992), segundo a qual uma locação O objetivo inicial deste estudo foi descrever ocorre como “sujeito” gramatical (mas não e documentar construções possessivas e exis- necessariamente conceitual) da oração. tenciais na ASL, na ÖGS e na HZJ. Ao ana- Também foram insuficientes as evidên- lisar nossos dados, observamos semelhanças cias que obtivemos para sustentar a hipóte- entre essas três línguas quanto às estruturas se de uma relação diacrônica entre as cons- sintáticas empregadas para expressar posse e truções locativas, possessivas e existenciais. existência, bem como uma visível restrição É evidente o fato de que o verbo usado em com relação a quais dessas estruturas podem construções possessivas e existenciais na ÖGS ocorrer com possuidores inanimados e cer- permite uma glosa locativa (here). Schalber tos casos de posse inalienável (por exemplo, & Hunger (no prelo) mostram que, o sinal posse de parte do corpo). Nesses casos, tan- DA, usado em construções existenciais, indi- to as locuções nominais possessivas quanto ca a presença concreta e a locação do obje- os predicados possessivos tendem a não usar to ao qual se atribui existência e pode até ser um pronome possessivo explícito. Supomos substituído por um sinal de advérbio de lugar que tal restrição possa decorrer do fato de como HIER here. É interessante notar que a que a posse é, em sua expressão mais canôni- forma atual do sinal DA mostra uma notável ca, uma relação entre um possuidor animado semelhança com o sinal MJESTO place usado e um possessum inanimado, e que essa relação Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas na HZJ (o sinal HZJ acrescenta uma configu- particular é enfatizada pelo pronome POSS 126 ração de mão “B”). A existência de laços his- explícito. Posse e existência em três línguas de sinais

Um segundo objetivo deste trabalho foi Sign Language. In: ZESHAN, U.; PERNISS, P. chamar a atenção para características loca- (Orgs.) Sign language typology: Possession and tivas ou espaciais subjacentes às estruturas existentials, no prelo. existenciais e possessivas que observamos na CLARK, E. Locationals: existential, locative and ASL, na ÖGS e na HZJ. Em particular, ob- possessive constructions”, In: GREENBERG, servamos mecanismos alternativos para se J. H. et al. (Orgs.). Universals of Human Lan- expressar posse que envolve uma apontação guage, v. 4, Stanford, 1978. p. 85-126. em direção ao locus do possuidor ou um mo- De Weerdt, D.; TAKKINEN, R. Different vimento do sinal do possessum em direção ways of expressing existence in Finnish Sign ao locus do possuidor. Também de natureza Language and . Trab- espacial é a expressão de existência por meio alho apresentado ao Sign Language Typology do estabelecimento de construções de figura- Workshop on Possession and Existentials, Max base, nas quais a base é codificada como loca- Plank Institute, Nijmegen, 2006. ção e a figura como o objeto ao qual se atribui FREEZE, R. Existentials and other locatives, existência. Por fim, apontamos uma evidência Language, v. 68, 1992. p. 553-595. diacrônica secundária das origens locativas do HARLEY, H. Possession and the double object verbo existencial/possessivo usado na ÖGS construction, In: PICA, P. (Org.). Linguistic e de um verbo existencial na HZJ. Há muito Variation Yearbook, Amsterdam: John Ben- se discute na literatura sobre a língua falada a jamins, 2003. p. 31-70. respeito de uma relação sintática entre cons- Kristoffersen, J. Existence, location and truções possessivas, existenciais e locativas. A possession and the order of constituents in partir de tal literatura, discutimos a aborda- . In: A. Bake, A.; VAN gem de Freeze (1992), não no sentido de ado- DEN BOGAERDE, B.; CRASBORN, O. (Orgs.). tar sua análise em todas as suas nuances, mas Crosslinguistic Perspectives in Sign Language simplesmente como uma primeira tentativa Research: Selected Papers from TISLR 2000, de detectar semelhanças entre essas três estru- Hamburg: Signum Verlag, 2003. p. 131-139. turas nas línguas de sinais tal como nas línguas LIDDELL, S. K. Grammar, Gesture and Mean- faladas. Evidentemente, temos consciência de ing in American Sign Language. Cambridge: que é preciso ter cuidado ao se aplicar análi- Cambridge University Press, 2003. ses originalmente desenvolvidas para dados de LYONS, J. A note on possessive, existential and línguas faladas para as línguas de sinais. locative sentences. Foundations of Language, No entanto, acreditamos que as atuais v. 3, 1968. p. 390-396. evidências da natureza locativa de (certas) es- Schalber, K.; HUNGER, B. Possessive and exis- truturas possessivas e existenciais na ASL, na tential constructions in ÖGS – with locatives on ÖGS e na HZJ são suficientemente convincen- the side. In: PERNISS, P.; ZESHAN, U. (Orgs.). tes para merecer uma investigação rigorosa. Possessive and existential constructions in sign languages. Sign Language Typology Series, Nijmegen, v. 2, no prelo. Referências TALMY, L. Figure and Ground in Complex Sentences. In: GREENBERG, J. et al. (Orgs.) Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas CHEN PICHLER, D.; HOCHGESANG, J. Posses- Universals of Human Language, v. 4. Stanford, sive and existential constructions in American 1978. p. 627-649. 127 Deborah Chen Pichler e outros

Apêndice A: Jogos de elicitação apresentados quase que exclusivamente por do projeto interlingüístico meio de gráficos. A língua escrita foi usada Zeshan somente para a lista de sintomas no jogo Médico-paciente e para registrar os nomes Todos os jogos usados neste estudo foram dos membros da família no jogo da Árvore executados por dois/duas participantes e são genealógica.

Nome do jogo Descrição Estrutura(s) alvo Jogo Médico-paciente o participante A, representando o paciente, recebe um Posse inalienável (de partes do corpo e cartão marcado com uma seleção de sintomas como dor de estados físicos) de cabeça, febre etc. O participante B, representando o médico, tenta diagnosticar a doença do participante A perguntando-o se sofre dos sintomas. Jogo da Árvore genealógica o participante A pergunta o participante B sobre os Posse inalienável (de membros da família); membros de sua árvore genealógica, suas idades, Posse alienável de objetos abstratos trabalhos etc. (por exemplo, trabalhos, hobbies etc). Jogo de atribuições os participantes A e B atribuem uma série de objetos Posse alienável de objetos concretos concretos (por exemplo, um cavalo, um revólver, um livro) a uma variedade de indivíduos fictícios (por exemplo, uma menina, um homem, uma mulher idosa) Jogo de comparação de os participantes A e B recebem, cada um, uma de duas Construções existenciais figuras figuras que diferem em 5 ou 6 pequenos detalhes. Eles devem identificar essas diferenças comparando verbalmente (por meio de sinais) os conteúdos de suas respectivas imagens.

Apêndice B: Exemplos de sinais possessivos e existenciais na ASL, na ÖGS e na HZJ

Exemplo da Descrição língua [ASL/ÖGS/HZJ] A configuração de mão POSS-2 “B” deslocada em direção ao locus do possuidor

[ASL] HAVE A configuração de mão “B” curvada, as pontas dos dedos tocando o peito. O sinal pode ser feito com uma ou duas mãos. [HZJ] IMATI A configuração de mão “U” terminando (com o pulso dobrado para baixo) na configuração de mão “N”, mas conservando o polegar esquerdo

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas estendido.

128 Posse e existência em três línguas de sinais

[ÖGS] DA A configuração de mão “8 aberto” produzida com um movimento curto para baixo; articulada com uma ou duas mãos; pode ser deslocada no espaço para mostrar locação ou multiplicidade.

[ASL] A configuração de mão APOSTROPHE-S “S” mantida em frente ao sinalizante e girada para dentro uma vez.

[ASL] O sinal GREEN é deslocado GREEN(PRO-2), em direção ao locus BLUE(PRO-1) do PRO-2 enquanto o sinal BLUE é deslocado em direção ao locus do PRO-1.

‘O (objeto) azul é meu e o (objeto) verde é seu.

Apêndice C: Resumo das Locuções nominais possessivas ASL …GS HZJ características semânticas das Possuidor animado com l l l locuções nominais possessivas e dos possessum concreto Posse inalienável: possessum l l l predicados possessivos é parente

Posse inalienável: possessum w l w é parte do corpo Nos dois quadros seguintes, os círculos com- Posse alienável: possessum é l l l pletos indicam uma construção comum e/ou conceito abstrato completamente aceitável de acordo com nos- Possuidor inanimado ◗ ◗ ◗ sos dados. Os meios-círculos indicam uma inconsistência ou restrições nos dados quan- Predicados possessivos ASL …GS HZJ Posse inalienável: l l l to à aceitabilidade da construção específica. possessum é parente Posse inalienável: possessum é parte do w l l corpo Posse inalienável: w w l estados físicos Posse alienável: possessum é conceito l l l abstrato Possuidor inanimado ◗ ◗ ◗ Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

129 Uma comparação lexical de Línguas de Sinais no mundo Árabe1

Kinda Al-Fityani e Carol Padden Departamento de Comunicação Universidade da Califórnia, San Diego

1. Introdução árabes. Embora não seja a língua materna de nenhum dos países árabes, o MSA é o padrão Mais de duzentos milhões de habitantes nos literário oficial desses países e é a forma de vinte e dois países do Oriente Médio e do língua árabe ensinada nas escolas em todos os Norte da África falam a língua árabe2. En- estágios. Na verdade, a língua árabe coloquial tretanto, caso um iemenita e um tunisiano falada, denominação freqüentemente dada às se encontrem, é pouco provável que a língua variedades regionais, é raramente encontrada árabe falada por um seja compreendida pelo em uma forma escrita. É comumente afirma- outro. O mundo árabe é caracterizado por do que a língua árabe é o que une os diferen- uma “diglossia” difundida, uma situação lin- tes membros da comunidade árabe, apesar güística em que dialetos regionais são falados das diferenças geográficas e tradições cultu- juntamente com uma língua escrita altamen- rais que podem ser encontradas pelo oriente te codificada. Dos dialetos árabes, o dialeto médio (Suleiman, 2003). egípcio é o mais amplamente entendido pelos Ao escrever sobre as línguas de sinais do árabes, uma vez que o cinema e outras for- oriente médio, Abdel-Fattah (2005) sugeriu mas de entretenimentos da mídia são, em sua que a presença de uma língua árabe falada maioria, produzidos no Egito e, tipicamente, padrão levou à expectativa de que haja uma utilizam atores egípcios. Caso um iemenita e língua de sinais comum compartilhada na re- um tunisiano se encontrem, eles podem re- gião. Este trabalho explora até que ponto as correr ao dialeto das estrelas dos filmes para línguas de sinais dessa região podem estar re- se entenderem ou podem usar a língua alta- lacionadas e examina as relações entre as lín- mente codificada da língua Árabe Moderno guas de sinais no mundo árabe por meio das Padrão (MSA), que é usada pelos apresenta- estatísticas lexicais, um método de compara- dores de jornal e oficiais públicos, nos países ção de vocabulário entre as línguas de sinais

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Gisele Daiana Pereira. 2 Os 22 membros são: Argélia, Barein, Cômoros, Gjibuti, Egito, Iraque, Jordão, Kuwait, Líbano, Líbia, Mauritânia, Marrocos, Omã, Palestina, Catar, Arábia Saudita, Somália, Sudão, Síria, Tunísia, Emirados Árabes, e Iêmen (Liga dos Estados Árabes). Uma comparação lexical de línguas de sinais no mundo Árabe para determinar o tipo de extensão da relação Através dos relatos sobre as línguas de si- lingüística, se houver. nais nessas comunidades, sabe-se que seu uso Pelo menos três circunstâncias simultâ- não é confinado a lugares onde pessoas surdas neas afetam a distribuição das línguas de si- se reúnem por instituições sociais, tais como nais nessa região. Primeiro, como Walsh et escolas para surdos ou clubes locais para sur- al. (2006) descrevem abaixo, algumas tradi- dos, apesar de eles serem comumente encon- ções de casamento são comuns na região: trados em cenários comunitários e familiares. Como Groce (1985) ilustra em sua história do A peculiar história demográfica do oriente Vinhedo de Marta do século XIX, onde havia médio levou a muitas comunidades [endogâ- um alto incidente de surdez recessiva, as lín- micas]. Por mais de 5.000 anos e até hoje, as guas de sinais são propensas a aflorar em tais costas orientais do Mediterrâneo têm presen- comunidades, uma vez que surdos e ouvintes ciado a imigração de povos oriundos de uma usam, regularmente, a comunicação sinali- ampla variedade de culturas. Freqüentemente zada. Kisch (2004) descreve o caso da comu- as vilas foram formadas por algumas famílias nidade de Al-Sayyid no Negev (deserto que estendidas e, apesar de sua proximidade geo- ocupa o sul de Israel), onde o casamento con- gráfica, continuaram demograficamente iso- sangüíneo é comum e a freqüência de perda de ladas. Por séculos, os casamentos têm sido ar- audição é alta em 3% da população devido a ranjados dentro das famílias estendidas nessas características genéticas recessivas de profun- vilas, levando a um alto nível de consangüini- da surdez neurosensorial pré-lingual. Sandler, dade e, conseqüentemente, a altas freqüências Meir, Padden, e Aronoff (2005) também es- de caracteres recessivos (p. 203). crevem sobre essa comunidade:

A prática comum da endogamia resultou Os membros da comunidade geralmente re- em uma alta incidência de surdez genética no conhecem a língua de sinais como a segunda mundo árabe, em comparação a outras socie- língua da vila. As pessoas ouvintes dessa co- dades exogâmicas, onde a surdez é mais pro- munidade rotineiramente avaliam sua pró- vavelmente um resultado de doença do que pria proficiência, elogiando aqueles que têm de herança genética. Shahin et al. (2002) do- grande facilidade na língua... um resultado cumentam que enquanto aproximadamente da [surdez recessiva] é que existe um núme- uma, dentre mil crianças no mundo, nasce ro proporcionalmente grande de indivíduos com perda de audição, comunidades com surdos distribuídos por toda a comunida- altos níveis de consangüinidade apresentam de. Isso significa que os membros ouvintes uma freqüência especialmente alta de surdez da comunidade têm contato regular com os genética na infância. Esses autores afirmam: membros surdos e que, conseqüentemente, a “a deficiência auditiva hereditária ocorre sinalização não é restrita a surdos. (p. 2662) na população palestina numa freqüência de aproximadamente 1.7 em cada 1.000 e é mais Segundo, as circunstâncias sociais e cul- alta em algumas vilas” (Shahin et al, 2002, p. turais no mundo árabe provêem de algum 284). Isso significa que na Palestina, a freqüên- modo, mais oportunidades para se aprender Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas cia de surdez é 70% mais alta do que a média a língua de sinais, desde o nascimento. Com a global. incidência mais alta de surdez genética, as lín- 131 Kinda Al-Fityani e Carol Padden

guas de sinais são capazes de sobreviver por a distribuição geográfica das línguas de sinais muitas gerações nas famílias, em comparação que são usadas, diariamente, na família e na a outras regiões do mundo, onde a surdez ge- vida social da tribo, em oposição à distribui- nética é menos freqüente. Quando a surdez é ção encontrada em cenários institucionais resultado de doença, as chances de um surdo mais formalizados. aprender a língua de sinais dependem mais do acesso a organizações ou instituições or- ganizadas para surdos. No oriente médio, a 2. Revisão da Literatura sobrevivência da língua de sinais não depen- de de políticas institucionais formais. A metodologia da léxico-estatística compara- Terceiro, as circunstâncias culturais, da é usada para desenvolver hipóteses acerca sociais, políticas e econômicas levam as lín- de possíveis relações históricas entre as lín- guas de sinais no mundo árabe a serem mais guas faladas (Crowley, 1992). Isso é feito por propensas ao isolamento uma das outras. meio de um estudo quantitativo dos cognatos Os costumes relacionados ao casamento no entre os vocabulários das línguas em estudo. mundo árabe dão um tratamento preferen- Cognatos são definidos como vocábulos de cial aos casais da mesma região já que eles dois idiomas diferentes que são homogêneos estão propensos a compartilhar o mesmo o suficiente para serem considerados como dialeto e costumes. Além disso, fatores polí- semelhantes no que concerne à derivação ticos das regulamentações da imigração entre lingüística ou à raiz. Uma comparação entre os países árabes dificultam para os nativos de as línguas faladas envolve a identificação de uma região migrarem para outra. Por essas similaridades na estrutura silábica e segmen- razões, uma mulher jordaniana tem maior tal; nas línguas de sinais, a similaridade dos probabilidade de se casar com um homem da cognatos é baseada na comparação das con- região do Levante (países ao norte do oriente figurações de mão, movimentos, localizações médio) do que com um homem do estado do e orientações da mão no vocabulário de duas Golfo. Isso porque ela precisaria de um vis- línguas de sinais diferentes. Muitos lingüistas to para viajar para Dubai, por exemplo, mas da língua falada usam uma lista básica de 200 não precisaria de um para viajar para Damas- palavras como base de sua pesquisa em léxi- co ou Beirut. Além disso, a proximidade de co-estatística ao invés de listas mais longas, Damasco e Beirut ao Jordão faz com que seja como um modo conveniente e representativo mais economicamente viável para uma jorda- de línguas de sub-grupos. Quanto mais alto o niana conhecer um homem dessas cidades do percentual léxico estatístico entre os cognatos que conhecer um catariano. Considerando- das línguas faladas, mais próxima é a relação se que os fatores culturais, sociais, políticos histórica entre essas línguas, uma vez que esse e econômicos restringem tal contato, as lín- fato mostra uma separação mais recente de guas de sinais no mundo árabe apareceriam uma língua comum (parent language) (Black dentro das fronteiras que possivelmente as & Kruskal, 1997). No contexto da metodo- isolam e permitem que elas se desenvolvam, logia léxico estatística, Crowley (1992) define independentemente uma das outras. Uma as línguas como dialetos se elas comparti- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas pesquisa nas línguas de sinais do mundo ára- lham 81-100% dos cognatos, nos vocabulá- 132 be pode revelar resultados interessantes sobre rios principais. Elas são consideradas como Uma comparação lexical de línguas de sinais no mundo Árabe da mesma família de língua se compartilham ao contrário dos resultados de estudos ante- 36-81% dos cognatos e como famílias de uma riores em línguas de sinais que afirmavam a “descendência” (stock) se compartilham 12- origem da ASL na LSF, é mais provável que 36% dos cognatos. Pela “descendência”, os algumas variedades das línguas de sinais nos léxicos estatísticos não precisam identificar Estados Unidos tenham surgido antes de as línguas como descendentes de uma língua qualquer contato com a LSF, após o processo ancestral comum; ao invés disso, o termo re- de creolização. conhece que as línguas dentro de uma região Woodward (1991) também comparou podem ter a oportunidade de entrarem em variedades de línguas de sinais encontradas contanto uma com a outra. Greenberg (1957) na Costa Rica. Com resultados variando de 7 fornece quatro casos de semelhanças lexicais a 42% de cognatos, ele concluiu que existem, entre as línguas, apenas dois deles sendo rela- pelo menos, quatro línguas distintas na Costa cionados historicamente: relações genéticas e Rica. Em um terceiro estudo, ele comparou empréstimo. Os outros dois casos são o sim- as variedades das línguas de sinais na Índia, bolismo compartilhado - onde os vocabulá- Paquistão e Nepal com resultados variando rios compartilham motivações similares, icô- entre 62-71% cognatos (Woodward, 1993). nicas ou indicadoras - e, finalmente, o acaso. Conclui que essas variedades são línguas se- Woodward (1978) é um dos primeiros paradas, mas pertencem à mesma família de lingüistas de sinais a conduzir uma pesqui- língua. Do mesmo modo, a Língua Moderna sa léxico-estatística em línguas de sinais. Ele de Sinais Tailandesa Padrão e a ASL compar- comparou o léxico da Língua de Sinais Fran- tilham 57% de cognatos, o que faz delas lín- cesa (LSF) de um dicionário de língua de guas distintas historicamente relacionadas, sinais com a ASL, onde alguns sinais foram devido ao contato entre os educadores ame- elicitados de um homem surdo mais velho e ricanos de surdos e usuários surdos da Língua outros sinais de um sinalizante de ASL mais de Sinais Tailandesa (Woodward, 1996). novo. Esse pesquisador iniciou com uma McKee et al. (2000) usam a lista modifi- lista de 200 palavras nucleares da Lista de cada de vocabulário nuclear de Woodward, Swadesh, uma ferramenta comum entre an- de 100 conceitos, para estabelecer a relação tropólogos para elicitar um vocabulário bá- entre a Língua de Sinais da Nova Zelândia sico, mas excluiu os numerais, pronomes e (NZSL), a ASL, a Língua de Sinais Australiana partes do corpo, porque esses são altamente () e a Língua de Sinais Britânica (BSL). icônicos e indicadores. Com relação às 77 pa- Os vocabulários foram retirados de dicioná- lavras restantes de sua lista que se repetiram rios e CD-ROMs de suas respectivas línguas no dicionário da LSF, ele encontrou 61% de de sinais. Os pesquisadores identificam os si- cognatos nas duas séries de comparações da nais como cognatos se todos os parâmetros LSF entre um surdo mais velho e um sinali- fonéticos (configuração de mão, localização, zante mais novo. Substituindo a lista modifi- movimento e orientação da palma) são idên- cada de vocabulários nucleares por todos os ticos ou se apenas um dos parâmetros é dife- 872 sinais disponíveis no dicionário da LSF, rente. O vocabulário que se enquadra nessa ele descobriu que o número de cognatos caiu segunda categoria é denominado relaciona- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas ligeiramente para 57.3-58%, nas duas séries do-mas-diferente, ou vocabulário similar o de sinais da ASL. Woodward conclui que, bastante para ter uma origem comum. Eles 133 Kinda Al-Fityani e Carol Padden

descobriram que entre 79-87% dos vocabu- Nova Zelândia introduziu o Sistema de Co- lários do Auslan, BSL e NZSL são cognatos, municação Total Australiano em 1979, que o que os classificaria como dialetos de uma continuou a ser usado até o inicio da década língua comum. Os pesquisadores esperavam de 90. Entretanto, eles tiveram dificuldade esse alto grau de similaridade, já que a Aus- em afirmar se a NZSL é uma língua separada lan e a NZSL têm origens coloniais: a BSL foi ou se é um dialeto da BSL, como no caso da trazida para a Austrália e Nova Zelândia pe- Auslan. Enquanto os resultados da primeira los educadores de surdos e outros imigrantes análise mostraram que a NZSL era um diale- do Reino Unido. Além disso, tem havido um to da Auslan e da BSL, porque se enquadrou freqüente contato entre surdos da Austrália na taxa da léxico-estatística de 81-100%, a e da Nova Zelândia. Tal fato contrasta com segunda análise sugere que a NZSL pertence a situação da ASL, que não apresenta ligação apenas à mesma família, como a Auslan e a histórica com as outras três línguas de sinais. BSL, com uma significativa divergência ten- Como esperado, os pesquisadores descobri- do ocorrido entre elas. ram que apenas de 26-32% do vocabulário da Currie, Meier, e Walters (2002) con- ASL é idêntico ou similar ao vocabulário da taram os cognatos em suas comparações Auslan, da BSL e da NZSL, confirmando que léxico-estatísticas da LSM com a Língua de a ASL é uma língua separada das outras três. Sinais Francesa (LSF), Língua de Sinais Es- McKee et al. reconhecem que alguns lin- panhola (LSE), e Língua de Sinais Japonesa güistas criticam o método de se empregar vo- (NS). A LSM foi comparada à LSF já que há cabulários nucleares e seletivos. Pelo fato de razões para acreditar que elas são relaciona- serem conceitos de alta freqüência, tais voca- das historicamente. Um educador francês de bulários podem superestimar as similarida- surdos veio ao México em 1866, ao saber da des entre as línguas de sinais. Ao invés disso, primeira escola de surdos lá fundada. Por essa esses pesquisadores preferiram vocabulá- razão, alguns acreditaram que a LSF poderia rios aleatórios, para neles basear seu estudo ser uma fonte do empréstimo da(s) língua(s) léxico-estatístico. Alterando ligeiramente a de sinais no México. Pelo fato de a língua es- metodologia de Woodward para dobrar o panhola ser a língua falada compartilhada no vocabulário que está sendo comparado e in- México e na Espanha, a LSM e a LSE podem cluir mais vocabulários aleatórios, ao invés de ter uma base comum de similaridades. Final- vocabulários nucleares da Lista de Swadesh, mente, na ausência de uma relação histórica McKee et al. descobriram que o número de conhecida, a comparação entre a LSM e a NS cognatos entre a NZSL e a Auslan e a BSL é usada como um controle para aproximar o caiu drasticamente para 65.5% e 62.5% res- possível grau de similaridade entre duas lín- pectivamente. Como esperado, os cognatos guas de sinais não-relacionadas. entre a NZSL e a ASL continuaram baixos, Os dados para a análise foram coletados a 33.5%. Os pesquisadores argumentam que a partir de elicitações gravadas em vídeo. As a taxa ligeiramente mais alta de similaridade listas de palavras abrangeram de 89 vocabulá- entre a NZSL e Auslan do que aquela entre rios na comparação da LSM com a LSE a 112 NZSL e BSL está relacionada à proximidade vocabulários na comparação da LSM com a Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas geográfica e às políticas educacionais históri- LSF e 166 conceitos para LSM-NS. Os con- 134 cas em que o Departamento de Educação da ceitos foram denominados cognatos se eles Uma comparação lexical de línguas de sinais no mundo Árabe compartilhassem dois de cada três parâme- se mudou para a Jordânia, em 1964, para re- tros. Diferentemente de McKee et al. (2002), abrir uma escola para surdos, que tinha sido Currie et al. (2002) excluíram o quarto parâ- inaugurada pelo Padre Andeweg (Holy Land metro de orientação. Os resultados mostra- Institute for the Deaf, 2004) ram 38% de cognatos para LSM-LSF, 33% de O Holy Land Institute of the Deaf (HLID), cognatos para LSM-LSE e 23% para LSM-NS. Instituto dos Surdos da Terra Santa, na cida- Apesar de haver história de contato entre a de de Salt, na Jordânia, hoje em dia é con- LSM e a LSF, fica claro que o desenvolvimen- siderado uma escola modelo para os surdos to histórico não é genético. Eles atribuem a do oriente médio. As escolas para surdos similaridade ao empréstimo. Seus resultados em outros países árabes foram abertas, ape- também não apóiam a similaridade entre a nas, vários anos e décadas mais tarde. Essas LSM e a LSE, embora ela exista em comu- escolas foram fundadas por seus respectivos nidades que compartilham a língua falada, a governos e, em grande parte, sem nenhuma língua espanhola. Finalmente, a comparação influência dos europeus. Com exceção da entre a LSM e a NS fornece um nível base do HLID, a maioria das escolas para surdos no grau de similaridade entre quaisquer duas oriente médio enfatiza métodos orais de co- línguas de sinais que possam ter iconicida- municação, preferindo esses métodos à lín- de compartilhada. Currie et al. (ibid.) argu- gua de sinais. Devido à recente fundação de mentam que a modalidade visual-gestual das tais instituições e por seu apoio continuado línguas de sinais e sua capacidade para repre- aos métodos de comunicação oral, seria de se sentações icônicas dão suporte, no mínimo, esperar que o desenvolvimento da língua de a um nível mínimo de similaridade entre as sinais na região exibisse uma geografia dife- línguas de sinais não relacionadas. rente daquela na Europa e nos EUA. As relações genéticas entre as línguas de Esse artigo explora as similaridades e di- sinais nos Estados Unidos, no ocidente euro- ferenças entre as línguas de sinais no mundo peu e nas colônias britânicas coincidem com a árabe por meio do método léxico-estatístico. história da educação de surdos nessas regiões, As línguas de sinais que serão examinadas mas as relações entre as línguas de sinais do em comparação com a Língua de Sinais da mundo árabe podem seguir um padrão intei- Jordânia (LIU)3 são a Língua de Sinais Al- ramente diferente, visto que a escolaridade das Sayyid Beduína (ABSL)4, a Língua de Sinais crianças surdas foi introduzida muito mais do Kuwait (KSL), a Língua de Sinais da Líbia tarde no oriente médio. O Irmão Andrew, um (LSL) e a Língua de Sinais Palestina (PSL). educador pioneiro de surdos no oriente mé- A LIU também será comparada com a ASL dio, atribui ao Padre Andeweg, um missioná- como linha base, com a expectativa de um rio anglicano holandês, a abertura da primeira percentual de cognatos mais baixo devido à escola para surdos na região do Líbano, no fim ausência de relação histórica conhecida entre da década de 50. O Irmão Andrew chegou pri- elas. Entretanto, como existem profissionais meiro ao Líbano como professor e mais tarde jordanianos trabalhando com surdos que Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 3 LIU é a forma abreviada da tradução fonética Árabe-Inglês, Lught il-Ishara il-Urduniyyeh. 4 A ABSL é usada na comunidade Al-Sayyid no Deserto Negev, em Israel. 135 Kinda Al-Fityani e Carol Padden

estudaram nos EUA, bem como um núme- diferenças não manuais, tais como as marcas ro de surdos jordanianos que estudaram na faciais, não foram incluídas na comparação. Gallaudet University, pode haver emprésti- mos lexicais da ASL para a LIU. 4. Resultados

Como ilustrado na Tabela 1, os vocabulários 3. Metodologia entre 165 e 410 foram examinados para di- ferentes comparações. O número de vocabu- O vocabulário usado na comparação foi extra- lário é similar ao número nos resultados de ído de dicionários publicados das respectivas pesquisas comparativas anteriores sobre lín- línguas de sinais, com exceção da ABSL onde guas de sinais. Como previsto, a relação LIU- o vocabulário foi elicitado por meio de uma PSL alcançou o número mais alto de cogna- entrevista gravada em vídeo, com um mem- tos com 58%, seguida pela relação LIU-KSL, bro surdo da comunidade Abu Shara5. Todo com 40%, a relação LIU-LSL com 34% de o vocabulário no dicionário da LIU e cada um cognatos e a relação LIU-ABSL com o índice dos outros quatro dicionários foram usados mais baixo, 24% de cognatos. para as comparações. A razão para essa com- Dois sinais de línguas de sinais dife- paração extensa foi que usar uma lista nuclear rentes foram denominados idênticos se eles modificada ou uma lista de vocabulários se- compartilhassem todos os quatro parâme- lecionados aleatoriamente teria resultado em tros, como na Figura 1. Foram denomina- uma série menor de comparação de vocabulá- dos relacionados se eles se diferenciassem em rios dos dicionários do Kuwait e da Líbia, ou apenas um dos quatro parâmetros, como na em uma ausência de vocabulário de compara- Figura 2, onde a configuração de mão é o ele- ção, como foi o caso do dicionário palestino, mento diferenciador. Foram denominados que tinha por alvo os alunos do ensino médio diferentes se eles se diferenciassem em dois e da universidade de matemática e ciências, ou ou mais parâmetros. era muito focalizado em referências locais, tais como nomes de organizações e realezas, como é o caso do dicionário jordaniano. LIU PSL Os sinais individuais de línguas diferen- tes foram comparados com base nos qua- tro parâmetros fonêmicos (configuração de mão, movimento, localização, e orientação da palma) seguindo a orientação mais rigo- rosa de McKee et al. (2000). Para McKee et al., os cognatos são sinais que compartilham pelo menos três desses quatro parâmetros. As Figura 1. KORAN

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 5 Os dicionários usados para este estudo são: Hamzah (1993) para LIU, Palestine Red Crescent Society (2000) para PSL, Kuwaiti Sign Language Dictionary (1995) para KSL, Suwayd (1992) para LSL, Tennant e Gluszak Bro- 136 wn (1998) para a ASL. Uma comparação lexical de línguas de sinais no mundo Árabe

LIU LSL ou divergiram enormemente, com o passar do tempo. Como esperado, a LIU e a PSL compar- tilham a maioria dos cognatos, dentre quais- quer das línguas analisadas nesse estudo. Esse resultado é esperado, já que as comunida- des palestinas e jordanianas são fortemente entrelaçadas, em termos de costumes e tra- Figura 2. ELEFANTE dições de casamento. Também como espe- rado, a KSL e a LSL têm um baixo número PSL KSL LSL ABSL ASL de cognatos com a LIU. Isso é atribuído às Idêntico 59 35% 40 22% 42 16% 25 15% 28 7% circunstâncias culturais, sociais, políticas e Relacionado 38 23% 33 18% 49 18% 14 9% 41 10% econômicas que limitam o contato entre as Cognatos 58% 40% 34% 24% 17% Diferente 70 42% 110 60% 176 66% 126 76% 342 83% três nações. Finalmente, a LIU e ABSL com- Total 167 183 267 165 410 partilham a menor quantidade de cognatos, Tabela 1: Vocabulário compartilhado entre a LIU e dentre todas as línguas de sinais estudadas. a PSL, a KSL, a LSL e a ABSL Isso confirma relatórios etnográficos que mostram que a comunidade Al-Sayyd Bedu- ína é uma comunidade fechada, com pouco 5. Discussão contato com outras comunidades árabes. Do total de vocabulário comparado, apenas 24% A Tabela 1 demonstra que a LIU-PSL e a LIU- dos sinais foram considerados cognatos com KSL são relacionadas, mas, provavelmente a LIU, semelhante ao percentual da relação não são dialetos da mesma língua, já que LSM-NS, que demonstrou 23% de cognatos, seus cognatos estão na faixa de 36-81%. No o que foi considerado por Currie et al. (2002) que se refere à relação existente entre LIU- como um nível base de similaridade que pode LSL, LIU-ABSL e LIU-ASL, é provável que ser esperado entre quaisquer duas línguas de elas não sejam relacionadas, já que compar- sinais não relacionadas. Esse grau de diferen- tilham apenas 12-36% dos cognatos. Esses ça enquadra-se logo abaixo da linha base de resultados demonstram, antes de qualquer 26-32%, que McKee et al. (2000) propõem coisa, que a geografia das línguas de sinais para a relação ASL-NZSL. De fato, as relações nessa região não coincide com a geografia entre LIU-KSL e LIU-LSL com 40% e 34% das línguas faladas. Embora a ABSL, a KSL, dos cognatos não são significativamente mais a LIU, a LSL e a PSL sejam línguas existentes altas que o nível base. Isso sugere duas coisas: nas comunidades de língua árabe, elas são 1) A LIU, a KSL e a LSL, provavelmente, não línguas de sinais distintas. Esses resultados são historicamente relacionadas. Mas o grau contradizem a crença que as línguas de si- mais alto de similaridade pode ser devido ao nais do mundo árabe são, em sua maioria, fato que essas línguas de sinais existem den- ou similares ou diletos de uma única língua tro do mundo árabe, onde existem muitos de sinais. Ao invés disso, os resultados su- gestos emblemáticos em comum. De fato, é gerem que pelo menos tais línguas de sinais em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas comum dizer que a fala, o gesto e a cultura no mundo árabe não têm origens comuns, estão tão intimamente interligados para os 137 Kinda Al-Fityani e Carol Padden

árabes que para segurar as costas de um ára- nais, como no modelo ocidental. Na verda- be enquanto ele está falando é equivalente a de, os sistemas educacionais organizados no segurar a sua língua (Barakat, 1973). É pro- mundo árabe são relativamente recentes. Isso vável que as comunidades surdas árabes com apresenta uma geografia única de línguas de pouco ou nenhum contato entre si tenham sinais, ao contrário da situação no ocidente. sinais similares devido ao repertório gestual Tal resultado pode, entretanto, ser compara- compartilhado. do aos resultados de Woodward (1991) so- Finalmente, os cognatos da relação LIU- bre as línguas de sinais usadas na Costa Rica, ABSL estão em 24%, o que é mais alto do onde ele encontrou várias línguas de sinais que os 17% dos cognatos compartilhados distintas, entre os vários pueblos indígenas. pela LIU e a ASL. Enquanto esses resultados Finalmente, a questão chave nas léxi- se enquadram na categoria de não relaciona- co-estatísticas das línguas de sinais é se duas dos, o nível base mais alto para a ABSL do línguas de sinais não relacionadas têm mais que para a ASL pode estar relacionado ao fato vocabulários em comum do que quaisquer que a LIU e a ABSL compartilham a mesma outras línguas faladas não relacionadas. Des- cultura. Vale também observar que a diferen- cobrimos, em nossa comparação das línguas ça pode ser devida à discrepância nos voca- de sinais da região do oriente médio, que bulários comparados. Na comparação entre duas línguas de sinais geograficamente dis- a relação LIU-ASL e a relação LIU-ABSL, os tantes podem ter um nível de similaridade vocabulários estavam duas vezes mais dispo- base um tanto mais alto quando comparadas níveis na primeira relação. Possivelmente, se a duas línguas faladas não relacionadas, o que um vocabulário maior fosse comparado, o sugere a existência de algo inerente na moda- grau de similaridade cairia. lidade gesto-visual das línguas de sinais que predispõe seus vocabulários à similaridade. Talvez seja por isso que as línguas de sinais de 6. Conclusão uma região podem parecer similares, quan- do, sob uma análise mais profunda, elas se Dada a tradição de endogamia no mundo enquadram abaixo de um limiar de similari- árabe, o que leva a altas taxas de surdez gené- dade mensurável. tica, é muito provável que tenha havido uma longa história de línguas de sinais na região. Como mostram os resultados da presente Referências pesquisa, muitas dessas línguas de sinais são línguas distintas, não dialetos e não são re- ABDEL-FATTAH, M. Arabic sign language: A lacionadas historicamente. As similaridades perspective. Journal of Deaf Studies em seus vocabulários podem ser atribuídas and Deaf Education, v. 10, 2005. p. 212-221. aos valores culturais comumente comparti- BARAKAT, R. Arabic gestures. Journal of Popu- lhados e aos repertórios gestuais. Esses resul- lar Culture, v. 6, 1973. p. 749-791. tados seguem o padrão histórico das línguas BLACK, P.; KRUSKAL, J. Comparative lexico- de sinais no mundo árabe que se desenvol- statistics: A brief history and bibliography of Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas vem, sobretudo, em instituições familiares key words. 1997. Disponível em:

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Elena Pizzuto1 , Paolo Rossini1,2 , Marie-Anne Sallandre3, Erin Wilkinson4

1Istituto di Scienze e Tecnologie della Cognizione, Consiglio Nazionale delle Ricerche, Roma 2Istituto Statale Sordi, Roma 3 UFR de Sciences du Langage, Université Paris 8 & UMR 7023, CNRS, Paris 4Department of Linguistics, University of New Mexico, Albuquerque, USA

1. Introdução O foco da pesquisa são duas grandes clas- ses de recursos de referência dêitico-anafóri- Este artigo explora fatores tipológicos, su- ca já descritos para as LS. A primeira, dora- postamente específicos da modalidade, que vante denominada classe ‘padrão’, tem sido afetam a dêixis e a anáfora nas línguas de amplamente investigada. Ela é realizada por sinais (doravante LS). Tendo em vista tal meio de apontações manuais e visuais, que objetivo, definimos estruturas dêitico-ana- estabelecem posições marcadas no espaço, fóricas, de um modo bastante simplificado, normalmente chamadas de “loci”, às quais como recursos de coesão textual que permi- os referentes podem ser atribuídos simboli- tem aos falantes ou sinalizantes introduzir camente (para visões gerais que enfatizam a referentes no discurso (dêixis) e, subseqüen- uniformidade tipológica na LS com relação temente, referir-se a eles em momentos pos- a esse mecanismo básico, veja, entre outros, teriores (anáfora) (veja Lyons, 1977; Lom- Cuxac, 2000; Liddell, 2003; Lillo-Martin & bardi Vallauri [2004, no prelo] para uma Klima, 1990; McBurney, 2002; Rathmann & visão geral do assunto). Mathur, 2002; Pizzuto, 2004/no prelo). As-

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Ladjane Maria Farias de Souza, Lucas Hack de Mendonça 2 O presente artigo é uma versão revisada do artigo apresentado por Erin Wilkinson e Marie-Anne Sallandre no Encontro TISLR 2006 realizado em Florianópolis, Brasil (Wilkinson, Rossini, Sallandre & Pizzuto, 2006). Cada um dos autores contribuiu igualmente de diversas maneiras (em línguas escritas/línguas de sinais) para o trabalho descrito neste artigo. Nós agradecemos o apoio financeiro parcial oferecido por diversas agências, instituições e projetos em andamento: o Fulbright Mason Perkins Fund (2000-2001), por apoiar Erin Wilkinson em sua fase inicial de pesquisa no Istituto di Scienze e Tecnologie della Cognizione of the Consiglio Nazionale delle Ricerche in Rome; os Italian and French National Research Councils (CNR-CNRS Project “Language, its formal properties and cognition what can be learned from signed languages”); o Instituto Statale Sordi di Roma e os fundos “Progetti Felicità” (projeto italiano “Writing LIS and Sign Writing”); o projeto francês ACI Cogniti- que “LS-COLIN” 2000-2002 (CNRS UMR 7023, IRIT, LIMSI). Somos muito gratos aos sinalizantes da ASL, da LIS e da LSF que participaram desse estudo, e a todos os colegas surdos e ouvintes de nossas instituições pelas discussões relevantes a respeito dos tópicos por nós explorados. Todas as imagens dos sinalizantes incluídas neste trabalho foram reproduzidas com sua permissão. Dêixis, anáfora e estruturas interlingüísticas nas Línguas de Sinais Americana (ASL), Francesa (LSF) e Italiana (LIS) sim sendo, para introduzir um referente no geral identificadas na literatura sobre LS por discurso, o sinalizante pode produzir um si- diferentes termos como: “classificadores”, nal manual padrão (ou “cristalizado”)3 para o “morfemas produtivos”, sinais “polissintéti- referente e então marcá-lo no espaço de sina- cos” ou “multicomponenciais”; (2) expres- lização por meio de uma apontação manual sões faciais marcadas e/ou modificações na ou visual, ou ainda, por meio de uma altera- direção da cabeça, dos ombros e do tronco, ção morfológica do ponto de articulação do geralmente identificadas na literatura como sinal utilizado (que pode ou não ser acompa- “recursos de troca de papéis”, mas que tam- nhada por apontações visuais), estabelecen- bém recebem outras denominações (veja se- do, dessa forma, uma posição no espaço (ou ção 1.1 abaixo para uma discussão mais am- ‘locus’) para o referente simbolizado. A refe- pla). Como ilustraremos adiante, diferentes rência anafórica é feita então, apontando-se subtipos de EAI podem ser combinados entre novamente para aproximadamente o mesmo si, ou com sinais padrões, para codificar si- ponto no espaço, através de apontações visu- multaneamente informações referentes a dois ais ou manuais (veja 1.1 para mais detalhes e (ou até mais) referentes, permitindo assim um exemplo ilustrativo). uma especificação multilinear da referência No entanto, como foi observado em ou- dêitico-anafórica, que parece ser exclusiva da tras pesquisas (Pizzuto, 2004/no prelo), a modalidade visual-gestual. referência dêitico-anafórica também é pro- Embora os recursos manuais e não-ma- duzida na LS através de complexas unidades nuais acima citados tenham sido descritos manuais e não-manuais, que não são sinais sob diferentes perspectivas e com terminolo- de apontação nem podem ser classificadas gias distintas, informações quanto ao seu uso como sinais padrões. Essas unidades exibem em operações de referência dêitico-anafórica características altamente icônicas e são mar- e/ou quanto à maneira como eles interagem cadas por padrões específicos do olhar, que as com os artifícios ‘padrão’ são escassas ou ine- distinguem dos sinais padrões. Ao longo des- xistentes. Nosso estudo oferece evidências re- se artigo, vamos nos referir a essas unidades levantes com relação a esse tópico, através de como Estruturas Altamente Icônicas (EAI) ou um exame comparativo de narrativas curtas ‘Transferências’, de acordo com Cuxac (1985; produzidas em três LSs: americana (ASL), 1996; 2000). Além dos padrões específicos francesa (LSF) e italiana (LIS). Sabe-se que a do olhar, outros elementos que compõem as ASL e a LSF são historicamente relacionadas, EAI são: (1) formas manuais que codificam enquanto a LIS não possui nenhuma relação características perceptivelmente salientes das estabelecida, seja com a ASL ou com a LSF4. relações entre os referentes e o referencial, em As amostras das línguas por nós analisadas

3 Sinais padrão são aqui definidos, conforme grande parte da literatura sobre LS, como sendo sinais que normal- mente aparecem em dicionários de LS, e são geralmente descritos como constituintes de um ‘léxico cristalizado’. Eles se diferenciam das ‘produtivas’ formas altamente icônicas, que serão descritas a seguir. 4 Devido à ausência de uma documentação escrita apropriada sobre LS, e também devido aos complexos fenô- menos de transmissão e variação da língua que são próprios das LS e das diferentes comunidades compostas por em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas sinalizantes (Cuxac; 2000; Fusellier-Souza, 2004; 2006), ainda é muito difícil de afirmar os vínculos históricos existentes entre as LS utilizando-se dos mesmos critérios aplicados na pesquisa sobre línguas faladas/escritas. 141 Elena Pizzuto, Paolo Rossini, Marie-Anne Sallandre e Erin Wilkinson

nos permitem, dessa forma, avaliar, ainda que revisão detalhada de tais bases teóricas ul- parcialmente, a influência das relações entre trapassa o escopo deste artigo, portanto va- as línguas sobre os fenômenos investigados. mos apenas esboçar rapidamente alguns dos Caso encontrássemos semelhanças apenas pontos mais importantes, especialmente no entre a ASL e a LSF, isso poderia ser tomado que diz respeito às EAIs mencionadas ante- como evidência de que tais semelhanças po- riormente. Antes disso, convém examinarmos dem ser atribuídas ao vínculo histórico exis- brevemente o mecanismo ‘padrão’ para a re- tente entre essas duas LSs. Por outro lado, se ferência dêitico-anafórica, ilustrado no Exem- descobríssemos que os padrões semelhantes plo (1) abaixo, a partir de trechos de um texto se aplicam às três LSs investigadas, isso po- em LIS, que narra um evento comum5. deria ser tomado como evidência de que as semelhanças se devem a fatores mais univer- sais, ligados à modalidade visual-gestual de expressão lingüística. A seguir, vamos apresentar nosso refe- rencial teórico e oferecer exemplos ilustrati- vos das estruturas mencionadas acima.

1a 1b 1.1 Referencial teórico e exemplos ilustra- tivos das estruturas analisadas

O presente estudo origina-se de, e faz a ponte entre, trabalhos empíricos e teóricos desen- volvidos, de forma independente, por nossos grupos de pesquisa, sobre tópicos como: a morfologia, a dêixis e a anáfora nas LSs, em 1c 1d comparação com as das línguas faladas ou (1) ‘um colega’ […] ‘ele, o colega, ele...’ verbais (Pizzuto, 1978; 2004/no prelo; Pizzu- to, Giuranna & Gambino, 1990; Wilkinson, A imagem de vídeo congelada em 1a 2002); e, o papel crucial da iconicidade na mostra um sinal nominal padrão que signi- formação do léxico, da gramática e do discur- fica “colega”, por meio do qual o sinalizan- so nas LS (Cuxac, 1985; 1996; 2000; Cuxac & te introduziu deiticamente esse referente no Sallandre, 2004/no prelo; Fusellier-Souza, discurso: o sinal manual é deslocado para 2004; 2006; Russo, 2004; Russo, Giuranna & uma posição marcada à direita do sinalizante Pizzuto, 2001; Sallandre, 2003; 2007). Uma e acompanhado por uma apontação visual na

Sendo assim, embora não haja documentação que comprove uma relação histórica entre LIS, de um lado, e ASL/LSF do outro lado, não podemos excluir a possibilidade de que, em algum momento da história passada ou Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas recente, essas LS tenham entrado em contato umas com as outras de uma forma mais significativa do que nós podemos afirmar hoje. 142 5 Fragmentos extraídos do corpus ‘Necklace theft’ (Fabbretti, 1997). Dêixis, anáfora e estruturas interlingüísticas nas Línguas de Sinais Americana (ASL), Francesa (LSF) e Italiana (LIS) mesma direção. As imagens congeladas 1c-1d recem duas maneiras de se produzir significa- mostram como, em um momento subseqüen- do: pode-se ‘dizer e mostrar’, produzindo-se te do discurso, o sinalizante retoma anafori- assim EAIs ou ‘Transferências’, que são exclu- camente o mesmo referente, em um primeiro sivas da modalidade sinalizada, ou então se momento, por meio de uma apontação manu- pode ‘dizer sem mostrar’, por meio do léxico al para o mesmo ponto no espaço previamente padrão e da apontação, produzindo-se estru- marcado (1c); em um segundo momento, por turas mais compatíveis com as encontradas meio de uma nova instância do sinal ‘colega’, nas línguas verbais. dessa vez articulado em uma posição não-mar- Essas duas maneiras de se produzir sig- cada no espaço neutro (1d, compare com 1a- nificado refletem duas intenções diferentes 1b); e finalmente, por meio de uma segunda entre as quais o sinalizante pode optar, cons- apontação (significando ‘ele, o colega, ele...’). cientemente, a fim de articular seu discurso: Esse mecanismo ‘padrão’ de referência a de ilustrar e a de não ilustrar o que diz. As dêitico-anafórica no discurso sinalizado in- operações realizadas pelos sinalizantes quan- terage substancialmente com as modificações do escolhem a intenção de ilustrar (e as estru- morfológicas sofridas por diferentes classes turas resultantes produzidas) são chamadas de verbos, alterando suas locações no espaço. de ‘Transferências’. Elas são concebidas como Não trataremos dessa interação aqui (para vestígios de operações cognitivas por meio isso, ver Cuxac, 2000; Pizzuto, 2004/no pre- das quais os sinalizantes transferem sua con- lo). O que queremos enfatizar é que estrutu- cepção do mundo real para o mundo tetra- ras como as mostradas acima, descritas já nas dimensional do discurso sinalizado (as três primeiras pesquisas sobre a ASL (por exem- dimensões do espaço acrescidas da dimensão plo, Friedman, 1975; Klima & Bellugi, 1979; tempo). Wilbur, 1979), são, aparentemente, muito Os componentes manuais dessas estrutu- semelhantes em várias outras LSs do mun- ras complexas são chamados de ‘proformas’. do, o que torna plausível se supor que elas O termo ‘proformas’ corresponde ao que é sejam estruturas universais ou quase-univer- tratado, na maioria das pesquisas sobre LS, sais (McBurney, 2002; Rathmann & Mathur, sob a rubrica ‘classificadores’ (ou sob outras 2002; Pizzuto, 2004/no prelo). rubricas mencionadas anteriormente – ver Passamos, agora, a uma breve ilustração Schembri, 2003 e os artigos reunidos em das EAIs e do modelo teórico no qual elas se Emmorey, para uma visão geral do assunto.) enquadram. Baseando-se em análises abran- A diferença entre ‘proformas’ e ‘classificado- gentes do discurso e da gramática da LSF, em res’, entretanto, não é puramente terminoló- um contexto interlingüístico, Cuxac (1985; gica, mas sim substantiva: ela é estabelecida 1996; 2000) sugeriu que todas as LSs têm por através de um modelo lingüístico que atribui origem e exploram a capacidade básica que à iconicidade um papel formal fundamental os sinalizantes têm de iconizar sua experiên- na construção do discurso e da gramática da cia perceptiva/prática do mundo físico. Um LS; de análises teóricas que mostram a ina- dos efeitos desse processo de iconização é o dequação do uso da ‘análise dos classificado- de dotar as LSs de uma dimensão semiótica res’ para os elementos aqui discutidos; e da Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas adicional com relação às línguas verbais. As análise detalhada dos aspectos formais e arti- LSs, diferentemente das línguas verbais, ofe- culatórios característicos das EAIs, nos quais 143 Elena Pizzuto, Paolo Rossini, Marie-Anne Sallandre e Erin Wilkinson

as proformas estão inseridas, em especial os (Padden, 1986) ou ainda, em trabalhos an- padrões específicos do olhar (Cuxac, 1996; teriores, “pronomes corporais e pronomes 2000). Em contraposição, a análise dessas corporais projetados” (Kegl, 1976), e “mar- formas em termos de ‘classificadores’ focali- cadores corporais” (Pizzuto et al, 1990). O za principalmente os componentes manuais, foco principal de tais pesquisas é o conjunto desconsiderando ou subestimando o papel de características não-manuais apresentado dos padrões do olhar em sua especificação. por essas Transferências (expressões faciais A partir de Cuxac (1985; 2000), distin- marcadas, olhares, posturas corporais). guimos, neste artigo, três tipos principais de Como observado anteriormente, um as- Transferências (veja Sallandre 2003, para uma pecto relevante das EAIs é o fato de que os sub- classificação muito mais detalhada): tipos de Transferência podem ser combinados 1. As ‘transferências de forma e tamanho’ entre si, ou com sinais padrões, para codificar (TF) descrevem objetos ou pessoas de informações sobre dois (ou até mais) referen- acordo com seu tamanho ou forma (sem tes de uma forma multilinear e simultânea, levar em conta o processo ou o papel en- que não tem equivalente na língua falada. volvido). O objeto é descrito por meio de Esse fenômeno é chamado de ‘Dupla Trans- proformas. O olhar se dirige às mãos e a ferência’ (DT) na terminologia de Cuxac (por expressão facial especifica a forma. exemplo, o emprego simultâneo de uma TP 2. As ‘transferências de situação’ (TS) envol- para especificar um agente e de uma TS para vem o movimento de um objeto ou per- especificar informações relativas à locação, sonagem (o agente, especificado pela mão ou ainda para especificar um segundo agen- dominante) com relação a um ponto de te). Fenômenos semelhantes foram descritos referência locativo estável (especificado por vários autores sob diferentes perspecti- pela mão não-dominante). A situação é vas e por meio de terminologias distintas (por mostrada como se a cena estivesse sendo exemplo, Dudis, 2004; Russo, 2004; a coletânea observada a uma certa distância. O sinali- de artigos em Vermeerbergen, e Leeson Cras- zante mantém uma distância com relação born, 2007; entre outros). No presente artigo, àquilo que ele está representando. O olhar denominamos esses fenômenos de operações se dirige à mão dominante e a expressão fa- de “Múltipla Referência” (MR) e avaliamos cial especifica o agente. sua incidência nas narrativas sinalizadas 3. As ‘Transferências de pessoa’ (TP) envol- selecionadas. vem um papel (agente ou paciente) e um Esses tipos de Transferência são ilustra- processo. O sinalizante ‘se transforma’ na dos abaixo. Os exemplos (2) e (3) foram tira- entidade a que ele se refere ao reproduzir, dos de narrativas feitas na LSF e destacam as em seu enunciado, uma ou mais ações re- diferenças existentes entre os sinais padrões e alizadas pela entidade. Em geral, as enti- as EAI. Observe que, na produção dos sinais dades a que os sinalizantes se referem são padrões, o olhar do sinalizador se dirige ao seres humanos ou animais, mas também interlocutor. Na produção das EAIs, o olhar podem ser seres inanimados. se desvia do interlocutor e se dirige às mãos O terceiro tipo de Transferências, TP, tem (durante a articulação das estruturas TS e TF), Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas sido tratado na literatura da área sob rubricas ou a diferentes pontos no espaço, a fim de se 144 como “tomada de papéis”, “troca de papéis” reproduzir o olhar da entidade representada Dêixis, anáfora e estruturas interlingüísticas nas Línguas de Sinais Americana (ASL), Francesa (LSF) e Italiana (LIS)

(durante a articulação de estruturas TP). O O exemplo (4) abaixo mostra três es- exemplo (2) mostra um sinal padrão e uma truturas TS extraídas das narrativas analisa- TF, ambos codificando o mesmo significado: das no presente estudo, respectivamente: na ‘árvore’. A proforma (configuração de mão LIS (4a), na ASL (4b) e na LSF (4c). Tanto o na TF) descreve a forma física da árvore. exemplo da narrativa na LIS (4a), quanto o da narrativa na ASL (4b) se referem à ‘que- da de um cachorro do peitoril da janela’. O exemplo da narrativa na LSF (4c) descreve ‘um cavalo saltando uma cerca’. Em todas as TS, o olhar se dirige primeiro para a mão do- minante e depois para a não-dominante. A mão dominante expressa o agente e o proces- so (‘cachorro-caindo’, ‘cavalo-saltando’), en- quanto a mão não-dominante expressa o lo- 2a 2b cativo e o objeto implicado na relação locativa (‘peitoril da janela’, ‘cerca’). A expressão facial é congruente com o processo representado.

2c

(2) ‘árvore via sinal padrão (2a) e via TF (2b-2c) (4) 4a: LIS 4b: ASL O exemplo (3) mostra um sinal padrão (3a) e uma TP (3b), ambos codificando o mesmo significado: ‘cavalo’. Na estrutura TP, todas as características manuais e não-manu- ais (olhar, expressão facial, corpo e mãos) re- produzem as características da entidade.

4c: LSF

Os exemplos (5) abaixo mostram duas ocorrências de MR extraídas, respectivamen- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas te, das narrativas na LIS (5a) e na ASL (5b) (3) ‘cavalo’ via sinal padrão (3a) e via TF (3b) analisadas no presente estudo. No exemplo 145 Elena Pizzuto, Paolo Rossini, Marie-Anne Sallandre e Erin Wilkinson

5a, as estruturas TP e TS produzidas permi- nas narrativas (uma média de 70%) do que tem ao sinalizante fazer simultaneamente re- nos textos prescritivos (uma média de 30%). ferências anafóricas a ‘uma criança segurando Desconsiderando-se as diferenças terminoló- um cachorro em seus braços’ e a ‘o cachorro gicas entre os autores, evidências semelhan- lambendo a bochecha da criança’. No exem- tes do uso generalizado das EAI em diversos plo 5b, os mesmos tipos de estrutura permi- gêneros do discurso sinalizado podem ser tem ao sinalizante representar ‘um cachorro’ obtidas em análises e observações referentes à com ‘um pote’ ao redor do pescoço. LIS (Pizzuto, 2004/no prelo; Pizzuto & al, 1990; Russo 2004; 2005; Russo & al, 2001; Wilkinson, 2002), à BSL (Brennan, 2001), à ASL (Emmo- rey & Reilly 1998; Emmorey, 2003) e à DSL (Engberg-Pedersen, 1993; 2003)). Contudo, nenhum estudo de que temos conhecimento tratou, de forma explícita, as questões que buscamos esclarecer no presen- te estudo interlingüístico. 1. Com que freqüência as EAI são usadas para a realização de operações de referência dê- (5) 5a: LIS 5b: ASL itico-anafórica? 2. No que diz respeito à referência dêitico- Observe que as estruturas TS mostradas anafórica, as EAI são usadas com maior ou em (4) também são exemplos de MR. menor freqüência do que os sinais ‘padrão’ e as apontações manuais? 3. Qual a incidência de uso da MR na realiza- 1.2 Evidências encontradas em estudos ção de operações de referência dêitico-ana- anteriores e questões investigadas no fórica via EAI, isto é, com que freqüência presente estudo o uso das EAI permite aos sinalizantes in- troduzir ou re-introduzir no discurso dois Estudos anteriores sobre a LSF ofereceram (ou até mais) referentes simultaneamente? clara evidência do emprego generalizado das EAI nessa língua, em textos de diferen- tes gêneros. Tal emprego foi demonstrado 2. Dados usados no presente estudo em análises de textos longos, produzidos por um pequeno número de sinalizantes da LSF Os dados utilizados no presente estudo fo- (Cuxac, 1996, 2000) e em trabalhos mais re- ram extraídos de corpora mais extensos de centes envolvendo um amplo corpus de nar- diferentes gêneros do discurso sinalizado, rativas curtas e textos ‘prescritivos’ (receitas que foram coletados na França, na Itália e culinárias), produzidos por 19 sinalizantes nos Estados Unidos, com base na produção (Sallandre (2003). Os resultados obtidos por de um número considerável de sinalizantes Sallandre também destacam importantes di- nativos e não-nativos da ASL, da LIS e da LIF Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas ferenças, no que diz respeito aos gêneros de (Wilkinson, 2002; Sallandre, 2003; 2007; 146 discurso: as EAI são muito mais freqüentes Pizzuto, Rossini, Russo & Wilkinson, 2005). Dêixis, anáfora e estruturas interlingüísticas nas Línguas de Sinais Americana (ASL), Francesa (LSF) e Italiana (LIS)

No presente estudo, analisamos narrativas enfaixar a perna do cavalo. curtas obtidas por meio de duas histórias Essas histórias ilustradas foram mos- ilustradas diferentes, que têm sido ampla- tradas a todos os sinalizantes por entrevis- mente utilizadas em pesquisas tanto sobre LS tadores surdos fluentes em cada uma das quanto sobre línguas faladas. As narrativas LSs analisadas e com os quais os sinalizan- na LIS e na ASL foram elicitadas mediante o tes estavam bem familiarizados. Todos os uso da mesma história, “Frog where are you?” sinalizantes tiveram oportunidade de se [“Sapo onde está você?”] (Mayer, 1969). Já as familiarizar com as histórias, sem restrição narrativas na LSF foram elicitadas por meio de tempo, para então contá-las usando sua da história “The Horse” [“O Cavalo”] (Hick- memória. mann, 2003). Para cada LS, selecionamos, a partir dos Na versão utilizada como material de eli- corpora mais extensos mencionados acima, citação de dados, a história ‘do sapo’ é com- os textos produzidos por três sinalizantes posta de 24 figuras. Ela conta as aventuras nativos de idades e histórico sócio-cultural de um menino, seu cachorro e um sapo. O comparáveis: jovens adultos surdos, na fai- menino (protagonista principal) encontra xa etária de 19 a 23 anos, de classe média, um sapo, leva-o para casa, coloca-o dentro com ensino médio concluído ou nos primei- de um pote que está em seu quarto e, então, ros anos da universidade. Focalizamos nossa vai dormir com o cachorro. Durante a noite, análise em seqüências textuais de conteúdo enquanto o menino e o cão dormem, o sapo análogo (episódios funcionalmente idênti- pula para fora do pote e escapa. Na manhã cos envolvendo referentes animados e ina- seguinte, ao acordar o menino descobre que nimados) e duração de tempo equivalente o sapo desapareceu. Então ele e o cachorro (aproximadamente 1 minuto de produção começam a procurar pelo sapo em todos os de sinais). Os dados referentes à ASL e à LIS lugares. compreendem partes da narrativa da ‘his- A história ‘do cavalo’ é composta de 5 tória do sapo’, correspondentes à seqüência figuras, portanto, muito ‘mais curta’ do que que vai do começo da história até o episódio a história ‘do sapo’. Ela narra ações simples em que o cachorro cai do peitoril da janela, realizadas por um cavalo, uma vaca e um pás- o menino o segura nos braços e ele lambe a saro no espaço de um pasto dividido por uma bochecha do menino. Os dados referentes à cerca. O protagonista principal é o cavalo, LSF correspondem a narrações completas da que galopa alegremente de um dos lados da ‘história do cavalo’. cerca, enquanto é observado pela vaca e pelo O leitor pode estar se perguntando pássaro, que estão, respectivamente, do outro porque usamos partes da ‘história do sapo’ lado da cerca e sobre uma das estacas da cer- para a coleta dos dados na ASL e na LIS e ca. Em um determinado momento, o cavalo uma história diferente, a do ‘cavalo’, para pula a cerca para se juntar à vaca do outro os dados na LSF. Nossa escolha foi parcial- lado, mas acaba batendo na cerca e caindo de mente motivada por indícios fornecidos costas do outro lado, machucando uma de por trabalhos anteriores, mas também foi suas pernas. A vaca e o pássaro chegam então influenciada por razões práticas. Pesqui- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas para ajudá-lo: o pássaro traz um kit de pri- sas conduzidas de forma independente so- meiros-socorros, que é usado pela vaca para bre as ‘histórias de sapo’ na ASL e na LIS 147 Elena Pizzuto, Paolo Rossini, Marie-Anne Sallandre e Erin Wilkinson

(Wilkinson, 2002) e sobre as ‘histórias de cavalo’ na LSF (Sallandre, 2003) indicaram 2.1 Transcrição, codificação e análise dos a relevância que características semânticas, dados como animado x inanimado e humano x não-humano, podem ter para um entendi- A metodologia de transcrição, bem como as mento mais claro dos artifícios dêiticos e categorias analíticas que utilizamos para a anafóricos nas narrativas sinalizadas. Am- codificação, foram estabelecidas de comum bas as histórias analisadas incluem referen- acordo entre todos os co-autores, a partir do tes animados e inanimados, mas elas se di- trabalho teórico e das análises empíricas sobre ferenciam com relação ao aspecto ‘huma- o discurso sinalizado realizados por Cuxac no’ x ‘não-humano’ de seus protagonistas: (2000), Sallandre (2003) Cuxac & Sallandre a história ‘do sapo’ tem um personagem (2004/no prelo), Pizzuto (2004/no prelo), e humano (o menino) como protagonista Pizzuto et al (2005). principal, enquanto, na história ‘do cava- Todas as produções de sinais foram trans- lo’, todos os personagens são animais, por- critas e codificadas no mesmo formato Excel tanto não-humanos. Essa diferença exis- por sinalizantes fluentes em cada uma das LS tente entre as duas histórias pode, assim, nacionais investigadas6. Utilizamos as chama- fornecer informações sobre o papel que o das ‘glosas’ para anotar, respectivamente no aspecto humano x não-humano pode ter inglês, francês e italiano escritos, o significa- (dentro da categoria de referência a seres do básico das unidades lingüísticas que iden- animados), na seleção de artifícios de refe- tificamos nas narrativas da ASL, da LSF e da rência dêitico-anafórica nas narrativas. LIS7. Essa anotação por meio de ‘glosas’ foi Quando planejamos a pesquisa aqui re- acrescida, nas transcrições em Excel que pro- latada, pretendíamos expandir nosso banco duzimos, de informações sobre a duração de de dados com o intuito de analisar narrativas cada unidade identificada e de informações referentes a ambas as histórias produzidas em relevantes a respeito das características for- cada uma das LS investigadas. Entretanto, res- mais e articulatórias de tais unidades de sinal trições de tempo e de financiamento nos im- (por exemplo: cada unidade foi codificada pediram de manter esse objetivo. O presente quanto ao tipo - sinal padrão ou EAI? EAI do estudo comparativo foi então redesenhado e subtipo TF, TS ou TP?; quanto à presença/ deve ser visto como uma exploração inicial ausência de deslocamento espacial; e quanto da questão em foco. Reconhecemos que uma às mãos usadas na produção dos componen- análise mais abrangente requer uma maior tes manuais das unidades de sinal). quantidade de dados nas línguas analisadas, Todas as transcrições foram subseqüen- coletados a partir dos mesmos materiais de temente revisadas por todos os co-autores elicitação. (juntamente com os dados originais gravados

6 Erin Wilkinson transcreveu os dados da ASL, Paolo Rossino, os da LIS, e Marie-Anne Sallandre, os da LSF. 7 Os auores têm pleno conhecimento de que a chamada anotação baseada em glosas, apesar de ser ainda uma prática comum entre quase todos os pesquisadores de línguas, impõe severas limitações no que diz respeito à análise de enunciações e discurso sinalizados, e que é necessário que se desenvolva sistemas mais apropriados

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas para a anotação de produções sinalizadas em forma escrita. Para alguns trabalhos recentes sobre esse assunto, bem como possíveis soluções para o problema, o leitor interessado pode consultar Di Renzo & al (2006), Garcia 148 & Boutet (2006), e Pizzuto, Rossini & Russo (2006). Dêixis, anáfora e estruturas interlingüísticas nas Línguas de Sinais Americana (ASL), Francesa (LSF) e Italiana (LIS) em DVD), para uma verificação da uniformi- proporção nos textos, como mostraremos a dade das transcrições e das metodologias de seguir. Agrupamos todas as ocorrências de codificação. referências dêitico-anafóricas e, então, divi- O foco das análises foi as expressões re- dimos o número de casos em que uma MR ferenciais utilizadas no texto para introduzir foi realizada pelo número total de operações (deiticamente) e retomar (anaforicamente) de referência dêitico-anafóricas produzidas. os referentes animados e inanimados sim- bolizados nas narrativas. Dividimos todas as expressões referenciais em duas classes prin- 3. Resultados: A importância das EAI cipais: (a) sinais padrões e (b) EAI. enquanto recursos dêitico-anafóricos A primeira classe (doravante SPR) in- nas narrativas sinalizadas cluiu: (1) todos os sinais de grande carga se- mântica que aparecem com freqüência nos Os principais resultados desse estudo estão dicionários de LS (por exemplo, os sinais resumidos na Tabela 1 e nas Figuras 1-5, padrões para ‘sapo’, ‘cavalo’, e ‘pote’); (2) mostradas abaixo. Na tabela e nas figuras, apontações manuais usadas para posicionar os sinalizantes individuais são indicados por os referentes em determinados pontos do es- sua língua e diferenciados por números (por paço de sinalização. exemplo: LIS-1, LIS-2 e LIS-3 indicam os A segunda classe incluiu todas as EAIs, três sinalizantes da LIS). A Tabela 1 mostra o distribuídas nas três classes principais (TF, número total de ocorrências (e a porcentagem TS e TP), como descritas na seção 1.1 aci- relativa) dos artifícios de referência dêitico- ma. Observe-se que, para os propósitos do anafórica, identificados nos textos produzidos presente estudo, os subtipos TF e TS de EAI por cada sinalizante, e divididos em sinais foram agrupados em uma única categoria padrões, EAI e produções mistas compostas (TF/TS), na seção de descrição de resultados de sinais padrões e EAI. a seguir. Tabela 1 Distinguimos um terceiro tipo de produ- Distribuição geral (número e porcentagens relativas) de sinais padrões (PDR), EAI e produções mistas de ção dêitico-anafórica que inclui combinações sinais padrões e EAI (MIX) usados como artifícios de ‘mistas’ (doravante ‘MIX’) de EAI e sinais referência dêitico-anafórica nos textos da ‘história do sapo’ produzidos pelos três sinalizantes de LIS e de ASL PDR (por exemplo, uma TF produzida com e nos textos da ‘história do cavalo’ produzidos pelos uma única mão que veiculava o significado três sinalizantes de LSF de ‘pote’, acompanhada por uma apontação Língua Número de % manual produzida com a outra mão, signifi- Sinalizantes ocorrências cando ‘este pote’). PDR EAI mix TOT PDR EAI mix TOT LIS-1 26 77 0 103 LIS-1 25 75 0 100 Ao analisar a distribuição dos sinais PDR LIS-2 23 96 0 119 LIS-2 19 81 0 100 em oposição às EAI, nas operações de refe- LIS-3 27 118 1 146 LIS-3 18 81 1 100 rências dêitico-anafóricas, exploramos pos- ASL-1 28 96 3 127 ASL-1 22 76 2 100 síveis diferenças relativas ao status (animado ASL-2 38 105 0 143 ASL-2 27 73 0 100 x inanimado) dos referentes simbolizados no ASL-3 26 100 0 126 ASL-3 21 79 0 100 discurso. Por fim, examinamos a incidência LSF-1 5 41 0 46 LSF-1 11 89 0 100 em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas das MR (como definidas e descritas acima LSF-2 12 42 0 54 LSF-2 22 78 0 100 – veja os exemplos [4] e [5]), calculando sua LSF-3 8 62 1 71 LSF-3 11 87 1 100 149 Elena Pizzuto, Paolo Rossini, Marie-Anne Sallandre e Erin Wilkinson

Como pode ser observado, a partir do nú- mero total de ocorrências mostrado na parte es- querda da Tabela 1, embora os textos analisados tenham aproximadamente a mesma duração (1 minuto), as histórias ‘do cavalo’, produzidas pelos sinalizantes de LSF, contêm um número menor de ocorrências de referência dêitico- anafórica (entre 46 e 71), em comparação com o número maior de ocorrências encontrado nas seqüências da história ‘do sapo’, produzidas pe- los sinalizantes de LIS e de ASL (entre 103 e 146, ou seja, um número quase duas vezes maior). Isso mostra que a história específica utilizada e, mais provavelmente, a ‘extensão’ diferente das histórias em termos do número de figuras que as compõe, influencia a produção da língua, ao menos de um ponto de vista quantitativo, o que não é nenhuma surpresa. Ao examinarmos a distribuição dos dife- rentes tipos de recursos dêitico-anafóricos nas três línguas consideradas, observamos que as porcentagens relativas, mostradas na parte di- reita da Tabela 1, apontam para o fato de que Figura 1- Referência dêitica a referentes as EAI são, de longe, os recursos mais freqüen- animados e inanimados: distribuição (%) dos temente usados nessas línguas, para se fazer a sinais padrões (PDR), das EAI e das produções referência dêitico-anafórica. De fato, elas são mistas (MIX) nos textos produzidos por produzidas em proporções bastante altas e si- sinalizantes da LIS, da ASL e da LSF milares na LIS (75% a 81%), na ASL (73% a 79%) e na LSF (78% a 89%). Em contrapartida, Os dados mostrados na Figura 1 destacam a categoria dos sinais PDR corresponde a pro- que em todas as três línguas de sinais, com porções consideravelmente menores (de 11% apenas uma exceção, os sinais padrões cons- até no máximo 25%), enquanto as produções tituíram a forma preferida para se introduzir, mistas correspondem a uma proporção total por referência dêitica, referentes animados e insignificante, numa faixa de 0% a 2%. inanimados no discurso (uma faixa de 50% As Figuras de 1 a 5 abaixo fornecem uma a 83%). As EAI foram menos freqüentes, descrição mais pormenorizada das regulari- mas mesmo assim ocorreram em proporções dades que identificamos entre as línguas. A significativas (17% a 45%). Um sinalizante Figura 1 focaliza a referência dêitica a refe- (LSF-1) não seguiu esse padrão e usou as EAI rentes animados e inanimados (reunidos em com muito mais freqüência (83%) do que os uma única categoria), mostrando a distribui- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas sinais padrões. As produções mistas também ção (em porcentagem relativa) dos PDR, das ocorreram, em pequenas proporções, nos 150 EAI e das produções mistas. textos de dois sinalizantes (LIS-3 e LSF-3). Dêixis, anáfora e estruturas interlingüísticas nas Línguas de Sinais Americana (ASL), Francesa (LSF) e Italiana (LIS)

A Figura 2 mostra a distribuição de EAI em As Figuras 3a e 3b apresentam uma visão comparação com a dos sinais padrões quanto mais analítica das operações de referência dêiti- à referência anafórica a referentes animados ca, levando em consideração a variável anima- e inanimados. Os dados evidenciam grandes do/inanimado, e a distinção entre os subtipos semelhanças entre as línguas: as EAI são, de de EAI empregados pelos sinalizantes (isto é TP longe, a maneira predominante de se realizar a e TF/TS, conforme descritos anteriormente). referência anafórica, com proporções que va- Deve-se observar que, devido à estrutura das his- riam de 76% até 95%. Quanto ao uso dos si- tórias que analisamos, o número de referentes nais padrões, é interessante observar que uma introduzidos no discurso, portanto o número de proporção muito pequena das ocorrências de ocorrências das operações de referência dêitica, referência anafórica foi realizada apenas por limitou-se a: (a) apenas três referentes animados meio de apontações manuais. Tais apontações (o menino, o cachorro e o sapo para os sinalizan- não foram observados na produção de sinali- tes da LIS e da ASL; e, o cavalo, a vaca e o pássaro zantes da LSF, e são escassos nos textos da ASL para sinalizantes da LSF), e (b) um número pe- (1% a 3%) e da LIS (5% a 7%). queno de referentes inanimados (de 4 a 10, de- pendendo da língua e do sinalizante).

Figura 2 Referência anafórica a referentes Figura 3a - Referência dêitica a referentes animados e inanimados: distribuição (%) dos

animados: distribuição (%) dos sinais padrões em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas sinais padrões (PDR), das EAI e das produções (PDR) e das EAI (TP) nos textos produzidos por mistas (MIX) nos textos produzidos por sinalizantes da LIS, da ASL e da LSF sinalizantes da LIS, da ASL e da LSF 151 Elena Pizzuto, Paolo Rossini, Marie-Anne Sallandre e Erin Wilkinson

Na Figura 3a, os dados mostram pa- drões de freqüência diferentes: um para a LIS e a ASL e outro para a LSF. Tanto na LIS quanto na ASL, a primeira referência dos sinalizantes aos três protagonistas ani- mados da história ‘do sapo’ é feita exclusi- vamente por meio de sinais padrões (os no- mes desses referentes). Em contrapartida, a primeira referência dos sinalizantes da LSF aos três referentes animados da história ‘do cavalo’ realizou-se ou por meio de si- nais padrões (em um ou dois dos três casos possíveis, dependendo do sinalizante), ou por meio de EAI, mais especificamente, por meio de TP (nos casos restantes). É impor- tante lembrar que, enquanto a história ‘do sapo’ inclui um referente animado humano (o menino) além de outros dois referentes animais, a história ‘do cavalo’ tem apenas referentes animados animais. Não se pode ignorar o fato de que o uso de estruturas TP por parte de sinalizantes da LSF (além dos sinais padrões) foi, pelo menos em par- te, influenciado por essa propriedade dos referentes sobre os quais falavam. Também observamos que todos os três sinalizantes da LSF usaram uma estrutura TP para in- troduzir o referente ‘vaca’ em suas narra- Figura 3b - Referência dêitica a referentes tivas, articulando componentes manuais inanimados: distribuição (%) dos sinais padrões (ou ‘proformas’) bastante semelhantes. Tal (PDR), das EAI (TP, TF/TS) e das produções mistas (MIX) nos textos produzidos por sinalizantes da observação sugere a existência de uma in- LIS, da ASL e da LSF teração entre as propriedades semânticas e as propriedades constitutivas dos sinais Observando-se essa figura, percebe-se manuais usados para esses referentes, que que as EAI empregadas nesse caso perten- precisa ser investigada de forma mais apro- cem à categoria TF/TS. Observa-se, também, fundada. semelhanças consideráveis entre as três lín- A Figura 3b mostra o uso dos sinais pa- guas. Todos os sinalizantes, à exceção de um

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas drões em comparação ao das EAI como re- (LSF-1), introduziram referentes inanimados cursos dêiticos para referentes inanimados. usando os sinais padrões (em proporções que 152 Dêixis, anáfora e estruturas interlingüísticas nas Línguas de Sinais Americana (ASL), Francesa (LSF) e Italiana (LIS) variam de 43% a 78%), mas o uso das EAI foi entre os 9 sinalizantes, a TP anafórica ocor- também bastante representativo, seja isolada- reu em proporções que variaram de 48% a mente (de 22% a 50%), seja em conjunto com 93%, enquanto na produção de outro sina- as apontações (a categoria ‘mista’). O uso das lizante (ASL-2), a TP ocorreu em proporção estruturas TF/TS aumenta consideravelmen- reduzida, porém ainda significativa (33%). te na produção de LSF-1 (89%), o que sugere Quase todos os sinalizantes usaram também que a variação individual também precisa ser estruturas anafóricas TF/TS: estas ocorreram, levada em conta, para que se possa chegar a em média, em proporções menores (entre um melhor entendimento deste tópico. 2% e 27%), exceto na produção do sinali- As Figuras 4a e 4b focalizam, respectivamen- zante ASL-2, que usou a TF/TS anafórica te, a referência anafórica a referentes animados e mais freqüentemente (39%) do que a TP inanimados. Elas esclarecem as principais ten- anafórica (33%). O uso de sinais padrões dências e semelhanças entre as línguas destaca- para referência anafórica foi consideravel- das na Tabela 1 e na Figura 2, mostradas acima. mente menos freqüente (entre 22% e 26% para os sinalizantes da LIS e da ASL, e, entre 7% e 10% para sinalizantes da LSF).

Figura 4a - Referência anafórica a referentes animados: distribuição (%) dos sinais padrões (SPR) e das EAI (TP, TF/TS) nos textos produzidos por sinalizantes da LIS, da ASL e da LSF

A figura 4a mostra que, em todas as três línguas de sinais, a re-introdução de refe- Figura 4b - Referência anafórica a referentes rentes animados no discurso foi realizada, inanimados: distribuição (%) dos sinais padrões, das em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas principalmente, por meio de EAI, especial- EAI (TF/TS) e das produções mistas (MIX) nos textos mente as do subtipo TP. Na produção de 8 produzidos por sinalizantes da LIS, da ASL e da LSF. 153 Elena Pizzuto, Paolo Rossini, Marie-Anne Sallandre e Erin Wilkinson

A figura 4b mostra que, basicamen- te, o mesmo padrão se aplica à referência anafórica a referentes inanimados: em to- das as três línguas de sinais, observamos a ampla utilização de EAI, principalmente do subtipo TF/TS. Esta grande incidência de estruturas anafóricas TF/TS (de 73% a 100%) contrasta com o uso limitado dos sinais padrões. Esses não ocorreram na produção de três dos sinalizantes (ASL-3, LSF-1 e LSF-3) e ocorreram numa propor- ção de 3% a 27% na produção dos demais sinalizantes.

3.1 A incidência das operações de múlti- pla referência

A figura 5 mostra com que freqüência o uso Figura 5 – Proporção de operações dêitico- de EAI possibilitou aos sinalizantes a produ- anafóricas de múltipla referência (MR) realizadas ção do que denominamos ‘múltipla referên- a partir de EAI nos textos produzidos por cia’ (MR), isto é, uma organização multilinear sinalizantes de LIS, ASL e LSF de informações, por meio da qual dois ou até mais referentes podem ser simultaneamente especificados e/ou mantidos no tempo e no 4. Considerações finais espaço, e que parece ser exclusiva das LS (veja exemplos na seção 1.1). Os dados por nós analisados revelam uma Na figura 5, os dados mostram que hou- clara semelhança entre as três línguas exa- ve produção de MR em todas as três línguas minadas. Retomando as questões de pesqui- de sinais, embora em proporções diferentes: sa que formulamos, observamos que as EAI a freqüência de MR foi consideravelmente constituem o recurso mais usado para se fazer maior na produção dos sinalizantes da LIS referência anafórica no discurso sinalizado, (de 31% a 51%), e relativamente menor na sendo que as estruturas TP são mais usadas produção dos sinalizantes da ASL (de 17% a quando se trata de referentes animados, sen- 31%) e da LSF (11% a 23%). Embora sejam do as estruturas TF/TS mais usadas quando observadas diferenças de uso entre indivídu- se trata de referentes inanimados. Nesse as- os e entre línguas, parece inquestionável que pecto, foi interessante descobrir que as EAIs a MR é um fenômeno relevante que merece também podem ser usadas para a introdução Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas total atenção em análises e descrições de nar- dêitica de referentes animados via estruturas 154 rativas sinalizadas. TP (o que observamos exclusivamente nas Dêixis, anáfora e estruturas interlingüísticas nas Línguas de Sinais Americana (ASL), Francesa (LSF) e Italiana (LIS) produções dos sinalizantes da LSF) e para a como as receitas culinárias. Resultados com- introdução dêitica de referentes inanimados paráveis relativos à LIS foram encontrados, via estruturas TF/TS (o que observamos, em utilizando-se uma terminologia diferente, proporções variáveis, mas significativas, em em um estudo comparativo de textos poéti- todas as três línguas de sinais). cos e expositivos (Russo, 2004; Russo & al, Nossos dados também mostram que em 2001). Embora tais estudos, ao contrário do todas as três línguas de sinais (novamente em nosso, não tratem especificamente das fun- proporções variáveis, mas significativas), as ções dêitico-anafóricas das EAI em compara- EAI permitem a realização de operações de ção com as dos sinais padrões, eles mostram referência dêitico-anafórica de MR, uma ca- claramente que o gênero do discurso é uma racterística exclusiva do discurso sinalizado, variável importante que precisa ser levada em que mereceu destaque, a partir de diferentes consideração. perspectivas, em vários estudos recentes e Relembrando a fundamentação teórica não tão recentes (Dudis, 2004; Pizzuto & al, apresentada na seção 1.1, pode-se observar 1990; Russo, 2004; Russo & al 2001; Verme- o seguinte: as evidências por nós discutidas erbergen & al, 2007, entre outros). questionam a visão consideravelmente dis- As semelhanças interlingüísticas iden- seminada de que o estabelecimento de ‘loci’ tificadas parecem estar mais relacionadas a no espaço é a maneira principal ou ‘padrão’ características próprias da modalidade visu- de se realizar operações dêitico-anafóricas al-gestual, do que à língua específica. De fato, numa LS. Como já observamos, nas narrati- para além das diferenças individuais, encon- vas analisadas, essa estratégia nunca foi usada tramos padrões gerais semelhantes não ape- por sinalizantes da LSF e foi pouco usada por nas na ASL e na LSF, duas línguas com vín- sinalizantes da ASL e da LIS. culos históricos conhecidos, mas também na Nossos dados são mais compatíveis com LIS, uma língua que não apresenta vínculos - e, portanto, corroboram - modelos for- com a ASL ou com a LSF. mais que atribuem a características icônicas Antes que se possam fazer afirmações um papel estrutural central na produção mais conclusivas sobre a generalização dos do discurso sinalizado em diferentes níveis padrões por nós encontrados, é necessária a de análise (Cuxac, 1985; 1996; 2000; Cuxac realização de estudos interlingüísticos mais & Sallandre, 2004/no prelo; Pietrandrea & abrangentes. É necessário se coletar e analisar Russo, 2004/no prelo; Pizzuto, 2004/no pre- mais dados sobre LS sem relações históricas lo; Russo, 2004; Russo & al, 2001; Sallandre, e que sejam geograficamente distantes, além 2003; 2006; 2007; Sallandre & Cuxac, 2002). de se analisar diferentes gêneros de discur- Considerando-se que as operações dêitico- so sinalizado. As análises de diferentes tipos anafóricas são concebidas como uma função de discurso na LSF realizadas por Sallandre universal da língua humana para a realização (2003) já demonstraram que a freqüência da coesão textual, pode-se afirmar que a utili- com que as EAI são usadas é influenciada, zação generalizada das EAI em tais operações de forma significativa, pelos tipos de discur- constitui um indício extra da relevância das so. Como observado nesse estudo, na LSF, as propriedades icônicas para um melhor en- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas EAI são muito mais freqüentes nas narrativas tendimento e uma descrição mais completa do que nos textos ‘prescritivos/descritivos’, da gramática das LSs. 155 Elena Pizzuto, Paolo Rossini, Marie-Anne Sallandre e Erin Wilkinson

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158 Tipos de representação em ASL1

Paul G. Dudis Departamento de Lingüística Dawes House Gallaudet University 800 Florida Avenue NE Washington, DC 20002 [email protected]

1. Introdução ral na qual o sujeito representado existe.

O corpo e o espaço ao seu redor são freqüen- 2. Sinais de representação vs. Sinais temente usados no discurso em ASL, para des- de não-representação crever as entidades da cena sendo representa- da. Uma análise minuciosa da representação Muitas palavras nas línguas de sinais exibem usando padrões lingüísticos cognitivos sugere mapeamentos icônicos, mas apenas algumas que componentes adicionais se revelam nes- dessas palavras têm a habilidade de represen- sas representações icônicas, a saber, o sujeito tar visualmente componentes semânticos. (ou o eu), o ponto de visualização (vantage De acordo com Liddell (2003), utilizo o ter- point ou V-POINT) e a progressão temporal. mo representação (depiction) para descrever A identificação desses componentes contri- essa habilidade. A distinção entre sinais que bui para uma maior separação na descrição representam e aqueles que não o fazem é dis- dos vários tipos de representação observados cutida abaixo, seguida por uma descrição de no discurso em ASL, o que, por sua vez, nos um teste informal para determinar o status leva a um maior entendimento de questões de um sinal da ASL enquanto um verbo re- que envolvem a representação. Uma questão presentativo de evento. especialmente interessante é a relação entre a O substantivo PÁSSARO (BIRD) na ASL representação de um evento que envolve um (Figura 1) exemplifica um sinal icônico, mas sujeito e os sinais produzidos durante a re- não-representativo. As correspondências icô- presentação. A análise seguinte discute um nicas que o sinal exibe provavelmente podem padrão no qual, quando uma ação de um su- ser percebidas sem dificuldade, por qualquer jeito está sendo representada, qualquer sinal pessoa que saiba o que são pássaros e o que o ou gesto produzido é necessariamente asso- sinal significa. O articulador manual corres- ciado à representação da progressão tempo- ponde ao bico, sua localização corresponde à localização da cabeça do pássaro e assim por

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Lincoln Paulo Fernandes, Lautenai Antonio Barthalamei Junior, José Rodolfo da Silva Paul Dudis

diante. Porém, o sinal não serve para des- de corrente de ação, a trajetória literal ou a crever a aparência de um pássaro, nem para trajetória metafórica – motivam a direcio- descrever suas ações. Para usar um termo nalidade nesses verbos. Entretanto, com um tanto popular, é um sinal “congelado” exceção desses e de outros elementos icôni- (frozen). Além disso, a iconicidade de mui- cos que podem ser discernidos, os verbos de tos sinais, como o sinal PÁSSARO, não cor- indicação não representam eventos. O verbo responde à esquematicidade do conceito que DARy codifica a transferência de qualquer este simboliza. De acordo com Taub (2001), objeto dentro de uma grande gama de pos- tais sinais designam uma categoria geral de sibilidades, por exemplo, um documento de coisas diversas, mas relacionadas – qualquer papel ou um utensílio de cozinha, como um ave com uma morfologia de bico diferente do liquidificador. Esses objetos são segurados protótipo pode ainda ser chamada de PÁS- de modos diferentes, alguns exigindo o uso SARO. de duas mãos, sendo muitos desses objetos impossíveis de serem segurados com a confi- guração de mão similar àquela usada no ver- bo DARy. Além disso, o movimento restrito ao pulso em DARy tipicamente produzido durante a sinalização informal não lembra nenhuma das maneiras usuais de passar, fisi- camente, um objeto para alguém.

Figura 1

Muitos verbos na ASL também são icô- nicos, mas não-representativos. Dois ver- bos desse tipo são os verbos de indicação DARy (GIVE) e EXPLICARy (EXPLAIN), parcialmente representados nas Figuras 2 e 3. Quando consideramos a configuração de mão do verbo DARy e o que o sinal sim- boliza, fica claro que existe uma iconicidade “mão-por -mão”. Ao contrário disso, quan- do consideramos a configuração de mão do verbo EXPLICARy e o que o sinal simboliza, uma iconicidade “mão-por-mão” não é facil- mente aparente. A direcionalidade é icônica

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas em ambos os verbos. Taub (2001) descreve como as trajetórias conceituais – a trajetória 160 Figura 2 Tipos de representação em ASL

de demonstrar uma representação dinâmica e visual de uma transferência, o que é uma demonstração e, não, uma “simples” des- crição. Uma forma como o verbo pode ser usado é semelhante a uma re-encenação por um ator, mas com apenas a parte superior do corpo do sinalizante sendo usada para criar a única parte visível da representação, o “doador”. Ao invés de um objeto visível, a entidade transferida é representada por uma pequena porção de espaço ocupada Figura 3 em parte pela mão do sinalizador, e ao invés de outro ator, o destinatário é representado A representação é um tipo de iconicida- por uma porção maior de espaço diante do de diferente daquela exibida por substanti- sinalizante. vos e verbos de indicação. Conforme des- A habilidade de um verbo representar crito em Liddell (2003), alguns verbos têm, um evento pode ser determinada por um além de suas funções comuns enquanto teste informal que inclui a representação de verbos, a habilidade de representar o evento uma seqüência de eventos executada pelo que eles codificam. ENTREGAR (HAND- sinalizante, que está representando um TO) é um exemplo de um verbo que repre- participante animado do evento durante senta um evento. Não se trata de uma for- a seqüência. Se o verbo em questão pode ma derivada do verbo DARy e, sim, de um ser sinalizado enquanto o participante do verbo independente (esses dois verbos são evento estiver sendo continuadamente re- também contrastados em Padden 1986 e P. presentado, então, provavelmente, ele é Wilcox, 1998). ENTREGAR pode ser usado um verbo representativo. Por exemplo, a forma para descrever apenas a transferência de ob- CUTUCAR-O-OMBRO (TAP-SHOULDER) jetos que podem ser segurados entre o po- representa a maneira prototípica de chamar legar e os outros quatro dedos da configu- a atenção de alguém na comunidade surda ração de mão – um documento de papel ou dos EUA. Já que o doador, tipicamente, tem um cartão de crédito, mas certamente não a atenção do destinatário anteriormente ao um liquidificador. Essa é uma das maneiras ato de transferência, é um verbo ideal para como a iconicidade do verbo restringe seu ser usado na primeira parte da representa- uso. Além disso, a orientação contínua da ção da seqüência de eventos. A cena sendo palma da mão para cima e a trajetória da representada, então, tem alguém chaman- mão criada pelo cotovelo emulam o movi- do a atenção de outro indivíduo e dando mento físico de um evento de transferência. um objeto a essa pessoa. A representação Entretanto, não é o alto grau de mapeamen- da parte da cena referente ao ato de cha- to da cena codificada com a forma do verbo mar a atenção está parcialmente represen- que ele codifica que faz com que o sinal seja, tada na Figura 4a. Aqui, o sinalizante está necessariamente, um verbo de representa- em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas conceituado como sendo quem chama a ção. Ao contrário, é a habilidade do verbo atenção e imagina-se que a localização em 161 Paul Dudis

cuja direção a mão se move é o ombro de da tanto em um verbo representativo, como alguém. O verbo DARy não poderia se- em um verbo não-representativo. Outras ce- guir imediatamente isso se o sinalizante nas são codificadas de modo semelhante nes- desejar representar uma transferência. Já ses dois tipos de verbos, incluindo uma cena que o verbo ENTREGAR pode representar na qual um objeto é mostrado para alguém. uma transferência nesses termos (Figura MOSTRARy (Figura 5) é um verbo demons- 4b), seu status de verbo representativo é trativo na ASL. confirmado. A utilidade desse teste é evi- dente já que confirma também o status de verbo não-representativo de EXPLICARy assim como o de outros verbos indicativos como MOSTRARy (SHOW) e CONTARy (TELL).

Figura 4a

Figura 5

A partir da semântica do verbo e do co- nhecimento cultural associado, suas configu- rações de mão podem ser vistas como icônicas para um objeto plano e para um dedo apon- tando para algo naquele objeto, por exemplo, uma informação em um documento. Para determinar se esse verbo pode representar um ato de demonstração, um teste da repre- Figura 4b sentação de seqüência de eventos similar ao acima pode ser usado. A primeira parte do teste representa um indivíduo sendo abor- Com os verbos DARy e ENTREGAR, Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas dado por alguém, por exemplo, como um vemos que uma certa cena pode ser codifica- policial (Figura 6a). MOSTRARy não pode 162 seguir essa representação se o sinalizante de- Tipos de representação em ASL sejar continuar a representar o indivíduo. O bos). Durante toda a representação, o olhar contato visual estendido que haveria entre do sinalizante é continuamente direcionado os participantes na seqüência de eventos não ao indivíduo, mesmo durante a produção pode ser representada durante a produção de dos sinais. Além disso, depois de ser direcio- MOSTRARy nesse caso, demonstrando que nado ao indivíduo, a mão pode permanecer o sinalizante não está representando nenhum no lugar, com o olhar continuando fixo na dos participantes do evento. Se o sinalizante direção do indivíduo, representando a dura- desejasse representar essa pessoa enquanto re- ção da apresentação. Tipicamente, isso não é presenta o ato de mostrar o objeto, um verbo possível com o verbo MOSTRARy. O verbo diferente teria que ser usado. Se o objeto fosse de indicação é direcionado com as pontas dos um documento, a configuração de mão seria dedos da mão não-dominante (o “documen- similar àquela de ENTREGAR (Figura 6b). to”) mais ou menos apontando na direção da pessoa a quem o objeto é mostrado. Um ver- bo semelhante apresenta a palma direciona- da a essa pessoa e pode permanecer no lugar com o olhar direcionado à mesma localiza- ção. Esse é um verbo diferente –– que é apro- vado no teste de representação de seqüência de eventos –– por meio do qual as mãos não apenas mostram, mas representam um docu- mento e um dedo apontando para algo nele. Figura 6a Existem algumas cenas que são codifica- das através de verbos de indicação que não estão presentes em verbos de representação. Alguns exemplos são as cenas que são codifi- cadas em CONTARy e EXPLICARy. Ambos os verbos exibem uma iconicidade “mão-por -mão” do mesmo modo que outros verbos de indicação o fazem. CONTARy tem um dedo indicador se movendo do queixo em direção à pessoa que recebe a informação. Esse dedo não parece representar nenhum dedo que faz parte do evento. EXPLICARy tem configu- rações de mão em F movendo-se bidirecio- Figura 6b nalmente em direção a um participante do evento e essas configurações de mão também Se for entendido que o documento já não são icônicas para nenhum componente está na mão, esse verbo pode seguir imedia- dentro do evento codificado. tamente o verbo que representa a abordagem Apesar de tanto CONTARy como de um indivíduo e pode ser direcionado à sua EXPLICARy parecerem não contar com presença imaginada (senão a representação em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas verbos de representação correspondentes, de como o documento veio a ser segurado parece haver um modo de representar um 163 provavelmente interviria entre os dois ver- Paul Dudis

evento no qual um indivíduo está explicando A habilidade de a forma aspectual de algo para alguém que não faz uso de diálogo EXPLICARy ser produzida como parte de construído. No teste de seqüência de eventos, uma representação de seqüência de eventos EXPLICARy não pode seguir CUTUCAR-O- na qual o sinalizador representa um partici- OMBRO ou outro sinal que representa o ato pante do evento parece invalidar o teste como de chamar a atenção por meio de um rápido modo de identificar verbos de representação. aceno da mão (Figura 7a). Porém, o que apa- O que acontece, ao invés disso, é que esse fato renta ser uma forma aspectual do sinal pode demonstra a maior aplicabilidade do teste. fazer isso. Na Figura 7b, o sinalizante, repre- O teste pode ser usado para determinar não sentando a pessoa que explica, demonstra apenas se um dado verbo pode ser produzido como o contato visual é feito, qual expressão dentro da representação de um evento, mas facial é usada e assim por diante. Durante essa também se outras unidades ou convenções demonstração, o sinalizante também produz lingüísticas podem ser produzidas dentro um sinal relacionado a EXPLICARy. Esse si- de representações de um evento. No restan- nal pode ser produzido num espaço de tem- te deste artigo, minha intenção é explicar as po similar ao tempo que se leva para produzir circunstâncias que permitem que diferentes a forma de citação do verbo indicativo, mas tipos de representações sejam produzidos na pode ser produzido por um período de tempo ASL. A Seção 3 revisa o modelo de combina- mais longo. Isso sugere que o sinal é uma for- ção (blending model) (Fauconnier & Turner ma aspectual do verbo de indicação. 1886, 2002) que é usado aqui para analisar o processo conceitual subjacente à representa- ção. A Seção 4 descreve a variedade de repre- sentações observadas no discurso em ASL. A Seção 5 examina as restrições no uso de itens lingüísticos quando um participante anima- do de um evento está sendo representado pelo sinalizante, um produto de integração conceitual aqui chamado de |sujeito|.

3. A representação de diálogo na ASL Figura 7a A teoria de combinação conceitual (Fauconnier & Turner 1996, 2002) fornece uma manei- ra elegante de descrever representações na ASL. Nessa seção, a análise de combinação básica é aplicada à representação de diálo- go na ASL (ver Liddell e Metzger 1998, para uma análise de combinação similar); outros tipos de representações são analisados na Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas próxima seção. A representação de diálogo 164 Figura 7b é popularmente conhecida como um tipo de Tipos de representação em ASL

“mudança de papel” e é também chamada O diálogo construído não é simplesmente de “diálogo construído” (ver Tannen 1989, uma representação um-a-um. É um ato cria- para discussão sobre diálogo construído em tivo, em que o sinalizante e o destinatário ima- línguas faladas; ver Roy 1989, Winston 1991 ginam os interlocutores do diálogo representa- e Metzger 1995, para discussão sobre diálogo dos como estando presentes. O envolvimento construído na ASL). dessa imaginação fica claro quando se percebe O diálogo construído na ASL é, normal- que, onde o destinatário identificaria o “sina- mente, mais do que apenas a representação lizante-como-interlocutor”, outros indivíduos de um enunciado; como pode ser visto em sem acesso ao discurso identificariam o sinali- exemplares de diálogos construídos na ASL, zante apenas como sinalizante. Uma maneira o interlocutor que produz o enunciado tam- de representar como pode haver duas concei- bém está sendo representado. Na Figura 8, tuações diferentes associadas ao sinalizante é o sinalizante está produzindo um pronome utilizar o modelo de combinação conceitual, singular de segunda pessoa gramatical e o que passo a descrever. sinal não-manual para perguntas sim/não. Os conceitos que são combinados duran- O sinalizante também está observando uma te o diálogo construído são correspondentes área acima da localização, em cuja direção o de dois espaços mentais distintos. É constru- pronome está sendo direcionado. A aparente ído um espaço mental por meio do discurso, mudança de foco de atenção do sinalizante no qual itens lingüísticos introduzem elemen- para além do destinatário enquanto conti- tos e estabelecem as relações entre eles. Como nua a sinalizar é uma das pistas que mostram o sinalizante está descrevendo um conversa que um diálogo construído está acontecendo. entre dois indivíduos, esse espaço mental tem Durante todo o diálogo construído, entende- dois elementos, interlocutor 1 e interlocutor 2. se que o sinalizante está representando um Se esses interlocutores fossem apresentados interlocutor e sua sinalização mostra o que foi pelo nome, então esses elementos podem ser dito no diálogo que está sendo representado. nomeados adequadamente no modelo, por Uma porção do espaço à direita do sinalizan- exemplo, Trancy e Dana. Esse espaço mental te nessa representação é entendida como es- é nomeado Espaço-do-Evento nos diagra- tando representando o segundo interlocutor. mas que se seguem. O outro espaço mental é diferente no sen- tido de que não é criado via meios lingüísti- cos, mas é uma conceitualização do ambien- te adjacente. Esse é o Espaço-Real (Liddel 1995). Para demonstrar, rapidamente, a na- tureza de alguns dos elementos dentro desse espaço mental, imagine que alguém mostre a você um instrumento de escrita. Você teria um elemento de Espaço-Real que é uma con- ceitualização do instrumento, mas que não é o instrumento em si. Você está ciente da pre- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Figura 8 sença do instrumento na sua frente, porque seu sistema perceptual absorve o ambiente 165 Paul Dudis

externo e cria uma representação cognitiva dentes um do outro. O que o sinalizante e o dele. Já que os respectivos Espaços-Reais do interlocutor 1 têm em comum é que eles são sinalizante e o do destinatário diferem, eles conceitualizadores capazes de experienciar têm elementos de Espaço-Real diferentes. O pensamentos, sensações físicas, etc. Existem primeiro tem uma conceitualização do desti- vários termos candidatos para descrever os natário e o segundo, uma conceitualização do correspondentes, inclusive “eu” (self) (ver sinalizante. Um outro elemento do Espaço- Cutrer 1994, para uma discussão sobre versões Real é o espaço vazio adjacente aos dois. Em fortes e fracas do V-POINT). Ao descrever a investigações recentes acerca da representa- relação entre um participante de um ato de ção na ASL (por exemplo, em Liddle 2003), fala e o significado das expressões produzidas o sinalizante do Espaço-Real e o sinalizante durante o discurso, Langacker (2000) nomeia do espaço adjacente foram virtualmente os o primeiro como sujeito de concepção. Usa- únicos elementos que contribuem para a re- rei aqui sujeito para descrever o sinalizante presentação de diálogo (ou outras ações que do Espaço-Real e os correspondentes poten- são representadas como passíveis de ocorrer ciais no outro espaço de input (e esse termo em uma escala humana). Liddel (2003:151) não deve ser confundido com a relação gra- não parece fazer distinção entre o sinalizan- matical de mesmo nome). Em sua discussão te e o corpo, mas como veremos na próxima sobre os efeitos de observação (viewing effects) seção, existem bons motivos para fazer isso. exibidos em várias expressões, Langacker ob- Além disso, outros elementos do Espaço- serva como noções associadas com percepção Real descritos abaixo também participam na têm análogos às noções de concepção e usa o representação de diálogo e outros eventos e termo “observador” (viewer) para descrever na próxima seção, ficará claro como a iden- o indivíduo que percebe entidades e o que tificação desses outros elementos apresenta apreende o significado das expressões. “Ob- benefícios descritivos. servador” é um termo candidato tão bom Parte do processo de representação de quanto “sujeito”, mas o segundo parece de- diálogo envolve a criação de conexões cor- mandar menos explicação. respondentes entre elementos dentro do Es- O interlocutor 2 também é um sujeito, paço-do-Evento, por um lado, e do Espaço- mas já que o sujeito do Espaço-Real já está Real, por outro. Para facilitar essas conexões, nomeado interlocutor 1, não existe sujeito do um processo de esquematização é necessário, Espaço-Real disponível para se integrar com assim como um Espaço Genérico, que con- ele. Ao invés disso, o que é utilizado é uma tenha os elementos relevantes que os inputs porção de espaço vazio perto do sinalizante, têm em comum. O sinalizante do Espaço- nomeado, por conveniência, “porção espacial Real e o interlocutor 1 do Espaço-do-Evento 2”. Esse espaço físico adjacente ao sinalizante são conceitos diferentes. As diferenças entre é um elemento do Espaço-Real que é divisível os dois podem ser de idade, gênero, raça, ca- em muitas porções diferentes. O mapeamen- racterísticas físicas e assim por diante. Além to correspondente entre o interlocutor 2 e a disso, apenas o sinalizante do Espaço-Real é “porção espacial 2” é em parte motivado por visível e tem dimensões específicas. É possível como ambos podem ser vistos como ocupan- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas abstrair essas diferenças para que os dois ele- do uma área de espaço dentro de um espaço 166 mentos possam ser vistos como correspon- maior. A localização específica do Espaço- Tipos de representação em ASL

Real que é selecionada é freqüentemente mo- DANA [FRIO FRIO] “Engraçado – Dana fala tivada pelo conhecimento acerca das relações ‘Está frio, está frio!’” Nesse caso, no mínimo locativas não apenas entre os interlocutores, o co-anfitrião precisa estar ciente de certas mas também dentro de um cenário geral a circunstâncias anteriores à enunciação repre- partir da perspectiva do interlocutor 1. Aqui sentada, como o fato de o ar condicionado podemos ver que um outro mapeamento estar, no momento, em funcionamento má- correspondente acontece, o qual envolve os ximo, mas elas não precisam incluir a locali- elementos do cenário dentro dos espaço de zação específica onde a enunciação foi feita: input. O cenário do Espaço-do-Evento e ce- Dana poderia estar em qualquer lugar na casa nário do Espaço-Real, apesar de distintos, são (mas não no jardim), onde se sabe que existe obviamente correspondentes ideais. ar frio. Às vezes, as especificações do cenário não A representação não surge, simplesmen- são relevantes na representação de diálogo, te, das conexões correspondentes entre os mas já que todo diálogo e, na verdade, to- inputs. Em nenhum espaço de input existe dos os eventos, devem ocorrer dentro de um algo sendo representado pelo sinalizante. É cenário, a rede de combinação subjacente em um quarto espaço mental, a combinação, ao diálogo construído invariavelmente terá que o diálogo e os interlocutores são repre- mapeamentos correspondentes de cenário. sentados. Os elementos correspondentes são Além disso, a interação entre os interlocuto- integrados na combinação, criando novos res é tanto espacial quanto energética. Assim, elementos. Já que o sinalizante está visível, ainda que o sinalizante possa escolher não essa propriedade é herdada pelo |interlocutor incluir detalhes sobre as circunstâncias do 1|, o único elemento visível na combinação. evento que está sendo representado, como a Enquanto essa combinação estiver ativada distância entre os interlocutores, ainda pre- e funcionando para representar diálogo, as cisará representar uma relação espacial entre ações executadas pelo sinalizante, ou seja, sua eles, independentemente de quão esquemá- sinalização, é entendida como sendo desem- tica sua construção possa ser. O lado para o penhada pelo |interlocutor 1|. O |interlocu- qual a canônica “mudança de corpo” se di- tor 2| é o resultado da integração do interlo- rige pode ser visto aqui, então, como menos cutor 2 e a “porção espacial 2”, assim esse ele- motivado, mas não completamente arbitrá- mento não é visível. Porém, ele não tem uma rio. Para que o sujeito do Espaço-Real par- presença conceitual na combinação. Exceto a ticipe da representação, um distanciamento atenção dada ao |interlocutor 2| por parte do temporário (mas não completo) do destina- |interlocutor 1|, a evidência de sua presença tário se faz necessário. Igualmente necessário está na habilidade de o sinalizante direcionar é o estabelecimento de uma relação espacial os sinais para a localização onde se imagina distinta da que existe entre os interlocutores que o |interlocutor 2| está, durante o diálogo, do Espaço-Real ou, pelo menos, a relação do construído ou não. A combinação também indivíduo com um cenário. Por exemplo, o apresenta um elemento, o |cenário|, que exis- sinalizante pode relatar a um co-anfitrião de te via integração dos elementos de cenário no uma festa de verão em uma casa sobre como Espaço-do-Evento e no Espaço-Real, ambos Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas um dos convidados reagiu com relação à for- servindo como inputs para a combinação. A ça do novo ar condicionado: ENGRAÇADO Figura 9 ilustra o modelo em rede (network 167 Paul Dudis

model) de quatro-espaços de diálogo cons- mas entendemos o evento por inteiro como truído na ASL. (As linhas ligando elementos sendo o ato de comunicar algo a alguém, correspondentes não foram incluídas, para através de linguagem. A representação de fins de simplicidade diagramática.) ação ao invés de diálogo, usando expressão facial, postura corporal, maneirismos e ações Espaço genérico manuais não-lingüísticas, pode ser identifi-

Individual 1 Individual 2 cada como ação construída (Winston 1991, Cenário de progressão emporal Metzger 1995). Antecipando a discussão de

Espaço do Evento Espaço Real múltiplos elementos combinados visíveis na próxima seção, é válido observar que o mes- Interlocutor 1 Interlocutor 2 mo tipo de rede de combinação subjaz tanto Cenário de progres- são temporal representações mínimas, quanto elaboradas.

Sujeito As representações de diálogo discutidas aqui Espaço i2 |interlocutor 1| Cenário atual de |interlocutor 2 têm, apenas, um elemento visível na combi- progressão temporal |progressão temporal| |cenário| nação, o |interlocutor|. Todas as ações ma- nuais, as expressões faciais e as posturas cor- Espaço combinado porais que se pretende como demonstrações Figura 9 visuais são entendidas como ações feitas pelo |interlocutor|. Como descrito acima, a representação de diálogos diretos na ASL é mais do que apenas a representação de um conjunto de enuncia- 4. Projeção Seletiva de Componentes dos. No mínimo, o sinalizante direcionará do Espaço-Real seu rosto e olhar para uma porção seleciona- da de espaço físico para representar a atenção Na seção anterior, o diálogo construído foi dada por um interlocutor a outro. Um exem- descrito como um tipo de representação na plo de uma mínima representação de diálogo ASL e o processo de criar a representação foi ocorre como parte de uma porção maior de explicado, usando-se o modelo de combina- discurso. Aqui a única representação é de al- ção conceitual. Dois elementos do Espaço- guém perguntando “por quê?”, seguida por Real também foram introduzidos: o sujeito e continuação do discurso, em que não exis- o cenário. A seguir, descrevemos outros tipos te representação: PRO-1 [POR QUE], PRO de representação. Como demonstraremos, NÃO-SEI “Eu perguntei ‘Por quê?’ e ela dis- a existência de diferentes tipos de represen- se que não sabia.” Isso se contrasta a outros tação é uma conseqüência da disponibilida- exemplos de diálogo construído, tipicamente de de outros elementos do Espaço-Real que com maior duração, onde o sinalizante tam- participam da representação, assim como bém representa simultaneamente a expressão da projeção seletiva (Fauconnier & Turner facial, a postura corporal e até maneirismos. 1998) desses elementos na combinação. Esses, juntamente com a representação de Vale explicar o que se entende por “ele- atenção, complementam a representação do mento do Espaço-Real”. O que é relevan- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas diálogo em si e são ações, ao invés de diálogo. te aqui é a base (ground), que é usada para 168 A produção de sinais também é uma ação, “indicar o evento de fala, seus participantes Tipos de representação em ASL e o cenário” (Langacker 1987:126). Liddel (Langacker 2000). De qualquer modo, o sina- (1995:22) descreve Espaço-Real como um lizante sempre tem alguma consciência do eu “espaço mental enraizado”. Desse modo, o que existe como parte da base, sendo o “lócus Espaço-Real é contrastado com o outro es- de experiência” (Lakoff 1996:93). Esse sujei- paço de input que, nos termos de Liddell, é to/eu é parte do Espaço-Real de alguém, exlu- um espaço mental não-embasado que tem sivo àquele indivíduo. Também exclusivo ao elementos próprios. Como mencionado aci- conceitualizador é o ponto de visualização, ma, uma distinção útil entre os dois espaços “a posição a partir da qual uma cena é vista” de input é o fato de o espaço mental ser ou (Langacker 1987:123). Um objeto dentro de não ser estabelecido e estruturado via meios um cômodo pode ser um elemento do Espa- lingüísticos. O Espaço-Real não o é, já que é ço-Real para os indivíduos, mas a partir de o espaço mental de um indivíduo que está um ponto de visualização exclusivo. A noção continuadamente ativo dentro ou fora do de sujeito necessariamente supõe um ponto discurso. Esse espaço mental emerge da ab- de visualização exclusivo, já que uma pessoa sorção contínua de informação externa atra- sempre se encontra em uma localização espe- vés dos sistemas visual e auditivo (Langacker cífica dentro de um cenário maior. Passamos 1987:112). A conceitualização que se faz de agora à discussão da vantagem descritiva de qualquer objeto percebido como presente é o se fazer uma distinção entre o sujeito e o pon- elemento do Espaço-Real e isso inclui outros to de visualização onde uma representação é indivíduos com quem se interage. O fluxo de envolvida. sinais lingüísticos é também uma entidade do Espaço-Real, mas as construções de significa- dos resultantes que os sinais ativam exigem um arranjo de espaços mentais contendo ele- mentos que não são (pelo menos, não estrita- mente) elementos do Espaço-Real. Outros componentes da base são tam- bém componentes do Espaço-Real. A au- toconsciência do sinalizante é certamente parte da base. O sinalizante não está sempre totalmente consciente de si mesmo, como Figura 10 acontece freqüentemente durante episódios de devaneio, mas ao retornar às circunstân- Primeiramente, é interessante usar ilus- cias presentes, o sinalizante se torna mais au- trações simples como a Figura 10 para mostrar toconsciente. Essa diferença de consciência os componentes combinados que existem em é uma diferença relativa à maneira como o diferentes tipos de representação. A Figura sujeito de concepção é construído. Em um 10 mostra os componentes combinados em extremo, o sinalizante está totalmente au- quase todo diálogo construído envolvendo toconsciente – e, assim, é construído como dois interlocutores. Representar o |cenário| é completamente objetivo – e no outro extremo, como um contêiner em forma de caixa, den- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas o sinalizante está menos autoconsciente – e as- tro do qual estão duas figuras. Uma delas é sim construído como completamente subjetivo o |sujeito| e sua visibilidade é indicada por 169 Paul Dudis

uma imagem com um campo sombreado. previamente estabelecido, contendo certos A segunda figura é o outro |interlocutor| e a elementos associados com a cozinha sendo ausência de campo sombreado indica a não- descrita. Elementos nesse Espaço-de-Cozi- visibilidade do elemento combinado (a seta nha incluiriam a cozinha e a luminária. Já abaixo do diagrama será explicada adian- que a cozinha é um elemento nesse espaço te). Deve-se reconhecer que esse diagrama mental, os sinalizantes também têm acesso ao e os outros abaixo basicamente indicam os conhecimento geral, ou um quadro mental componentes combinados e a sua relação es- (frame), referente a cozinhas, por exemplo, quemática um com o outro, por exemplo, o é um tipo de cômodo com as paredes, teto, |sujeito| existe dentro de um |cenário| com piso e entradas típicas. Se o sinalizante dese- um |interlocutor| à sua frente. A figura que jar descrever a localização dessa luminária, a mostra o |sujeito| é um boneco de palito que convenção gramatical da ASL é não produzir está em pé, mas os sinalizantes podem, obvia- uma construção perifrástica como “no teto”. mente, produzir enunciados enquando estão Ao invés disso, a convenção é direcionar um sentados ou deitados, mesmo durante a re- único verbo representativo (normalmente presentação. Eles também tipicamente não com um olhar) em direção ao teto imagina- saem da posição quando estão sinalizando, do acima do sinalizante, como ilustrado na mesmo quando um movimento de trajetória Figura 11. do |sujeito| está sendo descrito. Na verdade, alguém correndo pode ser representado por um sinalizante confortavelmente sentado. Isso significa que, com freqüência, apenas uma parte do corpo do sinalizante participa do mapeamento que cria o |sujeito|. A com- plementação de padrão (pattern completion), outro processo cognitivo envolvido na com- binação (Fauconnier & Turner 1998), forne- ce o que for necessário para interpretar, com sucesso, a combinação apesar de informação Figura 11 visual mínima. A evidência de que o sujeito do Espaço- O verbo na Figura 11 é usado aqui para, Real e o ponto de visualização são compo- simultaneamente, representar várias caracte- nentes distintos pode vir de um tipo de re- rísticas da luminária. A configuração de mão presentação que utiliza uma combinação de representa a forma geral de uma luminária, em cenário. Tais combinações são criadas quan- cúpula. A orientação do sinal representa a di- do sinalizantes desejam falar sobre objetos reção para a qual lados específicos da luminária dentro de um outro ambiente que não o seu estão direcionados. Nesse caso, já que a palma atual. Um tipo de combinação seria criado da mão está virada para cima, a luminária é quando, por exemplo, o sinalizante está fa- representada como sendo convexa. Se for pos- lando com um destinatário sobre uma nova sível que a palma virada para baixo seja usada Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas luminária na cozinha de um amigo comum. em uma representação similar, entenderíamos 170 Nessa situação, um espaço mental teria sido a luminária como sendo côncava. A localiza- Tipos de representação em ASL

ção da luminária é representada através da di- Cozinha que seja um candidato correspondente recionalidade do verbo: o verbo é direcionado ao sujeito do Espaço-Real. Além disso, a combi- para cima e um pouco para longe do sinali- nação é criada para representar um cenário, ao zante. Para que seja possível direcionar esse si- invés de um evento e, como discutido a seguir, nal, tipicamente, uma combinação de Espaço- a combinação de cenário parece obstar a exis- Real precisa ter sido previamente criada (ver tência de um |sujeito|. Já que o ponto de visuali- Liddell 1003:154 para uma observação simi- zação do Espaço-Real é um tipo de localização, lar). Assim que o sinalizante imagina a pre- virtualmente qualquer localização na cozinha é sença de um |teto de cozinha|, o verbo pode um correspondente adequado. O ponto de vi- então ser direcionado para o elemento com- sualização não é meramente uma localização binado. De outro modo, não é possível usar o no chão, mas um conceito tridimensional. Para verbo (exceto em casos em que o sinalizante exemplificar rapidamente, considere as diferen- está falando sobre um teto real diretamente ças na articulação de um verbo produzido por acessível aos interlocutores). O uso desse tipo uma criança pequena e um adulto alto para re- de verbo de representação é, com freqüência, presentar a localização de um quadro na parede um indicador de uma combinação de Espaço- da cozinha. A criança produziria o sinal acima Real e, nesse caso, fica claro que o sinalizante do nível dos olhos ao fazer referência à localiza- criou uma combinação de Cozinha. ção real da pintura no espaço, enquanto o adul- A combinação de Cozinha é um exemplo to produziria o sinal no nível dos olhos. Isso é, de uma combinação de cenário. Ela é criada obviamente, uma conseqüência dos pontos de integrando-se a cozinha do input do Espaço-da- observação tridimensionais diferentes que os Cozinha com uma parte do cenário do Espa- dois têm, o que é integrado a uma localização ço-Real em uma combinação, criando-se uma na cozinha para criar os respectivos |pontos de |cozinha|. O |teto| nessa combinação é o resul- visualização|. Se a criança ou o adulto repre- tado da integração do teto (acessível através do sentasse a experiência do outro da cozinha, suas quadro de cozinha) no input do Espaço-de-Co- articulações mudariam conforme a situação – o zinha com uma parte do espaço acima do sina- adulto elevaria ambos os braços para represen- lizante. A configuração da |cozinha| e do |teto| tar a localização do |quadro|, mas isso não seria não é possível sem que o sinalizante escolha uma necessário para a criança. localização dentro da cozinha, a partir da qual possa localizar a luminária. Existem muitas lo- calizações possíveis na cozinha que podem ser escolhidas para esse propósito. Assim que uma localização é selecionada, ela não se integra com o sujeito do Espaço-Real, mas apenas com o ponto de visualização do Espaço-Real. Por aca- so, o sinalizante está de pé no que é entendido como a |cozinha| e está também olhando para o |teto da cozinha| enquanto direciona um verbo para ele. Porém, isso não significa que a combi- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas nação de Cozinha contenha um |sujeito|. Não Figura 12 existe um ser animado no input do Espaço-de- 171 Paul Dudis

A Figura 12 representa as combinações as dimensões do |cenário| e as entidades nele de cenário que têm dimensões de tamanho são diminuídas em escala. Isso é o resultado natural. Assim como a representação de di- do processo cognitivo de compressão (Fau- álogo construído na Figura 10, o |cenário| é connier e Turner 2002). O cenário represen- representado por uma caixa. Em vez da fi- tado é comprimido com a porção menor de gura com um sombreado usado para repre- espaço na combinação. Porque esse espaço sentar um |sujeito|, uma figura pontilhada físico não inclui a área onde o sinalizante é usada aqui para representar o |ponto de está localizado, o ponto de visualização do visualização|. Essas representações distintas Espaço-Real não fica disponível para partici- não deveriam ser entendidas como sinal de par nos mapeamentos que criam essa com- que o |sujeito| não tem um |ponto de visu- binação, faltando-lhe, assim, um |ponto de alização|, mas, como mencionado acima, o visualização|. O ponto de visualização do Es- primeiro na verdade abarca o segundo. Não paço-Real do sinalizante continua em vigor. é possível para um sujeito não ter ponto de Contrastando com o espaço do observador, visualização, porque a conceitualização da esse é um espaço diagramático (Emmorey e localização de alguém em um cenário maior Falgier ibid.), representado pela caixa peque- é um componente essencial de autoconsciên- na na Figura 13. O benefício (e necessidade) cia. Porém, como vimos, é possível projetar de compressão pode ser visto na representa- o ponto de visualização do Espaço-Real, in- ção das relações espaciais dos planetas e ga- dependentemente do sujeito do Espaço-Real. láxias. Os componentes da entidade que está Esse é um exemplo de projeção seletiva: em sendo representada são combinados com seus alguns tipos de representação, apenas um correspondentes menores de Espaço-Real na número de componentes do Espaço-Real combinação, permitindo uma conceituali- são selecionados para se integrar a seus cor- zação em escala comparável ao ser humano respondentes. O diálogo construído tem um que, de outro modo, não seria possível. |sujeito| com um |ponto de visualização| con- comitante, mas combinação de cenário com dimensões de tamanho natural apenas têm o ponto de visualização. Já que ambos os tipos de representação têm |cenários| com dimen- sões de tamanho natural, eles são exemplos do que Emmorey e Falgier (1999) chamam de espaço do observador (viewer space). Es- paço substituto (surrogate space) é o termo usado por Liddell (1995), embora, no meu entender, ele tenha sido usado para descrever Figura 13 apenas combinações de escalas semelhantes (similarly-scaled blends) que representam di- Aparentemente o |cenário| de elemento álogo ou ação. combinado é uma constante entre os vários Combinações de cenário também podem

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas tipos de representação apresentados neste ser criadas com uma porção menor do espaço artigo. Já que o diálogo necessariamente se 172 na frente do sinalizante. Nessa combinação, passa em um cenário, a representação de di- Tipos de representação em ASL

álogo exige um elemento de |cenário|. Isso tipicamente, outro componente combinado não se aplica apenas para ação construída, visível (enquanto no diálogo construído, por mas também para qualquer representação de exemplo, só existe um elemento combinado evento. Além do |cenário|, o que também é visível). Por exemplo, em uma representa- constante entre os vários tipos de combina- ção de um soco, o sinalizante pode direcio- ções de evento, que serão descritos adiante, nar um punho para seu queixo. Existem duas é um elemento de |progressão temporal| (e maneiras de interpretar essa representação, isso também parece ser o que, basicamente, se a considerarmos isoladamente. Uma ma- distingue combinações de cenário de combi- neira é que o sinalizante está representando nações de evento). Como descrito em Dudis alguém dando um saco em si mesmo. Nesse 2004b, esse elemento é o resultado da inte- caso, só existe um elemento combinado vi- gração de elementos de progressão temporal, sível, a |pessoa-que-soca-a-si-mesma|. Ou- a partir de dois inputs. O elemento tempo- tra interpretação é que o sinalizante é visto ral no Espaço-Real é a progressão de tempo como a |vítima| e que o |punho| pertence a percebida no presente. Similarmente aos vá- um |agressor|. Essa interpretação exige sepa- rios graus de autoconsciência que temos de ração (partitioning) (Dudis 2004a) do pu- nós mesmo em um dado momento, também nho do sinalizante do resto de seu corpo. O não estamos continuamente conscientes da punho então fica disponível para se integrar progressão de tempo. Existem certas experi- com o punho do agressor, enquanto o sujeito ências em que essa consciência vem à tona, do Espaço-Real se integra com a vítima. Uma como quando se deseja ajustar a taxa de in- das mãos da |vítima| não é visível, mas através termitência do cursor em um monitor de da complementação de padrão, ela permane- computador. O correspondente a esse com- ce conceitualmente presente na combinação. ponente temporal do Espaço-Real é o Tem- Com separação e complementação do pa- po-do-Evento, ou seja, a progressão temporal drão, o sinalizante tem a habilidade de criar associada ao evento que está sendo descrito. componentes visíveis distintos em combina- A |progressão temporal| é mostrada nos dia- ções de evento, ao mesmo tempo permitindo gramas, por uma seta abaixo da caixa, como que se mantenha um ponto de vista único visto na Figura 10, anteriormente. durante a representação. Também é possível Os eventos são comumente representa- separar a porção do rosto que é usada para dos do ponto de vista de um |agente sujeito|, criar expressões faciais, assim como a região o resultado da integração do sujeito do Es- inferior do rosto que inclui a boca e as boche- paço-Real com o participante que tem status chas. O rosto inteiro (com exceção dos olhos) de agente no input do Espaço-do-Evento. Já pode participar na criação de uma |expressão que outros participantes animados do evento facial| visível que é distinta da expressão do também são sujeitos, eles são correspondentes |sujeito| (que não seria visível, pelo menos em potencial do sujeito do Espaço-Real. Na não completamente), como pode ser visto na verdade, existem representações do ponto de representação de alguém notando um olhar vista do, digamos, |paciente|. O que é interes- severo sendo direcionado para si. A boca-se- sante nessas representações com outros pon- parada pode ser usada para produzir o que em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas tos de vista que não o do |agente| é que existe, parece ser unidades onomatopéicas repre- 173 Paul Dudis

sentando fenômenos relacionados à audição e à vibração nos eventos, por exemplo, aquele produzido quando dois objetos colidem. Outros tipos de representação de evento são possíveis por meio da seleção de menos componentes do Espaço-Real. Os eventos, que não apresentam um participante anima- do, por exemplo, um raio atingindo uma ár- vore numa floresta durante uma tempestade, podem ser representados com um cenário, Figura 14 um ponto de visualização e progressão tem- poral do Espaço-Real. Não é necessário que o Existe uma associação ente o sujeito e a sinalizante testemunhe o evento pessoalmen- progressão temporal do Espaço-Real com- te para representá-lo; uma reconstrução do parável à relação entre o ponto de visuali- evento depois do fim da tempestade ou mes- zação e o cenário do Espaço-Real. O ponto mo apenas imaginação é suficiente. A árvore de visualização do Espaço-Real é um ponto e a floresta do Espaço-do-Evento se integra- específico dentro de um cenário do Espaço- riam com seus correspondentes espaciais no Real maior e o primeiro, claramente, não Espaço-Real para criar |árvore| e |floresta|. pode existir fora do segundo. A adoção de Uma localização v (esse é apenas um rótulo um ponto de visualização imaginado não é para um local escolhido dentro do cenário) possível sem um cenário imaginado. Assim, se integraria com o ponto de visualização do se o sinalizante cria uma combinação de es- Espaço-Real, resultando em um |ponto de vi- paço do observador, sabemos que o sinali- sualização| a partir do qual o raio é descrito. zante integrou não apenas os componentes A ação do raio é representada por um verbo do cenário, mas, também, o ponto de visua- na qual a trajetória do |raio| é visível. Essa lização do Espaço-Real com uma localização combinação é semelhante à combinação da no cenário representado. Essas integrações cozinha-observador, nos seguintes aspectos: não ocorrem em combinações diagramáticas ambas têm um |cenário| e um |ponto de vi- de cenário (Figura 13), nas quais um cenário sualização| e ambas representam uma relação é representado sem integração do ponto de entre uma |figura| e uma |base| (|luminária| visualização do sinalizante na combinação. O e |teto|; |raio| e |árvore|). Uma diferença cru- sujeito do Espaço-Real é caracterizado acima cial entre a combinação de evento e a combi- nação de cenário é a existência de um com- como auto-consciente e ser auto-consciente é ponente temporal combinado no primeiro. algo que ocorre em uma dimensão temporal. A comparação dos diagramas mostra até que De modo mais geral, um intervalo de tempo ponto existe um paralelo entre a combinação é necessário para abarcar qualquer conceito. do raio, mostrada na Figura 14, e a combi- Langacker (1987) distingue esse tempo de nação da cozinha. As Figuras 14 e 11 são, processamento de tempo concebido. Por basicamente, idênticas, a não ser pela seta na exemplo, é possível visualizar as folhas de Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas primeira, que representa um componente uma árvore mudando de verde para verme- 174 temporal integrado. lho e laranja. A taxa de mudança pode ser Tipos de representação em ASL ajustada, resultando na visualização das co- Aqui, os dois articuladores manuais são res como que surgindo todas juntas ou gra- unidades lingüísticas e, nesse caso, são usa- dualmente, aparecendo folha por folha. Es- dos para representar a ação dos carros. Em- sas taxas diferentes de mudança envolvem bora haja |motoristas| nessa combinação, diferentes tempos concebidos, estendendo- conceitualizados como estando nos carros, se através do tempo de processamento do não há |sujeito| algum. Na verdade, parece conceitualizador. O tempo de processamen- ser impossível para qualquer combinação to é exigido para que o sinalizante imagine de evento diagramático ter um |sujeito|. Os combinações de cenário, mas já que nenhum únicos elementos do Espaço-Real que parti- evento ocorre nessas combinações, o tempo cipam nessa representação são as unidades concebido não teria função nelas. Um tempo representativas (os articuladores manuais), concebido |progressão temporal| é, necessa- o cenário e a progressão temporal. Uma vez riamente, um componente em combinações que a representação utiliza apenas uma por- de evento que contêm um |sujeito|, que está ção do espaço em frente ao sinalizante, não ciente de si mesmo e de outras entidades. Essa há evidências para sugerir que o ponto de vi- consciência ou qualquer atividade não pode sualização do sinalizante se integra com uma ser representada independentemente de uma localização específica no cenário do evento. |progressão temporal|. Assim, quando fica Como visto na Figura 15, o olhar do sinali- claro que uma combinação tem um |sujeito|, zante está fixado na interação entre os dois sabemos que existe integração associada de carros, deixando claro que o sinalizante não componentes da progressão temporal. |Pro- está representando o motorista de nenhum deles. Se o olhar estivesse consistentemente gressão temporal|, como exemplificada pela direcionado para frente, em linha reta, isso, representação do raio acima, pode ser criada provavelmente, seria interpretado como as independentemente de um |sujeito|. ações de um motorista e, assim, constituiria Três outros tipos de combinação de even- evidência sugerindo a existência de um |su- to observados em ASL envolvem compressão. jeito|. Os articuladores manuais não têm a A Figura 15 é um exemplo de uma combina- capacidade de autoconsciência, não sendo, ção de um evento diagramático usado para portanto, considerados como sujeitos e sua representar um carro ultrapassando outro. integração com os carros no input do Espaço- Real resulta em elementos combinados que não são sujeitos. Isso é válido mesmo se o articulador manual que é convencionalmente usado para representar uma pessoa de pé (o dedo indicador) se integra com o sujeito do Espaço-do-Evento. Apenas quando o sujeito do Espaço-Real se integra com um corres- pondente do Espaço-do-Evento haverá um |sujeito| e isso é possível apenas em um espa- ço do observador. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Figura 15 Aparentemente, o fato de que apenas um |sujeito| pode existir dentro de uma ins- 175 Paul Dudis

tância de representação também é verdade, um aclive. A configuração de mão-3 na Figura mesmo quando uma combinação de evento 16b é similar àquela na Figura 15, mas aqui é de observador e uma combinação de evento usada para representar a motocicleta. A con- diagramático existem, simultaneamente. Esta figuração de mão B-plana (flat-B) é usada para análise sugere que isso envolve a separação representar uma porção do aclive. Com base, dos articuladores manuais para criar elemen- em parte, na disposição da configuração de tos combinados visíveis, existentes apenas no mão-3, que está perto e perpendicular ao peito espaço diagramático. Para exemplificar, o si- do sinalizante, entende-se que a |motocicleta| é nalizante na Figura 16 está representando al- o correspondente combinado visual da |moto- guém subindo um aclive de motocicleta. cicleta| invisível na combinação do observador. Essa relação não seria possível se a |motocicleta| tivesse sido colocada apenas alguns centímetros mais longe do sinalizante ou a seu lado. A |mo- tocicleta| visível na combinação diagramática seria, então, uma outra motocicleta diferente daquela que o |sujeito motociclista| está diri- gindo. Essa combinação serve como um cor- respondente de perspectiva global à perspectiva do participante na combinação do observador. As ações da |motocicleta| visível nessa combi- Figura 16a nação fornecem informações diretas, ao passo que informações relativas podem ser obtidas apenas indiretamente, na combinação de ob- servador. A Figura 17 organiza em um diagra- ma a co-existência do observador e dos espaços diagramáticos e os componentes neles combi- nados. Já que os dois espaços são combinações de evento, uma seta representando |progressão temporal| é incluída em ambas as representa- ções de combinação.

Figura 16b

Apenas uma combinação é usada para re- presentar essa cena e contém um |sujeito mo- tociclista| que se entende estar dirigindo uma |motocicleta| invisível. Assim, para adicionar detalhes à representação atual, o sinalizante cria uma combinação diagramática. A combinação

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas diagramática é manifestada visualmente quan- do o sinalizante separa os articuladores manu- 176 ais para representar uma motocicleta subindo Figura 17 Tipos de representação em ASL

As outras duas combinações de evento Isso é evidência clara de compressão de pro- são combinações de observador e diagramá- gressão temporal. Como essa construção tica em que o Tempo-do-Evento é comprimi- pode ser usada para representar outras mu- do com um intervalo menor de progressão danças-de-estado, podemos tomar o sinal temporal do Espaço-Real. Provavelmente, o não-manual de cabeça recém descrito como que acontece é que muitas combinações de um indicador desse tipo de compressão. evento exibem compressão temporal, mas determinar se existe compressão temporal ou não é tão fácil como no caso de compres- são de cenário. Porém, o uso de construções aspectuais temporais ou alguns movimentos de cabeça acompanhados por sinais faciais não-manuais (como aceno rápido da cabeça com os olhos apertados e a boca levemente aberta) são bons candidatos para indicado- res de compressão temporal, como descrita aqui. Dudis (2004b) descreve como alguns movimentos convencionais de cabeça, na ASL, acompanham representações gradu- ais de mudança-de-estado. Logo depois de Figura 18 representar o evento causador, o sinalizante faz um lento movimento de cabeça para trás, O último elemento do Espaço-Real a ser produzindo a seguir, um rápido movimento descrito nesse artigo é o corpo em si. Liddell de volta da cabeça para sua posição neutra, (2003:141-142) descreve como um sinalizan- enquanto produz, simultaneamente, um si- te utiliza uma combinação de Espaço-Real, nal descrevendo a mudança. Na expressão replicado na Figura 19, para descrever a pre- na ASL mais ou menos equivalente à ex- paração de um peixe antes de cozinhá-lo. O pressão “Eu pratiquei até ficar bom” (Figura sinalizante coloca a ponta de uma configu- 18), uma forma aspectual de PRATICAR é ração de mão-B na parte superior do peito, produzida com sinais não-manuais sugerin- próximo à garganta, movendo-a para baixo, do a existência de um |sujeito|. Durante a para sua cintura. Uma vez que o sinalizan- produção de uma forma aspectual, a cabe- te está especificamente falando sobre fatiar ça se move lentamente para trás, um gesto o peixe, entendemos que a configuração de que sugere o reconhecimento de que uma mão-B é usada para representar algo relativo mudança está ocorrendo. Na última parte ao ato de fatiar, ou uma parte da faca e seu da expressão, a produção do sinal de HABI- movimento de fatiar ou a trajetória do corte LIDADE e a volta da cabeça para a posição e, talvez, sua profundidade. Também inter- neutra (ou próxima a ela) ocorrem simulta- pretamos que o peito do sinalizante é usado neamente. A construção real de uma habi- para representar a lado inferior do peixe. O lidade exige mais do que alguns segundos, ventre do peixe no Espaço-do-Peixe é mape- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas mas esse intervalo de tempo é exatamente ado no peito do sinalizante do Espaço-Real e o quanto se leva para produzir a expressão. a sua integração resulta no segundo elemen- 177 Paul Dudis

to combinado visível, o |ventre do peixe|. E Tipos de combinação de Espaço-Real usados em representação quanto ao olhar do sinalizante para baixo? A Combinação de evento de observador com |sujeito| não ser em desenhos animados, peixes não Combinação de evento de observador sem |sujeito| podem se ver sendo fatiados, pode-se, então, Combinação de cenário de observador Combinação de cenário diagramático dizer com segurança que não existe |sujei- Combinação de evento diagramático to| algum nessa combinação. Então, aqui a cabeça do sinalizante é apenas ela mesma. Tabela 1 Porque peixes ocupam um espaço e os even- tos ocorrem em cenários, um |cenário| é es- tabelecido, mesmo que abstrato (dificilmente 5. Restrições no uso de itens sinalizantes imaginariam uma superfície, de lingüísticos quando um |sujeito| uma mesa, por exemplo, em um dos lados do está ativo sinalizante). Já que a combinação criada não é um espaço diagramático, mas parece ser um As análises de combinações conceituais em espaço de observador em escala-maior-que- expressões da ASL também esclareceram a a-natural, fica claro que existe um |ponto de relação entre unidades lingüísticas da ASL e visualização| nessa combinação. Exemplos si- combinações de evento. O que interessa aqui milares de combinações de espaço de obser- é o conjunto de restrições que tipicamente vador que contêm |corpos| combinados, mas entra em vigor quando um |sujeito| está ativo. não |sujeitos| são freqüentemente encontra- Como descrito adiante, essas restrições estão dos em descrições de como as pessoas se ma- relacionadas à ativação de uma |progressão chucaram, ganharam cicatrizes, etc. temporal| e ao tipo de combinação de evento Nessa seção, demonstrei que os vários criado. Isso demonstra porque o teste infor- tipos de representação observados no dis- mal de representação de seqüência de eventos curso na ASL são resultados de uma proje- descrito na Seção 2 é útil para identificar se ção seletiva de elementos do Espaço-Real, uma unidade lingüística realmente represen- a saber, cenário, ponto de visualização, a ta um evento: se o sinal estiver associado à progressão temporal, o sujeito e o corpo, |progressão temporal|, então o sinal contri- juntamente com habilidades cognitivas que bui para uma representação geral do evento. incluem a habilidade de separação do cor- Fauconnier (1997) descreve o discurso po em várias zonas significativas, para com- como contendo vários espaços mentais em primir o cenário e o tempo da cena sendo uma única grade. Os participantes do dis- representada e criar combinações simultâ- curso são descritos como navegadores nes- neas. Os diferentes tipos de representação sa grade, o produtor do discurso é descrito são listados na Tabela 1, abaixo. Uma vez que qualquer combinação de evento pode como criando espaços e guiando os destina- ter uma |progressão temporal| comprimi- tários pela grade via uma variedade de pistas, da, nenhum item separado indicando com- tanto lingüísticas quanto não-lingüísticas. O pressão temporal é necessário. Além disso, o discurso começa com um espaço de base (base |sujeito| não está listado com combinações space) (Fauconnier ibid.), um “conjunto pri- diagramáticas porque esse elemento combi- vilegiado de estruturas de espaço mental que Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas nado só pode ser parte de uma combinação [o falante] entende como correspondente 178 de evento de observador. à sua experiência real e/ou a situações que Tipos de representação em ASL acredita serem realmente válidas ou terem evento diferentes em uma porção de discurso ocorrido no passado” (Dancygier e Sweetser (Liddell e Metzger 1998; Liddell 2003). A Fi- 2005:31). (O Espaço-Real pode ser compre- gura 19 é um diagrama de um discurso que endido como parte do espaço de base do con- analiso como tendo duas combinações de ceitualizador). Espaços mentais distintos são evento criadas para representar um diálogo criados com relação não apenas a outros es- entre Dana e Tracy. paços mentais, mas, também, a este espaço de base. No que se refere a diálogos construídos, Base Espaço o Espaço-de-Evento que consiste de elemen- do Evento Passado EspaçoRreal tos relacionados ao diálogo é estabelecido com relação ao espaço de base (o termo “Es- paço-de-Evento” usado neste artigo é usado como rótulo para espaços de input que geram Combinação de Evento 2 Combinação de combinações de evento e não o “primitivo do |sujeito Tracy| Evento 1 |Dana| |sujeito Dana| discurso” (“discourse primitive”) discutido |Tracy| em Cutrer 1994 e Fauconnier 1997). Assim (pelo menos) três espaços mentais têm papéis na representação de diálogo. Dentre os diferentes papéis que os espa- ços mentais têm no discurso, existe um no Figura 19 qual um espaço mental está sendo estrutura- do. Esse é o espaço de foco, “o espaço corren- Existe um Espaço-de-Evento estabeleci- te, mais ativo; o espaço ‘sobre’ o qual é um do com relação ao Espaço-de-Base. Porque enunciado” (Cutrer 1994:71). Uma expressão os interlocutores são conhecidos pelo sinali- na qual o diálogo é representado parece ter zante, eles são elementos do Espaço-de-Base. tanto o Espaço-de-Evento, quanto a combi- Os “mesmos” interlocutores são o assunto nação de evento como espaços mentais ativos. da conversa em um contexto diferente do Deixarei o exame detalhado dos espaços de Espaço-de-Base, um que é contido no Espa- foco em diálogos envolvendo representação ço-de-Evento anterior. Uma vez que esses para investigações futuras. É suficiente obser- interlocutores são identificados, talvez via um var o seguinte: quando uma combinação de grupo nominal, o sinalizante pode mudar de evento é criada, ela se torna parte da grade de posição, de uma posição voltada para o des- espaços mentais criados no discurso; depois tinatário, para uma posição no vídeo ainda de criada, ela permanece acessível durante o próxima à combinação denominada Combi- discurso em questão e no momento em que nação-de-Evento 1 (CE1). Enquanto se con- o sinalizante deixa de representar um even- siderar que o |sujeito interlocutor| está ativo to, a combinação de evento é desativada. Essa e produzindo diálogo, a CE1 (ou talvez mais combinação de evento pode ser reativada (ou precisamente, o elemento de |progressão talvez se torne um espaço de foco novamen- temporal|) continua ativa. Uma variedade de te), permitindo que o sinalizante continue o pistas sinaliza a desativação do elemento de Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas discurso com representação adicional. Tam- |progressão temporal|. O olhar dirigido ao bém é possível haver duas combinações de destinatário é re-estabelecido e, simultanea- 179 Paul Dudis

mente, a posição do sinalizante não se apre- é relativamente simples é aquele em que uma senta mais alinhada ao |interlocutor sujeito|. ação manual é executada por um |sujeito|. A Se a posição agora assumida é uma previa- ação manual representada pode ou não ser mente adotada pelo sinalizante antes da cria- considerada um exemplo de um verbo repre- ção do CE1, então fica claro que a representa- sentativo. A Figura 20 mostra um verbo que ção terminou. Uma nova posição, como vista representa a ação de abrir uma garrafa com no vídeo, ainda próxima à Combinação-de- tampa. Evento 2 (CE2), sinalizaria a criação de uma combinação, que pode ser precedida por uni- dades lingüísticas identificando o interlocutor 2 como o participante do diálogo que está sendo representado. Essas três posições e as pistas a elas associadas auxiliam o sinalizan- te a se mover entre os espaços mentais. Fre- qüentemente, o sinalizante alterna entre as posições associadas às combinações de even- to sem voltar à posição neutra de sinalizante, um processo de desativação-reativação entre CE1 e CE2. Quando uma combinação de evento criada para representar diálogo está ativa, virtualmente qualquer porção da expressão feita pelo sinalizante é entendida como diá- logo do |interlocutor|. Como discutido pre- viamente, uma vez que uma parte do corpo do Espaço-Real, especialmente da cabeça ao torso inferior, está integrada com o interlocu- tor do Espaço-do-Evento, qualquer ação do Figura 20 sinalizante do Espaço-Real é entendida como sendo a ação do |interlocutor|. É irrelevante, Os articuladores manuais aparentam ser nesse caso, saber se os sinais que estão sendo a |mão segurando o abridor| e a |mão segu- produzidos estão ou não representando uma rando (o gargalo) (d)a garrafa|, respectiva- ação. O que está sendo representado é o ato de mente. A |garrafa| e o |abridor| são elementos dialogar, que inclui tanto sinais representati- combinados que não são visíveis, mas que, vos, como sinais não-representativos. Essa é mesmo assim, estão conceitualmente presen- uma maneira como os sinais são associados tes. Observe que as duas |mãos| entram em à |progressão temporal|. Isso não exige mais contato uma com a outra. Esse contato não do uma combinação de evento e, quando ocorre tipicamente no ato real de abrir garra- comparada a outros tipos de combinações de fas. Isso não faz o verbo ser não-representa- evento discutidos a seguir, a representação de Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas tivo, mas pode indicar a natureza unitária do diálogo é um processo relativamente simples. verbo, ao invés de ser apenas um gesto não- 180 Um tipo combinação de evento que também lingüístico. Tipos de representação em ASL

O verbo representativo recém descrito de classificativa de instrumento e utilizá-lo em abrir garrafas é um exemplo do que é conhe- uma combinação de evento com um |sujeito| cido como uma construção classificativa de exige separação da mão do sinalizante. A com- manuseio. A expressão “manuseio” é utiliza- binação descrita na Seção 4, em que uma | víti- da para esse tipo de verbo porque ele apre- ma sujeito | recebe um |soco| também envolve a senta uma |mão| visível que se considera estar separação da mão, mas a separação só é exigida segurando ou manuseando |algo|. O segundo se o soco é desferido por outra pessoa que não elemento combinado é invisível, mas a con- o |sujeito|, o que é verdade também para verbos figuração da |mão| indica parte da forma do “representativos-de-mãos”. Verbos “represen- |objeto manuseado|. A Figura 21 ilustra ou- tativos-de-instrumento” precisam de separa- tro verbo desse tipo, que representa uma arma ção quando produzidos com um |sujeito| ati- sendo empunhada. Um verbo representativo vo, não importando se o |sujeito| é entendido diferente é mostrado na Figura 22. como estando segurando o objeto ou não. Apesar das diferenças entre esses dois tipos de verbos representativos, apenas uma única combinação de evento é necessária para que qualquer um desses dois verbos sejam utili- zados. No caso de verbos “representativos- de-mão”, a |mão| é parte do |corpo| que o |sujeito| possui e qualquer |objeto manusea- do| não é visível, mas está presente como um elemento pertencente à combinação. No caso de verbos “representativos-de-instrumento”, Figura 21 o |instrumento| é visível, mas a |mão| que o segura não o é. Estamos começando a ver as diferenças entre expressões que representam diálogo e expressões que representam ações manuais ou instrumentos. Apesar de a diferença en- tre as combinações de evento nessas expres- sões não ser óbvia, fica claro que elas diferem quanto ao tipo de unidade lingüística usada. Novamente, qualquer sinal produzido em uma combinação criada para representar di- Figura 22 álogo será entendido como parte do diálogo de um |sujeito|. Isso inclui substantivos como O verbo na Figura 22 é muito similar ao ARMA (GUN), um empréstimo articula- seu correspondente, exceto que ele represen- do com o alfabeto manual, e relações como ta o objeto manuseado, ao invés da mão que PRATA (SILVER) (como não fica absoluta- o segura: temos, aqui, dois elementos visíveis, mente claro que esse sinal é um adjetivo, opto Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas o | atirador sujeito | e a |arma|. Esse tipo de pelo uso de “relação”, termo da Gramática verbo é conhecido como uma construção Cognitiva que descreve a classe dos verbos, 181 Paul Dudis

adjetivos, advérbios e preposições). Uma vez É possível produzir o sinal não-repre- que nem ARMA, nem PRATA representam sentativo PRATA com a mão representando coisa alguma, eles não poderiam ser produ- uma arma ou com uma mão que está segu- zidos por meio de uma combinação criada rando uma arma permanecendo no lugar. para representar eventos que não sejam di- O fato de uma combinação de eventos ser álogos. Os dois sinais podem ser produzidos ativada ou não depende do que o sinalizan- em um teste de seqüência de eventos apenas te está fazendo com PRATA. Se o sinalizante como diálogo construído. Os verbos nas Fi- está representando a maneira como a pessoa guras 21 e 22 podem ser usados em combi- com a arma a está descrevendo, por exemplo, nações de eventos, não apenas porque estão “Aqui está a arma, é toda de prata”, então representando verbos. O verbo exibido na PRATA é produzido como parte de um diá- Figura 11 (repetida a seguir como Figura logo construído e isso exige ativação de uma 23) é produzido para representar a forma e combinação de evento. Apenas uma combi- localização de uma luminária, mas não uma nação de evento é necessária para represen- ação. Os verbos representativos-de-mãos e tar tanto o diálogo, quanto a arma na mão. representativos-de-instrumentos são verbos Se o sinalizante e não o |sujeito| está descre- representativos-de-eventos. Uma vez que re- vendo a arma, então a |progressão temporal| presentam eventos, eles têm um elemento de foi desativada. A desativação da |progressão |progressão temporal|. Assim como o verbo na temporal| não necessariamente desativa ou- Figura 23 exige que uma combinação de cená- tros elementos da combinação. Mesmo o |su- rio esteja ativada para que ele seja produzido, jeito| estando desativado, a |mão| visível ou esses verbos exigem que uma combinação de a |arma| visível podem continuar ativos por- eventos esteja ativa para que eles sejam pro- que a mão e a arma resultam da integração de duzidos. A combinação de evento não precisa um componente do Espaço-do-Evento com se manifestar ao destinatário anteriormente ao o corpo do Espaço-Real, o que é conceitual- uso dos verbos representativos-de-eventos. O mente independente da progressão temporal. surgimento de tais verbos, com pistas não-lin- O sinalizante pode, então, falar sobre a arma güísticas concomitantes, é suficiente para que usando sinais como PRATA e direcionado os o destinatário crie ou ative uma combinação sinais para a |arma|. Esse é um exemplo de de eventos na grade de espaços mentais. uma estratégia de discurso em que |a progres- são temporal| fica desativada mantendo ati- vos não os verbos representativos-de-even- tos, mas os elementos visíveis combinados a eles associados. A relação entre o verbo representativo- de-evento que os sinalizantes conhecem e o uso real do verbo dentro de uma combina- ção de evento pode ser descrita em termos da Gramática Cognitiva (Langacker 1987, 1991) como uma relação esquema-instância. Na Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas visão de modelos gramaticais baseados-no- Figura 23 182 uso, dos quais a Gramática Cognitiva faz par- Tipos de representação em ASL te, as unidades lingüísticas são obtidas, em o |instrumento| é o único elemento visível, parte, por meio de recorrência de usos reais mas um |sujeito| pode ser (e normalmente é) dessas unidades. As características não-recor- visível, somando um total de dois elementos rentes são abstraídas durante o processo em combinados visíveis na representação em si. que as expressões ganham status de unidade. Nos verbos representativos-de-mãos e de ins- trumentos descritos acima, parece que a(s) unidade(s) que eles instanciam não especifi- cam para onde as mãos devem ser dirigidas. Ao invés disso, a direcionalidade é esquemá- tica, mesmo que seja uma característica es- sencial de um esquema do verbo representa- tivo-de-evento. O uso real desses verbos são instâncias do esquema do verbo e sua dire- cionalidade é, na maioria das vezes, motiva- Figura 24 da pelo conhecimento do sinalizante quanto ao evento que está sendo representado (por exemplo, se a arma está apontada para um lado, ou em direção ao lado, etc. Parece que as características esquemáticas desses verbos constituem o aspecto a que Liddell (2003) se refere em sua discussão sobre gradiência (gradience) em verbos representativos.) Uma vez que verbos representativos de mãos e de instrumentos consistentemente ativam |progressão temporal|, isso constitui evidência de que, no que se refere a esses ti- Figura 25 pos de verbos, essa ativação não é opcional. O que significa que a |progressão temporal| é Esses dois tipos de verbos representati- um componente do verbo representativo-de- vos de eventos são também conhecidos como evento: utilizar um verbo representativo-de- construções classificativas e, quando essas são evento é criar ou manter uma combinação de usadas para representar eventos, uma análise evento com, pelo menos, um elemento com- similar se aplicaria. A expressão parcialmen- binado visível. No caso de verbos representa- te ilustrada na Figura 15 (aqui repetida como tivos-de-mãos, no mínimo a |mão do agente| Figura 25) foi rotulada como construção clas- está visível. O |sujeito agente| pode ser visível, sificativa de “entidade inteira”. Uma vez que mas, através da separação da mão do sina- o seu uso envolve a ativação de uma combi- lizante do Espaço-Real, ele pode ser a única nação com um elemento de |progressão tem- parte visível do |agente| agindo sobre o |su- poral|, a unidade esquemática que sanciona jeito paciente|, como na representação de al-

o uso dessas construções tem esse elemento em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas guém levando um soco (Figura 24). No caso como componente. Como essas construções de verbos representativos de instrumentos, ativam uma combinação diagramática, elas 183 Paul Dudis

não têm um componente |sujeito|. Esses ver- manual com o |sujeito| de acordo com a tese bos poderiam ser considerados como “pre- apresentada nessa seção. Minha análise preli- viamente separados (previously partitioned)”. minar de FAZER-COISAS é que é um verbo Se um participante animado também é parte que representa alguém fazendo certas coisas da cena sendo representada, isso permite a (algumas, talvez todas, envolvendo o uso das criação de uma combinação com um |sujei- mãos). Existem algumas características do si- to|, resultando em múltiplos elementos visí- nal manual que, sob exame mais atento, pa- veis combinados. recem exibir mapeamentos icônicos. As pal- mas dos articuladores manuais estão viradas para longe do sinalizante, sugerindo contato ou interação com alguma entidade. O movi- mento do sinal para um lado e depois para o outro sugere interação com mais de uma entidade. O movimento dos dedos nesse sinal também é encontrado em um sinal que signi- fica “um tempo depois”. A duração do sinal é relativamente prolongada quando compa- rada com outros sinais não-representativos e isso é um indicador de |progressão temporal|. Figura 26 Se essa análise se confirmasse, esse sinal seria evidência de que, além de separação do cor- A ASL também parece ter verbos repre- po e de compressão do cenário, a progressão sentativos-de-eventos que não seriam tradi- temporal desempenha um papel na criação cionalmente considerados como construções de sinais. Interessante que FAZER-COISAS classificativas. SER-SURPREENDIDO (BE- também seria um possível sinal para exibir a TAKEN-ABACK) e FAZER-COISAS (DO- compressão de cenário em uma combinação THINGS) (Figura 26) são dois exemplos de de observador: a atividade esquemática sendo verbos desse tipo. Quando um desses sinais representada não é necessariamente limitada é produzido, as várias pistas não-manuais ao espaço na frente do |sujeito|, mas pode ser (mudança de direção do olhar, de postura, entendida como abarcando todo um cômodo mudança na expressão facial, etc.) são exibi- ou uma variedade de cenários. das, sinalizando a existência de um |sujeito|. Além dessas expressões que criam com- SER-SURPREENDIDO parece ser icônico binações diagramáticas com elementos dis- de um indivíduo experienciando algo tão in- tintos e visíveis (por exemplo, Figura 25), a tenso que precisa jogar os braços para cima maioria dos sinais descritos até aqui prova- para recobrar o equilíbrio. Contrastando velmente são vistos como monomorfêmicos, com isso, não fica imediatamente óbvio de se seguirmos a abordagem de Liddell de 2003 que os articuladores manuais em FAZER- à análise de verbos representativos. Nova- COISAS são icônicos, muito menos o que mente, tais unidades lingüísticas têm com- eles representam. Não é suficiente conside- ponentes esquemáticos que ativam o ma- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas rar apenas esses articuladores como separa- peamento de componentes semânticos nos 184 dos do |sujeito|. Isso não reconciliaria o sinal elementos do Espaço-Real. Dada a visão da Tipos de representação em ASL

Gramática Cognitiva, podemos, então, dizer te um |sujeito que explica| visível, o resultado que a representação tem um papel no léxico da integração do sinalizante do Espaço-Real da ASL, no qual conceitos como |cenário| e e da pessoa que explica (explainer), um dos |sujeito| são componentes essenciais de cer- participantes do evento codificado no verbo tas unidades. Unidades simbólicas são vistas EXPLICARy. Esse |sujeito| e outros traços, como contendo uma rede em que as unida- incluindo-se a prolongada duração, sugerem des do nível mais baixo têm mais especifica- que a forma aspectual é comparável com FA- ções semânticas e fonológicas e aquelas que ZER-COISAS, exceto que a forma aspectual estão nos níveis mais altos são, sucessivamen- é analisável como sendo multi-morfêmica. te, mais esquemáticas com relação às infor- Como mencionado antes, não é possível pro- mações semântica e fonológica. O papel da duzir EXPLICARy em uma combinação de representação se estende para a gramática da evento, além de instâncias de diálogo cons- ASL? A Gramática Cognitiva e as abordagens truído; então esse sinal não seria analisado construcionais à gramática (como Goldberg como tendo um |sujeito| ou um componente 1995) não supõem uma rígida divisão entre de |progressão temporal|. A forma aspectual gramática e léxico, afirmando que as unida- pode ser analisada e a fonte óbvia é o esque- des frasais e oracionais devem ser, também, ma construcional aspectual que a forma ins- tratadas como pares formadores-de-signifi- tancia. O esquema construcional é um esque- cado. Isso significa que, se descobrirmos que ma produtivo, uma vez que existem várias a representação desempenha um papel em incidências desse esquema, por exemplo, as expressões multi-morfêmicas ou expressões formas duracionais de ESPERAR (WAIT) e multi-palavras, isso sugeriria que a represen- USAR-TECLADO (USE-KEYBOARD), todas tação tem, também, um papel na gramática. exibindo pistas associadas ou com o |sujei- to| ou com a |progressão temporal|. (Klima e Bellugi 1979 e Liddell 2003 usam o termo “aspecto duracional” para nomear um tipo de construção aspectual, o que parece apro- priado para a forma aspectual aqui descrita). Outros esquemas construcionais aspectuais, inclusive o esquema construcional inceptivo não-realizado (Liddell 1984), são, também, analisados como detentores de, no mínimo, um componente de |progressão temporal|. Uma vez que é na progressão temporal que Figura 27 os processos morfológicos se fazem sentir, isso sugere que componentes representativos A Figura 7b, repetida aqui como Figura são encontrados, não apenas no léxico, mas, 27, ilustra parcialmente a forma aspectual de também, na gramática. EXPLICARy. Como discutido na Seção 2, não Voltando à tese desenvolvida nessa seção, se percebe, de imediato, de que os articulado- a não-iconicidade dos articuladores manuais Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas res manuais de EXPLICARy são icônicos, o em EXPLICARy ou outro sinal componen- mesmo valendo para essa forma. Porém, exis- te envolvido na criação de formas aspectuais 185 Paul Dudis

não impede que uma combinação de evento A primeira parte da construção tem uma esteja ativa. Isso se deve ao fato de que os ar- forma aspectual, aqui uma forma duracional ticuladores agora fazem parte de uma expres- de PRATICAR. Enquanto continua a produ- são representativa produzida por integração zir a forma aspectual, o sinalizante lentamen- de um verbo com um esquema construcional te move sua cabeça para trás, o que represen- aspectual. Assim, esse é um caso da relação ta não o movimento real da cabeça, mas um esquema-instância que satisfaz a condição de reconhecimento de que uma mudança está que unidades ou gestos lingüísticos produzi- começando a ocorrer. Próximo ao fim da dos com um |sujeito| ativo estejam associados expressão, o sinalizante produz SER-HABI- com a |progressão temporal|. A natureza não- LIDOSO (BE-SKILLED) com a cabeça retor- representativa dos articuladores não significa nando à posição neutra. Uma vez que nem que eles não contribuem para a combinação. PRATICAR nem SER-HABILIDOSO são Ao invés disso, eles podem ser vistos como unidades representativas, a representação na marcadores temporais cuja presença estendi- Figura 27 é atribuída ao complexo esquema da mapeia, de uma forma icônica, a duração construcional. A associação que os articula- do evento sendo representado. dores de PRATICAR têm com a |progressão Mais evidências de que a representação de- temporal| é similar àquela que os articulado- sempenha papel na gramática da ASL se encon- res de EXPLICARy têm na forma aspectual. tra nas construções de mudança-de-estado da Isso sugere que uma construção aspectual é ASL (Dudis 2004b). A Figura 18, repetida aqui parte dessa construção de mudança-de-esta- como Figura 28, parcialmente ilustra a repre- do. SER-HABILIDOSO descreve a mudança sentação de um evento em que um indivíduo resultante e inclui a parte final da porção ma- pratica uma habilidade, como fazer cestas ou nual da construção. Sua produção pode ser soletração manual, até que um nível mais alto vista como marca do ponto na |progressão de competência seja alcançado. Analiso essa temporal| em que a mudança prevista é com- expressão como sendo uma instância de uma pletada. O conjunto de sinais não-manuais construção gradual de mudança-de-estado. é um componente de um esquema constru- cional de mudança-de-estado. Parece que a informação fonológica do sinal não-manu- al durante a fase inicial é esquemática, pelo menos no que se refere ao movimento da ca- beça, mas é específico para as seguintes fases (a cabeça, vagarosamente, se move de volta, etc.). Novamente, o movimento de cabeça está associado à aparição de uma mudança prevista. No geral, existe ampla evidência de que esse esquema construcional é uma uni- dade representativa, na gramática da ASL. O fato de essa construção representar uma mu- dança-de-estado esquemática explica porque Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas sua incidência pode ser produzida com um 186 Figura 28 |sujeito| ativo. Tipos de representação em ASL

Até aqui vimos que itens não-represen- Aqui, claramente, o |sujeito| está pre- tativos podem ser produzidos quando um sente. O sinal ESTAR-FECHADO é dirigi- |sujeito| está ativo, contanto que eles estejam do primeiro para a esquerda e depois para associados à |progressão temporal|, ou como a direita do sinalizante, acompanhado do parte de um diálogo construído ou como uma olhar dirigido à mesma direção respectiva. instância de uma unidade lingüística que tem Fica também evidente, que os sinais são di- um componente de |progressão temporal|. recionados ao lugar onde se imagina que as Uma terceira possibilidade já foi aludida na duas |lojas|estejam. De acordo com Liddell descrição do componente não-manual da (2003:179), o sinal ESTAR-FECHADO é construção de mudança-de-estado, asso- analisado aqui não como uma instância de ciada ao reconhecimento do surgimento de um verbo indicativo ou representativo, mas uma mudança e ao acompanhamento de seu como uma instância de um verbo simples que progresso. Além de se representar diálogos e o sinalizante direciona a um elemento com- eventos externos, também é possível repre- binado. Aqui, o |sujeito| não está sinalizando sentar eventos fisiológicos. A Figura 29 ilustra, para pessoa alguma, em especial. Se conside- parcialmente, a expressão representativa de al- rarmos isso como uma representação de diá- guém notando, ao chegar a um shopping, que logo interior, intuitivamente o consideramos duas lojas estão, inesperadamente, fechadas. como uma representação esparsa, quando comparada a outras instâncias de represen- tação de diálogo interior. Existe uma análise alternativa. ESTAR-FECHADO é produzido para representar a percepção do |sujeito| da cena. Uma vez que o sinal ESTAR-FECHA- DO não é parte do diálogo construído (ou um verbo representativo-de-evento), entende-se que os articuladores manuais estejam separa- dos do |sujeito|. O espaço mental do qual é parte está separado do espaço do observador de modo similar à independência do espaço combinado diagramático em relação ao es- paço do observador, na representação de um motoqueiro subindo uma colina. A diferença é que ESTAR-FECHADO não é um espaço dia- gramático, mas um espaço perceptual associado ao |sujeito|. ESTAR-FECHADO é, então, asso- ciado à progressão temporal|, apesar de ser uma unidade não-representativa. Um espaço perceptual relativo a uma combinação-de-evento também é criado para representar o foco do |sujeito| sobre um Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Figura 29 |objeto| dentro de um |cenário|. A Figura 30 ilustra, de forma parcial, uma expressão re- 187 Paul Dudis

presentativa de alguém vendo uma luminária Espero ter demonstrado acima que quan- recém instalada em um teto. Aqui fica claro do um |sujeito| está ativo, restrições específi- que não há representação de um diálogo. Um cas com relação ao uso de sinais entram em articulador manual está separado do |sujei- funcionamento. A Tabela 2 apresenta uma to| para produzir uma instância do mesmo lista dessas restrições. verbo descrito na Seção 4, um que não repre- senta um evento, mas a forma e a localização Sinais produzidos quando um |sujeito| está ativo de um objeto, no caso, a luminária. Uma vez O sinal é parte do diálogo (ou gesto) sendo representado que esse verbo não representa um evento, O sinal representa um evento psicológico experienciado pelo |sujeito| ele carece de um componente de |progressão O sinal é uma instância de uma unidade esquemática contendo temporal|. Porém, uma vez que se entende um componente de |progressão temporal. que ele representa o que o |sujeito| está ven- Tabela 2 do, então, ele tem uma associação com |pro- gressão temporal|.

6. Conclusão

A representação de cenários, objetos e even- tos, explicada neste artigo é, sem dúvida, uma questão básica do discurso da ASL. Quando fica demonstrado que os verbos e as cons- truções da ASL têm componentes que repre- sentam traços semânticos, a representação se torna o foco da análise gramatical, na pers- Figura 30 pectiva lingüística cognitiva aqui discutida. A abordagem específica estabelecida aqui, A combinação-de-evento aqui tem ele- iniciada por outros lingüistas cognitivos que mentos similares àqueles encontrados na investigam línguas de sinais, demonstra o po- combinação de cenário criado para repre- tencial de análises adicionais para elucidar o sentar a localização da luminária (descrito papel da representação na gramática da ASL. na Seção 4). Sem acesso à informação prévia, Essa abordagem dá suporte à visão que, em- não seria possível determinar se um evento, bora existam algumas facetas da gramática da ou apenas um cenário, está sendo represen- ASL que “submergem” a iconidade (Klima e tado. Uma ambigüidade semelhante diz res- Bellugi 1979), outras facetas existem onde a peito ao fato de a combinação do observador iconicidade “emerge” (S. Wilcox 2004). conter um |sujeito| ou simplesmente um |ponto de visualização|. Isso demonstra não só como o contexto é uma parte essencial da Notas expressão, mas também a utilidade de iden- tificar os componentes conceituais distintos, Esta pesquisa foi financiada pela National Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas envolvidos na representação do cenário e dos Science Foundation (Fundação Nacional de 188 eventos. Ciência), por meio de bolsa número SBE- Tipos de representação em ASL

0541953. Quaisquer opiniões, resultados e KLIMA, E.; BELLUGI, U. The signs of language. conclusões ou recomendações expressas aqui Harvard University Press, Cambridge, 1979. são do autor e não refletem, necessariamente, LAKOFF, G. Sorry, I’m not Myself Today, In: FAU- a visão da National Science Foundation. CONNIER, Gilles; SWEETSER, Eve (Orgs.). Spaces, Worlds, and Grammar. Chicago Uni- versity Press, Chicago. 1996. p. 91-123. Referências LANGACKER, R. W. Foundations of Cognitive Grammar. Theoretical Prerequisites, v. 1, CUTRER, M. Time and Tense in Narratives and Stanford, CA, 1987. Everyday Language. Tese de Doutorado – Uni- LANGACKER, R. W. Foundations of Cognitive versity of California, San Diego, 1994. Grammar. Descriptive Application, v. 2, Stan- DANCYGIER, B. & SWEETSER, E. Mental Spaces ford, CA, 1991. in Grammar: Conditional Constructions. Cam- LANGACKER, R. W. Grammar and Conceptuali- bridge University Press, Cambridge, 2005. zation. Mouton de Gruyter, New York, 2000. DUDIS, P. G. Body partitioning and real-space LIDDELL, S. K. Unrealized-inceptive aspect in blends. Cognitive Linguistics, v. 15 (2 ed.), American Sign Language: Feature insertion in 2004. p. 223-238. syllabic frames. In: DROGO, J.; MISHRA, V.; DUDIS, P. G. Depiction of Events in ASL: Con- TESTON, D. (Orgs.). Trabalho apresentado ao ceptual Integration of Temporal Components. 20 Regional Meeting of the Chicago Linguistic Tese de Doutorado – University of California, Society, Chicago. p. 257-270. Berkeley, 2004 LIDDELL, S. K. Real, surrogate, and token space: EMMOREY, K.; FALGIER, B. Talking about Space Grammatical consequences in ASL. In: Emmo- with Space: Describing Environments in ASL. rey, Karen & Reilly, Judy (Orgs.). Language, In: WINSTON, E.A. (Org.). Story Telling and Gesture, and Space, Hillsdale, NJ, 1995. p. Conversations: Discourse in Deaf Communi- 19-41. ties. Washington, D.C.: Gallaudet University LIDDELL, S. K. Grammar, gesture and meaning Press, 1999. p. 3-26. in American Sign Language. Cambridge Uni- FAUCONNIER, G. (1997). Mappings in Thought versity Press, Cambridge, 2003. and Language. Cambridge University Press, LIDDELL, S. K.; METZGER, M. Gesture in sign Cambridge. language discourse. Journal of Pragmatics, v. FAUCONNIER, G.; TURNER, M. Blending as a 30, 1998. p. 657-697. Central Process of Grammar. In: GOLDBERG, METZGER, M. Constructed Dialogue and Cons- Adele (Org.). Conceptual Structure, Discourse tructed Action in American Sign Language. In: and Language. Stanford, 1996. p. 113-130. LUCAS, C. (Org.). Sociolinguistics in Deaf FAUCONNIER, G.; TURNER, M. Conceptual Communities, Washington, 1995. p. 255-271. integration networks. Cognitive Science, v. 22, PADDEN, C. Verbs and role-shifting in ASL. In: n. 2, 1998. p. 133-188. PADDEN, C. (Org.). Proceedings of the Fourth FAUCONNIER, G.; TURNER, M. The Way We National Symposium on Sign Language Rese- Think: Conceptual Blending and The Mind’s Hid- arch and Teaching, MD, 1986. p. 44-56. den Complexities. Basic Books, New York, 2002. ROY, C. Features of Discourse in an American Sign Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas GOLDBERG, A. Constructions. The University Language Lecture, em: LUCAS, C. (Org.). The of Chicago Press, Chicago, 1995. Sociolinguistics of the Deaf Community, San 189 Paul Dudis

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190 Estudos de aquisição de línguas de sinais: passado, presente e futuro1

Diane Lillo-Martin University of Connecticut Haskins Laboratories

Neste artigo, apresento uma visão geral de guas de sinais e, que buscam, freqüentemen- aspectos dos estudos de aquisição de línguas te, explicá-las recorrendo à modalidade. Em de sinais conduzidos nos últimos vinte anos alguns casos, as diferenças são bem visíveis, e faço uma especulação sobre o futuro desses devido à modalidade (por exemplo, embora estudos. Ao invés de uma visão geral crono- a fonologia sinalizada e a falada tenham prin- lógica, organizei a pesquisa em cinco temas, cípios abstratos comuns, estão calcadas em de acordo com alguns dos objetivos desses diferenças de modalidade). Em outros casos, trabalhos. Os temas são os seguintes: argumenta-se por uma explicação das dife- 1) Exploração dos paralelos entre aquisi- renças em termos de um aspecto específico ção de línguas sinalizadas e faladas. Nesta ca- da modalidade. tegoria, incluo uma variedade de estudos que 3) (a) Utilização de dados de aquisição mostram que a aquisição da língua de sinais é de língua de sinais para fornecer informações similar à aquisição da língua falada, sob con- sobre a gramática da língua de sinais. (b) Uti- dições de input comparáveis (isto é, crianças lização da gramática da língua de sinais para para quem os pais sinalizam fluentemente, fornecer informações sobre a aquisição de desde o nascimento). Esses estudos servem língua de sinais. Essas duas categorias estão para demonstrar que as línguas de sinais são agrupadas para enfatizar a importância de línguas naturais completamente desenvolvi- uma relação forte e recíproca entre os estudos das, merecendo, portanto, todos os direitos gramaticais e os estudos de aquisição e para associados às demais línguas naturais com- mostrar como os estudos de aquisição podem pletamente desenvolvidas. afetar questões teóricas na análise gramatical 2) Explicação das diferenças entre aqui- e como os avanços gramaticais podem levar a sição de línguas sinalizadas e de línguas fa- novas questões ou a re-análises, nos estudos ladas. Nesta categoria, encontram-se estudos de aquisição. Tais relações entre aquisição e que observam as diferenças potenciais na tra- gramática não são, obviamente, exclusivas jetória da aquisição de línguas faladas e lín- dos estudos de língua de sinais; entretanto,

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Elaine Espíndola, Thiago Blanch Pires, Carolina Vidal Ferreira. Diane Lillo-Martin

pesquisadores de língua de sinais podem e pendentemente de seus objetivos originais. participam, com bons proveitos, desses tipos A visão geral apresentada aqui não preten- de trabalho. de ser exaustiva, mas seleciona exemplos 4) Utilização de dados de aquisição de de estudos que são incluídos em cada tema, língua de sinais para oferecer informação so- fornecendo ao leitor uma noção de dire- bre teorias de aquisição da linguagem. Nova- ções e possibilidades. Pesquisa adicional mente, a pesquisa em língua de sinais não está em todas essas áreas se faz extremamente sozinha na busca do objetivo de desenvolver necessária. e testar teorias explícitas de como ocorre a aquisição da linguagem, mas tem muito a contribuir para alcançar tais objetivos. É es- 1. Exploração dos paralelos entre pecialmente importante incluir as línguas de aquisição de línguas sinalizadas e sinais no banco de dados dos fatos de aquisi- faladas ção de língua que as teorias se esforçam para explicar, uma vez que qualquer teoria desse Nesta categoria, incluo uma pesquisa que pro- tipo teria como objetivo fornecer uma expli- cura mostrar que uma língua de sinais especí- cação para a habilidade que qualquer criança fica ‘é uma língua’ e é adquirida em igualdade possui de aprender a língua natural a que é de condições com as demais línguas faladas exposta. (ver Lillo-Martin, 1999; Newport & Meier, 5) Utilização de dados de aquisição de 1985, para uma revisão da literatura de algu- línguas de sinais para oferecer informação mas dessas pesquisas). sobre a natureza da linguagem. As línguas de Um exemplo claro vem do trabalho de sinais e as comunidades surdas permitem-nos Laura Ann Petitto. A pesquisa por ela desen- entender, mais detalhadamente, a natureza volvida fornece fortes evidências para argu- da linguagem, uma vez que, a partir de expe- mento que as línguas de sinais são adquiridas rimentos de natureza (experiments of nature), exatamente da mesma forma que a linguagem elas às vezes revelam o que acontece com a oral. Por exemplo, em uma de suas análises linguagem em situações extremas. Informa- ela alega, “Crianças surdas expostas a línguas ções sobre o que emerge dos experimentos de sinais desde o nascimento adquirem essas são de grande significado para as teorias da línguas em tempo de maturação idêntico ao linguagem. de crianças ouvintes que adquirem as línguas Obviamente, muitos estudos são inclu- faladas” (Petitto, 2000)2. ídos em mais de uma das categorias acima Os marcos que Petitto afirma serem e talvez outros não tenham sido especifica- ‘idênticos’ entre crianças sinalizantes e crian- mente direcionados a nenhum desses tópi- ças falantes incluem o balbucio (7-12 meses cos. Entretanto, acredito que possa ser útil de idade); o estágio da primeira palavra (11- adotar esse tipo de visão e examinar os im- 14 meses) e o estágio dos primeiros pares de pactos mais amplos desses estudos, inde- palavra (16-22 meses). Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 2 “Crianças surdas expostas às línguas de sinais desde o nascimento adquirem essas línguas em um período ma- 192 turacional idêntico ao das crianças ouvintes adquirindo línguas faladas”. Estudos de aquisição de línguas de sinais: passado, presente e futuro

Além disso, Petitto afirma, “padrões con- monstraram organização silábica; em terceiro, versacionais e sociais do uso da linguagem ..., foram utilizados de forma não-comunicativa. bem como os tipos de coisas sobre as quais Petitto (2000) conclui, “A descoberta do bal- elas ‘falam’ ..., demonstraram, sem sombra bucio em outra modalidade confirmou a hi- de dúvida, que seu processo de aquisição se- pótese que o balbucio representa um estágio gue a mesma trajetória de crianças ouvintes distinto e crítico na ontogênese da linguagem da mesma idade, em processo de aquisição da humana”4. língua falada” (Petitto 2000)3. As semelhanças de balbucio entre crian- Relatos similares que consideram a traje- ças aprendendo línguas de sinais e crianças tória geral da aquisição da linguagem similar aprendendo línguas faladas foram enfati- para línguas sinalizadas e faladas podem ser zadas e expandidas no estudo de Meier & encontrados em estudos de línguas de sinais Willerman (1995) e Cheek et al. (2001); en- além da ASL. Por exemplo, Língua de Sinais tretanto, eles sugerem que o balbucio, nas Italiana (Caselli & Volterra, 1990), Língua de duas modalidades, é uma conseqüência do Sinais Brasileira (Quadros, 1997) e Língua de desenvolvimento motor e não especifica- Sinais Holandesa (Van den Bogaerde, 2000), mente uma expressão da faculdade lingüísti- entre outros. ca. Assim como Petitto & Marentette, Meier Consideremos o caso do balbucio. A pes- & Willerman e Cheek et al. observaram o quisa referente ao balbucio de crianças ouvin- balbucio manual em crianças expostas a lín- tes revela que o balbucio vocal (sons repetitivos guas de sinais: observaram cinco crianças e silábicos como “baba”) emerge por volta dos surdas na faixa etária entre 7, 10, e 13 meses 6 a 8 meses de idade e continua (com algumas e relataram o balbucio manual entre 25% e mudanças) até a sua substituição por palavras. 93% de todos os gestos produzidos. Do mesmo modo, Petitto & Marentette (1991) Contudo, ao contrário de Petitto & observaram que crianças surdas expostas à Marantette, que relataram que o balbucio língua de sinais produzem ‘balbucios manu- manual era bem menos freqüente nos três ais’ durante o mesmo período. Descobriram sujeitos ouvintes analisados por eles (aproxi- a ocorrência de atividades de balbucio manu- madamente 20% dos gestos), Meier & Wil- al entre 32%-71% dos gestos produzidos por lerman e Cheek et. al. relatam que as cinco duas crianças surdas observadas aos 10, 12 e crianças ouvintes não expostas a línguas de 14 meses de idade. Petitito & Marentette ar- sinais que eles estudaram produzem balbu- gumentaram que o balbucio manual é similar cio manual muito semelhante ao das crianças ao balbucio vocal, ao satisfazer três condições. surdas, em uma média entre 44% - 100% de A primeira é que os balbucios utilizaram uni- todos os gestos. dades fonéticas restritas àquelas usadas em si- Os dois estudos relatam fortes similari- nalização; em segundo lugar, os balbucios de- dades entre crianças que estão desenvolvendo

3 “padrões sociais e interacionais do uso da língua… assim como os tipos de coisas que elas falam…, demonstraram inequivocamente que suas aquisições de língua seguem trajetórias idênticas verificadas em crianças ouvintes adqui- rindo línguas faladas”. em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 4 “a descoberta do balbucio em uma outra modalidade confirmou a hipótese de que a balbucio representa uma etapa crítica e distinta na ontogenia da linguagem humana”. 193 Diane Lillo-Martin

a língua de sinais e crianças que estão desen- 2. Explicação das diferenças entre volvendo a língua falada. Ambos os estudos aquisição de línguas de sinais e de também relacionam seus resultados a expli- línguas faladas. cações teóricas que ressaltam similaridades no desenvolvimento de línguas de sinais e Esta categoria de pesquisa se concentra nos de línguas faladas, embora suas teorias sejam aspectos onde a aquisição de línguas orais e a diferentes. Os dois são, portanto, bons exem- aquisição de línguas de sinais podem ser di- plos de paralelos entre aquisição de línguas ferentes e busca explicar essas possíveis dife- de sinais e aquisição de línguas faladas. renças como, por exemplo, os efeitos da mo- Por que é importante demonstrar que dalidade. Tais efeitos de modalidade podem crianças surdas com input de sinalização na- incluir iconicidade e desenvolvimento motor / tivo adquirem línguas de sinais num tempo articulatório, entre outros. ‘idêntico’ – ou até mesmo paralelo – ao de Um exemplo de pesquisa que considera o outras crianças que aprendem línguas fala- papel da modalidade na explicação das dife- das? Para Petitto, a implicação desse resulta- renças entre o desenvolvimento da língua de do é que a propensão dos seres humanos para sinais e da língua falada examina o surgimen- a aprendizagem de línguas não é dependente to dos primeiros sinais versus palavras faladas. de modalidade. Ao contrário, os mecanismos Inúmeros autores afirmam que os primeiros que possibilitam o desenvolvimento lingüís- sinais surgem, aproximadamente, 6 meses tico aplicam-se igualmente bem a uma língua antes das primeiras palavras e o entusiasmo visual-gestual, como a uma língua auditiva- atual pela ‘sinalização do bebê’ na popula- vocal (auditory-vocal language). À medida ção ouvinte baseia-se nessa idéia. Meier & que procuramos compreender como é pos- Newport (1990), em uma minuciosa revisão sível a aquisição da linguagem, nossas teorias de literatura que documenta marcos impor- talvez tenham que ser repensadas para aco- tantes na aquisição sinal versus fala, chegaram modar essa independência de modalidade. a importantes conclusões gerais acerca das si- Essas conclusões sobre a natureza dos milaridades e diferenças. Primeiro, a ‘vanta- mecanismos de aquisição da linguagem só gem’ dos sinais parece ser de 1,5 a 2,5 meses seriam autorizadas se as línguas de sinais fos- (idade aproximada de 8,5 meses para os pri- sem consideradas como não sendo línguas meiros sinais e 10-11 meses para as primeiras humanas naturais completamente desenvol- palavras), e essa diferença é vista apenas com vidas (full, natural human languages), com as os primeiro sinais ligados ao contexto e não mesmas fundações biológicas e com ambien- com os sinais puramente simbólicos. Segun- tes sociais similares. Atualmente, lingüistas e do, os autores afirmam que a vantagem dos psicólogos bem informados não questionam sinais existe apenas em relação às primeiras o status das línguas de sinais. Entretanto, ain- palavras e não às primeiras combinações de da existem muitas pessoas que não são bem palavras (sintaxe inicial). Finalmente, Meier informadas sobre esse assunto e estão, muitas & Newport oferecem uma possível explica- vezes, em posição que lhes permitem tomar ção para a vantagem dos sinais em termos de decisões a respeito do bem estar de usuários mecanismos ‘periféricos’ – aqueles utilizados Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas (potenciais) de língua de sinais. Por esse mo- na produção e/ou percepção de sinais versus 194 tivo, nunca é demais ressaltar essa questão. palavras. Eles apresentam argumentos para Estudos de aquisição de línguas de sinais: passado, presente e futuro pensarmos que leva mais tempo para a crian- Conlin, Mirus, Mauk, & Meier, 2000; ça falante desenvolver o controle articulató- Marentette & Mayberry, 2000). Por outro rio suficiente para produzir expressões que lado, alguns pesquisadores sugerem que tal- podem ser reconhecidas como palavras, do vez seja mais fácil para as crianças percebe- que para crianças sinalizantes desenvolverem rem diferenças na localização quando com- um controle comparável a esse. Portanto, a paradas com as diferentes configurações de diferença se resume a uma desvantagem da mão, também contribuindo para a precisão língua falada em seus primeiros estágios de mais antecipada com relação à localização. desenvolvimento lexical. Pesquisadores também observaram que Outra área de pesquisa que examina os os sinais iniciais das crianças freqüentemente efeitos da modalidade na aquisição de línguas envolvem repetição de movimento (Meier, de sinais diz respeito à fonologia do sinal ini- 2006). Isso pode estar diretamente relacio- cial. Pesquisadores estudaram os componen- nado aos movimentos repetidos no desen- tes de sinais com os quais as crianças apresen- volvimento motor, como os estereótipos de tam maior ou menor precisão e observaram pontapés repetidos ou acenos com os braços. que, em muitos casos, o desenvolvimento Meier (2006) também afirma que as formas das crianças pode ser explicado levando-se iniciais não-alvo (non-target forms) de crian- em conta o desenvolvimento de mecanismos ças, que ocorrem em sinais formados com motores e perceptuais. As duas explicações as duas mãos (two-handed signs), podem ser enfatizam o papel da modalidade no proces- explicadas por referência a um fenômeno co- so de aquisição de línguas de sinais. É muito nhecido como “solidariedade” (sympathy), provável, portanto, que a modalidade tenha em que as crianças apresentam dificuldade um papel importante na explicação de pa- em inibir o movimento de uma mão enquan- drões de desenvolvimento fonológico. to a outra está ativa. Por exemplo, muitos pesquisadores en- Meier (2006) afirma que o estudo de fa- contram mais erros na configuração de mãos tores articulatórios no desenvolvimento da do que na localização nos sinais iniciais. Os fonologia dos sinais é importante devido a, primeiros sinais produzidos por crianças de pelo menos, duas razões. Primeiramente, sa- tenra idade tendem a utilizar a configuração ber quais efeitos têm sua origem na articula- de mão com todos os dedos estendidos, aber- ção ajuda a identificar aqueles que requerem tos ou relaxados (5); ou com os dedos cer- outras explicações. Segundo, ele sugere que rados (A); ou apenas com o dedo indicador fatores articulatórios podem promover tipos estendido (1). Essas configurações de mão específicos de organização lingüística - prin- freqüentemente serão substituídas por outras cipalmente para as crianças – o que pode nos em sinais da língua alvo que utilizam confi- levar a crer que esses efeitos podem refletir gurações de mão mais complexas. Uma pos- não apenas diferentes níveis de desempenho sível explicação oferecida para esse padrão é gramatical (para crianças sinalizantes e falan- que a coordenação motora fina (fine motor tes), como também diferentes competências. control) necessária para configuração de mão É difícil precisar o ponto em que o de- desenvolve-se mais tarde do que a coordena- senvolvimento da habilidade da criança para Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas ção motora grossa (gross motor control) ne- produzir sinais reflete diferenças de desem- cessária para localização (Cheek et al., 2001; penho e competência, mas há alguns casos 195 Diane Lillo-Martin

para os quais uma explicação com base no as- lizados para testar os modelos. Esse é um pecto articulatório/perceptual provavelmente princípio da pesquisa em línguas faladas, as- não se sustenta. Por exemplo, Conlin et al. sim como da pesquisa em línguas de sinais, (2000) e Marentette & Mayberry (2000) su- embora tal princípio tenha sido aplicado so- gerem que alguns erros de localização não mente à pesquisa em línguas de sinais, em são consistentes com uma explicação moto- época relativamente recente. Discutirei aqui ra; mas, ao invés disso, afirmam que a crian- dois exemplos, sendo que o primeiro apenas ça não representou corretamente o valor de brevemente. localização de certos sinais. Essa sugestão re- Conlin et al. (2000) afirmam que “Es- força o comentário de Meier que conhecer os tudos do desenvolvimento dos sinais ini- aspectos articulatórios ajuda a identificar os ciais ... podem nos ajudar a decidir entre os aspectos do desenvolvimento que necessitam modelos concorrentes da linguagem adul- de explicações alternativas. ta” (p. 52)5. Por exemplo, eles sugerem que Esses exemplos enfatizam a dependência os sinais iniciais das crianças podem ajudar de modalidade das explicações propostas para na determinação de sinais canônicos. Há o desenvolvimento fonológico. Entretanto, tempos já se admite que as configurações de deve-se apontar que os fatores articulatórios mão que ocorrem mais cedo são também as podem, também, explicar alguns aspectos formas ‘não-marcadas’ na linguagem adul- do desenvolvimento fonológico inicial, nas ta (Battison, 1978); portanto essa afirmação línguas faladas (por exemplo, MacNeilage & já foi parcialmente comprovada. Os autores Davis, 1990). Assim, os efeitos de ‘modalida- também esperam que a análise da sinaliza- de’ estão presentes em ambas as modalidades ção de crianças possa ajudar na avaliação de e, nesse sentido, atentar-se para a modalidade modelos da gramática adulta, especialmente é não apenas uma forma de se explicar como quando certos modelos são mais capazes de o desenvolvimento de línguas de sinais e o capturar generalizações a respeito das pro- desenvolvimento de línguas faladas são dife- duções de crianças. Karnopp (2002) assume rentes, mas, também, como são semelhantes. essa abordagem em sua investigação sobre o desenvolvimento da fonologia na Língua de Sinais Brasileira. Ela adota o Modelo de De- 3(a). Utilização de dados de pendência de Van der Hulst (1993) e seus re- aquisição de línguas de sinais sultados mostram que este modelo possibilita para fornecer informações sobre a fazer importantes previsões sobre a aquisição gramática de línguas de sinais da fonologia de sinais que emergiram dos da- dos analisados por ela, a partir da observação Quando modelos gramaticais concorrentes de uma criança surda sinalizante. Ela conclui fazem previsões diferentes sobre o processo que os dados de aquisição de língua de sinais de aquisição, dados relativos ao desenvolvi- que ela analisou oferecem um sólido embasa- mento (developmental data) podem ser uti- mento para o modelo teórico utilizado. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 5 “Estudos sobre o desenvolvimento inicial de sinais podem nos ajudar a decidir entre modelos concorrentes da 196 linguagem adulta” Estudos de aquisição de línguas de sinais: passado, presente e futuro

Um segundo exemplo vem da área da Segundo um tipo de análise gramatical, sintaxe. Lillo-Martin & Quadros (2005; 2006) a duplicação e a construção final estão rela- afirmam que a aquisição de tópico, foco e cionadas. As duas construções são utilizadas perguntas QU- em ASL e LSB ajudam a reve- para enfatizar o foco (for emphatic focus) e, lar as análises corretas dessas estruturas. Co- segundo essas teorias, ambas apresentam meçaremos com alguns exemplos. derivações relacionadas (Nunes & Quadros, Nas duas línguas (ASL e LSB), certos si- 2006, 2007; Petronio, 1993; Wilbur, 1997). nais podem aparecer duas vezes na sentença, Entretanto, existe um outro tipo de foco, uma vez em sua posição habitual e uma vez conhecido como foco de nova informação no final da sentença, para enfatizar aquele (new information focus) (abreviado como “I- sinal. Essas construções são geralmente de- focus”). Diferentemente do foco enfático, o nominadas ‘duplicação’ (doubling). Damos foco de nova informação posiciona o mate- alguns exemplos em (1) (os exemplos nesta rial focalizado na posição inicial da senten- sessão são extraídos de Lillo-Martin & Qua- ça (Lillo-Martin & Quadros, 2007; Neidle, dros 2007). 2002). O foco de nova informação é utilizado, por exemplo, no contexto de resposta a uma (1) a. JOHN CAN READ CAN [John sa- pergunta, como no exemplo (3). A ordem de ber ler saber] palavras não-marcada (SVO) também é per- ‘John really CAN read.’ [John real- mitida nesses contextos. mente SABER ler] b. MARY FINISH GO SPAIN FINISH (3) S1: O QUE VOCÊ LER? (WHAT YOU [Mary terminar de ir Espanha terminar] READ?) ‘Mary ALREADY went to Brazil.’ ‘O que você leu?’ (‘What did you [Mary JÁ foi para o Brasil] read?’) c. I LOSE BOOK LOSE [EU PERDER I-foco LIVRO PERDER] S2: LIVRO STOKOE EU LER (BOOK ‘I did LOSE the book indeed.’ [Eu STOKOE I READ) realmente PERDI o livro de verdade] S2: EU LER LIVRO STOKOE (I READ BOOK STOKOE) Também nas duas línguas, a mesma ca- ‘Eu li o livro do Stokoe’. (‘I read Sto- tegoria de sinais que pode ocorrer nas cons- koe’s book.’) truções duplicadas, pode ocorrer, também, apenas em posição final na sentença. Essas De acordo com a proposta de Lillo- sentenças podem ser nomeadas ‘construções Martin & Quadros, o I-focus é derivado finais. Veja os exemplos em (2). sintaticamente por meio de um mecanismo completamente diferente daquele do foco (2) a. JOÃO LER SABE (JOHN READ enfático. Elas previram que se suas análises CAN) estivessem corretas, as crianças iriam adqui- b. MARIA IR ESPANHA TERMINA rir, simultaneamente, as construções finais (MARY GO SPAIN FINISH) e a duplicação, já que as duas são exemplos em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas c. EU LIVRO PERDER (I BOOK LOSE ) de foco enfático, mas essas construções po- 197 Diane Lillo-Martin

dem ser adquiridas independentemente do construções finais em ASL e LSB e refutam I-focus, pois seu processo de derivação é di- as análises que dão origens distintas a essas ferente. construções. Lillo-Martin & Quadros (2005) testaram Esses dois exemplos demonstram áreas sua previsão observando os dados de produ- nas quais dados gerados a partir de aquisição ção longitudinal espontânea de duas crianças de línguas de sinais podem afetar questões surdas que adquiriam a ASL como língua teóricas de análises gramaticais. Tanto para materna (Aby e Sal) e de duas crianças sur- as línguas sinalizadas como para as línguas das que adquiriam LSB como língua materna faladas, há muitos casos em que propostas te- (Ana e Leo). óricas diferentes, obviamente, não fazem di- As quatro crianças são filhas de pais ferentes previsões para a aquisição. Sendo as- surdos e sinalizantes. As crianças foram fil- sim, os dados de aquisição podem não afetar madas com regularidade, desde um período tais questões. Entretanto, outros casos levam anterior à idade de 2 anos. Suas enunciações à expectativa de ordem, de tal forma a ser foram examinadas para determinar quando possível esperar que os fenômenos que estão começaram a utilizar, produtivamente, o I- relacionados na gramática adulta possam ser focus, a duplicação e as construções finais. adquiridos simultaneamente; ou que os fenô- Os resultados desse estudo estão sintetizados menos que são separados, sejam adquiridos na Tabela 1. separadamente. Em alguns casos, é possível fazer previsões de ordenação específicas, por exemplo, quando uma construção especifica Tabela 1 apresenta outras, como pré-requisitos (para Síntese dos resultados - Lillo-Martin & Quadros (2005) discussão de exemplos, ver Snyder & Lillo- Idade de aquisição de cada estrutura Martin, no prelo). Nesses casos, os dados de aquisição da linguagem fornecem importante confirmação – ou disconfirmação – de supo- Criança I-focus Duplicação Posição Final sições teóricas. Aby 1;9 *** 2;1 2;0

Sal 1;7 *** 1;9 1;9 3(b). Utilização da gramática de línguas

Ana 1;6 ** 2;0 2;1 de sinais para fornecer informações sobre a aquisição de línguas de sinais Leo 1;10 *** 2;1 2;2

** p < .005 *** p < .001 A categoria 3A examina as maneiras como os estudos de aquisição podem fornecer infor- É evidente que as crianças adquiriram mações para os estudos gramaticais. A pre- simultaneamente a duplicação e a constru- sente categoria de estudos segue em direção ção final; porém, essas duas construções contrária, utilizando novos avanços gramati- foram adquiridas depois do I-focus (o que cais para fornecer informações aos estudos de é altamente significativo para a Probabili- aquisição. Essas duas categorias estão intima- mente ligadas, já que ambas demonstram a

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas dade do Binômio Exato). Pode-se dizer que os resultados obtidos confirmam as análises estreita relação entre os estudos de aquisição 198 teóricas que relacionam a duplicação e as e a teoria lingüística. De fato há, freqüente- Estudos de aquisição de línguas de sinais: passado, presente e futuro mente, um efeito espiral tal que os dois cam- ‘As bonecas estão chorando.’ (‘The pos se beneficiam e se influenciam reciproca- dolls are crying.’) mente, no mesmo domínio. Um exemplo dessa categoria provém Coerts (2000), então, re-analisou os da pesquisa sobre o desenvolvimento de or- dados de crianças, estudados anteriormen- dem de palavras por crianças. Coerts & Mills te por Coerts & Mills. Primeiro, ficou evi- (1994) dedicaram-se a um estudo sobre o dente que as crianças sabiam que a SLN desenvolvimento da ordem de palavras (su- permitia o uso de sujeitos nulos, pois elas jeito – objeto – verbo) na Língua de Sinais utilizavam o sujeito nulo apropriadamente da Holanda (SLN), em duas crianças surdas e freqüentemente. Utilizou um critério rí- sinalizantes, com idade entre 1,5 e 2,5 anos. gido para o processo de aquisição do SPC: Os resultados de seu estudo mostraram que as a criança deveria utilizar um pronome na crianças demonstraram um alto grau de varia- posição final de uma frase com um sujeito bilidade em sua ordenação de sujeitos e ver- explícito, para mostrar que havia adquirido bos. Essa variabilidade na aquisição da ordem o SPC. Depois que as crianças demonstra- de palavras foi intrigante e permaneceu sem ram ter adquirido o SPC, por volta dos dois uma explicação completa, no trabalho inicial. anos de idade, toda ocorrência posterior da Então, Bos (1995) identificou na SLN um ordem verbo – sujeito, em que o sujeito processo conhecido como Cópia do Prono- após o verbo é um pronome – foi conside- me do Sujeito (Subject Pronoun Copy - SPC) rada um caso de SPC. (cf. Padden, 1988). De acordo com o SPC, o Utilizando essa re-análise, Coerts desco- sujeito de uma frase pode ser repetido como briu que a maioria dos exemplos prévios de um pronome na posição final da frase, con- ordem de palavras que se mantinham ‘sem forme exposto em (4)a. Contudo, também explicação’ era, na verdade, explicável e que a é possível que o sujeito na posição inicial da aquisição da ordem de palavras por crianças sentença esteja ausente (esse é um processo estava de acordo com as expectativas. Coerts geral encontrado na SLN e também em ou- conclui que: tras línguas de sinais). Quando o sujeito na posição inicial da frase não é expresso, mas o o conhecimento da linguagem adulta con- pronome na posição final da frase está presen- duz a escolha dos procedimentos de análise te, a ordem superficial é verbo - sujeito, como a serem utilizados para os dados de aquisição em (4)b (exemplos extraídos de Coerts 2000). ... um procedimento de análise que leva em conta a cópia do pronome do sujeito resulta

(4) a. INDICADORbeppie FILME INDICADOR- em um quadro mais claro a respeito da aqui-

beppie (INDEXbeppie FILM INDEXbeppie) sição da posição do sujeito e do verbo na sen- ‘Beppie está filmando’ (‘Beppie is fil- tença (Coerts 2000)6. ming’.) b. CHORAR INDICADORbonecas (CRY Um projeto desenvolvido por Chen

INDEXdolls) Pichler (2001a; 2001b) chegou a resultados Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 6 “O conhecimento das línguas adultas direciona a escolha de procedimentos de análise utilizados para os dados de aquisição… um procedimento de análise que leva em consideração cópia do pronome sujeito resulta em uma 199 descrição muito mais clara em relação à aquisição da posição do sujeito e verbo”. Diane Lillo-Martin

semelhantes relacionados à ASL. Seu estu- quando se estuda o desenvolvimento lingüís- do vai além da consideração isolada da SPC tico. O objetivo de se estudar a aquisição de e inclui outras ocorrências de mudanças da linguagem é compreender como as crianças ordem das palavras, permitidas na gramática se tornam semelhantes aos adultos, em ter- adulta. Apesar de existirem argumentos ante- mos de seu conhecimento da língua. Quan- riores quanto ao fato de as crianças seguirem do as crianças diferem dos adultos, é preciso estritamente a ordem de palavras básica SVO buscar uma explicação para essa diferença. utilizada pelos adultos, Schick (2002) não en- Porém, algumas vezes, ao analisarem o de- controu evidências dessa estratégia em crian- senvolvimento da criança, pesquisadores não ças com dois anos de idade, concluindo que, levam em conta os avanços no estudo da gra- na verdade, a ordem de palavras das crian- mática adulta. A descrição da linguagem a que ças era ‘aleatória’. Chen Pichler utilizou uma as crianças estão expostas e da qual elas serão abordagem semelhante à de Coert e determi- usuárias muda à medida que pesquisadores nou quando o uso da ordem verbo – sujeito coletam mais dados e formam hipóteses que por crianças poderia ser considerado um caso apontam em novas direções para futuras pes- de SPC e quando a utilização da ordem objeto quisas. Pesquisadores da aquisição de língua – verbo poderia ser considerada proveniente podem frustrar-se com esse alvo móvel, mas de operações de mudança da ordem de pa- eles também podem se beneficiar disso, em lavras, similares à de adultos (por exemplo, termos de análises melhoradas e sugestão de mudança do objeto). hipóteses próprias. Chen Pichler estabeleceu critérios cla- ros para considerar enunciações como mu- danças de ordem permitidas (legal order 4. Utilização de dados da aquisição changes). Por exemplo, os sujeitos que apa- de língua de sinais para fornecer recem após os verbos (post-verbal subjects) informações sobre teorias de devem ser pronomes, para serem conside- aquisição da linguagem rados SPC; objetos que aparecem antes do verbo (pre-verbal objects) que ocorrem com Na seção anterior, consideramos teorias da verbos marcados para aspecto, localização gramática adulta e sua relação com a pesqui- espacial, ou classificadores manuais foram sa na aquisição da linguagem. Nesta seção, considerados exemplos de mudança do ob- descrevemos teorias do processo de aquisi- jeto. Utilizando esses critérios, Chen Pichler ção. É possível testar teorias alternativas a descobriu que a maneira como as crianças respeito de como a linguagem se desenvolve usam a ordem das palavras demonstra con- e refinar a pesquisa, utilizando-se dados de formidade regular com as opções gramati- aquisição de línguas de sinais coletados em cais, em fase muito anterior ao que antes se tempo-real, da mesma forma como se testa imaginava. Dessa forma, a consideração de teorias utilizando-se dados gerados a partir tais avanços nas análises sintáticas nos leva de línguas faladas. Essas são teorias mais ge- a pesquisas mais confiáveis nos estudos de rais sobre aquisição da linguagem, não espe- aquisição. cíficas às línguas de sinais (e, em geral, não Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Os dois exemplos ilustram a importân- desenvolvidas com base em dados de línguas 200 cia de se considerar a gramática adulta alvo, de sinais). Estudos de aquisição de línguas de sinais: passado, presente e futuro

Consideremos a Hipótese da Ilha Verbal demonstraram padrões de ordem consistentes (Verb Island Hypothesis) de Tomasello (1992), com alguns verbos. Entretanto, ela descobriu como exemplo. De acordo com esse modelo que, em muitos casos, a ordem das palavras era de desenvolvimento lingüístico (geral), as muito variada, até mesmo para verbos indivi- crianças passam por um período em que “os duais. Isso, aparentemente, não mostra nem verbos são ‘ilhas’ individuais de organização ilhas verbais, onde verbos individuais com- em um sistema gramatical que seria, sem sua portam-se de forma semelhante, nem fornece presença, um sistema não-organizado” (cf. evidências de regras de ordem de palavras, que sintetizado por Schick 2002)7. O modelo pre- se aplicariam a todos os diferentes verbos. vê que alguns padrões (como ordem das pa- Nesse contexto, podemos retomar os resul- lavras ou flexões) irão ocorrer com verbos in- tados de Coerts (2000) e Chen Pichler (2001), dividuais, embora não haja evidências de que relatados na seção 3B. Esses autores relataram o uma classe gramatical inteira se comporta da uso sistemático da ordem de palavras por crian- mesma maneira. Esse período inicial das ilhas ças sinalizantes bem jovens, quando alterações verbais teria início quando as crianças estão gramaticais possibilitadas pela gramática adulta começando a usar combinações de duas pa- também são consideradas. De acordo com esses lavras, mas só se percebem generalizações em resultados, a sinalização infantil não é nem alea- sua produção alguns meses depois (digamos, tória e nem organizada em ilhas verbais especí- por volta dos dois anos, para a maioria das ficas. Ao invés disso, as regras que caracterizam crianças). a gramática adulta são também encontradas Sustentando essa proposta, Morgan & nesse domínio da linguagem infantil. Resta sa- Woll (2002) concluem: “não encontramos ber se os dados analisados por Morgan & Woll evidências para a exploração da criança de um (BSL) e por Schick (ASL) possibilitam que se conjunto abstrato de estruturas verbais antes da chegue às mesmas conclusões. idade de 3,2 anos. A criança parecia construir Outro exemplo parte do estudo de Reilly estrutura de argumento (argument structure) a sobre o desenvolvimento da marcação não- cada vez, com cada novo verbo e esses verbos manual (cf. sintetizado em Reilly, 2006). eram, individualmente, atrelados à sua função Reilly e seus colegas têm se interessado pelo comunicativa.”8 Somente mais tarde, os autores desenvolvimento infantil do uso da marcação argumentam que as crianças constroem regras lingüística não-manual, em oposição às ex- que são válidas para múltiplos verbos. pressões faciais afetivas e comunicativas fre- Schick (2002) também examinou a hipó- qüentemente muito parecidas. Reilly vê esse tese da ilha verbal em seu estudo sobre as pri- projeto como, em parte, um teste da questão meiras combinações de sinal. Ela encontrou referente ao “grau em que a linguagem é uma apenas evidências limitadas para confirmar função inata, específica, cognitiva e indepen- a hipótese: algumas crianças que ela analisou dente”9, uma vez que avalia a separabilidade

7 “Verbos são ilhas individuais de organização em um sistema gramatical contrariamente desorganizado”. 8 “Não encontramos nenhuma evidência da exploração por parte da criança de um conjunto abstrato de quadros verbais antes de 3.2. A criança pareceu construir novamente estrutura argumentativa com cada novo verbo e em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas esses verbos estavam exclusivamente ligados a suas funções comunicativas”. 9 “o grau no qual a linguagem é uma função cognitiva, inerente, específica e independente” 201 Diane Lillo-Martin

da linguagem de outras funções cognitivas. Reilly e seus colegas descobriram que Ela sugere que uma abordagem à aquisição crianças surdas que adquirem línguas de si- da linguagem segundo a qual a linguagem é nais, assim como crianças ouvintes não-si- vista como um sistema cognitivo geral pode- nalizantes, produzem movimentos da cabe- ria prever que crianças colocariam pronta- ça negativos comunicativos por volta dos 12 mente suas habilidades pré-lingüísticas afe- meses de idade. Os primeiros sinais de nega- tivas e comunicativas a serviço das funções ção, NÃO (NO) e NÃO-QUERO (DON’T- lingüísticas e que, portanto, elas adquiririam WANT), emergem entre 18-20 meses, segui- a marcação não-manual juntamente com dos por outros sinais negativos até a idade de seus componentes manuais coincidentes (co- 3,6 meses. Para sete dos oito sinais de negação occurring manual components). Por outro investigados, Reilly descobriu que o sinal ma- lado, “as crianças lidariam com cada estrutu- nual aparece primeiro sem a co-ocorrência do ra lingüística e sua morfologia novamente”10 movimento de cabeça exigido. Diversos me- em uma abordagem mais modular. ses depois, o movimento da cabeça negativo Essa questão é claramente discutida com é utilizado juntamente com os sinais de ne- os dados do desenvolvimento da marcação gação. Essa separação ocorreu apesar do fato não-manual da negação. A marcação não- de o movimento negativo de cabeça ter sido manual negativa utilizada na ASL adulta é usado pré-lingüisticamente por essas crian- essencialmente similar ao movimento da ças, para significar, essencialmente, a mesma cabeça negativo usado comunicativamente coisa. Reilly conclui que as crianças conside- por crianças bem jovens, expostas ou não à ram o movimento da cabeça negativo, como é língua de sinais. A negação pode ser expressa usado na ASL, como um elemento lingüístico na ASL adulta por um sinal negativo co-ocor- que deve ser analisado independentemente. rendo com o movimento da cabeça negativo, Isso não seria previsto pela teoria lingüística ou mesmo isoladamente, pelo movimento como um sistema cognitivo geral, mas ape- da cabeça negativo, conforme mostram os nas pela abordagem modular. exemplos em (5) (extraídos de Reilly 2006). As duas teorias discutidas nesta seção – a hipótese da ilha verbal e a modularidade da t neg língua em relação a outros sistemas cognitivos (5) a. LIVRO LER EU NÃO POSSO – podem ser futuramente testadas utilizan- (BOOK READ ME CAN’T) do-se dados da aquisição da língua de sinais, ‘Eu não posso ler o livro’. 9 ‘I can’t assim como outras teorias de desenvolvimen- read the book.’) to lingüístico. Em alguns casos, as línguas de neg sinais fornecem uma nova forma de dados b. EU COMER SORVETE (ME EAT que seria inacessível apenas por meio de estu- ICE-CREAM) dos de línguas faladas. O estudo da marcação ‘Eu não como sorvete’. (‘I don’t eat ice não-manual negativa é um desses casos. Em cream.’) outros casos, as línguas de sinais fornecem a Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

202 10 “as crianças lidariam com cada estrutura lingüística e sua morfologia novamente”. Estudos de aquisição de línguas de sinais: passado, presente e futuro necessária amplitude e diversidade de línguas de 95% das crianças surdas possuem pais ou- que podem ter implicações para a discussão vintes (Mitchell & Karchmer, 2004), não é de de uma questão teórica. se admirar que a grande maioria não esteja exposta à língua de sinais desde o nascimen- 5. Utilização de dados de aquisição to. Ocasionalmente, os pais decidem educar da língua de sinais para fornecer seus filhos oralmente (sem utilizar língua de informações sobre a natureza da sinais); algumas dessas crianças são, poste- linguagem riormente, expostas à língua de sinais, após terem aprendido apenas uma porção da lín- O estudo das línguas de sinais e comunidades gua falada (geralmente não o suficiente para surdas pode fornecer informações sobre o de- comunicar-se efetivamente). Em outros ca- senvolvimento lingüístico em circunstâncias sos, as crianças têm contato tardio com a extremas que não são encontradas em outro língua de sinais simplesmente porque os re- lugar. Essa é uma contribuição única à nossa cursos necessários para expor a criança a essa compreensão da natureza da linguagem e dos língua, mais cedo, não estavam disponíveis mecanismos que possibilitam a aquisição da à sua família. Por várias razões, as crianças linguagem. Pesquisadores que estudam essas podem ser expostas à língua de sinais ape- circunstâncias possuem um papel muito espe- nas depois dos dois, cinco ou doze anos de cial no avanço do conhecimento científico. idade. Não se entende muito bem como essa Alguns exemplos dessas contribuições exposição lingüística tardia afeta o desenvol- provêem de estudos de línguas de sinais re- vimento lingüístico, porém, fica evidente que cém desenvolvidas, aprendizes tardios da lín- os efeitos existem. gua de sinais como L1, aprendizes com input Morford & Mayberry (2000) apresentam prejudicado, aprendizes de sistema de sinais um panorama de alguns efeitos investigados inventados, sinalizantes caseiros, etc. Esses sobre o input tardio na aquisição e processa- estudos nos informam sobre a amplitude de mento da (primeira) língua. A maioria dessas possíveis línguas, a trajetória e as proprieda- pesquisas foi conduzida com adultos que fo- des da emergência da língua, as propriedades ram expostos à língua de sinais em diferentes ‘resilientes’ da língua que aparecem na au- períodos. Ao estudar adultos que após anos sência de evidência, efeitos do período crítico de experiência tornaram o uso da língua de na aquisição da linguagem, como o aprendiz sinais uma habilidade bastante praticada e modifica o input recebido, etc. A amplitude conhecida, pesquisadores investigaram o re- de resultados a partir dessas pesquisas é tão sultado do processo de seu desenvolvimento grande e importante que não há como men- lingüístico. cionar todos, aqui, detalhadamente. Entretan- De modo geral, as pesquisas com adultos to, darei um exemplo para aguçar o apetite do que tiveram seu primeiro contato com a ASL leitor; para uma refeição completa, por favor, com idade aproximada entre 4 – 16 anos, consulte os trabalhos originais na área. comparados a sinalizantes nativos (aqueles Aprendizes tardios da primeira língua com contato desde o nascimento), apresen- são praticamente inexistentes em comunida- taram, consistentemente, diferenças relata- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas des de língua falada, o que não é o caso em das tanto nos testes de produção, como nos comunidades sinalizantes. Um vez que cerca de compreensão. Além disso, pesquisas que 203 Diane Lillo-Martin

observam o processamento lingüístico tam- jovens têm a habilidade de detectar padrões bém encontraram diferenças entre grupos do tamanho ideal para o desenvolvimen- com idades diferentes de exposição à língua. to de morfologia complexa, enquanto que O grau de um efeito não é uniforme nos dife- as capacidades cognitivas mais importantes rentes estudos. Por exemplo, Newport (1990) de crianças mais velhas ou adultos interfe- descobriu que aprendizes tardios (com expo- rem, de fato, nesse tipo de análise, levando, sição após os 12 anos) tiveram uma pontua- portanto, às diferenças na performance em ção mais baixa do que aprendizes ‘mais jo- testes sintáticos versus testes morfológicos vens’ (exposição entre 4 e 6 anos), que por observados. sua vez pontuaram menos do que sinalizantes Uma hipótese alternativa é proposta por nativos, em testes de morfologia, produção Morford & Mayberry (2000), que enfatizam e compreensão em ASL. Entretanto, os três as diferenças nas habilidades de processa- grupos não apresentaram diferença em um mento fonológico de nativos ou aprendizes teste de ordem básica de palavras. De forma jovens versus aprendizes tardios e sugerem semelhante, Emmorey et al. (1995) descobri- que o que falta aos aprendizes tardios é o que ram que sinalizantes tardios eram diferentes é aprendido por aqueles com exposição à lín- de sinalizantes nativos em um estudo de pro- gua nativa (native exposure) no primeiro ano cessamento em linha (on-line processing) de de vida. Particularmente, grande parte de de- concordância verbal, mas não na marcação senvolvimento fonológico acontece durante de aspecto. esse período e estudos comprovam a sensibi- Mayberry et al. (2002) expandiram seus lidade dos bebês às informações fonológicas resultados comparando aprendizes de ASL desde a mais tenra idade. O que Morford & como L1 com aprendizes tardios de ASL Mayberry propõem é que “a verdadeira van- como L2: adultos que ensurdeceram tardia- tagem da exposição mais cedo à língua é o mente que foram expostos à língua de sinais desenvolvimento do sistema fonológico antes ao mesmo tempo em que os aprendizes tar- do desenvolvimento dos sistemas semântico- dios de L1 (9-13). lexicais e morfo-sintáticos”11. Problemas de Os efeitos do contato tardio foram mais processamento fonológico podem apresentar evidentes nos aprendizes tardios de L1; os um efeito ‘cascata’ em outros níveis de pro- aprendizes tardios de L2 tiveram desempe- cessamento lingüístico, aparecendo em várias nho mais próximo àquele dos nativos. áreas de efeitos de atraso na aquisição da lin- Esses resultados reforçam a idéia de que guagem (language delay). o contato mais cedo com a língua é crucial A hipótese de Morford & Mayberry deve para sua aquisição normal. Mas qual(quais) ser testada em outros estudos sobre efeitos fator(es) será(ão) o(s) mais afetado(s) pelo do input lingüístico tardio. Uma questão im- input tardio enquanto outros fatores são re- portante é saber se a hipótese do déficit de lativamente poupados desse efeito? Newport processamento fonológico pode explicar to- (1990) levanta a hipótese que crianças bem talmente as áreas de diminuição da capacida- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 11 “A vantagem real da exposição precoce à língua é o desenvolvimento do sistema fonológico antes do desenvol- 204 vimento dos sistemas léxico-semânticos e morfo-sintáticos”. Estudos de aquisição de línguas de sinais: passado, presente e futuro de e as áreas de preservação, encontradas em outra categoria específica. Uma área de pes- aprendizes tardios. Existem também diferen- quisa que evidentemente tangencia todos os ças especificamente gramaticais entre apren- temas é a aquisição da concordância verbal, dizes precoces e tardios? Algumas evidências que tem sido o foco de atenção por mais de de tais diferenças foram fornecidas por um vinte anos. estudo de duas crianças cuja exposição à ASL Meier (1982) examinou a aquisição da teve início aos seis anos de idade. Os resulta- concordância verbal em ASL, comparando- dos desse estudo (Berk, 2003) mostram que a com a aquisição da morfologia verbal em os aprendizes tardios são especialmente afe- línguas faladas. Ele colocou a questão de a tados em sua produção de concordância pes- concordância ser ou não adquirida de for- soal, nos verbos em ASL. Outras morfologias ma diferente nas duas modalidades, já que a verbais, indicando concordância de lugar, concordância em línguas de sinais pode ser não são afetadas, embora a forma dessa con- considerada icônica (por exemplo, a concor- cordância seja muito parecida com a de mar- dância do verbo EU TE DOU (I GIVE YOU) cação pessoal. Parece haver uma implicação pode parecer uma mímica da ação de “dar”). de déficit especificamente gramatical (possi- O autor argumenta que a concordância em velmente, além das dificuldades no processa- língua de sinais é adquirida de forma seme- mento fonológico). lhante à concordância verbal complexa e não O estudo sobre aprendizes tardios tem marcada em algumas línguas faladas. Espe- muito a oferecer às teorias da linguagem e cificamente, ele descobriu que a concordân- desenvolvimento lingüístico. Os efeitos do cia só é dominada por volta dos 3 anos (não input tardio não devem ser aleatórios ou ge- antes, devido à iconicidade aparente). Esse rais, mas devem incidir sobre as brechas que domínio é definido como uso correto em a gramática disponibiliza. As teorias que bus- contextos obrigatórios, uma consideração cam explicar porque as crianças são melhores importante, já que nem todos os verbos ad- aprendizes de língua do que adultos precisam mitem concordância. fazer referência aos aspectos cruciais do meca- Por outro lado, Morgan et al. (2006) nismo do aprendizado de língua. Tais teorias argumentam que os aspectos ‘espaciais’ de têm poucos dados para ir além do domínio concordância verbal em línguas de sinais se da aquisição da L1 em crianças surdas, já que comportam de maneira diferente das línguas a aprendizagem da L2 parece apresentar limi- faladas. Além disso, eles alegam que fatores tações e conseqüências diferentes. Portanto, tipológicos e de modalidade explicam os torna-se evidente a necessidade de pesquisas padrões desenvolvimentais na aquisição da nessa área. Língua de Sinais Britânica (BSL). Eles argu- mentam que a morfologia verbal em línguas de sinais possui um alto grau de simultanei- 6. Pesquisa com temas inter-cruzados dade, o que torna a segmentação difícil para a criança jovem. Esse fato contribui para a Muitas áreas na pesquisa de aquisição de lín- aquisição relativamente tardia observada em guas de sinais tangenciam mais de um dos te- uma das crianças surdas que utilizou a con- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas mas acima, embora tenha sido possível ‘for- cordância produtivamente, por volta de 3 çar’ alguns estudos a se encaixar em uma ou anos de idade. 205 Diane Lillo-Martin

Contudo, mudanças na classificação de analisada em aprendizes tardios e aparenta ser verbos em verbos que exigem ou não con- uma área de problemas especiais. Aprendizes cordância e diferentes propostas acerca de tardios adultos (Newport 1990) e crianças como a concordância verbal deveria ser ana- com exposição tardia (Berk 2003) apresenta- lisada, levaram a uma visão diferente da na- ram erros na morfologia verbal e demonstra- tureza das primeiras concordâncias verbais. ram ter dificuldades de processamento nesse Casey (2003) observou os primeiros usos de domínio (Emmorey et. al. 1995). A concor- concordância verbal em um grupo de crian- dância verbal também é alvo de interesse na ças em processo de aquisição da ASL, embo- pesquisa de línguas emergentes (Aronoff, Pa- ra tenha identificado erros de omissão em dden, Meir, & Sandler, 2004; Senghas, 2000). contextos obrigatórios até os 3 anos, mesmo Esse campo de pesquisa tem sido extre- com a incorporação de novas idéias sobre a mamente produtivo, com questões e preocu- classificação verbal. Quadros & Lillo-Martin pações que vão além daquelas aqui mencio- (2007) utilizaram avanços recentes na análise nadas. Ver também Meier (2002), para uma da morfologia da concordância verbal para revisão crítica de muitas dessas observações. identificar contextos de uso obrigatório e observaram que erros de omissão são extre- mamente raros, em duas crianças adquirin- 7. O futuro da pesquisa em aquisição do ASL e duas adquirindo LSB. Esses estudos de línguas de sinais atualmente estão trabalhando nas duas dire- ções, uma vez que Quadros & Lillo-Martin Como será o futuro da pesquisa em aquisi- (em preparação) mostram que os dados de ção de línguas de sinais? Um destino possí- aquisição ajudam a identificar contextos adi- vel pode ser aquele em que os estudos em cionais de opcionalidade que são confirma- aquisição de línguas de sinais desaparecem, dos nos estudos com sinalizantes adultos. devido à falta de interesse; outro destino se- Em relação ao quarto tema, os estudos da ria pesquisa conduzida apenas por uns pou- aquisição da concordância verbal foram de- cos pesquisadores isolados. Nossa esperança, senvolvidos para discutir várias questões te- entretanto, é que esses estudos se ampliem óricas. Por exemplo, Morgan & Woll (2002) e que cada vez mais pesquisas dirigidas por discutem as várias abordagens ao problema hipóteses (hypothesis-driven research) sejam do ‘mapeamento’, isto é, como as crianças conduzidas nesse domínio. É importante que aprendem a ‘mapear’ várias representações mais pesquisadores surdos se envolvam nes- conceituais conhecidas em estruturas lingü- sa área de estudo, já que seus conhecimentos ísticas que elas estão adquirindo. Os teóricos da língua e de seu contexto são incomensu- utilizam a aquisição da concordância verbal ráveis. Isso significa que mais oportunidades como uma fonte de dados para analisar esse para treinamento e colaboração deveriam ser problema, concluindo que as crianças devem criadas e incentivadas. desenvolver lentamente estruturas mais com- Esperamos que pesquisas futuras tam- plexas (por exemplo, aquelas com um grande bém aumentem as conexões com as questões número de posições de argumento), depois relativas à aquisição de línguas faladas. As Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas de iniciar com as mais simples. teorias da linguagem e de aquisição da lin- 206 Finalmente, a concordância verbal foi guagem devem incorporar dados em língua Estudos de aquisição de línguas de sinais: passado, presente e futuro de sinais, para que a pesquisa em línguas de drecht: Kluwer Academic Publishers, 2004, pp. sinais se informe e se beneficie dos estudos 19-40. das línguas faladas. Incentivamos, também, BATTISON, R. Lexical borrowing in American Sign estudos com uma variedade maior de po- Language. Silver Spring: Linstok Press, 1978. pulação - por exemplo, comparações entre BERK, S. Sensitive Period Effects on the Ac- línguas de sinais, estudos dos efeitos das di- quisition of Language: A Study of Language ferenças de qualidade e tempo de input, etc. Development. Unpublished Ph.D. Dissertation, Todos esses estudos têm muito a oferecer, University of Connecticut, Storrs, 2003. tanto em termos de sua contribuição à co- BOS, H. Pronoun copy in Sign Language of the munidade científica quanto em termos de Netherlands. In BOS, H.; SCHERMER, T. sua aplicabilidade. (Orgs.). Sign Language Research 1994: Proce- Por fim, todos esses anseios por pesqui- edings of the 4th European Congress on Sign sas futuras se baseiam na premissa de que as Language Research. Hamburg: Signum, 1995, crianças surdas continuam a ser expostas às p. 121-147. línguas de sinais e continuam a adquirir tais CASELLI, M. 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210 Modalidade e aquisição da língua: estratégias e restrições na aprendizagem dos primeiros sinais1,2

Richard P. Meier Departamento de Lingüística Universidade do Texas, em Austin

A língua de sinais e a língua falada parti- entenda a fala. Existe, tanto na fala, como nos lham muitas propriedades fundamentais. As sinais, uma variedade de articuladores. Mas, línguas de sinais e as línguas faladas apren- diferentemente dos articuladores orais, os deram vocabulários “convencionais”. As lín- articuladores manuais são emparelhados. O guas, nas duas modalidades, compartilham sinalizador deve coordenar a ação das duas a propriedade de ter palavras/sinais que são mãos. Essas propriedades articuladoras dife- constituídos de unidades fonológicas sem renciadas podem explicar, em parte, o moti- significado; conseqüentemente, a língua de vo pelo qual a fala tem uma capacidade limi- sinais e a língua falada exibem uma dualidade tada para iconicidade, enquanto os sinais têm de padronização. A língua de sinais e a língua uma capacidade muito maior para represen- falada compartilham de mecanismos para a tação icônica. Especificamente, o movimento construção de novos vocabulários através da dos braços em um espaço transparente pode composição e derivação morfológica. E elas permitir que as línguas de sinais representem exibem regras similares na combinação de as formas de objetos e as trajetórias dos mo- palavras ou sinais para formar sentenças. vimentos. A língua de sinais e a língua falada exibem A articulação diferenciada e as caracterís- também diferenças interessantes em relação à ticas perceptuais das modalidades gesto-visu- maneira como são produzidas e percebidas. al e oral-auditiva levantam a possibilidade de Enquanto os articuladores manuais movem- que as duas modalidades de línguas podem se em um espaço tridimensional transparen- apresentar restrições diferentes a aprendi- te, os articuladores da fala são invisíveis. Por zes, e podem oferecer estratégias diferentes esta razão, a leitura labial não provê infor- para os mesmos. A questão, então, para este mação suficiente para que uma criança surda artigo é: como a aprendizagem de palavras e

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Gisele Daiana Pereira. 2 Esta pesquisa foi financiada parcialmente por recursos da NSF #BCS-0447018 a Catharine H. Echols (PI) e a Ri- chard P. Meir (co-PI). Qualquer correspondência deve ser enviada a Richard P. Meier, Department of Linguistics, The University of Texas at Austin, 1 University Station B5100, Austin, TX 78712 USA ou a [email protected]. O autor agradece a Chris Moreland por servir de modelo na Figura 3 e Claude Mauk por preparar a fotografia. Richard P. Meier

sinais é afetada por tais limitações e estraté- deve aprender a desviar sua atenção do obje- gias diferentes? Discutirei três contextos de to para o sinal. aprendizagem dos primeiros sinais nos quais Uma questão na aquisição dos primeiros poderemos detectar os efeitos das restrições sinais é, portanto: como os pais sinalizantes específicas da modalidade sobre a criança e tornam os sinais visíveis para suas crianças? os efeitos das estratégias específicas da moda- De um modo geral, os pais sinalizantes se lidade disponibilizadas para a criança. Esses adaptam às demandas visuais dos filhos? Sur- três estudos examinam: 1) propriedades da preendentemente, a literatura sugere que uma sinalização direcionada à criança, 2) a intera- maneira de pais sinalizantes se adaptarem às ção da iconicidade e da produção dos sinais demandas visuais dos filhos é produzir um da criança, e 3) restrições motoras à produ- número menor de enunciados do que os pais ção dos sinais da criança. ouvintes produzem para suas crianças ouvin- tes. Por exemplo, Spencer e Harris (2006) re- lataram menor quantidade de input das mães 1. Sinalização Direcionada à Criança surdas para as crianças surdas do que das mães ouvintes para as crianças ouvintes. Por Considere o problema de como os sinais e quê? Spencer e Harris sugerem que “o índi- seus referentes são apresentados às crianças. ce mais baixo de comunicações sinalizadas Vamos considerar, especialmente, o proble- parece ser uma outra conseqüência natural ma da questão dos sinais dos objetos (subs- da sensibilidade das mães surdas ao padrão tantivos comuns). As palavras faladas e seus de atenção visual imaturo de seus filhos. As referentes são geralmente apresentados por mães quase nunca sinalizam quando sabem meio de modalidades sensoriais diferentes; que seus filhos pequenos não estão prestando as palavras são apresentadas de formas au- atenção...” (p. 81). Em outras palavras, mães díveis, coordenadas com os referentes per- surdas não sinalizam quando seus filhos não cebidos visualmente. A criança-falante pode estão olhando para elas. prestar atenção às palavras e a seus referen- Entretanto, apesar das possíveis dife- tes simultaneamente, sem desviar os olhos renças na quantidade de input disponível do referente. Em contrapartida, um sinal e para a criança, a língua de sinais e a língua seu referente estão geralmente disponíveis à falada são adquiridas em estágios de desen- criança através de um único canal sensorial volvimento muito similares (Newport & (visão). Na língua de sinais, os sinais e seus Meir, 1985). Crianças sinalizantes e falan- referentes devem competir pela atenção visu- tes apresentam estágios de desenvolvimen- al limitada da criança. As crianças geralmente to similares em idades equivalentes. Não há devem desviar seu olhar do referente para o evidências de atraso na aquisição de sinais, nome. Na aprendizagem das línguas faladas, em qualquer estágio do desenvolvimento as tentativas dos pais em redirecionar a aten- da criança sinalizante. Mesmo em caso de ção da criança a um novo referente não facili- pesquisas cujos resultados apontam para tam a aprendizagem da palavra (Tomasello & diferenças nos estágios de desenvolvimen- Farrar, 1986). Podemos nos perguntar se, em to da aquisição da fala e de sinais, as dife- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas comparação com a fala, a aprendizagem de renças colocam a aquisição da fala em des- 212 sinais é dificultada pelo fato de que a criança vantagem em relação à de sinais (Anderson Modalidade e aquisição da língua: estratégias e restrições na aprendizagem dos primeiros sinais

& Reilly, 2002). Especificamente, estudos Há muito a ser observado nesta breve in- que mantêm tal controvérsia têm afirma- teração: 1) Na primeira ocorrência de PATO do a existência de atraso na aquisição das (um sinal de uma mão articulado na boca, primeiras palavras (ver Meier & Newport, que sugere o abrir e fechar de um bico de 1990; e, para uma resposta crítica, ver Vol- pato), a mãe se inclinou de tal forma a en- terra & Iverson, 1995). Resumindo-se, ape- trar no campo visual de sua filha, para que sar das diferenças possíveis na quantidade ela visse como o sinal de PATO é articulado de input de sinais disponível para as crian- no rosto. Ela continuou inclinada durante ças sinalizantes, a aquisição de sinais tem se toda a interação 2). A primeira ocorrência de mostrado consistente, de forma semelhante PATO foi produzida com a mão esquerda, de à aquisição da fala. tal forma que a mãe pudesse manter a mão Portanto, talvez o que realmente impor- direita apontando a figura do pato. Assim, a te seja a qualidade – e não especificamen- mãe apontou e nomeou o referente, simulta- te a quantidade – do input. Neste sentido, a neamente. A primeira e a terceira ocorrências sinalização das mães surdas direcionadas às de PATO podem ter sido repetidas demasia- crianças pode ser cuidadosamente sintoniza- damente pela mãe; ambas tinham quatro ci- da às suas capacidades de atenção (Spencer clos de movimento, em contraste aos dois ou & Harris, 2006). Uma maneira de as mães se três ciclos tipicamente utilizados na sinaliza- adaptarem às capacidades atencionais dos fi- ção direcionada ao adulto. Ao repetir o sinal, lhos é alterar a forma de seus sinais para as- a mãe pode ter estendido sua duração para segurar que estes estejam dentro do campo que ele pudesse ser visto pela criança; apesar visual da criança. Ginger Pizer e eu (Pizer & de tudo, Katie não se virou para ver o sinal de Meier, neste volume) estivemos analisando a sua mãe até a próxima ocorrência de PATO; sinalização direcionada à criança utilizada por Durante esse episódio, por duas vezes Katie mães surdas na interação com filhos surdos. desviou sua atenção do livro para a mãe. Se Uma maneira de estas mães se adaptarem a ela não tivesse desviado o olhar, não teria vis- filhos surdos é inclinar-se até o campo visual to o nome sinalizado pela mãe. da criança. Por exemplo, Katie (13 meses de Ao inclinar-se em direção a sua filha, a idade) e sua mãe estavam olhando um livro mãe de Katie alterou sua produção de uma de gravuras; ambas sentadas no chão, a mãe à combinação de quatro sinais. Outras pro- esquerda de sua filha e um pouco atrás dela. priedades da sinalização direcionada à crian- A mãe de Katie inclinou-se sobre o nome da ça são mais seletivas ao afetar a articulação de figura de um pato, no livro que Katie estava sinais isolados. Por exemplo, em outra inte- observando: ração, Noel (17 meses de idade) estava senta- do no colo de sua mãe. Nesta conversa, a mãe Olhar da mãe: livro Katie livro Katie estava nomeando as cores de quatro blocos Postura da mãe: inclina-se que estavam dispostos no chão em frente a RH: Aponta (segurando o livro) elas. Os sinais das cores AZUL, AMARELO e PATO3x Aponta (no livro) PATO4x VERDE são articulados num espaço neutro; LH: PATO4X ver Figura 1. Conseqüentemente, a mãe pôde Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Olhar de Katie: Para o livro…..para a mãe….. facilmente sinalizar esses sinais na frente da para o livro……mãe criança e saber que eles seriam vistos comple- 213 Richard P. Meier

tamente por sua filha. Mas, e o sinal LARAN- amostras de crianças de 9, 13, 18, e 24 me- JA? Este sinal tem um movimento repetido de ses de idade. Dependendo da amostra, de 30 fechamento interno da mão que é articulado a 60% dos sinais das mães foram alterados, na boca. Se a mãe tivesse produzido esse sinal seja através da repetição do movimento do em sua própria boca, ele não teria sido visível sinal, do deslocamento do sinal no espaço, da para sua filha. Ao invés disso, ela produziu sinalização na própria criança, do prolonga- o sinal na boca de sua filha, assegurando-se, mento da duração do sinal, ou alargamento assim, que a criança recebesse informação vi- do movimento do sinal. Sinais modificados sual e táctil sobre a forma deste sinal. podem resultar das tentativas da mãe de ga- nhar a atenção visual de seu filho (Waxman & Spencer, 1997). Entretanto, estas modifica- ções podem aparecer algumas vezes quando a mãe já tem a atenção da criança, o que indica que estas propriedades do manhês sinalizado não são, exclusivamente, produtos da sensi- bilidade da mãe em relação à atenção visu- al da criança. Ao contrário, por exemplo, as mães às vezes repetem os sinais em situações nas quais elas estão tentando fazer com que a criança imite seus sinais. As propriedades da sinalização direcio- nada à criança podem contribuir signifi- cativamente para a consistência da apren- dizagem dos primeiros sinais nas crianças surdas nascidas em famílias surdas. Um input cuidadosamente calibrado pode pre- venir quaisquer conseqüências que possam resultar da quantidade relativamente baixa de insumo que os pais sinalizantes possam apresentar a seus filhos (Spencer & Har- ris, 2006). Entretanto, no momento, não Figura 1. Os sinais da ASL para AMARELO e sabemos se todas as mães surdas produ- LARANJA (de Humphries, Padden, & O’Rourke, zem sinais direcionados à criança, que se 1980. Ilustrações: copyright T.J Publishers). adaptam, de maneira adequada, aos filhos surdos. Existem outros fatores que podem Em nossa análise da sinalização direcio- contribuir para uma aquisição consistente nada à criança, Ginger Pizer e eu (Pizer & de vocabulário em crianças sinalizantes? Meier, neste volume) examinamos amostras, Discutirei dois tipos de fatores. Primeira- coletadas longitudinalmente, da sinalização mente, questionarei se a iconicidade desses de três pares de mãe-filha. Em todos os ca- sinais pode afetar a produção dos primeiros Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas sos, a mãe e os filhos são surdos e usam a ASL sinais. A próxima pergunta será se as pro- 214 como sua primeira língua. São examinadas priedades do desenvolvimento motor da Modalidade e aquisição da língua: estratégias e restrições na aprendizagem dos primeiros sinais criança podem contribuir para o sucesso da tencial icônico da modalidade visual-ges- produção dos primeiros sinais da criança. tual significa que as crianças surdas de pais ouvintes podem inventar gestos (chamados “sinais caseiros”) que serão entendidos pe- 2. Iconicidade e Desenvolvimento do los pais não-sinalizantes (Goldin-Meadow, Vocabulário Inicial 2003). Embora as diferentes línguas de si- nais possam escolher representações icôni- A iconicidade é um recurso na modalida- cas para o mesmo conceito (veja Klima & de visual-gestual muito mais rica do que na Bellugi’s, 1979, ilustrações para o sinal “ár- modalidade oral-auditiva das línguas faladas. vore” na língua de sinais americana, chinesa, Tipicamente, nas línguas faladas, a palavra é e dinarmaquesa), as línguas de sinais podem resultado de uma associação arbitrária entre evoluir independentemente e chegar a sinais forma e significado (Saussure, 1916). Con- que compartilham o mesmo ícone. O resulta- tudo, algumas palavras faladas representam do é que até mesmo em línguas de sinais que iconicamente os sons característicos dos ob- não se relacionam, como a Língua de Sinais jetos. Por exemplo, os galos, na linguagem de Japonesa e a Mexicana, podem exibir simila- falantes do inglês, dizem cockadoodledoo, en- ridades consideráveis em seus vocabulários. quanto que os galos, na linguagem de falantes Em uma estimativa baseada numa pequena de português dizem cocoricó, e os de falantes amostra de sinais (Guerra Currie, Walters, de espanhol dizem quiquiriqui. As palavras & Meier, 2002), aproximadamente 20% do diferentes que ocorrem nessas três línguas vocabulário nas Línguas de Sinais Japonesa demonstram que essas formas icônicas são e Mexicana são “similares”, definindo-se “si- convencionalizadas. Mas o fato de que essas milar” como exibindo os mesmos valores em formas são completamente convencionais dois ou três parâmetros da formação do sinal não quer dizer que elas sejam completamente (configuração de mão, localização da articu- arbitrárias. Em muitas línguas faladas, o ca- lação, e movimento). carejar de um galo é representado por uma Nas línguas faladas, o mapeamento claro palavra reduplicativa e multissilábica, em que da forma-significado pode facilitar a aquisi- as sílabas formadas da combinação CV que ção de morfologia pela criança; conseqüen- começam com uma consoante velar são mais temente, a flexão morfológica pode ser a pri- comuns. (Ball, sem data). As similaridades meira a emergir nas crianças que estão apren- interlingüísticas nessas palavras demonstram dendo sistemas morfológicos (por exemplo, que nem todas as palavras nas línguas faladas turco) nos quais existe o mapeamento um- são arbitrárias em sua forma; algumas são a-um entre unidades de forma e significado motivadas, pelo menos em parte, por iconi- (Slobin, 1982). Os erros cometidos por crian- cidade. ças que regram demasiadamente (por exem- A modalidade visual-gestual oferece plo, a forma agramatical runned, ao invés do oportunidades mais freqüentes para a re- passado irregular do verbo ran) podem ser presentação icônica. O movimento das duas vistos como uma tendência que leva as crian- mãos no espaço permite que os sinais repre- ças a produzir mapeamentos forma-signifi- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas sentem a forma dos objetos, assim como os cado algumas vezes de forma mais clara do movimentos dos objetos no espaço. O po- que aqueles produzidos na linguagem adulta. 215 Richard P. Meier

Entretanto, o fato de as palavras monomor- dinalmente; as crianças foram filmadas em fêmicas serem geralmente arbitrárias nas lín- suas casas enquanto interagiam com um dos guas faladas, não nos autoriza a perguntar se pais e/ou um experimentador sinalizante. Na as crianças iriam preferir mapeamentos mais transcrição dessas gravações, identificamos claros – ou seja, mais icônicos e figurados um corpus de 632 ocorrências de sinais. Sinais – entre forma e significado em tais palavras. indicadores (pointing signs) foram excluídos Pelo contrário, a freqüência de mapeamentos desse número. Cada uma das ocorrências icônicos entre forma e significado em sinais desses sinais foi avaliada por um avaliador monomorfêmicos simples torna essa questão adulto surdo para verificar se a ocorrência um tópico relevante a ser explorado na pes- era mais icônica do que o sinal direcionado quisa da aquisição da língua de sinais. Recen- ao adulto, menos icônico do que o sinal dire- temente, Slobin et al. (2003) argumentaram cionado ao adulto ou tão icônico quanto o si- que a iconicidade de certas formas de classi- nal direcionado ao adulto. A compatibilidade ficadores de ASL permite sua primeira utili- (reliability) entre avaliadores foi alta. zação por crianças sinalizantes. Casey (2003) Os resultados não deixaram dúvida. também argumentou que há evidência dos Contrário à hipótese de que as crianças er- efeitos de iconicidade na aquisição de con- rariam por acentuar a transparência dos si- cordância verbal de crianças na ASL. nais que tentassem produzir, somente 5% de Meus colegas e eu argumentamos que seus sinais foram considerados mais icônicos as crianças sinalizantes podem perceber que do que aqueles direcionados a adultos. Por os mapeamentos entre a forma e o significa- exemplo, o sinal para LEITE em ASL é um si- do são, freqüentemente, não-arbitrários nas nal produzido com uma mão, no qual há um línguas sinalizadas (Meier, Mauk, Cheek, & movimento repetido de abrir e fechar a mão Moreland, 2007). A iconicidade dos sinais em espaço neutro; a produção de uma crian- pode ajudar a criança na identificação do ça (Noel, 12 meses e duas semanas de idade) significado de um novo sinal. E, o que é im- foi com as duas mãos, ao invés de uma. Ao portante para os propósitos desta discussão, a contrário, 39% das ocorrências das crianças iconicidade pode levar as crianças à produção foram avaliadas como menos icônicas do que inadequada de sinais, uma vez que elas po- aquelas produzidas pelo adulto. No geral, a dem procurar acentuar a transparência dos produção infantil foi considerada nem mais, mapeamentos forma-significado, e assim, nem menos icônica do que aquela produzida produzir formas erradas, mais icônicas do pelo adulto. que aquelas direcionadas a adultos. Um exemplo de uma produção de uma Em uma série de estudos, analisamos a criança que foi avaliada como sendo menos aquisição de ASL por quatro garotas surdas icônica do que aquela do alvo adulto foi a cujas idades variam de 08 à 17 meses. Todas produção de Noel, de QUEDA, aos 15 me- as quatro crianças tinham pais surdos e sina- ses de idade. O sinal adulto sugere que um lizantes; todas tinham, pelo menos, um dos ser com pernas mude de direção quando cai avós surdos. Conseqüentemente, cada crian- numa superfície horizontal, representada ça tinha pelo menos um dos pais como sina- pela mão estática e não-dominante (ver Fi- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas lizante nativo. Seguimos o desenvolvimento gura 2). Quando produziu a sua versão do 216 de sua aquisição da língua de sinais, longitu- sinal, Noel estava comentando sobre fato de Modalidade e aquisição da língua: estratégias e restrições na aprendizagem dos primeiros sinais que um cavalo de brinquedo tinha acabado O que concluímos deste estudo? Primeiro, de tropeçar. Noel substituiu uma CM (confi- fica claro que a iconicidade não pode explicar a guração de mão) com o indicador estendido maior parte dos erros das crianças na produção (o dedo indicador estendido e os outros do- dos primeiros sinais. Embora os erros pró-icô- brados) por uma CM V do sinal alvo, assim nicos realmente ocorram (ver Launer, 1982), apagando a imagem das pernas. Em vez de os erros das crianças muito provavelmente re- a mão dominante estar virada com a palma duzem – ao invés de aumentar – a avaliação de para cima, a palma da mão não-dominante iconicidade do sinal. Esses resultados sobre a estava curvada em direção à linha central; a produção dos primeiros sinais são consistentes imagem de uma superfície plana e horizontal com uma variedade de resultados anteriores. foi perdida. O movimento do sinal foi exe- Por exemplo, sinais icônicos não aparentam ser cutado inteiramente a partir do ombro; não representados demasiadamente nos primeiros houve mudança na orientação da mão-domi- vocabulários (Orlansky & Bonvillian, 1984). As nante. E, o que é mais complicado, o braço formas que as crianças produzem são freqüen- não-dominante moveu-se para baixo acom- temente menos motivadas do que aquelas dos panhando a mão-dominante, espelhando exa­ adultos; isso parece ocorrer na aquisição dos tamente seu movimento. Então, na versão de pronomes (Petitto, 1987), concordância verbal Noel, a superfície (que na linguagem adulta (Meier, 1982, 1987), e classificadores, em ASL é representada pela mão não-dominante) se (Supalla, 1982). Em suma, iconicidade tem um move com o objeto em queda, representado papel importante na inovação dos sistemas de pela mão-dominante. Em suma, embora o sinais das crianças (Goldin-Meadow, 2003). Na movimento para baixo do sinal de Noel pos- medida em que as crianças ganham consciência sa ser considerado icônico, as diversas ma- metalingüística, elas podem vir a reconhecer a neiras que diferenciaram seu sinal daquele do iconicidade que motiva certos sinais que per- modelo adulto o tornaram menos icônico do tencem ao vocabulário de línguas de sinais já que o sinal produzido pelo adulto. estabelecidas. Mas precisamos observar outros fatores além da iconicidade, se quisermos expli- car a maior parte dos erros que crianças muito novas cometem em suas articulações de sinais. Sugiro que fatores motores podem explicar muitos dos padrões que emergem de uma aná- lise pontual das primeiras produções de sinais pelas crianças.

3. Restrições Articulatórias na Produ- ção dos Primeiros Sinais

3.1 Parâmetros da Formação dos Sinais

Figura 2. O sinal de QUEDA em ASL (Humphries et em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas al., 1980. Ilustração copyright T.J. Publishers). Os sinais podem ser descritos de forma infor- mal nos termos dos três parâmetros principais 217 Richard P. Meier

de formação de sinais: configuração de mão diz respeito aos movimentos de trajetória, e (CM), local de articulação, e movimento. A quase nada precisas no que diz respeito à CM. Figura 3 mostra o sinal de BOM, em ASL. O O mesmo resultado foi relatado em estudos local inicial da articulação é o queixo. A CM é feitos em outras línguas de sinais, incluindo uma mão plana com os dedos fechados (uma a LIBRAS (Karnopp, 1994, 2002) e a Língua mão-B, conforme usado na descrição de si- de Sinais Espanhola (Juncos et al., 1997). A nais na ASL). Seu movimento é um movi- precisão das crianças no local de articulação mento para fora, a partir do sinalizador. poderia ajudar aos pais e pesquisadores a re- conhecer seus primeiros sinais. Isso pode ser um dos fatores que contribuíram para os re- latos, controversos, mas persistentes, quanto à emergência dos primeiros sinais antes das primeiras palavras (Meier & Newport, 1990; Anderson & Reilly, 2002).

Figura 3. O sinal de BOM, em ASL (Copyright da Fotografia RPM).

Consideremos, primeiramente, a exa- tidão com que as crianças produzem estes Figura 4. Precisão por parâmetros da formação três parâmetros principais da formação de de sinais nas primeiras produções de sinais pelas sinais. Em Cheek et al. (2001), examinamos crianças (adaptado de Cheek et al., 2001). a mesma base de dados dos sinais que recém discuti na análise da iconicidade das produ- Por que a exatidão da articulação dos ções de sinais das crianças. A Figura 4 mos- primeiros sinais pelas crianças varia em fun- tra a exatidão com que essas quatro crianças ção do parâmetro de formação de sinais? Os (com idade de 08 a 17 meses) produziram a fatores motores parecem oferecer uma ex- configuração de mão, o local de articulação plicação plausível para a facilidade relativa e os movimentos de trajetória (movimentos do local de articulação e para a dificuldade para o interior da mão e rotações do antebra- relativa da CM. Encontrar o local correto de ço estão exclusos desta análise). Esses dados articulação só requer que a criança alcance revelam um padrão que foi recentemente en- um local do seu corpo; produzir um sinal na contrado em vários estudos de ASL e outras altura da boca requer o mesmo tipo de coor- línguas sinalizadas. Especificamente, as crian- denação motora grossa que aquela necessá- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas ças foram bem precisas no que diz respeito ao ria para levar comida até a boca. Entretanto, 218 local de articulação, menos precisas no que a produção precisa das CMs requer uma co- Modalidade e aquisição da língua: estratégias e restrições na aprendizagem dos primeiros sinais ordenação motora consideravelmente fina; enquanto a mão não-dominante é estática a similaridade visual de certas CMs (por (Battison, 1978). Na articulação de sinais exemplo, a CM de um 7 com o polegar e o da terceira classe, as crianças devem inibir anelar em oposição, todos os demais dedos o movimento da mão não-dominante. estendidos e abertos versus a CM em 8, com No início do desenvolvimento motor o polegar e o dedo médio opondo-se, e to- infantil, a mão não-dominante tende a espe- dos os outros estendidos e abertos) também lhar o movimento da mão dominante. Então, levanta a possibilidade de confusões per- quando a mão dominante empurra um ca- ceptuais. Erros na produção da CM persis- minhão de brinquedo por uma mesa, a mão tem até idades relativamente avançadas (ver não-dominante pode executar um movimen- Meier, 2006, para uma revisão do tópico). to similar (mesmo que não esteja segurando brinquedo algum). A produção desses movi- mentos espelhados, ou o que chamo de movi- 4. Restrições Articulatórias no Movi- mentos cúmplices ou solidários (sympathetic mento movements), é normal no desenvolvimento típico de crianças, mas persiste em crianças Mas o que explica a relativa imprecisão no com desordens de desenvolvimento (ver um movimento das crianças? Não existem ex- relatório recente em Mayston, Harrison, & plicações articulatórias para o motivo pelo Stephens, 1999). Comportamentos bi-manu- qual as crianças mostram um controle rela- ais em que uma mão deve permanecer está- tivamente precário do movimento, seja ele tica surgem a partir dos 9-10 meses de idade da trajetória ou do movimento interno da (Fagard, 1994). mão. No nosso trabalho (Meier et al., 2007), Cheek et al. (2001) relatam dados de observamos três tendências na coordena- uma pequena amostra de sinais que têm uma ção motora infantil que podem nos ajudar mão não-dominante estática na língua adul- a entender os tipos de erros que as jovens ta (apenas 62 ocorrências); em 40%, a ação crianças cometem. Ao fazer isto, também da mão não-dominante da criança espelhou observamos quais juntas do braço e da mão aquela da mão dominante. Um exemplo des- as crianças usam para a produção dos pri- te fenômeno foi anteriormente descrito: na meiros sinais. produção de Noel, de QUEDA, aos 15 meses Cumplicidade ou solidariedade. Lín- de idade, sua mão não-dominante não estava guas sinalizadas e faladas diferenciam-se estática, como no sinal produzido pelo adul- no sentido de que as línguas sinalizadas to. Ao invés, a mão não-dominante acompa- usam articuladores emparelhados; temos nhou o movimento para baixo da mão do- dois braços e duas mãos, mas somente uma minante. mandíbula, uma língua e um palato. Como Ciclicidade. A tendência infantil ao mo- se sabe, alguns sinais envolvem a ação de vimento cúmplice aparece tanto na criança apenas uma mão dominante; e em outros surda como na criança ouvinte, mas essa sinais, as duas mãos executam o mesmo tendência só afetará a produção de lingua- movimento (embora as duas mãos possam gem nas crianças sinalizantes. Ao contrário Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas não estar na mesma fase); em uma terceira disto, uma tendência infantil a padrões mo- classe de sinais, a mão dominante é ativa, tores repetitivos e cíclicos pode caracteri- 219 Richard P. Meier

zar a articulação tanto dos primeiros sinais, cíclicos. Um exemplo típico foi produzido quanto das primeiras falas das crianças, por Noel aos 12 meses de idade; ela produ- que apresentam uma tendência a padrões ziu o sinal ASL monocíclico de PRETO com de movimentos repetitivos tanto em seu três ciclos de movimento; na mesma con- comportamento não-lingüístico (Thelen, versa, sua mãe sinalizante nativa produziu 1979), como em seu desenvolvimento vocal o sinal com apenas um ciclo. Erros simila- (MacNeilage & Davis, 1993; Meier et al., res foram relatados em um estudo de caso 1997). Conseqüentemente, as crianças fa- de uma criança no contexto da aprendiza- lantes produzem, aos 8 meses de idade, se- gem da Língua de Sinais Britânica (Morgan, gundo o padrão de desenvolvimento típico, Barrett-Jones, & Stoneham, 2007). balbuciações repetitivas, como [bababa]. Proximalização. Ao contrário dos ar- Gestos pré-lingüísticos sem sentido, sejam ticuladores orais, os articuladores manu- de crianças surdas expostas aos primeiros ais compreendem uma série de segmentos sinais ou de crianças ouvintes sem exposição realizados nas juntas; os sinais são articu- aos sinais, tendem a ser multicíclicos (Meier lados nas juntas, desde os ombros até as & Willerman, 1995; Cheek et al., 2001). Con- segundas juntas dos dedos da mão. A jun- siderando-se que as crianças preferem os ta do ombro é “próxima” (proximal) ao padrões de movimentos repetidos nos seus dorso, enquanto a segunda junta das mãos gestos pré-lingüísticos, levantamos a hipóte- é “distante” (distal) do mesmo. Uma ten- se de que esta tendência pode ser transferida dência “próxima-distante” foi observada para a produção dos seus primeiros sinais. na literatura sobre desenvolvimento mo- Também previmos que as crianças tende- tor infantil (Gesell & Thompson, 1934). riam a preservar a repetição observada nos De acordo com essa hipótese, as crianças sinais com repetição dos adultos, mas que desenvolvem, primeiramente, o contro- elas tenderiam a errar quando fossem pro- le das juntas que estão mais próximas ao duzir sinais adultos que tivessem somente dorso e, posteriormente, das juntas que um movimento isolado (Meier et al., 2007). estão mais afastadas do mesmo. Foi obser- A maioria das ocorrências de sinais nas vada uma tendência à proximalização no amostras que examinamos foram multicí- andar das crianças (Jensen et al., 1995) e clicas, com um número médio de ciclos por na sua escrita (Saida & Miyashita, 1979). sinal em torno de três e o número máximo Os adultos também podem apresentar de ciclos em uma única ocorrência isolada proximalização de movimento sob certas foi de 37. Menos que 25% das produções das circunstâncias, por exemplo, quando são crianças se constituíam de um único ciclo de solicitados a escrever com a mão não-do- movimento isolado. As crianças, nas nossas minante (Newell & McDonald, 1994). A amostras, preferiram as produções multicí- proximalização de movimento também clicas de sinais multicíclicos. Ao contrário foi observada nos aprendizes adultos de desse contexto, tentaram bem poucos sinais línguas sinalizadas (Mirus, Rathmann, & monocíclicos e, quando o fizeram, come- Meier 2001; Rosen, 2004), sugerindo que teram erros; nas quatro crianças, 69% dos isso pode ser, em parte, um fenômeno da Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas sinais monocíclicos foram produzidos com aquisição de novas habilidades motoras. 220 repetição, ou seja, em movimentos multi- Levantamos a hipótese que, nas primei- Modalidade e aquisição da língua: estratégias e restrições na aprendizagem dos primeiros sinais ras produções dos sinais, as crianças tendem a usar as juntas próximas do braço ao invés dos articuladores mais distantes, que seriam esperadas na produção do adulto (Meier et al., 2007). Em nosso banco de dados, para fins desta análise, tivemos que codificar as juntas usadas pela criança em cada primeira ocorrência de sinal. Comparamos o uso da criança ao que seria esperado na linguagem adulta. Nossos resultados foram claros: quan- do as crianças produziam uma junta diferen- te daquela usada pelo adulto, elas tendiam Figura 5. O sinal de QUEDA em ASL a usar a junta mais próxima daquela usada (de Humphries et al., 1980. Ilustração copyright pelo adulto. Um bom exemplo é a produção T.J. Publishers). de Suzie do sinal CAVALO, ao 12 meses de idade. O sinal do adulto tem uma curvatura Os resultados que discuti, dizem respeito repetida nas primeiras juntas do primeiro e aos erros das crianças. Com a exceção de uma do segundo dedo estendidos; Suzie produziu, classe de erros de distanciamento que acabei em vez disso, uma curvatura repetida no pu- de mencionar, as crianças tenderam a proxi- malizar. Isto significa que as crianças só de- nho. Numa análise de erros da omissão das monstram controle efetivo das juntas próxi- crianças (de sinais que exigiam ação de duas mas dos braços? A resposta é não. De fato, as ou mais juntas), as crianças costumavam crianças são precisas no uso das duas juntas: omitir a ação da junta mais distante do que a o cotovelo e as primeiras juntas dos dedos da da mais próxima. mão (Meier et al., 2007). As crianças, então, Nossos resultados não foram simples; controlaram dois tipos de movimento: movi- entretanto, também encontramos uma clas- mentos de trajetória articulados no cotovelo e se surpreendente de erros de distanciamento. movimentos articulados no interior da mão, Especificamente, quando as crianças tenta- nas primeiras juntas. Isso significa, em essên- ram produzir um sinal que tinha as primei- cia, que desde a mais tenra idade, as crianças ras juntas como a junta, elas tendiam a adi- sinalizantes controlam dois tipos de “sílaba”: cionar o movimento nas segundas juntas. O oscilações do cotovelo e movimentos de abrir resultado foi uma produção que parecia ter e fechar das mãos. Ainda assim, entretanto, uma ação simples de abrir e fechar de mão, quando as crianças erram, elas tipicamente bem parecido como quando uma criança vai proximalizam. pegar um objeto. Por exemplo, Katie (de 15 meses e 1 semana de idade) produziu o sinal SUJO. O sinal tinha um movimento rápido 5. Conclusão e repetido nas primeiras juntas; ela o substi- tuiu por um movimento de abrir e de fechar Retornemos à questão das propriedades di- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas da mão, que foi articulado nas primeira e se- vergentes das duas modalidades de língua e as gunda juntas. conseqüências que tais propriedades podem 221 Richard P. Meier

ter para o desenvolvimento da linguagem O fato de que os mapeamentos entre si- na criança falante e na criança sinalizante. nais e seus referentes são normalmente in- Como foi discutido no início deste trabalho, tramodais não é o único aspecto em que os a informação necessária para se identificar as sinais e as palavras se diferenciam. A modali- palavras e seus referentes ocupa canais senso- dade visual-gestual também permite melho- riais distintos na fala. Em contraste, os sinais res oportunidades para mapeamentos moti- e seus referentes competem por um único ca- vados entre a forma e o significado na sina- nal visual. Entretanto, o desenvolvimento dos lização, do que na fala. Em especial, muitos primeiros vocabulários ocorre em padrões de mapeamentos entre a forma e o significado desenvolvimento muito similares, tanto para na ASL e em outras línguas sinalizadas mos- as crianças falantes, como para as sinalizan- tram um certo grau de iconicidade. Apesar tes. Dadas às evidências de pesquisas publica- de tudo, nos nossos dados, o potencial para das, que sugerem que as crianças sinalizantes a representação icônica raramente conduz os podem receber quantidade de input lingüísti- sinalizantes infantis a produzir formas que co relativamente menor do que crianças que são mais icônicas do que seriam esperadas na ouvem e falam (Spencer & Harris, 2006), a linguagem adulta. Apesar disso, a iconicidade aquisição de vocabulário das crianças sina- tem um papel crucial quando as crianças sur- lizantes pode ser, na verdade, facilitada pelo das inovam com o sistema caseiro de sinais. fato de que elas devem fazer associações in- (Goldin-Meadow, 2003). tramodais entre os sinais e seus referentes, Ao tentar explicar os erros que as crianças ao contrário das crianças ouvintes, que de- cometem na produção dos primeiros sinais, vem fazer associações intermodais (ou seja, precisamos observar os fatores articulatórios, cross-modal associations) entre as palavras da mesma forma como precisamos observar e seus referentes. Outra possibilidade é que as restrições articulatórias ao descrever a pro- as mães surdas adaptam, cuidadosamente, o dução da fala da criança. Contudo, existem input lingüístico que elas direcionam a seus articuladores bem diferentes nos sinais e na filhos surdos às demandas atencionais que a fala; assim, ficamos tentados a concluir que sinalização impõe às crianças surdas. Como não há semelhança alguma entre as tendên- observamos, algumas das propriedades ca- cias motoras que guiam o desenvolvimento racterísticas do manhês em sinais pode não dos primeiros sinais e das primeiras falas. somente assegurar que os sinais sejam visí- Entretanto, como apontado anteriormente, a veis às crianças, mas também podem justa- tendência infantil ao padrão de movimentos por sinais e referentes. Contudo, a hipótese repetitivos persiste na produção dos primei- de que a mãe surda adapta, cuidadosamente, ros sinais e das primeiras falas. Outros fatores sua sinalização às demandas atencionais de motores são especificamente relacionados à suas crianças levanta a possibilidade de que o modalidade: por exemplo, tanto a proxima- desenvolvimento da aquisição de língua nas lização do movimento como a tendência da crianças sinalizantes – até mesmo nas crian- mão não-dominante a espelhar o movimen- ças surdas de pais surdos – está fortemente to da mão-dominante podem ser aspectos de relacionado à sensibilidade individual que coordenação motora nas crianças sinalizan- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas cada mãe surda demonstra às capacidades vi- tes que não ocorrem, de maneira tão obvia 222 suais e atencionais de seus filhos. na coordenação motora da fala na criança. Modalidade e aquisição da língua: estratégias e restrições na aprendizagem dos primeiros sinais

As propriedades do input materno também traste fonológico precoce entre os movimen- podem promover alguns dos padrões que tos de trajetória do cotovelo e os movimentos encontramos na produção dos primeiros si- internos da mão produzidos nas primeiras nais; repetições e alargamento de sinais (com juntas. Estes resultados conduzem a especu- proximalização conseqüente) são freqüen- lações que sugerem que mais contrastes fo- tes na sinalização direcionada às crianças nológicos podem estar disponíveis a crianças (Holzrichter & Meier, 2000). sinalizantes do que às crianças falantes. O É exatamente no número de osciladores controle de uma criança sinalizante de uma disponíveis que o desenvolvimento da fala e seqüência de contrastes pode fazer com que do sinal infantil pode mostrar uma diferença as suas produções dos primeiros sinais se- surpreendente e interessante. Tal diferença jam reconhecíveis. Essa possibilidade sugere pode se estender à articulação das sílabas fala- uma interpretação particular de afirmações das e sinalizadas. MacNeilage e Davis (1993) freqüentemente discutidas que os primeiros argumentaram que existe um oscilador úni- sinais aparecem, de alguma forma, antes das co que constitui a “moldura” em que as sí- primeiras palavras. As crianças sinalizantes labas faladas são organizadas; este oscilador podem não estar produzindo sinais antes de é a mandíbula inferior. Esses pesquisadores as crianças ouvintes estarem produzindo pa- também argumentaram que crianças ouvin- lavras; ao invés disso, suas primeiras tentati- tes no período de balbucio só têm o contro- vas desajeitadas podem ser mais reconhecí- le efetivo da mandíbula e podem ter pouco veis pelos pais e pesquisadores do que as pri- controle independente da língua. Nas línguas meiras palavras balbuciadas por uma criança sinalizadas, não parece haver um único osci- falante (Newport & Meier, 1985). lador dominante ao redor do qual as sílabas são organizadas. Para entender essa sugestão, observe-se que no sinal BOM, a articulação Referências é restrita ao cotovelo, enquanto que o sinal adulto de SUJO tem a articulação nas primei- COLLINS-AHLGREN, M. New Zealand Sign ras juntas dos dedos da mão. As crianças em Language and the aim of Total Communication nossas amostras controlaram as articulações for the Deaf. In: SET: Research Information for nas duas juntas. Teachers, n.1, 1986. Os padrões de sucesso na produção dos COLLINS-AHLGREN, M. Aspects of New Zea- primeiros sinais das crianças sugerem que land Sign Language. Tese de doutorado / Ph.D. elas têm um controle relativamente efetivo - Victoria University of Wellington. 1989. e precoce dos locais de articulação, embora DUGDALE, P. O. Being Deaf in New Zealand: A tenham cometido alguns erros (Marentette case study of the Wellington Deaf community. & Mayberry, 2000). O controle das crian- Tese de doutorado / Ph.D. - Victoria University ças do local também pode significar que elas of Wellington. 2000. controlam algumas restrições fonológicas. FISCHER, S. By the Numbers: Language-Internal (Siedlecki & Bonvillian, 1993). Do mesmo Evidence for Creolization. modo, o controle independente precoce de In: Edmonson, W.; Wilbur, R. (Orgs.). Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas dois ou mais articuladores de sinais pode sig- International Review of Sign Linguistics, v. nificar que as crianças desenvolvem um con- 1, p. 1-22, 1996. 223 Richard P. Meier

FUENTES, M.; TOLCHINSKY L. The subsystem MAJOR, G. Number EIGHT: An investigation of numerals in : Descrip- into lexical variation in the New Zealand Sign tion and Examples from a Psycholinguistic Language number system. Pesquisa não-pub- Study. Sign Language Studies, v. 5(1), p. 94- licada (LALS 582), School of Linguistics and 117, 2004. Applied Language Studies, Victoria University JOHNSTON, T. BSL, Auslan and NZSL: Three of Wellington. 2005. signed languages or one? Trabalho apresentado MCKEE, D.; GRAEME, K. A Lexical Comparison na 7th International Conference on Theoreti- of Signs from American, Australian, and New cal Issues in Sign Language Research (TISLR), Zealand Sign Languages. In: Emmorey, K.; Lane, Amsterdam, Julho, 2000. H. (Orgs,). The Signs of Language Revisited. KENNEDY, G.; ARNOLD, R.; DUGDALE, P.; London: Lawrence Erlbaum. 2000. FAHEY, S.; MOSKOVITZ, D. A Dictionary of PAOLILLO, J. Analyzing Linguistic Variation: New Zealand Sign Language. Auckland: Au- Statistical Models and Methods. CSLI Publica- ckland University Press with Bridget Williams tions. Stanford, California. 2002. Books. 1997. SCHEMNRI, A.; JOHNSTON, T. Sociolinguistic LEYBAERT, J.; VAN CUTSEM, M. Counting in variation in Auslan (Australian Sign Language): Sign Language. Journal of Experimental Child A research project in progress. Deaf Worlds: Psychology, v. 81, p. 482-501, 2002. International Journal of Deaf Studies, v. 20(1), LUCAS, C.; BAYLEY R.; VALLY C. Sociolin- p. 78-90,2004. guistic Variation in American Sign Lan- STATISTICS NEW ZEALAND. New Zealand Dis- guage. Washington, DC: Gallaudet University ability Survey Snapshot 6: Sensory Disabilities. Press. 2001. Wellington: Statistics New Zealand. 2001. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

224 Aquisição de concordância verbal em HKSL: opcional ou obrigatória?*

Gladys TANG, Scholastica LAM, Felix SZE, Prudence LAU, Jafi LEE 1 Centre for Sign Linguistics and Deaf Studies Chinese University of Hong Kong

0. Introdução cordância nos dados da criança, nosso enfoque será o efeito de opcionalidade de concordância A aquisição de concordância verbal tem sido verbal na gramática adulta sobre a aquisição des- amplamente estudada em línguas faladas, mas sa área gramatical. De acordo com Lam (2003), poucos estudos têm concentrado a atenção em os verbos de concordância podem aparecer em um fenômeno semelhante, em línguas de sinais. três formas, dependendo da interação entre a Nos estudos relatados na literatura, a omissão de posição sintática e o valor de pessoa gramatical: marcação de concordância tem sido tema de de- (a) forma não-flexionada; (b) forma direcionada bates recentes. Enquanto a maioria dos estudos à localização real ou representada do referente; relata a omissão de marcação de concordância e, (c) forma flexionada para concordância verbal (Meir 2002, Morgan et. al. 2006), alguns estudos sintática. Neste trabalho, faremos, inicialmente, recentes com crianças em processo de aquisição uma revisão da literatura referente à concordân- de ASL e LSB observam poucos erros de omis- cia verbal e sua aquisição nas línguas faladas e si- são (Quadros e Lillo-Martin 2006). O presente nalizadas; a seguir, apresentaremos os resultados estudo tenta examinar o processo de aquisição de dois estudos sobre o processo de aquisição de de concordância verbal por crianças, em HKSL concordância verbal em HKSL, por uma criança (Hong Kong Sign Language – Língua de Sinais surda. Nossos resultados revelam que o processo de Hong Kong), com dados extraídos de um cor- de aquisição de uma criança surda mostra pro- pus longitudinal de uma criança surda (2; 6.17 priedades pertencentes aos aprendizes tardios de – 5; 7.20) e estudos experimentais conduzidos concordância verbal, exibindo, de maneira con- quando ele tinha 6 anos. No contexto do arca- sistente, violações das restrições observadas na bouço geral da investigação de marcação de con- gramática de concordância verbal em HKSL.

* Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Lincoln Paulo Fernandes, Lautenai Antonio Barthalamei Junior. 1 Gostaríamos de agradecer o apoio da The RGC Grant (Project # 210067), os membros do Centre for Sign Lin- guistics and Deaf Studies: Kenny Chu, Brenda Yu, Connie Lo, Lisa Lo, Zoe Li, Cheng Ka Yiu e Pippen Wong, por participarem desse projeto, prestando sua ajuda nos diferentes estágios da pesquisa. Finalmente, mas não de menos importância, gostaríamos de agradecer a Chun-chun e sua família por seu apoio afetuoso e envolvimento no projeto. Gladys Tang, Scholastica Lam, Felix Sze, Prudence Lau e Jafi Lee

1. Concordância verbal em Línguas Assumindo-se que a concordância é go- Faladas e Línguas de Sinais vernada por princípios universais semelhan- tes, aventurar-se por uma pesquisa sobre 1.1 Uma explicação tipológica concordância verbal em línguas de sinais se presta a interessantes questões de pesquisa. A Corbett (1998) identifica pessoa, número e concordância verbal é comum entre as línguas gênero como as três características comuns de sinais estudadas até agora. É comumente em línguas naturais com variante tipológi- aceito que, para marcar relações gramaticais, ca. A língua russa mostra uma morfologia de um sinal verbal é direcionado ou a um refe- concordância muito rica para todas as três rente presente ou a um locus no espaço e os características; a língua inglesa mostra con- padrões de concordância verbal diferentes são cordância em pessoa e número, mas não em representados por mudanças no movimento gênero e a língua chinesa não mostra mor- de trajetória, acompanhado por movimento fologia de concordância evidente. 2 Este ar- de mãos, para concordar com o objeto direto tigo concentra a atenção em concordância ou indireto (Sandler e Lillo-Martin 2006) 4. de pessoa gramatical. Na tipologia de língua Na verdade, afirma-se que apoiar no espaço falada, além da concordância sujeito-ver- para o estabelecimento nominal em línguas bo, existem línguas tais como Archi (Kibrik de sinais para satisfazer relações gramaticais 1993) ou Chukchee (Muravyova 1998) que tais como concordância verbal depende da exigem marcação de concordância de pessoa modalidade (Fischer e Gough 1978, Lillo- gramatical entre o verbo e o objeto3. Adotan- Martin 1991). Em línguas de sinais, os ver- do uma perspectiva tipológica, Croft (1998) bos de concordância e os pronomes com- observa que a concordância sujeito-verbo partilham as mesmas propriedades fonéticas, para pessoa gramatical é mais comum do que morfológicas e semânticas. Ambos são dêiti- a concordância verbo-objeto e que a segunda cos, expressados por meio do direcionamento tem implicações para a primeira. Além disso, de um sinal a uma localização no espaço (isto a marcação de concordância verbal é previsí- é, locus referencial ou R-loci) para referir-se vel, se exigida. Mesmo na língua inglesa, em a um referente definido e específico em um que a concordância verbal não é abundante, discurso em língua de sinais e ambos utilizam a concordância sujeito-verbo é sistematica- a direcionalidade de movimento para marcar mente marcada em contextos onde o sujeito o valor da pessoa gramatical 5. Por essa razão, é a terceira pessoa gramatical e singular. indicar ou direcionar um verbo pronominal

2 Morfologia de concordância é realizada por afixos, com sufixos no verbo, sendo o mais comum para ou concor- dância de sujeito (por exemplo: Inglês) ou para ambas as concordâncias de sujeito e objeto (por exemplo: Russo). 3 Chukchee utiliza prefixos para concordância de sujeito e sufixos para concordância de objeto. 4 Tanto Meir (2002) quanto Sandler e Lillo-Martin (2006) utilizam a orientação das mãos (facing of the hands) para mar- car o objeto; uma examinação mais detalhada sugere que é a orientação da mão que fornece essa descrição fonética. 5 Divergimos aqui de Meir (2002), que afirma que a direcionalidade é fundamental para a função temática de mar- cação de Origem e Alvo. Assumimos que, enquanto isso é uma propriedade temática crucial, algumas formas fono- lógicas encaixadas fixadas na direcionalidade são evidências de marcação morfológica de valor de pessoa gramatical. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Direcionar um sinal para um locus referencial utilizando uma forma que é interpretada de maneira convencional como “terceira pessoa gramatical” durante a primeira menção do referente é evidência do uso da direcionalidade para 226 marcação de valor de pessoa gramatical. Aquisição de concordância verbal em HKSL: opcional ou obrigatória? em direção a um locus no espaço permite a nológicas estabelecidas para a primeira pes- codificação de relações gramaticais entre o soa gramatical e plural e que a concordância sujeito e o objeto, assim como seus valores de de pessoa gramatical interage com as condi- pessoa gramatical. ções de licença para argumentos nulos, em As línguas de sinais também diferem de ASL. Meir (2002) sugere que a direcionali- línguas faladas por permitirem opcionalida- dade de movimento revela propriedades te- de de marcação de concordância. Em ASL, a máticas cruciais de Fonte e Alvo e que o mo- concordância do objeto é obrigatória e a con- vimento de orientação das mãos (facing of cordância do sujeito é opcional (Meir 1982, the hands) para fora pode ser um atribuidor Padden 1988). Essa observação oferece con- de caso dativo. Rathman e Mathur (2002) tra-evidência à generalização de Croft. A con- colocam a concordância verbal formal e cordância opcional de sujeito também é rela- gestual em um continuum e sugerem que tada em outras línguas de sinais, tais como a existem duas trajetórias para o desenvolvi- BSL (Morgan et al. 2006) e a ISL (Meir 2002)6. mento de concordância verbal em línguas O que causa opcionalidade de marcação de de sinais. O processo de gramaticalização concordância é ainda tema de um debate, a pode encorajar a combinação de ‘indicação’ saber, entre adotar uma explicação sintática com outros elementos, como configuração ou uma explicação temática (Meir 2002). A de mão (CM) e localização (L) que são mais fonologia de línguas de sinais pode ser mais lingüísticos por natureza, daí a formação de um fator para explicar como os sinais ancora- verbos de concordância. No outro extremo dos no corpo raramente ocorrem em verbos do continuum, verbos simples podem ad- de concordância. Cormier (2002) observa quirir um componente gestual de ‘indica- também que a pluralidade de número pode, ção’ e se tornarem verbos de concordância. igualmente, fazer com que a concordância Ao questionar a afirmação de Bahan (1996), verbal não seja marcada, embora em outros que a concordância verbo-objeto entre to- contextos lingüísticos ela seja obrigatória. dos os tipos de verbo em ASL é licenciada A aparente ausência de uma realização pela direção do olhar (eye gaze), Thompson coerente ou ‘restringida’ (constrained) de et. al. (2006), por meio de um experimen- concordância verbal – particularmente, os to de rastreamento do olhar (eye-tracking), loci espaciais distintos e as direções de in- observaram que a direção do olhar marca a dicação – tem levado a questões sobre seu concordância sintática com objeto apenas status lingüístico (Liddell 2000). Entretanto, para verbos de concordância, mas marca Lillo-Martin (2002) mostra-se cautelosa no argumentos locativos para verbos espaciais. que tange essa rejeição imediata, argumen- Eles concordam com Lillo-Martin (2002) tando que existem, na verdade, formas fo- que, embora a ‘indicação’ seja gestual, as

6 Morgan et. al. (2006) afirmam também que a morfologia de concordância verbal em BSL é restringida por for- mas aspectuais. A morfologia de concordância ocorre quando o verbo é eventivo transitivo (por exemplo: DAR é eventivo transitivo (por exemplo: DAR, EMPURRAR, MORDER), não quando o verbo é estativo transitivo (por exemplo: SABER, ACREDITAR), ou intransitivo, eventivo ou estativo). Esse fenômeno não é observado em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas em HKSL, em que os estativos transitivos podem marcar concordância de pessoa gramatical, por exemplo, IX-ip MARY 0-ADMIRAR-3. O que faz um verbo ser incluído nessa categoria é tema para pesquisas futuras. 227 Gladys Tang, Scholastica Lam, Felix Sze, Prudence Lau e Jafi Lee

formas fonológicas fixas – como facing – e características de ser específico e definido; do as formas não-manuais – como direção do contrário, uma forma fonológica diferente é olhar – interagem com a realização lingüís- adotada para marcar outras propriedades re- tica de argumentos sintáticos. ferenciais ou semânticas7. Um verbo de con- cordância, como, por exemplo, o verbo DAR em HKSL, pode ser explicitamente marcado 1.2 Concordância verbal em HKSL para sujeito e objeto (3):

Embora análises sistemáticas ainda não te- (3) KENNY BOMBOM 3-DAR-3 BRENDA nham sido feitas, Lam (2004) observa, de “Kenny dá um bombom para Brenda”. forma preliminar, que a HKSL permite argu- mentos nulos tanto para o sujeito, como para A HKSL também permite concordância o objeto: a concordância verbal por meio do opcional de sujeito, como a ASL ou a BSL. direcionamento de um sinal para um locus Além do exemplo em (3), também podemos no espaço ou um tópico de discurso podem observar verbos de concordância em forma permitir argumentos nulos em HKSL, como não-flexionada, ou não-flexionada para su- ilustrado nos exemplos (1) e (2): jeito, mas flexionada para objeto, como em (4a), mas não vice versa, como em (4b), su- (1) pro 2-VER-3 ESCOLA-B gerindo que a forma flexionada de pessoa ‘Você vê Escola B.’ gramatical para sujeito implica o mesmo

(2) IXdet SECUNDÁRIO-CINCO para o objeto, ao contrário da generalização ENTENDER e PODER de Croft, segundo a qual a concordância de “Estes cinco (estudantes) secundários objeto implica concordância de sujeito em podem entender (estes programas de línguas faladas (Croft 1998). computador)”. (4a) KENNY BOMBOM 0-DAR-3 BRENDA Lam (2004) supõe que a categoria vazia “Kenny dá um bombom para Brenda”. em (1) é licenciada pela morfologia de con- [Clipe 2 aqui] cordância do verbo VER. Em (2), ela é con- (4b) *KENNY BOMBOM 3-DAR-0 BRENDA trolada pelo verbo ENTENDER e é licenciada “Kenny dá um bombom para Brenda”. por um tópico de discurso através de uma relação de ligação (binding relation). De acor- Diferentemente da ASL, a concordância do com Tang e Sze (2002), um verbo de con- de objeto não é completamente obrigatória cordância em HSKL é realizado por meio do em HKSL (Lam 2003). Os dados mostram que direcionamento do sinal, através de um mo- formas não-flexionadas (isto é, 0-DAR-0) são vimento de trajetória, para um locus referen- aceitáveis, mas a marcação de concordância é cial no espaço. Por essa razão, o locus tem as obrigatória quando o sujeito é segunda pessoa

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 7 Tang e Sze (2002) observam que referentes não-específicos adotam um movimento de trajetória ondulado sem um controle no espaço, o que é diferente de um movimento de trajetória para uma localização específica no 228 espaço, indicando um referente definido. Aquisição de concordância verbal em HKSL: opcional ou obrigatória? gramatical (5a) ou quando o objeto é primeira razões de discurso que tipicamente envolvem pessoa gramatical (5b). Por isso, a ausência de o sinalizante e o destinatário, assumimos que, marcação de concordância de pessoa gramati- teoricamente, eles têm características pesso- cal sob essas condições resultará em sentenças ais, mesmo que pouco especificadas. agramaticais como em (5c) e em (5d). Resumindo, existem três formas do ver- bo DAR: (a) DAR não flexionado, (b) DAR (5a) BOMBOM 2-DAR-3 KENNY. completamente flexionado e (c) DAR não “Você dá o bombom para Kenny”. flexionado para sujeito e flexionado para ob- (5b) KENNY BOMBOM 3-GIVE-1. jeto. Sua formação é sujeito para os valores “Kenny me dá um bombom”. de pessoa de sujeito e objeto, bem como para (5c) *BOMBOM 0-DAR-3 KENNY. sua posição sintática na sentença. “Você dá o bombom para Kenny”. (5d) *BOMBOM KENNY 3-DAR 0 IX-1ªp. “Kenny me dá um bombom”. 2. Processo de aquisição de concor- dância verbal Lam (2003) argumenta, além disso, que a modalidade espacial tem um efeito sobre 2.1 Adquiririndo concordância verbal em a concordância verbal, no sentido de que os línguas faladas verbos direcionados aos referentes presentes podem confundir a concordância verbal sin- O processo de aquisição de concordância ver- tática. Entretanto, é possível obter evidências bal tem atraído muitos estudos, tanto na lite- sob condições específicas. Uma das condições ratura sobre línguas faladas, como na litera- é quando o sinalizante introduz um referente tura sobre línguas sinalizadas. Tem sido bem nominal no discurso pela primeira vez. Es- documentado que crianças em processo de tando o referente potencialmente na terceira aquisição de línguas faladas, tais como a lín- pessoa gramatical, a forma fonológica exige gua inglesa, a língua dinamarquesa, a língua que o sinal seja direcionado a uma localização holandesa, a língua francesa e a língua alemã, nos dois lados do espaço de sinalização. Uma que são línguas de sujeitos não nulos, omitem, outra condição é quando o papel de sinali- inicialmente, esses elementos flexionados e zante muda para assumir a identidade de um produzem formas infinitivas assim como for- outro sinalizante e introduz um locus refe- mas de tempos verbais em um estágio subse- rencial no espaço, que pode ser ou a segunda qüente de desenvolvimento. Esse estágio de ou a terceira pessoa gramatical. Seja qual for desenvolvimento é referido como Estágio de o plano horizontal de articulação para o qual Infinitivos Opcionais (Optional Infinitives Sta- o sinalizante mude, essa forma de atribuir ge) (Hyams e Wexler 1993, Wexler 1994). En- sistematicamente valor de pessoa gramatical tretanto, as formas infinitivas opcionais não para um referente abstrato recentemente es- aparecem em crianças em processo de aqui- tabelecido no espaço nos oferece dados para sição de línguas que mostram morfologia de investigarmos o fenômeno de concordância concordância abundante e permitem sujeitos verbal em HKSL. Embora o objeto de primei- e objetos nulos, como no italiano e no espa- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas ra pessoa e o sujeito de segunda pessoa preci- nhol; em vez disso, essas crianças adquirirem sem ser obrigatoriamente marcados devido às a concordância verbal em estágio anterior e 229 Gladys Tang, Scholastica Lam, Felix Sze, Prudence Lau e Jafi Lee

de forma precisa (Guasti 2002). Esses estudos al. 2006), Libras (Quadros 1997), SLN (Bo- mostram que as restrições de concordância na gaerde & Baker 1996) e LIS (Pizzuto 2002)10. língua alvo têm um efeito no processo de aqui- A maioria desses estudos descobriu que a sição. Entretanto, todas essas línguas mostram média de idade de aquisição da concordân- a concordância sujeito-verbo, mas não a con- cia verbal com um referente presente pode cordância verbo-objeto. Um exemplo mais se dar aos 3 anos de idade e, se o referente detalhado é o da língua suaíli.8 Recentemente, não está presente, na idade de 5 anos, uma Deen (2006) relata resultados de um trabalho vez que as crianças surdas têm que aprender sobre uma assimetria no processo de aqui- a direcionar o verbo para um locus referen- sição de sujeito e objeto na língua suaíli. Ele cial no espaço. No estudo de Meir (1982), os observa que seus quatro sujeitos longitudinais sujeitos mostram erros de omissão quando o mostram omissão de concordância de sujeito referente (sujeito ou objeto) está em segunda em um grau consistentemente mais alto entre ou terceira pessoa. Morgan et. al. (2006) re- os quatro estágios, mas um grau relativamente latam que erros de omissão são distribuídos mais baixo, assim como uma redução gradual, entre muitos padrões de concordância em nos estágios com concordância de objeto. De BSL como de primeira para terceira, segunda acordo com ele, input ambíguo resulta nessa para primeira, existindo mais erros com su- assimetria. Na língua suaíli adulta, o sujeito jeito e objeto de terceira pessoa, do que com pode ser omitido em certos contextos de dis- outros valores de pessoa. Resultados confli- cursos; entretanto, a concordância de objeto tantes têm sido relatados: Lillo-Martin et. al. é obrigatória quando o objeto é específico. (2004) e Quadros et. al. (2006) argumentam Onde o objeto não é específico, a concordân- que, uma vez que a ASL e a LSB são línguas cia de objeto não é permitida9. Ele sugere que mistas de sujeitos nulos, seus sujeitos longitu- o processo de aquisição de suaíli por crianças é dinais expostos à ASL ou à LSB em uma faixa sujeito à condição de especificidade. etária inicial não mostram omissão substan- cial de concordância ou supergeneralização, o que fornece suporte para a generalização de 2.2 Aquisição de concordância verbal em Guasti, qual seja, as crianças que estão apren- línguas de sinais dendo línguas de sujeito nulo não passam por um estágio opcional de forma infinitiva. O estudo do processo de aquisição da con- Entretanto, alguns de seus aprendizes que são cordância verbal tem, até aqui, dirigido expostos a línguas de sinais mais tarde, aos a atenção a algumas línguas de sinais tal 6 anos ou mais, cometem esses erros subs- como a ASL (Fischer 1973, Meier 1982; tancialmente, o que fornece suporte para as Lillo-Martin et.al. 2004), BSL (Morgan, et. hipóteses do período crítico (Lillo-Martin et

8 Suaíli é a uma língua de SVO e tem prefixos para concordância de sujeito e objeto no complexo verbal na seqü- ência: SujA-Tempo – ObjA – Verbo Raiz– Modo. 9 Deen identifica três contextos onde os objetos são inerentemente específicos: (a) nomes pessoais; (b) objetos topicalizados; (c) primeira e segunda pessoa gramatical. Ele também observa que crianças sinalizantes de suaíli Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas produzem fielmente concordância de objeto nesses contextos, como evidência de entendimento de condição de especificidade nos primeiros estágios. 230 10 Alguns fenômenos de aquisição têm sido relatados (Meir 2002). Neste artigo, concentraremos a atenção em três questões. Aquisição de concordância verbal em HKSL: opcional ou obrigatória? al. 2004). Esse resultado é semelhante àquele O que é raramente discutido na literatura relatado em Morford (2003), estudo em que sobre o processo de aquisição de concordân- os sujeitos adolescentes (faixa etária entre 12; cia verbal são as propriedades de gramáticas 1 e 13; 7) mostram um estágio prolongado de intermediárias, em período anterior ao al- concordância de verbos não flexionados. cance da plena competência, pela criança. Em Um outro resultado da pesquisa é a as- teorias de aquisição de línguas, as gramáticas simetria no desenvolvimento de aprendizes intermediárias revelam os processos grama- de concordância de sujeito e objeto. Usando ticais subjacentes pelos quais passa a criança- imitação eliciada para examinar verbos de aprendiz. As formas infinitivas opcionais para concordância dupla (isto é, verbos que ad- crianças em processo de aquisição de línguas mitem flexão para sujeito e objeto), as dez de sujeito não nulo constituem uma dessas crianças surdas do estudo de Meir (1982) propriedades. Embora essa questão ainda não mostram mais omissão com concordância tenha sido discutida explicitamente na litera- de sujeito, do que com concordância de ob- tura, uma análise detalhada revela que parece jeto11. Outro fato observado em dois apren- haver link entre a co-ocorrência de verbos de dizes tardios da ASL (Morford 2003) é que concordância não flexionados, mas de sinais aprendizes de línguas de sinais preferem de indicador flexionados. A criança surda de marcar a concordância de objeto mais regu- BSL no estudo de Morgan produz um sinal larmente do que a concordância de sujeito de indicador flexionado para marcar o sujeito em ASL. de primeira pessoa e o objeto de terceira pes- Alguns estudos examinaram como crian- soa após o verbo flexionado, como mostrado ças surdas desenvolvem concordância ver- no exemplo (6). O exemplo (7) é relatado em bal com referentes não presentes, utilizan- Quadros e Lillo-Martin (2006), o sinal sendo do narração de contos como metodologia. produzido pela criança aprendiz Aby, na idade Eles relatam que o tempo que se leva para de 1;10. aprender a habilidade de utilizar loci espa- ciais para identificar referentes não presen- (6) Mark: MORDER 1IX3 (2;2) tes para flexão de concordância é mais longo ‘Morda-me ...’. (Morgan et. al. 2006) e as crianças na faixa etária de 5 anos ain- (7) MÃE, <1> DAR IX , da mostram problemas de flexão de sujeito <1> DAR ou objeto, quando utilizam loci espaciais “Mãe, (EU) dar (mãe), IXmãe, (EU) dar (Morgan, 2000; Loew, 1983). No estudo de (mãe).” (Quadros e Lillo-Martin 2006) Morgan (2000), embora os sujeitos tenham capacidade para marcar a concordância no No exemplo (7), o sinal para o verbo espaço, eles cometem erros na identificação DAR não é flexionado, mas o sinal indicador dos argumentos no discurso. aparece logo a seguir (IX) e é direcionado à

11 Ver Meir (2002) quanto ao fato de crianças surdas preferirem marcação de concordância singular (isto é, em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas marcação de concordância de objeto) à marcação de concordância dupla (isto é, marcação para ambas as con- cordâncias de sujeito e objeto) quando eles começam marcar concordância em verbos. 231 Gladys Tang, Scholastica Lam, Felix Sze, Prudence Lau e Jafi Lee

localização do objeto indireto . O su- lexical, ao invés de uma unidade morfossin- jeito de Meir (2002) também acompanha o tática12. Em suma, apesar de alguns resulta- verbo DAR com sinais de indicador, como dos conflitantes, as observações aqui relata- mostrado no exemplo (8): das são esclarecedoras da interação entre os componentes da gramática intermediária das

(8) APONTARcameraman DAR APONTAR2, crianças aprendizes. DAR. “Você dá (o) para ele (cameraman)”. 3. Perguntas de Pesquisa Esses dados mostram que a relação entre os sinais de indicador e a direcionalidade de Assumindo-se que o processo de aquisição movimento codificado por verbos de con- de língua é baseado em evidência positiva, cordância é mais complexa do que tem sido pode-se afirmar que uma criança surda ex- mostrado na literatura. Pode ser que, em vez posta à HKSL acabará sabendo que essa lín- de fazer concordância de pessoa em verbos, gua permite concordância opcional de sujei- os sinais de indicador que são derivados ti- to e objeto. Essa criança, eventualmente, irá picamente de indicação gestual são adotados também adquirir as restrições associadas com primeiro, para codificar relações gramaticais a concordância verbal. Isso leva à ocorrên- entre o sujeito e o objeto. Além disso, se as- cia de três formas de verbos de concordân- sumirmos que um pré-requisito para o pro- cia: (i) verbos em forma não flexionada; (ii) cesso de aquisição de concordância verbal é verbos que são marcados espacialmente para o conhecimento de subcategorias dos verbos concordância locativa; e (iii) verbos que são em línguas de sinais – simples, de concor- marcados sintaticamente para concordância dância e espacial – é possível dizer que esses verbal. O estudo de Deen (2006) sugere que aprendizes, inicialmente, percebem verbos de a opcionalidade de concordância de sujei- concordância como verbos lexicais, verbos to na língua suaíli adulta, devido ao registro simples com morfologia simplificada. Sendo ou a fatores de discurso, pode fornecer uma assim, a codificação de relações gramaticais explicação para um grau mais alto de erros entre o sujeito e o objeto terá que se apoiar de concordância de sujeito. Parece que um em outras operações gramaticais, tais como fenômeno semelhante, no processo de aqui- ordem de palavras ou formas pronominais sição, pode ser encontrado com aprendizes realizadas por sinais de indicador. Tang et. al. que estão adquirindo a HKSL. (2006) também relatam que crianças surdas, Além disso, uma criança surda precisa em estágio inicial, analisam erroneamente adquirir o conhecimento que os loci espa- as construções classificadoras como verbos ciais ostentam indicadores referenciais e que simples e as tratam quase como uma unidade algumas formas para loci espaciais são lingüís­ Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 12 O estudo de Quadros e Lillo-Martin (2006) mostra que os sujeitos de sua investigação dominam o conheci- 232 mento de subcategorias de verbo bem cedo. Aquisição de concordância verbal em HKSL: opcional ou obrigatória? ticas. Em um discurso em línguas de sinais, longitudinais, também estabelecemos três verbos com valores ou de primeira ou de se- experimentos para examinar o estado de gunda pessoa gramatical não são bons can- conhecimento de concordância verbal da didatos para se investigar essa propriedade criança. Os experimentos são úteis, pois lingüística, porque o sinalizante e o receptor os estudos anteriores estão principalmente estão inerentemente presentes no discurso, o preocupados com dados longitudinais em que diminui o status concordância sintática, concordância verbal envolvendo referentes em favor da concordância locativa. Entretan- presentes. Neste estudo, estabelecemos três to, argumentamos que enquanto direcionar experimentos para examinar o processo de um verbo para um referente presente satisfaz aquisição de concordância verbal quando os a concordância locativa, direcionar um ver- referentes não estão presentes no discurso bo para um referente não presente com uma em línguas de sinais. forma fonológica fixa pode indicar o valor de pessoa gramatical intrínseco do referente, satisfazendo as exigências para concordância 4. Estudo 1: Dados longitudinais sobre sintática. Colocam-se, então as perguntas: Uma uma criança surda de HKSL criança surda de HKSL tem esse entendimento como parte de gramática de concordância ver- 4.1 O sujeito bal? Como uma criança surda adquire entendi- mento dessa parte de gramática em HKSL? O sujeito era um menino surdo chamado Resumindo, propomos as seguintes per- “Chun-chun” que nasceu de um casal sur- guntas de pesquisa: do, mas não foi exposto a input lingüístico a. Uma criança de HKSL passa por um está- de HKSL até a idade de 1;9.6, quando a ob- gio não flexionado na aquisição de morfo- servação iniciou. Durante esse período, ele logia de concordância verbal em HKSL? Se freqüentava uma creche especial que enfa- sim, o que causa tal desenvolvimento? tizava a oralidade, mas era exposto à HKSL b. Uma criança surda mostra evidência de quando seus pais interagiam com ele, depois opcionalidade para concordâncias de sujei- do trabalho, e quando a equipe de pesquisa, to e objeto, significando que tanto verbos constituída de dois sinalizantes surdos de flexionados, como verbos não flexionados nascença, visitava a família de Chun-chun, podem co-existir no decorrer do processo uma ou duas vezes por semana. Seus pais não de aquisição? nasceram de pais surdos e apenas seu pai era c. A criança conhece as restrições associadas um sinalizante fluente, pelo fato de ter fre- à concordância verbal, a saber, que certos qüentado uma escola para surdos, aos 6 anos. contextos exigem obrigatoriamente con- A mãe de Chun-chun não era sinalizante de cordância de sujeito e objeto em HKSL? nascença e tinha freqüentado uma escola de ensino regular, de alunos ouvintes, em seu Nas seções seguintes, relatarei dois es- processo de educação. Por essa razão, Chun- tudos sobre uma criança surda que desen- chun adquiriu a HKSL em um ambiente de volve morfologia de concordância verbal processo de aquisição precário, tanto em Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas em HKSL durante um período de apro- termos de quantidade, quanto em termos de ximadamente três anos. Além de dados qualidade de input. 233 Gladys Tang, Scholastica Lam, Felix Sze, Prudence Lau e Jafi Lee

4.2 Coleta de dados & Transcrição verificamos se Chun-chun estava direcio- nando o sinal de verbo para um referente As interações naturalistas de Chun-chun presente ou não presente no discurso em com sua mãe (apenas nos primeiros meses) línguas de sinais. ou com um sinalizante nativo surdo foram filmadas por aproximadamente uma hora por semana. Entretanto, os dados para esse 4.3 Resultados estudo foram extraídos das transcrições men- sais das gravações de vídeo entre os 2;6.17 e O verbo DAR é escolhido para análise por 5;7.20 anos, com um total de cerca de 38 ho- ser um verbo de concordância dupla, pos- ras de dados. Os vídeos foram transcritos por sibilitando aos pesquisadores analisar o de- pesquisadores surdos treinados que eram si- senvolvimento de Chun-chun, no que diz nalizantes de nascença e verificados por uma respeito à concordância de sujeito e objeto equipe de pesquisadores ouvintes, para ga- e à questão de assimetria, a ela relacionada. rantir a precisão das transcrições. Esse verbo é tríade e exige três argumen- Na análise, primeiramente extraímos as tos gramaticalmente expressos em termos produções de Chun-chun do verbo DAR, de sujeito, objeto e objeto indireto. Os 150 por todo esse período e categorizamos os sinais para o verbo DAR, produzidos por sinais, primeiro de acordo com a flexão Chun-chun durante esse período, são cate- verbal: se o verbo não era flexionado, dire- gorizados em: (i) verbo DAR não-flexiona- cionado espacialmente para referentes pre- do, (ii) verbo DAR direcionado para a lo- sentes, ou flexionados para concordância calização de um referente presente e, (iii) o de pessoa gramatical. Para as formas fle- verbo flexionado DAR para concordância xionadas, identificamos os padrões de con- de pessoa gramatical (ou seja, direcionar o cordância para verificar concordância de verbo via direcionalidade abstrata para um opcionalidade e obrigatoriedade. Por fim, locus espacial).

Figura 1. Produção do verbo DAR na idade entre 2;6.17 a 5;7.20 Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

234 Aquisição de concordância verbal em HKSL: opcional ou obrigatória?

Os dados mostram que Chun-chun Existe um período durante a qual o verbo produziu todas as três formas do verbo DAR não emerge nos dados. Então, o verbo DAR durante o período de observação. DAR reemerge em ambos os casos de for- A primeira ocorrência do verbo DAR fle- mas flexionadas e não-flexionadas. Em nossa xionado para concordância de pessoa gra- análise, os verbos direcionados aos referentes matical ou direcionado para o referente presentes não são as únicas evidências de con- presente se dá na idade de 2;6:17, mas ela cordância verbal sintática, porque a direciona- ocorre somente até a idade de 3;5.23 quan- lidade, sob essas circunstâncias, é uma função do Chun-chun produz, sistematicamente, de concordância locativa pelo fato de os refe- o verbo DAR. O exemplo (9) mostra que o rentes estarem presentes no discurso. Entre- verbo DAR é flexionado para o objeto de tanto, para aqueles casos em que a concordân- terceira pessoa gramatical, mas não para cia locativa é exigida, não existe evidência, nos o sujeito. dados, que mostre que Chun-chun direciona os sinais para um argumento inapropriado. (9) 0-DAR-3 MAIS VELHO-IRMÂO CO- Em seguida, examinamos a produção MER BOMBOM (3;5.23) do verbo DAR, por Chun-chun, por meio “[Mãe] dá ao irmão mais velho um da categorização do verbo de acordo com os bombom para comer.” padrões de concordância. Os resultados são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1. Produção do verbo DAR em padrões de concordância diferentes

Contextos Opcionais Contextos Obrigatórios

1-DAR-2 1-DAR-3 3-DAR-3 2-DAR-1 2-DAR-3 3-DAR-1 3-DAR-2

Não-flexionadas 5.00% (1/20) 50.00% 68.89% 0.00% 50.00% 29.17% 0.00% (9/18) (31/45) (0/12) (1/2) (7/24) (0/2) Direcionada para referentes 65.00% 0.00% 2.22% 75.00% 50.00% 0.00% 100.00% presentes (13/20) (0/18) (1/45) (9/12) (1/2) (0/24) (2/2)

Flexionadas para concordância 30.00% 50.00% 28.89% 25.00% 0.00% 70.83% 0.00% verbal (6/20) (9/18) (13/45) (3/12) (0/2) (17/24) (0/2)

A Tabela 1 resume as produções de Chun- nais para sujeito de primeira pessoa gramatical chun das diferentes formas do verbo DAR, e objeto de terceira pessoa gramatical (isto é, durante o período de observação. Quanto aos 1-DAR-3), igualmente distribuídos entre for- contextos de concordância opcional em HKSL, mas flexionadas e não-flexionadas. Onde o os sinais se agrupam predominantemente ao objeto é segunda pessoa gramatical (1-DAR- redor da concordância entre sujeito de tercei- 2), Chun-chun tende a direcionar o sinal a um ra pessoa gramatical e objeto de terceira pes- referente presente (65%), que é o pesquisador soa gramatical (isto é, 3-DAR-3). Entretanto, surdo. Entretanto, Chun-chun troca de papel Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas cerca de 68.89% dos sinais nessa categoria são para assumir primeira pessoa gramatical de sinais não-flexionados. Existem, apenas, 18 si- um outro sinalizante (isto é, 1-DAR-2), daí 235 Gladys Tang, Scholastica Lam, Felix Sze, Prudence Lau e Jafi Lee

ele produzir instâncias de concordância verbal sinais são flexionados. Entretanto, Chun- flexionada pra sujeito de primeira pessoa gra- chun, ainda assim, comete uma porcentagem matical e objeto de primeira pessoa gramati- significativa de erros de omissão: até a altura cal, resultando em cerca de 30% dos dados. de 29.1% de seus sinais sob os contextos 3- Por outro lado, a maioria dos sinais para DAR-1 são não-flexionados (isto é, 0-DAR- os contextos obrigatórios envolve sujeito de 0). Existem pouquíssimos contextos de 2- primeira ou segunda pessoa gramatical e ob- DAR-3 ou 3-DAR-2; os sinais mostram que jeto de primeira pessoa gramatical (isto é, 2- Chun-chun ou direciona os verbos para os DAR-1, 3-DAR-1). 75% dos sinais nos con- referentes presentes ou os deixa não-flexio- textos 2-DAR-1 incluem direcionar o sinal de nados. As figuras 2 e 3 mostram as produções verbo para referentes presentes e Chun-chun de Chun-chun do verbo DAR nos contextos produz também 25% de instâncias de con- opcionais e obrigatórios ao longo do tempo. textos 2-DAR-1 sob condições de troca de A figura 2 mostra que existem mais sinais do papel, o que sugere que ele tem algum enten- verbo DAR não-flexionados que flexionados dimento no que diz respeito à atribuição de nos contextos opcionais, porém menos ainda valor de segunda pessoa gramatical para loci nos contextos obrigatórios, como pode ser espaciais abstratos. Quanto a contextos de 3- visto na Figura 3. Embora Chun-chun seja DAR-1, 70.83% dos sinais são flexionados. Se sensível aos contextos obrigatórios para con- assumirmos que a primeira e a segunda pes- cordância de pessoa gramatical, as duas figu- soa gramatical podem encorajar o direciona- ras mostram que ele prefere formas do verbo mento do sinal para os referentes presentes, DAR não-flexionadas a formas flexionadas esses resultados mostram que essas pessoas nos contextos opcionais e continua a pro- gramaticais podem funcionar como uma ân- duzir formas do verbo DAR não-flexionadas cora para que a criança adquira marcação de nos contextos obrigatórios mesmo na idade sujeito para terceira pessoa gramatical. Isso é de 5;7; isso sugere, apenas, que ele ainda não bem diferente de sua produção no contexto adquiriu completamente essa gramática e não opcional 3-DAR-3 onde apenas 28.89% dos é sensível às restrições envolvidas. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

236 Figura 2: Produção do verbo DAR em contextos opcionais Aquisição de concordância verbal em HKSL: opcional ou obrigatória?

Figura 3: Produção do verbo DAR em contextos obrigatórios

Resumindo, Chun-chun sofreu um es- empobrecido em seu ambiente de aquisição tágio de concordância verbal não-flexionada são fatores cruciais que afetam sua aquisição (Pergunta de Pesquisa 1). Existe evidência de de HKSL. Primeiramente, devido à sua for- opcionalidade em concordância de pessoa mação, a quantidade de input pode não ser gramatical em contextos opcionais (Pergunta suficiente para facilitar o processo de aquisi- de Pesquisa 2), mas Chun-chun parece super- ção de línguas. Além disso, a opcionalidade produzir opcionalidade nos contextos obri- de concordância verbal na gramática adulta gatórios, o que conduz a uma porcentagem pode resultar em ambigüidade nos dados de significativa de produção errônea. Apesar input. Provavelmente, argumentar que ele disso, a porcentagem de formas flexionadas atingiu um nível de entendimento de opcio- para concordância de objeto de primeira pes- nalidade semelhante ao dos adultos surdos soa permanece alta (Pergunta de Pesquisa 3). nativos é precipitado, uma vez que os dados Existem muitas instâncias de direcionamento mostram que ele prefere não flexionar nos de um sinal para um referente em contextos contextos opcionais e superproduzir esse en- envolvendo primeira e segunda pessoa gra- tendimento de opcionalidade nos contextos matical, mas Chun-chun raramente falha em obrigatórios. identificar, apropriadamente, o referente em Em termos de processo de aquisição, tal outros contextos. opcionalidade pode ser estendida a como Chun-chun omite concordância de ob- Chun-chun percebe e diferencia os tipos de jeto mesmo nos contextos obrigatórios ao verbos em HKSL. De fato, no processo de longo do tempo, o que é uma característica aquisição de concordância verbal, Chun- de aprendizes tardios, resultado relatado em chun também precisa identificar que tipo de Morford (2003) e Lillo-Martin et. al. (2005). verbo admite a propriedade de morfologia

Do ponto de vista da aquisição, a idade de de concordância verbal. Os dados aqui não em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Chun-chun no início do processo de aquisi- lidam com a questão de erros de autoridade, ção de língua de sinais e o input de estímulo isto é, impondo concordância de pessoa gra- 237 Gladys Tang, Scholastica Lam, Felix Sze, Prudence Lau e Jafi Lee

matical em verbos simples. Entretanto, ob- que mostre que alguns verbos exigem morfo- servamos que a ausência de concordância de logia de concordância de pessoa gramatical. Se pessoa gramatical de Chun-chun é geralmen- nosso argumento procede, o conhecimento te compensada, não apenas pelos sinais indi- de marcação de morfologia de concordância é cadores pronominais, mas também pelos si- acionado por evidência positiva específica em nais de nome ou substantivos comuns em sua condições obrigatórias e isso faz a criança per- produção. Como discutido na seção anterior, ceber que existem subcategorias de verbo em nomes próprios ou substantivos comuns são, línguas de sinais. Erros de autoridade, como inerentemente, de terceira pessoa gramatical. os relatados em estudos anteriores, são exem- Para lidar com essa questão, selecionamos plares desse processo de aquisição. A fim de sistematicamente 7 sessões com um intervalo investigar essa questão mais detalhadamente, de 6 meses nos dados longitudinais em que desenhamos uma série de procedimentos ex- identificamos 27 sinais do verbo DAR para perimentais para verificar o entendimento de uma análise mais minuciosa. Os dados mos- concordância verbal de Chun-chun. tram que Chun-chun utiliza muitos sinais de nome e seus sinais indicadores são, em sua maioria, espacialmente direcionados aos re- 5. Estudo II: Procedimentos ferentes presentes (primeira pessoa gramati- experimentais cal ou objeto) e, em alguns casos, direciona- dos a um locus espacial, como mostrado nos O estudo II envolve três tarefas de elicitação exemplos (10a – 10b): baseadas no verbo DAR: (a) Tarefas de Refe- rentes Presentes (RP) (Present Referents Task (10a) 1X-1ªp 0-DAR-0 MAIS NOVA_IRMÃ (PR)), (b) Tarefas de Recontar Estórias (RE) LIVRO. (Story Retelling task (SR)) e (c) Tarefa de “Eu dou um livro para minha irmã Julgamento de Valor-real (JV) (Truth-value mais nova”. Judgment Task (TJ)). Para a tarefa RP, objeti- (10b) (BRENDA) CL: biscoito_palito 0-DAR- vamos confirmar se Chun-chun era sensível à 0 IX-3ªp. concordância locativa com um referente pre- “Brenda dá biscoito-palito para ele sente no discurso de línguas de sinais. Nessa (Kenny)”. tarefa, nosso pesquisador surdo realizou a ação de dar alguma comida para um objeto localizado na sala. Chun-chun foi solicitado Por essa razão, as formas não-flexionadas a descrever o que o pesquisador surdo tinha são geralmente seguidas por um substantivo feito e foi instigado a produzir elocuções comum ou por um nome, ou um sinal IX di- como “Connie dá o peixe para o gato”. Os recionado a um referente presente. Isso sugere beneficiários do verbo DAR (isto é, os obje- que Chun-chun pode assumir, inicialmente, tos indiretos) foram colocados em vários lo- que todos os verbos são apenas simples e a pes- cais na sala e alguns dos quais não obedeciam soa gramatical é codificada por outros meios às localizações espaciais convencionais para Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas gramaticais, assim como o indicador ou sinais concordância de pessoa gramatical em HKSL, 238 de nome até ele encontrar evidência positiva como, por exemplo, colocar o objeto indire- Aquisição de concordância verbal em HKSL: opcional ou obrigatória? to nas costas da criança sinalizadora. Existem estabelecidos para testar a gramaticalidade. quatros sinais para testar o entendimento de Chun-chun de direcionar o sinal para refe- (11) Episódio: Connie dá um bombom rentes presentes no discurso. para Brenda. A tarefa de RE tinha a vantagem de exa- Estímulos: (11a) Kenny: “CONNIE minar se o entendimento de Chun-chun BOMBOM 3DAR3 quanto a usar loci referenciais no espaço era BRENDA” √ suficiente para estabelecer concordância de (11b) Kenny: “CONNIE pessoa gramatical com o verbo. Essencial- BOMBOM 2DAR1 mente, o uso da tarefa ‘recontar estórias’ BRENDA” x também nos permitiu examinar como Chun- chun codificou a concordância verbal em Chun-chun, primeiramente, viu o epi- contextos de referentes mencionados pela sódio mostrado no computador; em um se- primeira vez com o valor de terceira pessoa gundo momento, julgou as sentenças consi- gramatical, que para nós era um teste litmo derando sua gramaticalidade: para cada uma, para aproveitar o entendimento de Chun- ele indicou seu julgamento pressionando ou chun de morfologia de concordância abstra- o botão “correto” ou o botão “errado”. Para ta. Novamente, concentramos a atenção no os distratores, incorporamos os clipes de verbo DAR. Nesta tarefa, Chun-chun tinha construções classificadoras, utilizando verbos que assistir uma estória em língua de sinais de movimento que mostravam movimento por um pesquisador nativo surdo A e relacio- de classificador de pessoa gramatical de uma ná-la ao pesquisador nativo surdo B. O even- localização para outra, de maneira diferente. to de sinalização era gravado, transcrito por Um sinalizante nativo surdo foi convidado a um pesquisador nativo surdo, para garantir completar a tarefa cujos dados foram utiliza- precisão e pontuado segundo a concordância dos para comparação basal (baseline). verbal. A tarefa de JV envolveu três eventos As tarefas foram administradas na se- em vídeo - tape baseados no verbo DAR ou qüência de RE > RP > JR, por cerca de cin- com concordância de pessoa gramatical op- co meses. Para pontuar as tarefas, foi dado cional ou obrigatória em HKSL. Os eventos ponto ‘1’ para a produção correta do verbo descreveram uma ocorrência simples de “A DAR com direcionalidade de concordância dar um bombom para B”. Depois de assistir locativa na tarefa RP. Para a tarefa JV, as aos vídeo-clipes, um pesquisador nativo sur- respostas corretas receberam uma pontua- do sinalizou uma série de sentenças baseadas ção ‘1’ e as respostas incorretas receberam na proposição do evento. Algumas sentenças a pontuação ‘0’. Para a tarefa RE, sinais de eram gramaticais e algumas não. Por exem- concordância verbal foram coletados de plo, se um evento retratava que “Connie dá Chun-chun e codificados para flexão de um bombom para Brenda”, um pesquisador concordância de pessoa gramatical, uso nativo surdo (Kenny) que “assume um ponto de loci referenciais e troca de papel, assim de vista exterior” poderia sinalizar sentenças como marcadores. Os sinais que mostraram como (11a) e (11b) abaixo. Durante o con- flexão foram categorizados em mais detalhe, Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas trole da consistência do conteúdo proposi- em diferentes padrões de concordância, para cional, vários padrões de concordância foram uma análise mais minuciosa. 239 Gladys Tang, Scholastica Lam, Felix Sze, Prudence Lau e Jafi Lee

6. Resultados ria. Chun-chun produziu 8 sinais de concor- dância de pessoa gramatical somente sob 7 6.1 Tarefa de Recontar Estória contextos, perdendo 2. A Tabela 2 apresen- ta uma análise qualitativa das produções de Na tarefa de RE, existem nove contextos para Chun-chun de padrões de concordância de concordância de pessoa gramatical na estó- pessoa gramatical.

Tabela 2: Análise do verbo DAR na Tarefa RE de Chun-chun

Nativo Chun-chun Contexto # Concordância de pessoa Contexto # Concordância de pessoa gramatical gramatical

#1 QUERER 1-DAR-3i KENNY 1-3(locus i) #1 QUERER COMPRRAR 0- 0-0 BRENDA DAR-0 KENNY COMER

#2 BOMBOM gestual: dar_me 2(locus j) - 1, # KENNY 0-VER-1j DIZER 2 (locus j)-1 #3j-DAR-1 DOIS gestual: 2j-DAR-1 COMER +troca de papel dar_me +troca de papel +marcadores +marcadores # BOMBOM 1-DAR-2i 1-DAR-i 1-2(locus i) # CONNIE DIZER PODE, 1- 1-2 (locus j) DAR-2j, IX IX DOIS, +troca de papel k p +troca de papel +marcadores +marcadores 1-3 (locus k) 1-DAR-3k DOISj #4 QUERER 1-DAR-3j 1-3 (locus j) #4 KENNY QUERER 0-DAR-0 0-0 BRENDA +troca de papel BRENDA + marcadores

#5 VER KENNY BOMBOM 3i- 3 (locus i)-3 (locus j) #5 CL:segurar-bombom 0-0 DAR-3j BRENDA -sem troca de papel 0-DAR-0 BRENDA #6 KENNY BOM 1-AJUDAR-3j 2 (locus j)-1 #6 ------gestual “dar-me” 3j-DAR-1 +troca de papel +marcadores

#7 CL:embalagem_abrir 1- 1-3 (locus j) #7 KENNY CL:abrir_ 0-0 DAR-3j BRENDA +troca de papel embalagem 0-DAR-0 +marcadores #7b CL:abrir_embalagem 0- 0-3 (locus p) DAR-3 BRENDA

#8 2j-DAR-3i KENNY 2 (locus j)-3 (locus i) #8 IXm NÃO COMER, 0-DAR- 0-0 -troca de papel 0 KENNY #9 3j-DAR-1 3 (locus j)-1 #9 ------*marcadores incluem virada de corpo, virada de cabeça ou direção do olhar (eye gaze).

A Tabela 2 mostra que as formas do ver- assimetria sujeito/objeto na aquisição de con- bo DAR produzidas por Chun-chun geral- cordância verbal. Além disso, esse verbo rara- mente são mais flexionadas para concordân- mente flexiona ou para sujeito ou para objeto, Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas cia de objeto, do que para concordância de quando os contextos permitem concordância 240 sujeito, o que fornece evidência para apoiar a verbal opcional, tais como sujeito de primeira Aquisição de concordância verbal em HKSL: opcional ou obrigatória? pessoa gramatical e objeto de terceira pessoa refere a um objeto indireto de terceira pes- gramatical (por exemplo: Contexto #4), ou soa gramatical como o sinalizante nativo faz sujeito de terceira pessoa gramatical e objeto na maioria das situações na tarefa. Os dados de terceira pessoa gramatical (por exemplo: mostram que ele ou o evita (Contexto #7) ou Contexto #5). Contudo, em duas contagens, troca de papel, para direcionar um sinal ver- Chun-chun tenta “consertar” a flexão verbal. bal a um locus espacial para o sujeito de se- Um exemplo é o Contexto #7 com os dados gunda pessoa gramatical (isto é, Contexto #2 repetidos em (12): e #3). Isso sugere que Chun-chun tem enten- dimento, ainda que limitado, de concordân- (12) KENNY CL: abrir_embalagem 0- cia sintática para segunda pessoa gramatical DAR-0, CL: abrir_embalagem 0-DAR- por meio do estabelecimento de um locus 3 BRENDA. abstrato de segunda pessoa no espaço. “Kenny desembrulha o bombom e A observação anterior dos lados longi- (o) dá para (Brenda), desembrulha o tudinais, que Chun-chun recorre a sinais bombom e (o) dá para Brenda”. de nome ou sinais de indicador para tornar transparente a necessidade de concordância de pessoa gramatical, é, também, evidenciada No exemplo (12), Chun-chun primeiro na tarefa. A Tabela 2 mostra que, exceto para sinaliza uma forma não-flexionada do ver- um contexto (isto é, Contexto #7), um sinal bo DAR e então muda para 0-DAR-3, para de nome sucede o verbo não-flexionado em atribuir um locus para o objeto direto BREN- quatro de cinco sinais (isto é, Contextos #1, DA. Isso sugere que Chun-chun tem algum #4, #5 e #8). Os nomes próprios são, ineren- entendimento, ainda que limitado, de como temente, relativos à terceira pessoa gramati- direcionar o sinal através de uma forma fo- cal, em termos semânticos. Existe um sinal nológica convencional para codificar valor de que mostra que um sinal de nome também terceira pessoa gramatical e, por essa razão, sucede o verbo DAR, o qual é flexionado para evidencia a concordância sintática de objeto. terceira pessoa gramatical, mas não-flexiona- Fora dos três contextos que exigem concor- do para segunda pessoa (Contexto #7b), de dância obrigatória de objeto (isto é, Contex- maneira quase idêntica àquela do sinalizante tos #2, #6 e #9), apresentados por um sina- nativo surdo. lizante nativo surdo, Chun-chun criou ape- nas um (isto é, Contexto #2) com flexão de concordância de pessoa gramatical correta. 6.2 Tarefa de Referentes Presentes Entretanto, ele erra quando o contexto exi- ge concordância obrigatória de sujeito (por Uma vez que os estímulos envolvem o sujei- exemplo: Contexto #8). Quanto à utilização to e o objeto de terceira pessoa gramatical, de loci espaciais para concordância verbal, tanto a forma não-flexionada, como a for- Chun-chun ou direciona o verbo para os loci ma direcionada espacialmente são aceitáveis. diferentes no espaço ou ele adota consistente- Entretanto, Chun-chun prefere adotar a for- mente um locus para quase todos os referen- ma não flexionada para sujeito, mas escolhe, Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas tes. Embora inadequadamente, Chun-chun opcionalmente, direcionar o verbo para a tenta trocar de papel, mas ele raramente se localização dos objetos indiretos presentes 241 Gladys Tang, Scholastica Lam, Felix Sze, Prudence Lau e Jafi Lee

no discurso. Existem quatro estímulos nes- sentença utilizam o verbo DAR para codifi- sa tarefa e Chun-chun produz um total de car a relação gramatical do sujeito e objeto sete sinais do verbo DAR, distribuídos en- indireto e Chun-chun precisa julgar se o pa- tre quatro objetos indiretos no padrão de 3 drão de concordância é compatível para tal -1-1-2. Nenhum deles mostra evidência de relação. Enquanto a proposição permanece concordância verbal sintática, eles estão, ou a mesma, algumas das sentenças de estímu- em formas não-flexionadas, ou direcionados los utilizam um padrão de concordância in- espacialmente para os objetos indiretos. Dos compatível que faz com que as sentenças se sete sinais, quatro são formas não-flexiona- tornem agramaticais. Metodologicamente, das, como em (13) 13: assumimos que se Chun-chun tem entendi- mento de opcionalidade de concordância de (13) CONNIE LEITE 0-DAR-0 BEBÊ BE- pessoa gramatical em HKSL, bem como das BER_LEITE. restrições relacionadas, ele aceitará as for- “Connie dá ao bebê leite para beber”. mas flexionadas e não-flexionadas do verbo DAR sob as condições 3-DAR-3 e 1-DAR-3, Enquanto nenhum sinal mostra concor- ao passo que ele rejeitará a forma não-fle- dância de sujeito, três sinais são direcionados xionada e aceitará a forma apropriadamente espacialmente para a localização dos objetos flexionada do verbo DAR, sob a condição 3- indiretos, dois para o “macaco” localizado DAR-1. Além do mais, Chun-chun rejeitará diretamente na frente de Chun-chun e um sistematicamente aqueles padrões incompa- para o “bebê” na parte da frente. tíveis de concordância porque elas violam a Considerada em seu conjunto, a tarefa interpretação das condições experimentais. oferece algumas evidências que Chun-chun O pré-teste utilizando o verbo RALHAR tem entendimento de concordância locativa. mostra que Chun-chun não tem problema de Diferentemente do sinalizante nativo, ele não compreender os episódios e a exigência da ta- adota, necessariamente, concordância locativa, refa. Os julgamentos de Chun-chun das for- ainda que os referentes estejam presentes. Para mas gramaticais em várias condições não são aqueles casos em que ele adota concordância consistentes o bastante para indicar aquisi- locativa, o verbo é direcionado espacialmente ção completa. Na condição 3-DAR-3, Chun- mais para o objeto do que para o sujeito. chun aceita a forma não-flexionada e a forma 0-DAR-3, mas ele rejeita a forma apropria- damente flexionada 3-DAR-3. O sinalizador 6.3 Tarefa de Julgamento de Valor-Real nativo surdo, por outro lado, julga essas três sentenças de estímulos como sendo grama- Existem três condições experimentais – 3- ticais. Além disso, se por um lado a forma DAR-3, 3-DAR-1 e 1-DAR-3 – para a tarefa não-flexionada e a forma apropriadamente de JR. Como mencionado, os estímulos da flexionada 1-DAR-3 são gramaticais, de acor-

13 Entre eles, 2 sinais do verbo DAR envolvem um objeto indireto (isto é, “o cachorro” ou o “gato”) localizado

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas nas costas de Chun-chun. Entretanto, sinalizantes surdos geralmente direcionam espacialmente o verbo para referentes presentes, mas utilizam a forma não-flexionada seguida por um sinal de nome, quando o referente 242 não está presente. Aquisição de concordância verbal em HKSL: opcional ou obrigatória? do com os julgamentos do sinalizante nativo a forma apropriadamente flexionada 3-DAR- surdo, Chun-chun rejeita a forma não-flexio- 1. Os resultados mostram que o entendimen- nada, mas aceita a forma flexionada 1-DAR- to de Chun-chun de concordância de pessoa 3. Por fim, Chun-chun aceita a forma não- é variável, o que significa que ele ainda não flexionada para o contexto 3-DAR-1, que não adquiriu opcionalidade completa de concor- é aceitável de acordo com os julgamentos do dância de sujeito e objeto em HKSL, nem as sinalizante nativo surdo. Ele rejeita também restrições relacionadas.

Tabela 3: Desempenho de Chun-chun na Tarefa JR

A. Contexto 3-GIVE-3 Chun-chun Sinalizante nativo surdo Não-flexionada gramatical 1 1 3_3 gramatical 0 1 0_3 gramatical 1 1 2_1 agramatical 0 1 3_1 agramatical 0 1

B. Contexto 1-GIVE-3 Não-flexionada gramatical 0 1 1_3 gramatical 1 1 3_1 agramatical 1 1 3_3 agramatical 1 1 2_1 agramatical 1 1 2_3 agramatical 0 1

C. Contexto 3-GIVE-1 Não-flexionada agramatical 0 1 3_1 gramatical 0 1 3_3 agramatical 1 1 2_3 agramatical 0 1 1_3 agramatical 0 1

Os julgamentos de Chun-chun dos estí- tos específicos são de maneira imprecisa, de mulos agramaticais são mais precisos apenas acordo com a situação. com a condição 1-DAR-3, uma vez que três dos quatro itens são julgados corretamen- te como sendo agramaticais. Ele falha em 7. Discussão todos os itens agramaticais na condição 3- DAR-3 e em três dos quatro estímulos agra- Os resultados de dados longitudinais e ex- maticais, na condição 3-DAR-1. Observe-se perimentais revelam que o entendimento de que, quando Chun-chun rejeita uma forma Chun-chun de concordância de sujeito mos-

apropriadamente flexionada sob as condi- tra grande variabilidade. Considerados em em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas ções 3-DAR-3 e 3-DAR-1, seus julgamentos sua totalidade, os dados longitudinais mos- de formas agramaticais para esses contex- tram que Chun-chun produz tanto formas 243 Gladys Tang, Scholastica Lam, Felix Sze, Prudence Lau e Jafi Lee

flexionadas, como formas não-flexionadas entendimento representa alguma compreen- do verbo DAR, para concordância de pessoa são ‘tácita’ do que é e do que não é possível gramatical e que um padrão é também ob- na gramática, o ‘estado-final’ de aquisição servado em contextos onde o verbo flexiona- de língua. Embora os dados de Chun-chun do não é admitido. Os dados experimentais consistentemente mostrem a co-existência também mostram que Chun-chun prefere de formas flexionadas e não-flexionadas en- usar formas não-flexionadas nas Tarefas RP tre os padrões de concordância, é prematuro e RE. A Tarefa JR revela que o entendimen- equacionar tal estado de conhecimento a ter to de Chun-chun de concordância de pessoa epistemologia semelhante à de um sinalizan- gramatical mostra variabilidade nas duas te nativo. Observe-se que, nos dados longitu- formas de verbos (flexionados e não-flexio- dinais, existem mais formas não-flexionadas nados), em condições diferentes. Por isso, que formas flexionadas do verbo DAR em, argumentamos que, embora em alguns con- pelo menos, dois contextos de concordância textos onde a opcionalidade pode ser a nor- e aproximadamente cerca de 30% de formas ma na gramática de adultos, o desempenho não-flexionadas nos contextos obrigatórios de Chun-chun parece revelar que seu enten- (Tabela 1). Isso sugere que o entendimento dimento de opcionalidade em concordância de Chun-chun de opcionalidade de concor- de pessoa gramatical pode ter propriedades dância verbal em HKSL não é tão restrito intrínsecas que são diferentes das de adultos. quanto ao entendimento exibido por um Como mencionado em 6.3, a opcionalidade sinalizante nativo. Esse efeito é corroborado de concordância verbal em línguas de sinais pelos resultados experimentais que mostram está sendo restringida ou por uma posição que Chun-chun tende a utilizar formas não- sintática, como em ASL ou em BSL, no sen- flexionadas do verbo DAR, nas tarefas RE e tido de que apenas a concordância de sujeito RP. Esse “entendimento intermediário”; de é opcional e a concordância de objeto tem se opcionalidade emerge por meio da tarefa tornado obrigatória, ou por uma interação de de JR, uma vez que os resultados mostram posição sintática e valor de pessoa gramatical, Chun-chun tem problemas de julgamento como em HKSL, onde o sujeito de segunda de formas não-flexionadas, em, pelo menos, pessoa gramatical ou o objeto de primeira duas condições de concordância. Se o pro- pessoa gramatical precisa ser marcado; nas cesso de aquisição de língua é baseado em outras situações, a concordância de sujeito e evidência positiva, claramente o input para objeto é opcional. Isso levanta uma questão a criança surda é ambíguo, uma vez que as de aprendibilidade: o que faz a criança en- formas não-flexionadas e formas flexiona- tender que a opcionalidade de concordância das emergem nos input adultos, o que leva a verbal em HKSL vem com restrições? Argu- um problema de aprendibilidade, porque a mentamos que para caracterizar a gramática criança precisa buscar uma evidência positi- adulta com relação à concordância verbal, a va específica que restringe sua gramática em opcionalidade tem sido medida em compa- conformidade com a posição sintática e com ração com obrigatoriedade, porque os julga- o valor de pessoa gramatical. mentos de um sinalizante nativo mostram O que leva a criança surda a restringir que eles têm o entendimento de qual forma sua gramática superproduzida? Previmos que Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas é opcional ou obrigatória, sob quais condi- não são os dados que mostram a condição de 244 ções. Na terminologia de Lust (2006), tal especificidade, como sugerido no estudo de Aquisição de concordância verbal em HKSL: opcional ou obrigatória?

Deen sobre a aquisição de suaíli por crianças. respeito à falta de erros de omissão de con- Na aquisição de línguas de sinais, como men- cordância de pessoa gramatical em contextos cionado na seção 1.2, a evidência positiva obrigatórios, como evidência para apoiar a específica pode originar-se de duas fontes de hipótese que aprendizes de línguas de sujeito input adulto: (a) de locus de terceira pessoa nulo não mostram um Estágio de Infinitivos gramatical para um referente não presente na Opcionais (Optional Infinitives Stage), como condição 3-DAR-1, porque a evidência po- argumentado por Guasti (2002), em aprendi- sitiva exige consistentemente concordância zes ouvintes de língua italiana e Lillo-Martin obrigatória de objeto e (b) locus de segunda et. al. (2005) em crianças surdas, aprendizes pessoa gramatical sob a condição de troca de de ASL e LSB. Entretanto, o estudo oferece a papel em que o sinalizante precisa mudar o perspectiva de “opcionalidade intermediária” plano de articulação e direcionar o sinal para na aquisição de concordância verbal em lín- um novo locus espacial, indicando uma se- gua de sinais, o que pode ser o resultado das gunda pessoa gramatical. Embora os verbos análises iniciais errôneas dos aprendizes, que que direcionam o sinal para o sinalizante e o verbos em línguas de sinais são morfologica- receptor como referentes presentes têm va- mente simples durante os primeiros estágios lor de pessoa gramatical pouco especificado e de aquisição de língua: isso enfraquece a dis- obscurecido por concordância locativa, sinali- tinção entre verbos simples e verbos de con- zantes que direcionam um verbo para loci es- cordância e, provavelmente, predicados clas- paciais sob a condição primeiro mencionada sificadores. Como o estudo mostrou, mesmo podem nos dar uma pista sobre a concordân- que as produções de dados naturalistas sejam cia verbal sintática. Os sinais de troca de papel úteis, são necessários dados experimentais, a na tarefa de RE mostram que Chun-chun ad- fim de verificar essa hipótese de maneira mais quiriu algum entendimento de concordância sistemática. O presente estudo, uma tentati- verbal sintática, mas mostram, também, viola- va de verificar a situação de entendimento de ção de restrições de concordância verbal. uma criança surda de concordância verbal em HKSL a partir de procedimentos experimen- tais baseados em apenas um verbo, é um tanto 8. Conclusão exploratório. Os autores evidenciam a neces- sidade de se investigar um número maior de Nesse estudo, investigamos a aquisição de verbos de concordância, com uma metodolo- concordância verbal em HKSL por uma crian- gia experimental mais refinada. ça surda, utilizando produção naturalista, as- sim como dados experimentais, para verificar a condição de entendimento da criança surda, Convenções Notacionais no processo de aquisição de línguas. Os resul- tados revelam que ele viola, consistentemente, 1. Os sinais são glosados em caixa alta com as as restrições de concordância verbal e super- traduções portuguesas mais aproximadas. produz verbos de concordância não-flexiona- Os sinais que exigem mais de uma palavra dos, durante o período de observação. Dado o na tradução para o português são ligados contexto de Chun-chun, esse estudo falha em por hífen (por exemplo: BEBER_LEITE). Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas tratar das questões direcionadas às primeiras 2. A marcação de concordância é glosada aquisições da criança, sobretudo no que diz como 1 (primeira pessoa gramatical), 2 245 Gladys Tang, Scholastica Lam, Felix Sze, Prudence Lau e Jafi Lee

(segunda pessoa gramatical) e 3 (terceira BOGAERDE, B. V.; Baker, A. E. Verbs in the lan- pessoa gramatical). Se um verbo de con- guage production of one deaf and one hearing cordância é marcado tanto para concor- child of deaf parents. Pôster apresentado na dância de sujeito-verbo, como para concor- 5th International Conference on Theoretical dância de verbo-objeto, o verbo é glosado Issues on Sign Language Research, September como 1-DAR-3, 1-DAR-2 ou 3-DAR-1. Se 1996, Montreal, Canadá, 1996. um verbo de concordância é marcado ape- CASEY, S. Relationships between gestures and nas para a concordância verbo-objeto, o si- signed languages: Indicating participants in nal é glosado como 0-DAR-3. Localizações actions. Artigo não publicado apresentado no às quais os verbos de concordância são dire- 7th International Conference on Theoretical cionados são representadas com i, j e m. A Issues in Sign Language Research, Amsterdam, produção de Chun-chun de direcionalidade Holanda, 2000. não-adulta é representada como k e p. CORBETT, G. G. Agreement in Slavic. Workshop on Comparative Slavic Morphosyntax. Indiana University, 1998. CORMIER, K. Grammaticization of Indexic Signs: How American Sign Language Expresses Numerosity. Tese de Doutorado - University of Texas, Austin, 2002. CROFT, W. Agreement vs case marking and di- rect objects. In: BARLOW, M.; Ferguson, C. A. (Orgs.). Agreement in Natural Language: Approach, Theories, Descriptions. Stanford: CSLI, p. 159-179, 1998. DEEN, K. U. Subject Agreement in Nairobi Swa- hili. In: MUGANE, J. et al. (Orgs.). Trabalhos selecionados do 35th Annual Conference on African Linguistics. Somerville, MA: Cascadilla 3. Os predicados classificadores são glosados Proceedings, p. 225-233, 2006. como CL: descrição dos predicados classi- FISCHER, S. The deaf child’s acquisition of verb ficadores. inflection in American Sign Language. Artigo 4. Argumentos nulos permitidos por concor- apresentado no Annual Meeting of the Linguis- dância verbal são glosados como pro e ar- tic Society of America, San Diego, 1973. gumentos nulos permitidos por tópico de FISCHER, S.; GOUGH, B. Verbs in American discurso são glosados como e. Sign Language. Sign Language Studies, v. 7, p. 17-48, 1978. GUASTI, M. T. Language Acquisition: The Referências Growth of Grammar. Cambridge, Mass.: The MIT Press, 2002. HYAMS, N.; WEXLER, K. On the Grammatical

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248 Aquisição bilíngüe da Língua de Sinais Alemã e do alemão escrito: ausência de sincronia no desenvolvimento e contato com a língua1

Carolina Plaza Pust J. W. Goethe Universitaet Frankfurt am Main Knut Weinmeister Humboldt-Universitaet zu Berlin

Estudos sobre a aquisição e o uso de duas tivos que derivam das primeiras exposições ou mais línguas mostram que a mente huma- à língua de sinais para a aquisição do letra- na é bem equipada para lidar com situações mento de jovens sinalizantes surdos de acordo de contato e mostram também que indivídu- com a Teoria da Interdependência de Cum- os bilíngües exploram habilidosamente seus min (Dubuisson et al., no prelo, Hoffmeister recursos lingüísticos (Auer 1998; Muysken 2000, Niederberger, no prelo, Strong & Prinz 2004; Myers-Scotton 2002; Tracy 1996, 12). 2000; para uma forte crítica sobre esse mo- Enquanto fenômenos de contato de lingua- delo vide Mayer & Wells 1996). Entretanto, gem, como por exemplo, a alternância de có- poucos estudos foram dedicados à investi- digos ou a mistura de elementos de duas lín- gação da interação das duas línguas no nível guas distintas na produção de bilíngües são gramatical. Teorias sobre aquisição de se- freqüentemente considerados como evidência gunda língua e bilingüismo vêm sendo refi- de confusão lingüística, há, atualmente, um nadas nestas três últimas décadas e elas vêm consenso na área da pesquisa em bilingüismo trazendo novas perspectivas sobre o assunto. de que esses fenômenos refletem uma intera- Se, como é pressuposta, a mistura de línguas ção sofisticada entre duas gramáticas distintas ocorre como um fenômeno limitado ao de- durante a produção de falantes/sinalizantes senvolvimento que afeta propriedades lin- bilíngües. No campo da lingüística evolutiva, güísticas específicas durante fases específicas o estudo de fenômenos de contato de lingua- no desenvolvimento bilíngüe de duas línguas gem na produção de aprendizes bilíngües per- faladas, levanta-se a questão em relação a esse mite investigações futuras sobre as estruturas fenômeno também interferir na aquisição de disponíveis e sobre a consciência metalingüís- um par de línguas de modalidades diferentes. tica de seu bilingüismo (cf. Lanza 1997, Tracy Para responder a essa questão, investigamos & Gawlitzek-Maiwald 2000 entre outros). o papel do contato de linguagem na aquisição Nos estudos em bilingüismo em sinais, bilíngüe da Língua de Sinais Alemã (DGS) há um consenso geral sobre os efeitos posi- e alemão escrito por alunos surdos no pro-

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Elaine Espíndola, Thiago Blanch Pires, Carolina Vidal Ferreira. Carolina Plaza Pust e Knut Weinmeister

grama de educação bilíngüe de Berlim. Este aproximadamente de 5000 a 6000 línguas no estudo é parte integrante de uma ampla in- mundo e aproximadamente 200 estados in- vestigação longitudinal no desenvolvimento dependentes. Mesmo que as línguas não este- bilíngüe de tais alunos. jam distribuídas igualmente entre os estados, Este artigo está organizado da seguinte é possível afirmar que a maioria da popula- maneira. Começaremos observando o bilin- ção mundial utiliza duas ou mais línguas no güismo e o contato de linguagem em termos dia-a-dia. gerais antes de sintetizar as principais suposi- Se os indivíduos bilíngües escolhem uma ções acerca da mistura de línguas na aquisição língua e não a outra, ou uma combinação das bilíngüe de duas línguas faladas. Após essa duas, isso depende de diversos fatores, como sessão, haverá uma breve apresentação do por exemplo, os próprios interlocutores, o presente estudo e dos participantes do pro- conhecimento das línguas, a situação, o as- grama de educação bilíngüe de Berlim. Na se- sunto da conversa e a função da interação qüência, analisaremos os resultados obtidos. lingüística (cf. Fontana 1999; Grosjean 1982, A sessão de análise é dividida em duas partes: 1992, 1998a, 1998b, Romaine 1996; Winford a primeira é dedicada ao desenvolvimento do 2003). O mesmo ocorre com sinalizantes bi- DGS, a segunda, ao desenvolvimento alemão língües, embora limitações na percepção e escrito. A respeito do fenômeno de contato produção da língua falada condicionem a es- de linguagem nas narrativas sinalizadas e es- colha da língua base. critas, procuraremos determinar o que apre- A respeito do fenômeno de contato de senta mistura de línguas e se a mistura é limi- linguagem, a maior parte das pesquisas foi tada pelo desenvolvimento (i.e. há mudanças dedicada à investigação das situações em no decorrer do tempo?). Finalmente, sinteti- que duas línguas faladas estão em conta- zaremos as principais conclusões que podem to. Entretanto, estudos sobre a produção de ser tiradas com base nas evidências coletadas. língua por sinalizantes bilíngües nos forne- Em seguida, esboçaremos brevemente algu- ceram evidências intrigantes a respeito da mas questões que ainda precisam ser resolvi- complexidade do fenômeno intermodal, isto das em estudos futuros. é, fenômenos de contato que envolvem duas línguas de diferentes modalidades, ex. uma língua sinalizada e uma língua falada (Boyes 1. Bilingüismo e contato com a língua Braem & Sutton-Spence 2001; Brentari 2001; Emmorey et al. 2003; Kuntze 2000; Lucas São abundantes os mitos em relação ao supos- 1989). É importante ressaltar que essas situa- to status “excepcional” do bilingüismo e seus ções de contato envolvem língua falada e es- potenciais efeitos negativos nas capacidades crita, sistemas de sinais artificiais e o uso de lingüísticas e cognitivas de bilíngües. Ironica- alfabeto manual (soletração manual) mente, esses mitos se mantêm, mesmo com Enquanto a possibilidade de uma produ- o fato conhecido de que o bilingüismo e não ção simultânea de elementos manuais e fa- o monolingüismo constitui a norma mun- lados como nos exemplos (cf. (1 e 2)) certa- dial, (cf. Ann, 2001; Baker, 2001; Grosjean, mente estabelecem uma diferença importante Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 1982; Romaine, 1996; Siguán, 2001). Na re- com relação às expressões faladas misturadas, 250 alidade, segundo estimativas atuais, existem a extensão dos fenômenos de contato obser- Aquisição bilíngüe da Língua de Sinais Alemã e do alemão escrito vados e as funções que elas podem realizar sócio-política das línguas de sinais e das co- revelam semelhanças importantes em relação munidades surdas, fenômenos intermodais a outras situações de contato (para uma dis- de contato têm sido alvo de debate polêmico, cussão mais detalhada ver Plaza Pust 2005). sobretudo no que diz respeito à mudança de língua em línguas de sinais que possam vir DSGS* SAGEN BITTE RUHIG BLEIBEN (1) 3 1 a ser influenciadas pela maioria das línguas

movimento Sagen bitte bleibe ruhig (línguas faladas) (Turner 1995). da boca No nível de sinalizantes individuais, evi- *(Deutschschweizerische Gebärdensprache, Lín- dências coletadas sugerem que sinalizantes gua de Sinais Suiço-Alemã) bilíngües usam mudança de código e outros tipos de mistura de línguas como recurso

Glosa em inglês para 3SAY1 PLEASE QUIET STAY o componente manual adicional em situações específicas de comu-

Tradução dos Say please stay quiet nicação. De fato, a alternância de códigos ou movimentos da boca expressões misturadas pode ser utilizada para (Boyes Braem 2001: 104) funções comunicativas específicas, como, por exemplo, sinalizar distância ao interlocutor (2) soletração manual N-I ou a provisão de uma clarificação (Brennan movimento da boca Previdência Social

(Brennan 2001: 73) 2001, Lucas & Valli 1989). Por fim, em relação à organização do co- nhecimento multilíngüe, fenômenos de con- 1.1. O que revela o estudo dos tato fornecem evidências de interações de lín- fenômenos de contato intermodal? gua ao longo das diferentes modalidades de expressão, (Emmorey et al. 2003) o que nos Em primeiro lugar, torna-se aparente que, leva à questão sobre os fenômenos de contato no nível descritivo, os fenômenos de conta- de linguagem no desenvolvimento bilíngüe to envolvem diferentes elementos lingüísti- de aprendizes surdos. cos (incluindo características abstratas, itens Atualmente, pouco se conhece sobre lexicais, orações) e níveis lingüísticos dife- a interação em potencial das duas línguas rentes (variando a partir do léxico em dire- em nível gramatical. Estudos conduzidos ção ao nível mais abstrato morfossintático). com alunos surdos de educação bilíngüe em Conseqüentemente nos parece que, assim Hamburgo ainda constituem uma exceção como em outras situações de contato entre (Günther 1999; Günther & George 1999; duas línguas orais, existem diferentes graus Günther et al. 2004; Schäfke 2005, cf. também de integração de conhecimento lingüístico Leuninger et al. 2003 e Vorköper 2005 para (Brentari & Padden 2001). A extensão dos fe- uma discussão sobre transferência de lingua- nômenos de contato é geralmente conhecida gem na língua escrita de um sinalizante na- como “continuum de contato”. Em segundo tivo). Embora os estudos citados acima não lugar, fenômenos de contato de linguagem cheguem a mencionar o aspecto formal das intermodal, como, por exemplo, a mistura línguas do aprendiz, os dados coletados no presente estudo forneceram evidência de um intermodal de línguas, também refletem fa- em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas tores sociais que determinam o uso da língua papel pioneiro da DGS refletido nos emprés- por sinalizantes bilíngües. Devido à situação timos temporários dessa língua para a língua 251 Carolina Plaza Pust e Knut Weinmeister

escrita. Esses resultados são compatíveis com não difere qualitativamente da aquisição de as hipóteses atuais sobre os fenômenos de linguagem por monolíngües” (Meisel 2004: contato de linguagem nas áreas de aquisição 100; cf. Petitto et al 2001; Petitto & Holowka de segunda língua por crianças e adultos sin- 2002 a respeito da aquisição bilíngüe da LSQ tetizados na sessão seguinte. [Língua de Sinais Quebequense, Langue des Signes Québécoise]-Francês em crianças ou- vintes). 2. Contato com a língua na aquisição A suposição de um desenvolvimento de segunda língua por crianças e separado das duas línguas, entretanto, não adultos bilíngües exclui a possibilidade de haver interação entre elas no decorrer do desenvolvimento Uma das principais conclusões que podem bilíngüe. Segundo as suposições propostas, ser tiradas com base nas evidências coletadas aprendizes podem “potencializar os seus re- durante mais de duas décadas de pesquisa é cursos disponíveis” e usar mistura de línguas que a habilidade da linguagem é equipada como uma estratégia de escape no decorrer para lidar com o desenvolvimento de duas do desenvolvimento bilíngüe (Gawlitzek- ou mais línguas. Bilingüismo per se não afe- Maiwald & Tracy 1996, Hulk & Müller 2000, ta negativamente o desenvolvimento infantil Genesee 2002, Müller et al. 2002). Para ilus- (Tracy & Gawlitzek-Maiwald 2000). trar o que queremos dizer com “potencializar Outro tópico que tem se estabelecido nos os seus recursos disponíveis”, observaremos últimos anos é a questão da separação ou fu- dois exemplos de enunciados misturados na são dos dois sistemas lingüísticos no decorrer produção de uma criança e de um aprendiz do desenvolvimento bilíngüe (hipótese de um adulto respectivamente. O primeiro exem- sistema versus hipótese da separação, Meisel plo (cf. (3)) trata-se de uma enunciação 1989). Após um debate de longa data, a evi- de uma criança bilíngüe de inglês-alemão, dência atual indica que ambas as línguas se Hannah, relatado por Tracy e Gawlitzek- desenvolvem primeira e separadamente. A Maiwald (2000: 524): suposição é baseada na seguinte evidência. No nível pragmático, crianças são capazes de (3) ich hab ge-climbed escolher a língua apropriadamente de acordo I have PAST-PART. com seu interlocutor já aos 2 anos de idade Eu tenho PASSADO PART. (Lanza 1997). No nível gramatical, estudos revelam que crianças desenvolvem dois siste- O que é interessante é que essa enuncia- mas gramaticais distintos. Estudos longitudi- ção que contém itens lexicais em inglês e ale- nais na aquisição de diversos pares de línguas mão reflete as competências da criança nas (cf. De Houwer 1995 para holandês-inglês; duas línguas no momento. A estrutura em Genesee 2002 para francês-inglês; Lanza 1997 inglês disponível para ela era uma simples para norueguês-inglês; Meisel 1989, 1994, frase verbal, enquanto estruturas gramaticais 2004 para alemão-francês e Tracy 1994/5 mais sofisticadas (i.e. construções com verbos para crianças bilíngües de inglês-alemão) modais e auxiliares) já estavam disponíveis Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas demonstram que o “decorrer do desenvolvi- em alemão. A enunciação misturada mos- 252 mento de cada língua em crianças bilíngües tra, portanto, como a criança “potencializa Aquisição bilíngüe da Língua de Sinais Alemã e do alemão escrito os seus recursos disponíveis” convergindo aprendiz italiano de alemão como L2 na mes- as duas estruturas. É interessante notar que ma coleta de dados. Esses exemplos ilustram a freqüência desse tipo de mistura diminui a coexistência de opções alternativas relativas após a aquisição dos modais e auxiliares em à ordem verbo-complemento (VO-OV). inglês pela criança. Empréstimo estrutural em (1) é facil- (5) oweh wir haben schon gehabt viele fragen mente detectado porque a criança utiliza oh-dear we have already had many questions material lexical das duas línguas. Entretanto, “Oh dear, we had many questions already”. mistura de línguas pode não envolver todos “Oh querid@, nós já tivemos muitas os componentes lingüísticos (continuum de dúvidas”. contato) como é aparente no exemplo (cf. (4)), uma enunciação de um aprendiz ita- (6) in akzehn jahren hast du nicht gute liano adulto de alemão como segunda lín- freunde gehabt gua (L2). in eighteen years have you not good friends had (4) aber ich brauch vergessen meine sprache “For eighteen years you did not have für lernen die deutsch good friends”. but I need to-forget my language for “Por dezoito anos você não teve bons learn the German amigos”. mas eu preciso esquecer minha língua (Plaza Pust 2000, 183) para aprender o alemão Observe-se, ainda, que esses “estágios Observe que a enunciação não contém caóticos” na organização das gramáticas do somente itens lexicais em alemão, mas envol- aprendiz foram observados na aquisição de ve empréstimos da ordem de palavras do ita- segunda língua e também na aquisição da lin- liano (SVO) (na língua alemã alvo, o objeto guagem por crianças monolíngües e bilíngües apareceria como parte do grupo verbal). (cf. Plaza Pust 2000, Karpf 1990, 1993, Zan- Enquanto os empréstimos estruturais gl 1998 para aquisição de segunda língua e constituem uma estratégia útil na aquisi- Hohenberger 2002 para aquisição de lingua- ção de segunda língua na medida em que o gem monolíngüe). aprendiz pode recorrer à estrutura disponível em sua L1 no processo de construção de es- trutura da L2, ele se depara com a tarefa de 2.1 O que nos revelam as produções de reestruturar a sua gramática, em direção à aprendizes com mistura de línguas? língua alvo. É importante ressaltar que a reor- ganização da gramática da L2 é, tipicamente, As evidências coletadas em pesquisas sobre refletida na produção alternativa das proprie- desenvolvimento bilíngüe de duas línguas fa- dades da língua-alvo (L2) e das propriedades ladas de variados tipos nos permitem chegar que diferem da língua alvo (L1), antecedente às seguintes conclusões relativas aos fenôme- à implementação da opção da língua-alvo. nos de contato de linguagem. Em primeiro Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Os exemplos (cf. (5 e 6)) ilustram esse tipo lugar, a evidência de mistura de línguas em de variação intra-individual produzido pelo produções de aprendizes mostra que eles 253 Carolina Plaza Pust e Knut Weinmeister

potencializam os seus recursos disponíveis. Há a suposição de que a diferença de mo- De forma crucial, a combinação sofisticada dalidade serve como um sinal não-ambíguo de duas gramáticas distintas em expressões para uma forte separação das duas línguas misturadas indica que bilíngües sabem, em desde o princípio. Seguindo essa suposição, virtude de sua capacidade lingüística inata não se espera nenhum fenômeno de contato (isto é, UG – Universal Grammar - gramática nos dados do aprendiz. universal) que as gramáticas são parecidas de Alternativamente, pode-se supor que formas fundamentais. aprendizes de uma língua sinalizada e de uma Em segundo lugar, as evidências cole- língua escrita têm conhecimento a respeito tadas indicam que mistura de línguas no das equivalências entre as línguas em nível desenvolvimento bilíngüe muda ao longo abstrato e, como outros aprendizes, utilizam do tempo. Mistura de línguas ocorre predo- seus recursos lingüísticos no decorrer de seu minantemente durante fases específicas do desenvolvimento. desenvolvimento bilíngüe, especificamente, Conforme mencionado, os estudos so- durante fases de reorganização. Além disso, bre o programa piloto de educação bilíngüe aprendizes podem recorrer a empréstimos forneceram evidências comprovando as su- lexicais e estruturais no caso de uma ausên- posições de que a mistura de línguas inter- cia de sincronia no desenvolvimento entre modais na produção escrita de alunos surdos as duas línguas. Na medida em que a língua bilíngües é limitada no desenvolvimento: a avança, ela pode responder pela função pio- freqüência total de mistura de línguas encon- neira em termos de “desencadeamento bilín- trada foi baixa e os autores ressaltaram que güe” (Gawlitzek-Maiwald & Tracy 1996). Os a incidência de mistura diminuiu conforme dados também mostram que uma vez que as os aprendizes avançavam na aquisição da lín- estruturas da língua-alvo estão estabelecidas, gua-alvo escrita L2. Com base nos resultados a mistura de línguas pode servir para outras apontados, parece-nos plausível supor que funções, por exemplo, funções pragmáticas a diferença da modalidade de expressão não (mudança de códigos). Os dois aspectos são leva os aprendizes a entender que estão lidan- relevantes para nosso entendimento da razão do com sistemas completamente diferentes. pela qual a mistura de línguas do aprendiz Em relação à separação de línguas no de- afeta propriedades específicas em determina- senvolvimento bilíngüe bimodal, parece-nos dos pontos do desenvolvimento lingüístico. plausível supor que a diferença de modali- dade funciona como um sinal adicional para a diferenciação das línguas envolvidas, assim 2.2. Aquisição da L1 DGS e L2 alemão como a diferenciação de pessoa no caso dos escrito: Hipótese pais adotarem o chamado princípio de parcei- ro (também “princípio de linguagem uma pes- A aquisição bilíngüe do DGS e do alemão soa-uma) como política de língua da família escrito envolve duas linguagens que diferem ou o domínio de uso específico das línguas”. em modalidade de expressão levando a ques- Considerando os pontos mencionados, tionar se os processos similares como os des- focaremos a atenção no nosso estudo a res- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas critos acima também apresentam a mesma peito da aquisição bilíngüe de aprendizes 254 situação de aquisição. surdos. Aquisição bilíngüe da Língua de Sinais Alemã e do alemão escrito

3. O estudo bela 1. Como podemos observar, a idade das crianças no início do programa bilíngüe (1º O presente estudo é parte integrante de uma ano do ensino primário) varia de 6-7 anos. ampla investigação longitudinal da aquisição Algumas delas foram para o jardim de in- bilíngüe de DGS e alemão escrito por alunos fância, onde tanto o alemão sinalizado (i.e. surdos do programa de educação bilíngüe de LBG, Lautsprachbegleitendes Gebärden) ou Berlim. DGS era usado como língua franca. Com exceção de Lilli, todas as crianças freqüen- taram a pré-escola que é alocada na escola 3.1. Aspectos relevantes do programa bi- do programa bilíngüe, onde a língua franca língüe é DGS. Em relação às suas línguas caseiras, podemos observar que algumas crianças vêm Todos os participantes são alunos do Pro- de contexto não-germânico (por exemplo, grama de Educação Bilíngüe de Berlim alo- árabe, turco). Alguns pais aprenderam DGS cado em uma escola especial para surdos, ou alemão sinalizado e depois utilizaram na sediado em Berlim. As crianças são instru- comunicação com seus filhos. Duas crianças ídas em DGS por um professor deficiente possuem irmãos surdos ou irmãs surdas. auditivo e em alemão falado e sinalizado por um professor ouvinte. Nesse progra- jardim Pré- Ensino Língua(s) de escola Fundamental caseira(s) ma, o método da equipe bilíngüe é aplica- infância (língua / programa (língua franca: bilíngüe do. As crianças são ensinadas por 02 pro- franca)* DGS**) fessores presentes na sala de aula durante Hamida 3 4;02 07;00 Árabe, alemão (LBG) (pais usam 15 horas por semana. Além disso, DGS e alemão nas Estudos Surdos são ensinados como disci- interações com Hamida) plinas distintas. (Hamida possui dois irmãos ou irmãs surdas) Muhammed 2,5 3;02 06;02 Turco, sinal- 3.2. Os participantes (DGS) caseiro Simon 4 *** 4;04 07;04 LUG com a mãe e DGS com a irmã deficiente Nove alunos participam neste programa: 5 auditiva meninos e 4 meninas. Todos os participan- Lilli 2 (DGS, 06;03 LBG e DGS com tes são filhos de pais ouvintes. Dois meninos LBG) a mãe e irmã Maria 2 (DGS, 6;05 07;07 Alemão, DGS e com problemas adicionais de aprendizagem LBG) LBG com a mãe não foram incluídos no presente estudo. Christa 3;00 06;00 DGS, LBG, alemão Uma menina deixou a escola em abril de Fuad 2;2 *** 4;11 07;03 Farsi, alemão 2005. As informações relativas à faixa etária (Um CI foi implantado em das crianças durante a época de matrícula Fuad aos 3;7 em instituições educacionais (jardim de in- anos de idade) (*em anos, **LBG usado em atividades específicas, ***não há informação fância, pré-escola e programa bilíngüe), as sobre a língua franca) línguas francas ou os sistemas comunicati- Tabela 1. Perfil dos participantes em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas vos usados nas instituições e a(s) língua(s) utilizada(s) em casa estão disponíveis na Ta- 255 Carolina Plaza Pust e Knut Weinmeister

3.3. Método sobre os marcos desenvolvimentais. Ambos serão brevemente mencionados nas sessões a A coleta de dados iniciou-se em maio de seguir. 2004 e continuará até o verão de 2007. As gravações são agendadas a cada 5-6 meses. Narrativas sinalizadas e escritas são obtidas 3.4. DGS – ALEMÃO: Esboço das áreas de com base na história pictórica “Frog, where contraste mais relevantes are you? (“ Sapo, cadê você?”) (Mayer 1969) a qual tem sido utilizada em vários estudos A seguinte descrição das áreas de contraste interlingüísticos sobre desenvolvimento de entre DGS e alemão não é abrangente, mas narrativa (Berman & Slobin 1994; Strömqvist restrita às áreas mais relevantes para o enten- & Verhoeven 2004; Morgan 2006). dimento apropriado dos resultados discuti- Em nossa investigação longitudinal, dos a seguir. analisamos o desenvolvimento bilíngüe das Ordem das palavras: A ordem básica das crianças em diferentes níveis lingüísticos, palavras em DGS é SOV (cf. (7)) (Hänel 2005; isto é, nos níveis narrativo, morfossintático Happ & Vorköper 2005; Pfau 2001). Os tipos e lexical. Todos os dados são submetidos a de sentença são determinados pelo uso dos um banco de dados que permite a análise da componentes não-manuais. Com exceção da freqüência de erro e distribuição (incluindo posição final do verbo, a ordem dos outros desvios nos níveis lexical, morfológico e sin- constituintes da sentença pode variar segun- tático). do várias exigências gramaticais e espaciais, O presente estudo abrange as narrativas como por exemplo, o princípio figura-fundo sinalizadas gravadas nos arquivos 1-3 e as (cf. (8)), ou outras exigências discursivas. narrativas escritas nos arquivos 1-5. Nesta análise, o foco é o desenvolvimento em níveis (7) FRAU KUCHEN SÜSS BACK de morfologia e sintaxe, com o objetivo de WOMAN CAKE SWEET BAKE responder às seguintes perguntas: (1) as nar- “The woman bakes a sweet cake”. rativas contêm evidências de mistura de lín- “A mulher cozinha um bolo doce”. guas? (2) quais são as propriedades lingüísti- (Happ & Vorköper 2006: 85) cas afetadas? (3) a mistura de línguas muda

com o passar do tempo? (8) WAND1JACKE ICH HÄNG_AN1

Para esse fim, estabelecemos perfis de- WALL1 JACKET I HANG_ON1 senvolvimentais para cada participante, os “I hang the jacket on the wall”. quais contém informação sobre o trajeto do “Eu penduro a jaqueta na parede.” desenvolvimento em cada língua e o grau de (Leuninger 2000, 238) variação encontrado, incluindo fenômenos de contato (para uma discussão detalhada A língua alemã é uma segunda língua sobre os dados da língua escrita, ver Plaza verbal (V2). O verbo de finitude obrigato- Pust, no prelo). A análise qualitativa dos da- riamente aparece em segunda posição nas dos é baseada em: (a) um quadro descritivo orações principais (cf. (9)) e (cf. (10)). O Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas do contraste das propriedades gramaticais do alemão instancia o núcleo-final (opção OV) 256 DGS e do alemão; e (b) um quadro descritivo no nível da ordem do complemento verbal. Aquisição bilíngüe da Língua de Sinais Alemã e do alemão escrito

Formas verbais sem finitude (particípios, (13) [DETEXISTENZ]1 WÖRTERBUCH.PRO- infinitivos, prefixos separáveis) aparecem FESSOR1 em posição final na sentença (cf. (9)) (para [DETEXISTENCE]1 DICTIONARY uma discussão mais detalhada sobre a des- “O professor tem um dicionário”. crição da estrutura da sentença em alemão (Vorköper & Happ 2006, capítulos 4 e 5) ver Plaza Pust 2000). Orações principais e subordinadas diferem em relação à posição Morfossintaxe: As línguas DGS e alemão do verbo de finitude. Nas orações subordi- são caracterizadas pela rica morfologia de fle- nadas com complementos introduzidos, o xivos. Entretanto, DGS e alemão diferem em verbo de finitude aparece na posição final relação ao modo de organização predomi- da sentença (cf. (11)). nantemente linear no alemão e simultâneo, em DGS. Além disso, as duas línguas diferem (9) Die Frau setzt den Hut nicht auf. em relação à informação morfologicamente the woman puts the hat not on codificada. a mulher coloca o chapéu não Sufixos flexivos em alemão fornecem in- formação sobre pessoa, número, tempo ver- (10) Gestern hat die Frau den Hut nicht auf- bal e modo. gesetzt. Segundo as suposições atuais, os verbos Yesterday has the woman the hat not em DGS não possuem marcação evidente de put-on tempo verbal (Happ & Vorköper 2006: 117f). Ontem tem a mulher o chapéu não co- Os advérbios temporais como ZUKUNFT locado (futuro), GESTERN (ontem), e EBEN (ago- ra) são usados para expressar o tempo de um (11) (ich weiß), dass die Frau den Hut nicht evento ou atividade. Esses advérbios sem- aufgesetzt hat pre aparecem no início da sentença e não that the woman the hat not put-on hás são repetidos no decorrer da narrativa ou (Eu sei), que a mulher o chapéu nãocolo- diálogo. Em relação à concordância, a DGS cado tem possui distinção entre verbos simples e ver- bos de concordância (cf. Happ & Vorköper Predicação: Não há copula na língua DGS. 2005 para uma discussão mais aprofundada). A combinação do sujeito com um adjetivo Somente os últimos possuem marcação evi- predicativo ou outros complementos exi- dente de concordância, de modo que alguns ge o uso de um determinante, por exemplo, concordam somente com o objeto e outros DETlok (também: DORT, there - lá) para ex- com sujeito e objeto. Por exemplo, um verbo pressar localização (cf. (12)). O determinante como GEBEN (dar) (cf. (14)) é um verbo de

DETEXISTENZ (também: DA, lá) é usado para ex- concordância de sujeito e objeto. pressar existência, presença ou posse (cf. (13)).

(14) BUCH ICH[GEBCL]DIR (ibid.: 99) A LOK AUF-A (12) BAUM [DET ] VOGEL. BOOK I[GIVECL]YOU TREEA [DETLOC]ON-A BIRD “I give a book to you”. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas “The bird is on the tree”. “Eu dou um livro a você”. (ibid.: 99)

“O pássaro está na árvore” PROFESSOR1 257 Carolina Plaza Pust e Knut Weinmeister

Em construções com verbos transitivos de sinais européias). A suposição de que esse simples, a concordância é marcada via PAM desenvolvimento reflete a implementação das (para Marcador de Concordância Pesso- FCs é corroborada por Hänel (2005a,b), que al), também utilizado como AUF (em)) (cf. investigou a aquisição da concordância em (15)). DGS com base no modelo de princípios e pa- râmetros.

(15) HANS1 MARIE2MAG A Tabela 2 esboça o desenvolvimento em “Hans likes Marie”. DGS e alemão com relação aos processos gra- “Hans gosta de Maria.” maticais considerados no presente estudo. (Rathmann 2001: 182) DGS Alemão Estágio I • estruturas • estruturas elementares elementares 3.5 Destaques desenvolvimentais o sem evidências o sem evidências de processos de processos gramaticais gramaticais Seguindo a suposição do desenvolvimen- Estágio II • estruturas • estruturas complexas complexas to gradual da sintaxe, (construção-estrutural o indicadores o movimento do ou hipótese da continuidade fraca) (Clahsen referenciais verbo para uma o concordância posição mais alta et al. 1994, Fritzenschaft et al. 1991, Vaini- verbal / V2 o orações o concordância kka & Young-Scholten 1996) supomos que complexas sujeito-verbo os aprendizes começam com uma estrutura o orações complexas mínima, que eles expandem, de acordo com evidências encontradas no input. Isto signi- Tabela 2. Construção da estrutura no fica que para DGS e para o alemão, espera-se desenvolvimento da DGS e do alemão. que o progresso do desenvolvimento reflita na implementação dos processos gramaticais e na DGS: Quanto ao desenvolvimento da lín- expansão do padrão estrutural disponível. gua de sinais, nossa hipótese sobre o desen- Dentro do paradigma gerativo, esse de- volvimento gradual da sintaxe é baseada nos senvolvimento é geralmente descrito em re- estudos de Hänel (2005a, b), que se referem à lação à ausência viz. disponibilidade de cate- aquisição de DGS e resultados obtidos em ou- gorias funcionais (FCs). Entretanto, devido tros estudos sobre a aquisição de ASL e BSL. ao fato de que a descrição das propriedades Os estudos demonstraram que os processos estruturais da DGS ainda esteja em anda- gramaticais são produtivos após uma fase mento, nossa análise será restrita a uma dife- inicial, na qual aprendizes, tipicamente, pro- renciação, em termos gerais, de dois estágios duzem frases curtas e isoladas (Lillo-Martin desenvolvimentais com relação à presença 1999). No estágio I, indicadores referenciais viz. ausência dos fenômenos gramaticais e (pronomes) e concordância verbal não estão estruturas relacionadas que foram docu- presentes. Aprendizes falham ao estabelecer mentadas na literatura disponível em ASL e loci espaciais e ao referir-se a eles; verbos de BSL (cf. Baker et al. 2005: 49 para uma visão concordância são produzidos de forma cita- geral sobre os estágios desenvolvimentais na da (cf. Meier 2002, 2006). De fato, a maioria Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas aquisição de línguas de sinais baseada na pes- dos teóricos concorda que esses processos 258 quisa sobre aquisição de ASL e outras línguas gramaticais demandam um tempo para se- Aquisição bilíngüe da Língua de Sinais Alemã e do alemão escrito rem completamente dominados. (Morgan recebido relativamente pouca atenção na li- 2000, Morgan et al. 2006). Em relação ao uso teratura. Alguns estudos sobre a aquisição de de indicadores referenciais, duas fases são co- ASL têm focado no desenvolvimento de mar- mumente distinguidas (seguindo um estágio cadores não-manuais em várias construções, inicial que carece de tais dispositivos). Du- incluindo orações condicionais e interrogati- rante o primeiro estágio, os indicadores refe- vas (Reilly & Anderson 2002, Schick 2002); renciais são utilizados para indicar referentes outros estudos foram dedicados à aquisição presentes; num segundo momento, crianças da mudança de referencial em situações de ci- também fazem referência a referentes não- tação (Emmorey & Reilly 1998). Há um con- presentes (Lillo-Martin 1999, Morgan 2000). senso geral com relação ao fato que as cons- Segundo Hänel (2005 a, b), contudo, é plau- truções com marcadores não-manuais são sível afirmar que mecanismos gramaticais adquiridas tardiamente. É interessante notar relacionados à concordância verbal estão dis- que antes do uso produtivo dos marcadores poníveis já no primeiro estágio, isto é, logo não-manuais nas respectivas construções, que as crianças usam indicadores para fazer crianças produzem orações condicionais ou referência a referentes presentes. interrogativas com elementos lexicais (Reilly Tipicamente, a ordem das palavras não & Anderson 2002). Entretanto, como não é marcada nas primeiras produções. Alguns analisamos o uso de marcadores não-manu- autores já indicaram que as primeiras seqüên­ ais no presente estudo, não consideraremos cias seguem um forte padrão de lineariza- esses processos gramaticais na discussão do ção; outros pesquisadores apóiam a idéia de desenvolvimento da DGS. que a ordem seja variável nesse estágio (cf. Até o ponto atual de nossa pesquisa, os Lillo-Martin 2006 para uma discussão mais tópicos: aquisição de outras orações comple- aprofundada). Curiosamente, a variação ob- xas como construções com verbos modais e servada segue um padrão juntamente com psicológicos ou pares retóricos de pergunta- os resultados obtidos na aquisição da língua resposta ainda são inexplorados. falada. Segundo Radford (1990) e Ouhalla Língua Alemã: Em relação à aquisição da (1991), essa variação aparece como processo língua alemã, as primeiras combinações de gramatical relacionado às categorias funcio- palavras dos aprendizes refletem a disponi- nais ausentes2. Além disso, estudos sobre a bilidade de um domínio estrutural elemen- aquisição do alemão (Fritzenschaft et al. 1991, tar (ver Plaza Pust 2000, Vainikka & Young- Gawlitzek-Maiwald et al. 1992) forneceram Scholten 1996 para aquisição da segunda muitas evidências de variação entre crianças língua por adultos, Siebert-Ott 2001 para a respeito da ordem de palavras preferida. aquisição da segunda língua por crianças e Até então, o desenvolvimento das estru- Fritzenschaft et al. 1991, Gawlitzek-Maiwald turas complexas em línguas de sinais havia et al. 1992 para a aquisição monolíngüe do

2 Conforme as suposições atuais, as primeiras construções são categórico-temáticas, dessa maneira, expressam as estruturas predicado-argumento especificadas no léxico (cf. Radford 1990, Berent 1996). Como os processos em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas gramaticais que delimitariam a ordem das palavras em gramáticas completas, não fazem o mesmo em gramáticas VP, a ordem dos elementos pode variar (Ouhalla 1991, Tracy 1991: 402f.) 259 Carolina Plaza Pust e Knut Weinmeister

alemão). A maioria dos teóricos concorda gramaticais não se tornam produtivas ao com o posicionamento de que a ordem es- mesmo tempo. trutural de verbo no final é a preferida (SOV) Outros destaques desenvolvimentais se por crianças que adquirem o alemão como referem à produção de orações subordinadas língua materna, embora, conforme mencio- com verbos de finitude na posição final, e à nado anteriormente, alguns pesquisadores formação de perguntas como na língua alvo. observaram um grau mais alto de variação em outras crianças aprendizes da L1. A po- sição do verbo nos primeiros enunciados 4. Resultados de crianças e adultos aprendizes de alemão como L2, pelo contrário, reflete a ordem de Em termos gerais, a análise das narrativas si- suas respectivas L1. nalizadas e escritas das crianças surdas com Em relação à expansão da estrutura bá- educação bilíngüe sustenta a hipótese do de- sica, as pesquisas sobre a aquisição do ale- senvolvimento gradual da sintaxe nessa situ- mão demonstraram que aprendizes podem ação de aquisição bilíngüe. escolher trajetórias ou estratégias diferentes É importante ressaltar que o padrão do na construção estrutural (D’Avis & Gretsch desenvolvimento observado corresponde, 1994, Gawlitzek-Maiwald 2003). A variação grosso modo, às generalizações descritas na encontrada aponta para a importância de se sessão 3.5, embora o desenvolvimento dos observar as mudanças gramaticais dos apren- processos gramaticais seja atrasado para a dizes que possam resultar numa construção DGS (em comparação ao desenvolvimento da criança exposta à língua de sinais desde estrutural, isto é, a inclusão dos verbos au- o nascimento). Essa observação é mantida xiliares e modais, o estabelecimento da con- igualmente para o desenvolvimento dos alu- cordância sujeito-verbo e o levantamento de nos de alemão escrito como L2 (para uma verbos de finitude deixados de lado em ora- discussão mais aprofundada ver Plaza Pust, ções principais. em andamento). Um passo fundamental na aquisição da Além disso, o esboço dos perfis de de- ordem de palavras em alemão diz respeito ao senvolvimento individual para cada língua estabelecimento da relação entre as diferentes prova a variação existente no nível interin- posições em que os verbos possam aparecer. dividual (participantes variam conforme o A disponibilidade das posições à esquerda e quanto avançam, o que indica que seu de- à direita periférica reflete na produção das senvolvimento procede em ritmo diferente) e sentenças que contêm verbos modais, auxi- também no nível intra-individual: a inclusão liares ou separáveis. Em muitos aprendizes de de novas propriedades gramaticais da língua- alemão como L1, a produção das construções alvo não ocorre sempre com a exclusão das V2 acompanha a aquisição do paradigma da propriedades que diferem da língua-alvo, as concordância e a distribuição de formas ver- quais são previamente disponíveis, podendo bais de finitude ou de não-finitude como na sofrer o efeito de opções gramaticais alterna- língua-alvo no inicio da sentença versus po- tivas co-existirem temporariamente. Os con- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas sição final (distinção de finitude). Contudo, flitos resultantes da co-existência viz. compe- 260 em alguns aprendizes, essas propriedades tições de representações alternativas podem Aquisição bilíngüe da Língua de Sinais Alemã e do alemão escrito ser supostamente uma das forças motrizes do nalizadas inclui padrões sentenciais que são desenvolvimento da língua (cf. Hohenberger potenciais candidatos a serem empréstimos 2002, Tracy 1991, 2002, para aquisição da do alemão. Definitivamente, o tipo de cons- linguagem na infância e Plaza Pust 2000 para truções misturadas muda à medida que os aquisição da segunda língua por adultos). aprendizes evoluem no desenvolvimento da Nas sessões seguintes, tentaremos deter- DGS. minar o que a variação intra-individual revela sobre o processo subjacente de aprendizado da língua e o papel do contato com a língua 4.1.1 Desenvolvimento da DGS na organização do conhecimento multilin- güe. Para esse propósito, discutiremos o grau A respeito do desenvolvimento da DGS, os de variação, incluindo candidatos em poten- dados sustentam a hipótese de que o desen- cial da mistura de línguas em estágios desen- volvimento gradual de sintaxe pode ser des- volvimentais diferentes. crito por meio de dois estágios desenvolvi- mentais gerais (cf. Tabela 3).

4.1 A língua DGS Estágio I Estágio II • estruturas • Estruturas complexas elementares - orações complexas (ex. orações Em relação ao desenvolvimento da DGS e dos - orações simples subordinadas) (sem orações - verbos de concordância fenômenos de contato de linguagem em pro- subordinadas, - indicadores referenciais duções de línguas de sinais de aprendizes bi- sem marcação da ordem das língües, os dados revelam o seguinte: primei- palavras) - verbos simples, ro, as narrativas sinalizadas (arquivos 1-3) re- verbos de fletem a crescente complexidade das gramá- concordância na forma de citação ticas dos participantes aprendizes de DGS ao - sem indicadores longo do tempo. Segundo, uma comparação referenciais da trajetória individual do aprendiz mostra Tabela 3. Desenvolvimento da DGS. que os participantes diferem em relação ao: (a) conhecimento da DGS no início da coleta As narrativas produzidas no estágio I de dados e (b) quanto avançam na aquisição refletem a disponibilidade de estruturas ele- da DGS durante o período abrangido pelos mentares. Aprendizes tipicamente produzem arquivos 1-3. Terceiro, no nível da variação orações simples sem marcação da ordem das intra-individual, observamos que a imple- palavras (cf. (16)). Não há evidências de cons- mentação de novas propriedades da língua truções complexas com subordinação ou se- alvo (DGS) envolve, tipicamente, seu uso qüências retóricas de perguntas-e-respostas. primeiramente em contextos específicos (por Nesse estágio, os aprendizes não produzem exemplo, indicadores referenciais são usados indicadores referenciais (cf. (17)). primeiro para fazer referência a referentes presentes antes que eles sejam usados para se (16) DANN HIRSCH CL: “läuft” DANN fazer referência a referentes não-presentes). E JUNGE CL: “fällt” Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas finalmente, para alguns participantes, o grau THEN DEER CL: “run” de variação demonstrado nas narrativas si- THEN BOY CL:“fall” 261 Carolina Plaza Pust e Knut Weinmeister

“Then the deer runs, then the boy falls”. Muhammed, Arquivo 3 “Então o veado corre, então o menino cai”. (19) DANN PLÖTZLICH WAS CLF:

Muhammed, Arquivo 1 “Glas”I IXI THEN SUDDENLY WHAT

(17) DANN FROSCH MÖCHTE RAUS CLF:”glass”I DANN FROSCH NACH-HAUSE IXI FROSCH MÖCHTE NICHT THEN FROG WANT OUT THEN CLF:”Glas”I FROG GO-HOME FROG WANT NOT CLF: “glass” “Then the frog wants to get out (of the WARUM NICHT DA WASSER glass), then the frog wants to go home.” WHY NOT THERE WATER “Então o sapo quer sair (do vidro), então “Then suddenly, guess what, the frog o sapo quer ir para casa.” doesn’t want to stay in the glass, because Fuad, Arquivo 1 there is no water inside” “Então de repente, advinha o que, o sapo Os dados não permitem chegar a conclu- não queria ficar no vidro, porque não sões sobre a concordância verbal nesse está- havia água dentro.” gio. A produção de verbos de concordância Muhammed, Arquivo 3

como na língua alvo pode ser observada num (20) (RS:Hund) MÖCHTE ich-HELF-du

estágio posterior. É interessante observar que (RS:dog) WANT I-HELP-you a maioria dos participantes raramente pro- “I want to help you” duziu esses tipos de verbo que, por hipótese, “Eu quero ajudar você” trata-se de um efeito que pode ser atribuí- Maria, Arquivo 2 do às peculiaridades da estória do sapo (frog story) utilizada para elicitar as narrativas das crianças. 4.1.2. Fenômenos de contato de língua nas A progressão dos participantes em dire- narrativas em DGS ção à gramática da língua-alvo (estágio II) é refletida na produção de estruturas comple- Mudando o enfoque agora para as evidências xas, incluindo orações subordinadas (cf. (cf. dos fenômenos de contato de linguagem nas (18)) e seqüências retóricas de perguntas-e- narrativas sinalizadas, podemos sintetizar os respostas (cf. (19)). O uso de verbos de con- resultados de nossa análise conforme segue cordância é ilustrado no exemplo (cf. (20)) e abaixo (para mais ilustrações a Tabela 4 for- o uso de indicadores referenciais no exemplo nece uma visão geral dos diferentes tipos de (cf. (19)). fenômenos de contato observados nas narra- tivas de Maria, Hamida, Fuad e Muhammed). (18) DANN MUSS SPRING WEIL TÜR ZU Primeiro, existe variação individual no caso THEN HAVE-TO JUMP BECAUSE de aprendizes usarem ou não empréstimos DORR CLOSED estruturais e lexicais do alemão em suas nar- “Then (the dog) has to jump (out of the rativas sinalizadas. Segundo, a variedade de window) because the door is closed.” fenômenos de contato observados inclui o Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas “Então (o cachorro) tem de pular (pela empréstimo da ordem das palavras do ale- 262 janela) porque a porta está fechada” mão (estruturas de SVO e V2 (XVS)), o uso Aquisição bilíngüe da Língua de Sinais Alemã e do alemão escrito de copula (expressos através de um elemento ilustram o empréstimo de copula do alemão sinalizado do alemão), a expressão seqüencial envolvendo o uso do sinal artificial “IS” que de relações espaciais, temporais e alternância é parte da LBG, (isto é, alemão sinalizado) de códigos (DGS-Alemão Sinalizado) para vocabulário utilizado no ensino da gramática propósitos narrativos. Terceiro, de uma pers- alemã. pectiva do desenvolvimento, é possível con- cluir que a mistura de línguas muda ao longo (21) DA IST ZWEI FAMILIE MUTTER do tempo (isto é, os elementos envolvidos e VATER FAMILIE as funções da mistura de línguas mudam). THERE IS TWO FAMILY MOTHER FATHER FAMILY Maria Hamida Fuad Muhammed “There are two, a mother and a father, Arquivo 1 --- • Copula • Ordem das --- a family.” palavras V2 (ex. SVO, “Há dois, uma mãe e um pai, uma fa- XVS) mília.” Arquivo 2 --- • copula • Ordem das • Ordem das palavras V2 palavras V2 Hamida, arquivo 2 (SVO) (SVO) • alternância de código É interessante observar que as expres- Arquivo 3 ------• alternância sões misturadas de sinais que contêm copu- de código la ocorrem tipicamente junto do advérbio Tabela 4. Fenômenos de contato de linguagem THERE (LÁ) (como no caso do exemplo 21) nas narrativas sinalizadas. ou com a palavra iniciada com wh (isto é, WHERE IS – Onde é), isto é, duas seqüên- Para uma participante, Maria, nenhuma cias que são recorrentes nas narrativas escri- evidência de fenômeno de contato de lingua- tas e são utilizadas pelas crianças como “fór- gem foi encontrada. Veremos abaixo que essa mulas” durante o primeiro desenvolvimen- aluna também não produz enunciados mis- to narrativo. Além disso, observamos que a turados em suas narrativas escritas. É impor- seqüência “WHERE IS (Onde é)” ocorre em tante notar que a variação individual também situações de citação relacionadas a cenas em foi observada na pesquisa sobre a aquisição que o menino está chamando o sapo, o que bilíngüe de duas línguas faladas, independen- sugere que este tipo de mistura é determina- temente de os aprendizes produzirem ou não do pragmaticamente: as crianças objetivam enunciados misturados (Genesee 2002). expressar a forma de como o menino chama Além disso, os dados coletados também o sapo, e para tanto, mudam para a gramáti- revelam que a variedade de fenômenos lexi- ca da linguagem oral. cais e sintáticos misturados muda, ao longo A análise das narrativas de Fuad reve- do tempo. la mistura de línguas no nível da ordem das Nas narrativas de Hamida, por exemplo, palavras. Especialmente no arquivo 1, obser- evidências de mistura de copula foram en- vamos o uso de “ordens V2” que são carac- contradas, especificamente no arquivo 2, um terísticas do alemão (isto é, estruturas SVO, fenômeno que não foi observado no arquivo XVS) (cf. (22)). O número dessas estruturas Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 3. Conforme explicado na sessão 2.4 não há diminui no arquivo 2. Não há evidência de cópula na DGS. Exemplos como o (cf. (21)) mistura de línguas no arquivo 3. 263 Carolina Plaza Pust e Knut Weinmeister

(22) DANN SCHLAF 4.2 Língua Alemã JUNGE UND HUND THEN SLEEP BOY AND DOG Em geral, a análise das produções escritas “Then the boy and the dog sleep.” permite chegar a conclusões, em que os par- “Então o menino e o cachorro dormem.” ticipantes “escalam” a estrutura gramatical, Fuad, Arquivo 2 da mesma forma como outros aprendizes de alemão como L2 (para uma discussão mais Finalmente, não encontramos evidên- aprofundada ver Plaza Pust, em impressão). cias de ordem SVO ou outros tipos de mis- Entretanto, a comparação entre os perfis de- tura de línguas no arquivo 1 de Muhammed, senvolvimentais revela que os participantes embora no arquivo 2 ele produza algumas diferem em relação ao avanço na aquisição da ordens V2 (SVO). Além disso, há alguns L2. Além disso, no nível das gramáticas in- exemplos de alternância de código que são dividuais do aprendiz os dados demonstram tipicamente produzidos em situações de que a implementação de novas propriedades citação. A sofisticação desse tipo de alter- da língua alvo (L2) é geralmente precedida nância de código utilizada para propósitos pela fase re-organizacional em que opções narrativos como ilustrado no exemplo (cf. gramaticais alternativas “co-existem”. (23)) em que uma seqüência em alemão Para alguns participantes, o grau de va- sinalizado é seguida de uma seqüência em riação demonstrado inclui padrões senten- DGS incluindo soletração manual do nome ciais que são potenciais candidatos a serem do sapo. empréstimos da DGS. Crucialmente, o tipo de construções (23) L-A-W SAG WO IST FROSCH misturadas muda à medida que os aprendi- L-A-W SAY WHERE IS FROG zes evoluem no desenvolvimento do alemão. RUF M-A-X M-A-X M-A-X Isso confirma a hipótese de que a mistura de SHOUT M-A-X M-A-X M-A-X línguas é restringida pelo desenvolvimento. Law says: “Where is Frog?” He shouts: “Max, Max, Max”. 4.2.1 O desenvolvimento do alemão Law diz: “Onde está o Sapo?” Ele grita: escrito “Max, Max, Max”. Muhammed, arquivo 2 Aprendizes estabelecem, primeiramente, um domínio estrutural elementar. As estruturas Esse tipo de alternância de código deter- produzidas durante este estágio (cf. (24)) minada pragmaticamente continua a ser pro- obedecem ao mesmo padrão dos formatos duzida no arquivo 3, no qual não observamos sentenciais básicos de aprendizes de L1 e das nenhuma outra mistura no nível da ordem construções básicas de aprendizes de L2. Isso das palavras. demonstra que a tarefa de construção estru- Após essa discussão dos resultados tural é comum para aprendizes em diferentes principais relacionados ao desenvolvi- situações de aquisição da linguagem (Diehl et mento e mistura de línguas em DGS, foca- al. 2000, Fritzenschaft et al. 1991, Plaza Pust Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas remos agora no desenvolvimento do ale- 2000a, Siebert-Ott 2001, Vainikka & Young- 264 mão escrito. Scholten 1996). Aquisição bilíngüe da Língua de Sinais Alemã e do alemão escrito

(24) Paul klettern uma posição mais alta, concordância, V2), Paul climb mas não foram utilizados de um modo geral. Paul escala Para alguns participantes, o grau de variação Muhammed, Arquivo 1 demonstrado inclui padrões sentenciais que são candidatos em potencial a serem em- No arquivo 5, observamos a disponibili- préstimos da DGS. Essencialmente, o tipo de dade do padrão V2 na língua-alvo (cf. (25)) construções misturadas muda à medida que (observe a integração de não-sujeitos no iní- os aprendizes evoluem no desenvolvimento cio das sentenças no padrão V2 e da distribui- do alemão. ção similar à língua-alvo de formas verbais de A seguir, observaremos os candidatos em finitude e não-finitude, respectivamente, nas potencial para a mistura de línguas em es- posições sentenciais segunda e final). Ainda tágios desenvolvimentais diferentes, previa- nesse arquivo, Muhammed produz uma série mente esquematizados. de orações complexas, porém com a ordem das palavras de oração principal. Portanto, a reestruturação da ordem por orações subor- 4.2.2 Mistura de línguas no nível de combi- dinadas ainda persiste como uma tarefa a ser nações de palavras elementares cumprida até o fim do período de coleta de dados proposto neste estudo. Exclusão de copula: Neste estágio, os partici- pantes produzem uma série de combinações (25) Am Abend haben Max und Paul ein de elementos com significado proposicional, Frosch geschaut. mas sem forma verbal. Geralmente, essas “at the evening have Max and Paul a combinações incluem construções predicati- frog looked at”. vas que necessitam de copula como na lín- “In the evening Max and Paul looked at gua-alvo, isto é, o alemão (cf. (27)). the frog”. “À tardinha Max e Paul olharam para o (27) Da ein veil Frosch sapo”. there a many frog Muhammed, Arquivo 5 “There are many frogs.” “Há muitos sapos.” (26) ...weil Max wollte denken wer ist es. Fuad, Arquivo 1 because Max wanted think who is it “… Max wanted to know who they are.” Entretanto, duas observações levaram- “...Max queria saber quem eles são.” nos a concluir que a DGS não pode ser o fa- Muhammed, Arquivo 5 tor-chave em relação à exclusão da copula nas primeiras narrativas escritas. No estágio Como mencionado acima, a análise dos elementar de combinações de palavras, al- dados revela variação no nível intra-individu- guns elementos podem não aparecer porque al. Geralmente, opções gramaticais alternati- os processos gramaticais com base em regras vas “co-existem” durante estágios de reorga- ainda não estão consolidados. E depois, por- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas nização. Processos gramaticais da língua-alvo que as evidências disponíveis a respeito de ou- estão disponíveis (movimento do verbo para tras situações de aquisição da linguagem (em 265 Carolina Plaza Pust e Knut Weinmeister

que o alemão é a língua-alvo) mostram que de DGS que seriam simultaneamente expres- a exclusão de copula também é característica sados no espaço naquela língua. Um exemplo de gramáticas de iniciantes. Para uma melhor notável do empréstimo de uma construção ilustração do assunto, compare os exemplos classificadora de DGS foi produzido por Si- (cf. (28 e 29)) produzidos por aprendizes de mon no arquivo 3 (cf. (31)). Observe a posição alemão como L1 e L2, respectivamente. final na sentença da preposição “in” (in) para expressar o local do TEMA (= a cabeça). (28) da nase Tais traduções intermodais servem como there nose lá nariz exemplo das adaptações lexicais e estrutu- aprendiz de L1 (Tracy 1991) rais de expressões emprestadas, as quais são determinadas pelas propriedades da língua (29) Das Wasser kalt receptora, como se conhece por outras situ- the water cold ações de contato (Winford 2003, 42ff.). Dada a água fria a predominante organização seqüencial do criança aprendiz de L2 (Diehl et al. 2000) alemão, empréstimos intermodais envolvem a análise de construções em DGS em unida- Ordem das palavras: Outros candidatos des semânticas ou papéis temáticos que são em potencial para a mistura de línguas são mapeados nas construções lineares dos itens as construções em que o arranjo linear dos lexicais em alemão. Observe-se, também, que elementos é remanescente da ordem das pa- as “contrapartes” selecionadas do alemão e lavras em DGS. Por exemplo, aprendizes produzidas pelos alunos refletem os meios produzem construções em que a ordem das lexicais e estruturais disponíveis no alemão palavras segue o princípio figura-fundo. O L2 naquele momento. Em outras palavras, empréstimo dessa propriedade gramatical da os enunciados misturados também fornecem DGS é ilustrado no exemplo (cf. (30)) que clarificações sobre as propriedades lexicais e inclui um verbo de finitude na posição final estruturais das línguas L2 do aprendiz. da sentença, como seria em DGS, e o uso do “da” para indicar um lugar, isto é, a função (31) Der Hund Glas den Kopfen in. INDEX (ou DET-lok, geralmente traduzida “the dog glass the head in” como “DA”) se encaixaria em DGS. “The dog puts the head into a glass”. “O cachorro coloca a cabeça dentro de (30) Junge deine Hand da Frosch sitzt um copo”. boy your hand there frog sits Simon, Arquivo 3 “The frog is sitting on the boy”s hand.” “O sapo está sentado na mão do menino.” Hamida, Arquivo 1 4.2.3 Mistura de línguas na fase de reorganização precedente a implementação Além disso, a análise dos dados revela que de estruturas simples a mistura de línguas intermodais pode envol- ver relexificação dos formatos estruturais de Supergeneralização de “auf”: A transição en- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas DGS (ex. figura-fundo, SOV), e também em- tre o estágio de combinações de palavras ele- 266 prestar traduções de significados complexos mentares e o estabelecimento de uma estru- Aquisição bilíngüe da Língua de Sinais Alemã e do alemão escrito tura de sentença simples envolve um estágio do PAM, comumente traduzido como AUF de reorganização durante o qual o processo (on); (b) a análise dos componentes morfoló- de movimento do verbo para uma posição gicos de verbos de concordância em DGS e a mais alta (verb raising) à esquerda periféri- tradução subseqüente para o alemão incluin- ca da sentença (INFL) torna-se disponível, do o uso da marcação de caso da preposição porém, não efetivamente utilizado ainda. É “auf” (cf. (33)) e os espaços remanescentes importante lembrar que o processo de movi- da marcação de caso e sistemas determinan- mento do verbo para uma posição mais alta tes na L2. está ligado à confirmação das características Apesar de uma discussão detalhada da relativas às relações gramaticais (concordân- aquisição do caso e do sistema determina- cia, marcação de caso) do verbo e seus argu- dor estarem fora do escopo deste estudo, vale mentos. Observe que a marcação explícita da mencionar que os dados coletados demons- concordância verbal com o sujeito varia du- tram que esta área, bem como o domínio da rante a coleta de dados. morfologia inflexional verbal, ainda poderá Quanto à relação do verbo com seus ar- ser compreendida até o final da coleta de da- gumentos complementares, há um aumento dos. Os participantes usaram artigos, mas a notável das construções com a preposição escolha nos pareceu ocorrer aleatoriamente “auf” (on) durante esse estágio, o que inclui em vista dos erros relativos a caso e número. formas da língua-alvo e formas que diferem Parece-nos plausível supor que a supergene- da língua-alvo. A supergeneralização dessa ralização do “auf” usada para expressar expli- preposição para marcar a relação entre o ver- citamente a relação do verbo com seu com- bo e seu complemento, está ilustrado nas se- plemento é também usada para preencher o qüências produzidas por Fuad no arquivo 3. espaço relativo à morfologia da língua-alvo. Portanto, “auf” serve à função de marcador (32) Tom mag auf Frosch und auch Paul. de caso explícito, assim como a preposição Tom likes on frog and also Paul “of” em inglês (compare “Poirot is envious “Tom likes the frog and Paul, too.” of Miss Marple”) (“Poirot tem inveja de Miss “Tom gosta do sapo e Paul também.” Marple”, em que a preposição atribui caso Fuad, Arquivo 3 acusativo à Miss Marple, cf. Haegeman 1994: 173)3. Além disso, como “auf” está disponí- (33) Paul schusbe auf dem dünne Baum vel em alemão, os aprendizes são facilmente Paul push on the thin tree levados a marcar as relações gramaticais neste “Paul pushes the thin tree.” estágio. Isso está de acordo com as conclusões “Paul empurra a fina árvore.” chegadas em outras situações de aquisição Fuad, Arquivo 3 nas quais os aprendizes transpareciam essas relações temporariamente (A. Hohenberger, Três fenômenos conspiram na aquisição comunicação pessoal). do uso do “auf” como morfema livre para Além disso, a sobreposição parcial entre expressar a relação entre verbos transitivos as duas línguas parece reforçar o fenômeno e seus objetos, a saber: (a) o empréstimo remanescente de outros tipos de “transferên- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

3 Agradecemos a A. Hohenberger por nos apontar este fato. 267 Carolina Plaza Pust e Knut Weinmeister

cia indireta” observados na área de aquisição tanto, o empréstimo da DGS e a ausência de bilíngüe de duas línguas faladas (Genesee expressões idiomáticas na língua-alvo. 2002). Observe, também, que a supergene- É interessante observar que esse tipo de ralização do “auf” no sentido previamente empréstimo lexical também foi observado mencionado foi também registrado em outro nas narrativas escritas dos alunos do progra- estudo sobre a aquisição do alemão escrito, ma educacional bilíngüe de Hamburgo ana- por alunos surdos com educação bilíngüe em lisadas por Schäfke (2005: 271) e Günther et Hamburgo (cf. Schäfke 2005: 273; Günther et al (2004: 240f); compare o exemplo a seguir al 2004: 241f.). Conseqüentemente, isso per- (cf. (36)) de uma narrativa de um partici- mite comprovar que a hipótese de que os pa- pante no estudo deles, Thomas, que também drões de mistura de línguas estão relaciona- faz uso da DGS. O exemplo é notável porque dos aos sistemas lingüísticos que as crianças na palavra “Bescheid” a marca de infinitivo bilíngües aprendem (Genesee 2002: 187). Em –en aparece e é combinada com a preposição outras palavras, mistura de línguas não é ale- “auf” (ibid.). atória, mas sim, um fenômeno sistemático. Empréstimo lexical: os participantes pro- (36) Lambert auf andere Schaf: Mei- duziram uma série de orações sem verbo ne Mutter hat Wolf geklaut contendo expressões como “Angst” (medo) “Lambert information on other sheep: ou “bescheid” (informação) o que indica a my mother has wolf stolen” mistura de línguas no nível lexical: “Lambert informação no outro ovelha: minha mãe tem lobo roubado” (34) der junge Angst the boy fear “The boy is frightened.” 4.2.4 Mistura de línguas no nível de estru- “O menino está com medo.” turas complexas Fuad, Arquivo 2 Finalmente, os dados revelam que uma vez (35) er bescheid auf Junge. que a estrutura-alvo do alemão está estabele- he information on boy cida, a mistura de línguas reduz as expressões “He informs the boy.” idiomáticas encontradas na DGS. “Ele informa o menino.” O único tipo de propriedade gramati- Christa, Arquivo 4 cal misturada que continua a prevalecer é a supergeneralização do “auf”, um fenômeno As duas línguas possuem elementos le- que aparece previsivelmente, dada a ausência xicais para expressar “to be frightened” (es- contínua da concordância verbal e de para- tar com medo) ou “to let sb. Know” (deixar digmas de marcação de caso da língua-alvo. alguém Saber). Mas a sobreposição lexical é somente parcial. Diferente da DGS, o alemão não possui um verbo para expressar os sig- 5. Conclusões nificados, para isso utiliza combinações peri- frásticas de verbo-sustantivo (isto é, “Angst O presente estudo é um breve estudo de caso. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas haben”, “Bescheid geben”). O uso de “Angst” Entretanto, acreditamos que os resultados 268 ou “bescheid” como predicados indica, por- discutidos aqui trazem implicações impor- Aquisição bilíngüe da Língua de Sinais Alemã e do alemão escrito tantes para o entendimento do bilingüismo de pequena escala complementados por estu- bimodal. De fato, nossa investigação longitu- dos quantitativos maiores. dinal fornece evidências de variação inter- e Devido ao fato de a pesquisa na área de intra-individual a respeito do desenvolvimen- aquisição de línguas de sinais ser, ainda, re- to bilíngüe da DGS e do alemão. Certamente cente, concentra-se a atenção na seqüência do pudemos observar que a variação intra-indi- desenvolvimento comum. Entretanto, como vidual fornece indicações importantes sobre se torna aparente no estudo dos fenômenos processos subjacentes de aprendizado da lín- de contato com a língua, mais evidências em gua que “fazem o sistema desenvolver”. relação à extensão de variação intra-indivi- Em relação à mistura de línguas é impor- dual são necessárias a fim de evitar conclu- tante observar que de um modo geral, a in- sões precipitadas a respeito dos erros de pro- cidência de mistura de línguas ocorrida nas duções de sinalizantes bilíngües. produções investigadas, sinalizadas e escritas Portanto, é importante ressaltar que as dos alunos bilíngües foi relativamente baixa. pesquisas sobre as propriedades gramaticais Uma participante (Maria) não apresentou das línguas de sinais ainda estão em anda- mistura de línguas em DGS ou alemão. Os mento. O progresso resultante dessas pes- dados também demonstraram que a mistura quisas possibilitará análises mais minuciosas de línguas é restringida pelo desenvolvimen- a respeito de áreas de contraste relevantes e to: o tipo de construções misturadas muda à desenvolvimento em línguas de sinais. medida que os aprendizes evoluem em seu Por fim, como o bilingüismo na maioria desenvolvimento da DGS e do alemão. Em das crianças surdas é essencialmente deter- termos mais gerais, podemos concluir que minado pela educação escolar, concepções fenômenos de contato observados revelam didáticas devem ser levadas em consideração, como os aprendizes habilidosamente explo- pois levam em conta a dinâmica do desenvol- ram os recursos lingüísticos disponíveis a eles vimento lingüístico, incluindo o contato com ou elas. a língua. Na medida em que progridem no desen- volvimento, a mistura de línguas cumpre ou- tras funções (mudança de código). 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Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas necessidade de uma coleta mais ampla de da- BAKER, A.; VAN DEN BOGAERDE, B. & WOLL, dos. O ideal seria realizar estudos qualitativos B. Methods and procedures in sign language ac- 269 Carolina Plaza Pust e Knut Weinmeister

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Sarah Taub, Dennis Galvan, Pilar Piñar, Susan Mather Gallaudet University

0. Introdução pesquisas sobre a aquisição de línguas faladas como segunda língua tenham atraído mui- O reconhecimento da língua de sinais ame- ta atenção, as pesquisas em línguas de sinais ricana (ASL) como uma língua gramatical como segunda língua permanecem ainda em plena – devido, em grande parte, ao trabalho um campo inexplorado. Acreditamos que os seminal de Stokoe, Casterline e Cronebeg aprendizes de línguas de sinais como segun- (1965) sobre a estrutura da ASL e também a da língua enfrentam os mesmos desafios que trabalhos posteriores (por exemplo, Stokoe, quaisquer outros aprendizes de uma segunda 1978; Klima e Bellugi, 1979; Lidell, 1980, 2000; língua e que as pesquisas sobre a aquisição de Emmorey e Lane, 2000) – ocasionou um línguas faladas como segunda língua podem maior interesse pela ASL e pela cultura surda, informar novos estudos sobre a aquisição de além da multiplicação dos programas de en- línguas de sinais como segunda língua. No sino da ASL nos Estados Unidos e no Canadá. entanto, devido a diferenças de modalidade De fato, a ASL tornou-se uma das línguas mais entre as línguas de sinais e as faladas, há as- ensinadas na América do Norte e, atualmen- pectos da aprendizagem da língua de sinais – te, ela é aceita em muitas universidades, para especialmente aqueles relacionados à gramá- atender aos requisitos de língua estrangeira/ tica espacial-visual da língua de sinais – que segunda língua nos cursos de pós-graduação. merecem atenção especial. Com o propósito Entretanto, apesar do grande número de in- de ajudar a suprir essa lacuna de pesquisa, divíduos (ouvintes e surdos) que atualmen- realizamos um estudo longitudinal, que con- te aprendem a ASL como segunda língua, os centra a atenção na aquisição de três compo- estudos sobre aquisição da ASL como segun- nentes da ASL como segunda língua, a saber, da língua são um tanto escassos. Embora as as estruturas classificadoras (denominadas

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Ladjane Maria Farias de Souza, Alinne Balduíno Pires Fernandes. 2 Esta pesquisa foi financiada através do Auxílio para Pesquisas Prioritárias do Gallaudet Research Institute. Gostaríamos de agradecer, pela ajuda na coleta e transferência dos dados, a: Marisa Bennett, Jessica Bentley, Brett Best, Carla Colley, Angela Crawford, Will Garrow, Shannon Grady, Randall Hogue, Christy Lively, Kristina Parmenter, Rachel Rosenstock, e David Warn. Sarah Taub, Dennis Galvan, Pilar Piñar e Susan Mather

estruturas do discurso em terceira pessoa), as gestos produzidos por falantes. Lidell (2000) estruturas de troca de papéis ou estruturas de formulou uma explicação precisa para este ação construída (denominadas estruturas do fenômeno, com base na integração conceitu- discurso em primeira pessoa) e o uso de loca- al. De acordo com Liddell, tanto sinalizantes lização no espaço de sinalização. Rastreamos, quanto gesticuladores falantes criam uma especificamente, o desenvolvimento precoce mescla (Fauconnier e Turner, 1996) entre um de certas habilidades espaciais que são fun- espaço mental imaginado e o espaço real (ou damentais para a produção dos componentes seja, o modelo conceitual do espaço no qual mencionados acima e abordamos as seguin- se encontram). Nessa mescla, as entidades tes questões: imaginadas são concebidas como situadas no 1) Há transferência de quaisquer habilidades espaço ao redor da pessoa. Gestos icônicos e espaciais-visuais pré-existentes na aquisi- dêiticos podem ser direcionados àquelas en- ção de aspectos espaciais da ASL? tidades ou podem rastrear seus progressos 2) Como que as habilidades espaciais se de- através do espaço. No caso das línguas de senvolvem em relação umas às outras? Ou sinais, esses gestos são limitados ao uso com seja, há alguma relação de ordem no desen- elementos lexicais e gramaticais, sendo co- volvimento de habilidades da ASL? Existe erentemente usados e compreendidos pela agrupamento de algumas habilidades? comunidade sinalizante. No caso das línguas faladas, os gestos são livremente integrados ao sinal da fala e podem, ou não, comunicar 1. Justificativa para o presente estudo informações ao ouvinte. Além disso, ao con- trário da consistência dos sinalizantes com A transferência lingüística é um tópico im- relação à forma e uso de informações mapea- portante no estudo da aquisição de segunda das no espaço, os gestos dos falantes mostram língua (ver Gass 1996, para uma revisão do uma variação considerável no que se refere à tema). A transferência está relacionada ao forma, tamanho, clareza e à quantidade de papel que o conhecimento lingüístico prévio informação por eles transmitida. tem na aquisição de uma L2. Estudos recen- A fim de quantificar a contribuição lin- tes sobre gestos produzidos por falantes reve- güística dos gestos nas narrativas das línguas laram que, embora a gesticulação não tenha faladas, Taub, Piñar e Galvan (2001) realiza- uma função gramatical, ela é uma parte im- ram um estudo, no qual usuários nativos da portante da língua e interage com os elemen- ASL, do espanhol e do inglês foram solicitados tos gramaticais das línguas faladas de modo a contar episódios de desenhos animados, em mais sistemático do que se acreditava ante- suas respectivas línguas. Curiosamente, em riormente (Kendon, 1986; Mcneill, 1992). cada língua, os sujeitos demonstraram uma Como a gesticulação faz uso do domínio es- consistência singular com relação ao tipo paço-visual, é possível que habilidades gestu- de informação conceitual (isto é, caminho, ais prévias sejam transferidas no processo de modo etc.) que, provavelmente, será expressa aquisição dos aspectos espaciais da língua de espacialmente (com ou sem elementos lexi- sinais como segunda língua. cais acompanhantes). No entanto, também Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Muitas semelhanças já foram apontadas se observou uma grande variação, de sujei- 276 entre certos aspectos das línguas de sinais e os to para sujeito, entre os falantes do inglês e Gesticulação e aquisição da ASL como segunda língua do espanhol, quanto à qualidade expressiva em geral foi que os alunos apresentavam mais dos gestos e quanto ao grau de envolvimen- dificuldades, na maioria das áreas, do que os to do corpo e das expressões faciais. Assim, próprios alunos percebiam, professores e alu- embora todos os sujeitos ouvintes tenham nos concordaram em identificar quais tarefas expressado alguma informação conceitual de aprendizagem eram mais difíceis. Uma por meio de gestos icônicos e dêiticos, alguns dessas tarefas foi adaptar-se à modalidade vi- deles utilizaram o espaço à sua frente melhor sual-gestual, isto é, sentir-se à vontade para que os outros, tornando os gestos icônicos usar o corpo. Alunos e professores também mais facilmente identificáveis e estabele- mencionaram destreza (dexterity) e coorde- cendo relações explícitas entre os elementos nação na produção e combinação de sinais, a gestuais. Além disso, apenas alguns sujeitos expressão facial e outros sinais não-manuais; utilizaram todo o corpo ou configurações de a apontação por meio de dêixis, fixação do mão específicas para criar mesclas, que eram olhar ou movimentação do corpo e classifica- muito semelhantes às das estruturas de troca dores. A soletração manual também foi clas- de papéis e das estruturas classificadoras das sificada como altamente problemática. línguas de sinais. Wilcox &Wilcox (1991) também tratam Assim sendo, uma das nossas perguntas da questão de se identificar aspectos difíceis de pesquisa é se os elementos gestuais, seme- da ASL. Na visão desses autores, desconside- lhantes aos das línguas de sinais, observados rando-se os aspectos lingüísticos, a diferença em sujeitos ouvintes leigos, se transferem mais óbvia entre o inglês e a ASL é a moda- para o uso lingüístico intencional das infor- lidade, que cria dificuldades de produção e mações mapeadas no espaço, quando tais de recepção para o aprendiz adulto ouvinte. sujeitos aprendem a ASL. Ou seja, será que Além disso, alguns dos elementos que os au- o modo como os falantes gesticulam pode tores identificam como difíceis de aprender ser considerado como um prenúncio de sua são os traços gramaticais não-manuais, o fato habilidade para adquirir as características es- de a ASL ser uma língua polissintética, que paciais da ASL, em geral consideradas funda- depende em grande parte da flexão morfoló- mentais para a aquisição de níveis adequados gica, e o uso dos classificadores. Assim, alguns das habilidades de sinalização? dos aspectos identificados na literatura como geradores de dificuldades de aprendizagem estão incluídos no componente da ASL re- 2. Alguns estudos anteriores sobre a lativo ao mapeamento espacial e podem ser aquisição da ASL como segunda língua encontrados, de um modo não-gramatica- lizado, nos gestos que acompanham a fala Embora não existam, na literatura, instru- dos aprendizes ouvintes. Desse modo, seria ções claras sobre quais aspectos da ASL são possível formular estratégias para utilizar tal mais difíceis de aprender, um estudo des- conhecimento visual-espacial pré-existente, a critivo desenvolvido por Locker, McKee & fim de facilitar a aquisição do uso do espaço McKee (1992) relata as intuições de alunos e na ASL. professores com relação ao nível de dificul- A nosso ver, no entanto, não há estudos Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas dade de aprendizagem dos diversos aspectos anteriores que tratem, de modo sistemáti- da ASL. Embora a percepção dos professores co, dos gestos que acompanham a fala como 277 Sarah Taub, Dennis Galvan, Pilar Piñar e Susan Mather

um indício de aptidão para aprender a ASL. meio da primeira pessoa gramatical. Na ASL, McIntire & Snitzer Reilly (1988) investigaram a noção de diálogo construído foi reformu- se as expressões faciais comunicativas usadas lada como ação construída (Metzger, 1995). naturalmente pelos falantes são transferidas Um diálogo ou uma ação é re-construída a para a gramática facial da ASL. Esse estudo partir da memória e narrada, assumindo-se o concluiu que, embora a expressão facial afeti- papel da personagem e utilizando-se recursos va pré-existente funcione, de fato, como uma do discurso em primeira pessoa. O discurso transição na aquisição da gramática não-ma- em primeira pessoa na ASL incorpora um ou nual da ASL, o aprendiz deve, primeiramente, mais dos seguintes elementos: 1) uso parcial passar por um estágio de reavaliação, no qual ou completo do corpo para transmitir ações; o conhecimento prévio é processado como 2) olhar neutro (ou seja, o olhar não é dirigido sendo lingüisticamente significativo. Esse a nenhum dos membros da audiência, mas a processo de reavaliação parece ser necessário um espaço alternativo onde a ação está ocor- tanto para aprendizes adultos de uma segun- rendo); e 3) expressão facial corresponden- da língua, quanto para aprendizes crianças de te à ação relatada (cf.: Liddell, 1980; Padden uma primeira língua. 1986, 1990; Meier, 1990, Mather & Thibeault 2002). As figuras 1 e 2 mostram um exemplo de ação construída. A figura 1 mostra a ação 3. O presente estudo alvo na qual um gato é esmagado contra a pa- rede. A figura 2 mostra o narrador usando o Em nosso estudo, investigamos se outras in- discurso em primeira pessoa, para transmitir formações gestuais, além da expressão facial, a ação alvo, usando parte de seu próprio cor- podem ser transferidas no processo de aqui- po para representar o gato. sição de algumas características espaciais lin- güísticas da ASL e se diferenças individuais prévias de gesticulação entre sujeitos podem fazer previsões quanto a diferenças em suas habilidades de alcançar competência, na Lín- gua de Sinais Americana. Nosso foco são três estruturas alvo específicas: 1) estruturas do discurso em primeira pessoa; 2) estruturas do discurso em terceira pessoa; e 3) localização Figura 1 espacial. O primeiro tipo de estrutura é o equiva- lente, na ASL, ao que Tannen (1989) chamou de diálogo construído, no que se refere às lín- guas faladas, em substituição ao termo mais antigo “discurso direto”. O diálogo constru- ído se refere a um dos recursos que falantes usam para prender a atenção do seu público. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Ele consiste na reconstrução de um diálogo, Figura 2 278 a partir da memória e da exposição deste, por Gesticulação e aquisição da ASL como segunda língua

As ações também podem ser relatadas na sível transferência de conhecimento gestual ASL, utilizando-se o discurso em terceira pes- prévio. A nossa hipótese é que a qualidade soa. Nesse caso, os narradores não assumem dos gestos que acompanham a fala de não- a identidade das personagens, mas mostram sinalizantes pode ser um indício de êxito na sua própria perspectiva das ações de uma aquisição de aspectos espaciais específicos da personagem ou dos movimentos de um ob- ASL. Mais especificamente, nossas hipóteses jeto, mantendo-se fora da ação e fixando o são: 1) o uso da troca de papéis na gesticula- olhar nas configurações de mão classificado- ção pode ser convertido num aprendizado efi- ras que descrevem o evento, como se assistis- ciente dos elementos do discurso em primei- sem a uma cena que se desenrola diante de ra pessoa na ASL; 2) o uso de configurações seus olhos. A figura 3 ilustra esse evento. A de mão semelhantes às classificadoras pode ação alvo é a mesma da figura 1, mas, aqui, o se converter em uma aprendizagem eficiente narrador usou o discurso em terceira pessoa das localizações espaciais na ASL. Além disso, para mostrar sua própria perspectiva da ação outra hipótese é que algumas dessas habilida- do gato, usando a configuração de mão clas- des podem se desenvolver entre si. sificadora direita “1”, para representar o gato e a configuração de mão classificadora “esti- 3.1 Métodos cada”, para representar a parede. A posição relativa das duas mãos representa o resultado 3.1.1 Os sujeitos final do evento. Este é um estudo longitudinal desenvolvido com aprendizes adultos da ASL como segun- da língua. Todos os sujeitos eram ouvintes, falantes nativos do inglês e estavam numa faixa etária entre 17 e 47 anos. Nenhum de- les tinha conhecimento prévio da ASL quan- do iniciaram sua participação nesse estudo. Rastreamos o progresso dos participantes na ASL oito meses após o início de sua aprendi- Figura 3 zagem. No total, dezoito sujeitos concluíram o estudo. O estabelecimento do espaço é também um aspecto importante da ASL. São atribu- 3.1.2 Procedimentos ídas localizações específicas para as persona- gens e para os objetos no espaço de sinaliza- A coleta de dados compreendeu duas sessões ção. As localizações estabelecidas são coeren- separadas. Uma delas ocorreu antes de os su- temente apontadas e mencionadas, ao longo jeitos iniciarem sua aprendizagem da ASL e a do discurso. outra ocorreu oito meses depois do início da Vamos acompanhar o desenvolvimento aprendizagem. Na primeira sessão, foi solici- desses três aspectos da gramática da ASL, no tado aos sujeitos que assistissem a sete vinhe- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas estágio inicial da aquisição da ASL como se- tas animadas e a dez clipes curtos das vinhetas. gunda língua, e investigaremos qualquer pos- Depois de assistir a cada vinheta ou clipe, eles 279 Sarah Taub, Dennis Galvan, Pilar Piñar e Susan Mather

foram filmados contando a ação a um colega, dem à configuração de mão/orientação em inglês. Também foi solicitado a todos os da palma da mão lexicalizada apropriada sujeitos que preenchessem um questionário na ASL) quando se usa a Língua de Sinais que incluía, entre outras coisas, solicitação de Americana; c) a habilidade de usar duas informações sobre conhecimentos lingüísticos configurações de mão diferentes para duas prévios, expectativas e atitudes a respeito da entidades diferentes, ao mesmo tempo. aprendizagem da ASL. Na segunda sessão, oito 3) Localização: a) as localizações são estabe- meses depois que os sujeitos haviam iniciado lecidas corretamente (correspondendo ao sua aprendizagem da ASL, foi-lhes solicitado desenho animado alvo); b) as referências que assistissem às mesmas vinhetas e clipes e às localizações são feitas de maneira coe- eles foram, então, filmados contando as his- rente; c) a habilidade de estabelecer duas tórias na ASL. Todos os sujeitos preencheram localizações ao mesmo tempo. o questionário mais uma vez, para que fosse O grupo de pesquisa, que inclui pesquisa- possível verificar se suas expectativas e atitudes dores ouvintes e surdos, codificou a narração com relação à ASL haviam mudado. de um clipe de desenho animado, feita por cada sujeito, em inglês (pré-ASL) e na ASL. O único clipe analisado mostrava o gato Frajo- 3.1.3 A Codificação la, de pé sobre o parapeito da janela, olhando para baixo em direção ao pássaro Piu-piu, O grupo de pesquisa preparou uma folha que está em sua gaiola, também no parapeito de codificação para identificar: 1) o uso do da janela. Frajola move seu dedo indicador discurso em primeira pessoa nos gestos que para trás e para frente seguindo o vai-e-vem acompanham a fala (pré-ASL) e na ASL; 2) o do Piu-piu em seu balanço. O clipe mostrou- uso do discurso em terceira pessoa nos ges- se ideal porque elicitou o uso da troca de pa- tos que acompanham a fala (pré-ASL) e na péis, o uso dos classificadores e o estabeleci- ASL; e 3) o estabelecimento de localizações mento de mais de uma localização, tanto na nos gestos que acompanham a fala (pré-ASL) gesticulação quanto na ASL. As categorias de e na ASL. A folha de codificação incluía os codificação selecionadas para a quantificação seguintes parâmetros para cada um dos com- do uso da primeira pessoa, da terceira pessoa ponentes da narrativa mencionados acima: e das localizações, na gesticulação e na ASL, 1) Parâmetros para o discurso em primeira foram convertidas em valores numéricos, os pessoa: a) olhar neutro: o olhar correspon- quais foram, subseqüentemente, usados para de ao olhar da entidade; b) a expressão fa- calcular correlações estatísticas. cial corresponde à emoção da personagem; c) o movimento de parte(s) do corpo mos- tra o desempenho da personagem. 3.1.4 Análises 2) Discurso em terceira pessoa: a) a configura- ção de mão e a orientação da mão são plau- Nossas análises investigaram especificamen- síveis (ou seja, são iconicamente claras) para te: 1) que parâmetros se correlacionavam representar a forma da entidade quando se entre si na gesticulação, para verificar se al- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas usa a gesticulação, b) a configuração de mão gumas das habilidades gestuais pré-existentes 280 e a orientação mão são corretas (correspon- tendiam a se agrupar; 2) que valores se corre- Gesticulação e aquisição da ASL como segunda língua lacionavam entre si na ASL, para verificar se Isso sugere que é mais difícil se adquirir o uso algumas das habilidades alvo se desenvolviam lingüístico do olhar no discurso em primeira juntas; e 3) as correlações entre quaisquer de pessoa, do que se adquirir a expressão facial nossos valores na gesticulação e na ASL, para correspondente. No entanto, as comparações verificar se a habilidade de gesticulação de um das correlações entre os parâmetros de pri- indivíduo poderia prever o desenvolvimento meira pessoa, na gesticulação e na ASL, su- de habilidades na ASL após dois semestres de gerem uma nuance lingüística emergente no aulas de ASL. uso do discurso em primeira pessoa (ou seja, a expressão facial correta) nos estágios ini- ciais da aquisição da ASL. 3.2 Resultados Nenhum dos nossos valores para a troca de papéis em primeira pessoa, na gesticula- 3.2.1 Discurso em primeira pessoa: ção, correlacionou-se com quaisquer valores para o discurso em primeira pessoa, na ASL. Nossos valores para o discurso em primeira Os sujeitos que usaram a troca de papéis na pessoa não se correlacionaram entre si na gesticulação não foram, necessariamente, os gesticulação. As tentativas de troca de papéis mesmos que usaram o discurso em primeira em primeira pessoa (instâncias identificáveis pessoa na ASL. Nos primeiros estágios da ASL, do uso da troca de papéis), o olhar e as ex- o uso de elementos do discurso em primeira pressões faciais não se correlacionaram entre pessoa não parece ser devido a uma transfe- si. Em outras palavras, embora os sujeitos te- rência das habilidades gestuais do discurso em nham usado estratégias do discurso em pri- primeira pessoa. Observamos muitos de nos- meira pessoa na gesticulação, eles não incor- sos sujeitos se esforçando para concentrar a poraram todos os elementos lingüísticos do atenção em itens do vocabulário na ASL. Isso discurso em primeira pessoa encontrados na pode ter inibido o uso espontâneo do discurso ASL, como a expressão facial correspondente em primeira pessoa nas narrativas. e o olhar neutro. Isso já era esperado, visto que o uso de gestos acompanhando a fala não é gramatical. 3.2.2 Discurso em terceira pessoa: Na ASL, ocorreu algo diferente. As tenta- tivas de discurso em primeira pessoa se corre- Na gesticulação, as tentativas de uso dos lacionaram com as expressões faciais em pri- classificadores em terceira pessoa (instân- meira pessoa (r = .670, p = .002). Além dis- cias identificáveis de estruturas semelhan- so, as expressões faciais em primeira pessoa tes a classificadores nos gestos dos sujeitos) se correlacionaram com o olhar correto em correlacionaram-se com a complexidade do primeira pessoa (r = .600, p = .008). Entre- classificador em terceira pessoa (r = .748, tanto, as tentativas de uso da primeira pessoa p = .000). Quanto mais uma pessoa usa confi- não se correlacionaram com o olhar correto gurações de mão semelhantes às classificado- em primeira pessoa. Ou seja, o discurso em ras, em sua gesticulação, mais complexas elas primeira pessoa na ASL foi produzido com tendem a se tornar (por exemplo, o uso de Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas as expressões faciais corretas, mais freqüen- duas configurações de mão simultaneamen- temente do que com o olhar neutro correto. te). As tentativas de uso do classificador em 281 Sarah Taub, Dennis Galvan, Pilar Piñar e Susan Mather

terceira pessoa também se correlacionaram gem precoce das estruturas do discurso em com as configurações de mão plausíveis para terceira pessoa na ASL. classificadores em terceira pessoa (r = .601, p = .000). Na nossa interpretação, esse resul- tado mostra que, embora, na gesticulação, os 3.2.3 Variáveis de espaço e localização; classificadores em terceira pessoa não possu- am características lingüísticas, como era de se Na gesticulação, os valores para a localiza- esperar, elas possuem precisão icônica. ção correta e para a consistência de locali- As correlações entre os parâmetros do zação foram correlacionados positivamente discurso em terceira pessoa na ASL exibem (r = .567, p = .014). Além disso, também fo- um padrão semelhante. As tentativas de uso ram correlacionadas a localização correta e o do discurso em terceira pessoa estão corre- estabelecimento simultâneo de duas localiza- lacionadas com a complexidade do discurso ções (r = .528, p = .024). Isso indica que as em terceira pessoa (r = .773, p =.001). Além variáveis de localização formam um padrão disso, essas tentativas estão correlacionadas na gesticulação. Os sujeitos que naturalmen- com a configuração de mão correta na ASL te localizam elementos de discurso no espaço (r = .470, p = .049). Quanto mais um apren- de modo correto, também tendem a referir- diz se empenha em usar o discurso em ter- se a essas localizações de modo consistente. ceira pessoa, mais complexas tendem a ser as Além disso, os sujeitos que estabelecem loca- estruturas em terceira pessoa. Os aprendizes lizações com precisão e consistência também sem habilidades no discurso em terceira pes- são capazes de usar estruturas de localização soa tendem a evitar o uso dessa estrutura. mais complexas e de localizar elementos dife- Concluímos que o discurso em terceira pes- rentes da narrativa, relacionando-os entre si. soa é usado em um estágio inicial com certo A localização correta e a consistência da grau de nuance lingüística (os sujeitos são localização também são positivamente corre- capazes de usar algumas, mas não todas as lacionadas na ASL (r = .620, p = .006). Não características gramaticais essenciais das es- houve correlação entre outras variáveis de truturas do discurso em terceira pessoa). localização, além dessas. Em outras palavras, As correlações para os parâmetros do as variáveis de localização também formam discurso em terceira pessoa, na gesticulação padrões na ASL, porém em proporções me- e na ASL, revelam uma correlação positiva nores do que nos gestos. Essa menor incidên- entre as tentativas de uso da terceira pessoa cia de padrões de localização na ASL pode ser nos gestos e na ASL (r = 579, p = .012). Em devida ao fato de que é mais difícil usar a lo- outras palavras, há transferência de tal ca- calização sem transgredir as restrições lingüís­ racterística da gesticulação para a ASL, com ticas da ASL, do que usar a localização nos a evolução dos gestos icônicos não-lingüís- gestos espontâneos. ticos para formas com nuances lingüísticas Foram encontradas diversas correlações (por exemplo, a configuração de mão corre- entre as variáveis de localização na gesticu- ta na ASL). Tal observação sugere que o uso lação e na ASL. A habilidade de estabelecer de estruturas semelhantes às classificadoras duas localizações simultâneas no mesmo Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas nos gestos que acompanham a fala poderia gesto foi correlacionada à mesma habilidade 282 constituir um prenúncio de uma aprendiza- na ASL (r = .726, p = .001). A consistência Gesticulação e aquisição da ASL como segunda língua da localização na gesticulação também foi culação se correlaciona com as tentativas de correlacionada ao estabelecimento simultâ- uso do discurso em terceira pessoa na ASL. neo de duas localizações na ASL (r = .529, (r = .730, p = .001). As tentativas de uso dos p = .045). Portanto, parece que algumas ha- classificadores em terceira pessoa na gesticu- bilidades pré-existentes no uso da localização lação estão correlacionadas com o estabele- na gesticulação poderiam prever uso correto cimento simultâneo de duas localizações na de algumas variáveis de localização da ASL. ASL (r = .565, p = .015). Parece haver uma relação entre algumas habilidades para es- tabelecer o espaço e o uso das construções 3.2.4 Correlações entre Localização e classificadoras na gesticulação e na ASL. Tal Classificadores em Terceira Pessoa; relação sugere, mais uma vez, que tais habili- dades estão correlacionadas. Curiosamente, foram observadas diversas correlações entre as variáveis de localização e as variáveis do discurso em terceira pessoa, 3.3.Resumo do desenvolvimento e da o que nos levou a também analisar esses da- transferência de habilidades; dos. Na gesticulação, foram correlacionadas as consistências de localização e as tentativas A troca de papéis em primeira pessoa é pro- de uso de classificadores em terceira pessoa duzida com certa nuance lingüística em es- (r = .724, p = .001), bem como o uso simul- tágios iniciais da aprendizagem da ASL (ou tâneo de duas localizações e a complexidade seja, o movimento correto de partes do corpo do classificador em terceira pessoa (r = .504, e a expressão facial correspondente). Parece, p = .033). Além disso, o número de localiza- no entanto, que o olhar correto no discurso ções corretas foi correlacionado com as ten- em primeira pessoa se desenvolve mais lenta- tativas de uso de classificadores em terceira mente na ASL, do que a expressão facial cor- pessoa (r = .680, p = .002) e com a comple- reta. Não encontramos qualquer evidência xidade do classificador em terceira pessoa de transferência de habilidade gestual, nesse (r = .726, p = .001). Ao que parece, a habili- estágio inicial da aquisição da ASL. dade natural de estabelecer o espaço e o uso A habilidade de usar o discurso em ter- de configurações de mão semelhantes a clas- ceira pessoa também se desenvolve logo no sificadores em tal espaço são habilidades cor- início da aquisição da Língua de Sinais Ame- relacionadas. ricana, o que constitui certa evidência de Não houve correlações desse tipo entre transferência da habilidade gestual para a localização e classificadores de terceira pessoa, ASL. Por exemplo, a habilidade pré-existente na ASL. Parece que as habilidades de uso da de usar configurações de mão semelhantes às localização e as de uso do discurso em terceira classificadoras serve como um indicativo do pessoa se desenvolvem separadamente, duran- uso correto do discurso em terceira pessoa te o estágio inicial da aquisição da ASL. na ASL, com o acréscimo das nuances lingü- Houve, no entanto, algumas correlações ísticas da ASL (por exemplo, configurações de entre as estruturas de localização e as do dis- mão corretas da Língua de Sinais Americana). Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas curso em terceira pessoa na gesticulação e na Quanto aos valores para a localização, al- ASL. A consistência localizacional na gesti- gumas habilidades de localização já formam 283 Sarah Taub, Dennis Galvan, Pilar Piñar e Susan Mather

padrões em um estágio inicial da aquisição no discurso em primeira pessoa continuariam da ASL (localização correta/consistência da a se desenvolver em um estágio posterior ou localização). De certa maneira, é possível haveria uma curva de aprendizagem em forma prever a habilidade de estabelecer o espaço de “U”, como aquela apontada por McIntire & na ASL a partir da habilidade de configurar Snitzer Reilly (1988), em seu estudo sobre ex- o espaço na gesticulação. Além disso, como pressão facial na ASL? Será que as habilidades vimos, há uma relação entre as diversas vari- que parecem formar padrões em um estágio áveis de localização e as variáveis do discur- inicial (por exemplo, algumas variáveis de lo- so em terceira pessoa, tanto na gesticulação calização) continuariam a formar padrões em pré-ASL quanto entre a gesticulação e a ASL. um estágio posterior ou elas se desenvolveriam Podemos concluir que, até certo ponto, o uso separadamente? No caso das habilidades que do discurso em terceira pessoa na ASL pode formam padrões, será que a ênfase em uma ser previsto, a partir da habilidade pré-exis- delas durante o treinamento na ASL ajudaria tente de estabelecer o espaço na gesticulação. na aquisição da outra (por exemplo, algumas Analogamente, a habilidade de usar configu- variáveis de localização e o uso de elementos rações semelhantes às classificadoras na gesti- do discurso em terceira pessoa)? Nosso pró- culação pode ser prevista no desenvolvimento ximo passo será rastrear as mesmas variáveis de algumas variáveis de localização na ASL. de habilidade em um estágio mais avançado da aquisição da segunda língua, para obter uma visão mais clara a respeito do ritmo e da 4. Conclusões e outras questões a ordem de desenvolvimento das habilidades serem investigadas e também a respeito das relações entre as di- ferentes habilidades. Por fim, esperamos que As correlações apontadas revelam alguns pa- esta pesquisa proporcione uma melhor com- drões interessantes com relação ao desenvolvi- preensão da transferência lingüística na aqui- mento de certas habilidades espaciais da ASL, sição de segunda língua, quando a primeira que são fundamentais no discurso narrativo. e a segunda língua pertencem a modalidades Embora o nosso estudo tenha utilizado uma diferentes. Assim, embora as habilidades lin- amostra relativamente pequena e não permi- güísticas espaciais abordadas neste estudo não ta generalizações a partir de nossos resulta- tenham equivalentes na modalidade falada, os dos para todos os aprendizes, esperamos que gestos que acompanham a fala podem revelar esses resultados estimulem outras perguntas habilidades espaciais-visuais pré-existentes, e pesquisas mais aprofundadas, sobre a aqui- que podem facilitar ou prenunciar o desenvol- sição da ASL como segunda língua. Embora vimento de algumas habilidades espaciais na tenhamos, por exemplo, verificado a aquisi- ASL. Investigar a gesticulação como um pos- ção de algumas habilidades selecionadas oito sível componente da transferência lingüística meses depois do início da aprendizagem da pode ser algo proveitoso não apenas para se ASL, pode-se questionar se nossos resultados antever habilidades na aquisição da língua de seriam diferentes, em um estágio posterior da sinais, mas, também para se desenvolver estra- aquisição da ASL. Será que as características tégias de ensino e metodologias que possam Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas lingüísticas emergentes encontradas no uso da canalizar tais habilidades espaciais-visuais pré- 284 localização, no discurso em terceira pessoa e existentes, para a aprendizagem da ASL. Gesticulação e aquisição da ASL como segunda língua

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Ceil Lucas e Robert Bayley2

Pesquisas sobre as línguas faladas mostra- passed by onde o –ed é pronunciado como ram que as variáveis lingüísticas podem ser /t/). Os fatores fonológicos e gramaticais sistematicamente condicionadas por fatores também restringem outras variáveis lingüís- que operam em diferentes níveis lingüísticos. ticas. Houston (1991), por exemplo, mostrou Por exemplo, diversos estudos mostraram que a variável –ing no inglês britânico é siste- que a elisão do /t/ e do /d/ finais de pala- maticamente condicionada pela função gra- vras inglesas como mist ou find é sistemati- matical, com a variante apical (por exemplo, camente condicionada pelas características workin’) associada às categorias verbais e à do ambiente fonológico anterior e seguinte variante velar (por exemplo, ceiling) associa- (isto é, os sons anteriores e seguintes), pelo da às categorias nominais. O estudo de Labov acento tônico e pela classe gramatical da pa- (1989) sobre a aquisição de padrões de varia- lavra que contém o /t/ ou o /d/ (por exemplo, bilidade por crianças mostra a ocorrência de Guy, 1991; Labov 1989; Patrick 1991; Roberts um efeito gramatical similar em membros da 1997). A elisão do /t/ e do /d/ finais é mais família Cameron na cidade de King of Prus- provável antes de consoantes (por exemplo, o sia, na Pensilvânia. O fato de muitas variáveis /t/ em mist como em mist by the lake) do que lingüísticas serem restringidas por fatores antes de vogais (por exemplo, mist over the que operam em diferentes níveis lingüísticos water). A elisão destes sons é também mais é algo corriqueiro para os estudantes de lín- provável nas palavras não flexionadas (mo- guas faladas. No entanto, em geral, a variação nomorfemas) (por exemplo, em in the past), fonológica na Língua de Sinais Americana e do que nas formas do tempo passado e nos em outras línguas de sinais tem sido explica- particípios passados (por exemplo, em he da com base apenas em restrições fonológicas

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Ladjane Maria Farias de Souza, Lucas Hack de Mendonça. 2 Ceil Lucas é professora do Departamento de Lingüística da Gallaudet University desde 1982. Robert Bayley é profes- sor de sociolingüística no departamento de Estudos biculturais-bilíngües da University of Texas em San Antonio. Este trabalho foi financiado pela National Science Foundation, auxílios SBR 9310116 e SBR 9709522. Ambos os autores contribuíram igualmente para este artigo. Clayton Valli, Alison Jacoby, Mary Rose, Leslie Saline, Susan Schatz, Ruth Reed, e Alyssa Wulf auxiliaram na coleta, na transcrição e na codificação dos dados. Agradecemos a Robert Walker pelos desenhos e a MJ Bienvenu por posar para as fotos. Agradecemos especialmente aos surdos que generosamente compartilharam conosco a riqueza de sua língua e de sua experiência. Gesticulação e aquisição da ASL como segunda língua

(isto é, as características dos sinais anteriores exemplo típico de tais sinais derivados por e seguintes), sem referência ao papel dos fa- metátese. (1989:244). tores gramaticais e funcionais (para uma revisão completa deste assunto, veja Lucas, Liddell continua a defender a inter- Bayley e Valli, 2001). pretação oferecida no artigo de 1989. Em Até muito recentemente, as pesquisas so- Grammar, Gesture, and Meaning in American bre a Língua de Sinais Americana tinham por Sign Language (2003), ele se refere ao estudo objetivo provar que a ASL e, por analogia, as piloto de Lucas (1995) sobre a variação na outras línguas de sinais, constituem verda- composição do sinal surdo, estudo esse que deiras línguas. Em busca de tal objetivo, tais chegou à conclusão de que apenas a função pesquisas demonstraram que a estrutura da gramatical e não as características dos sinais ASL é semelhante à das línguas faladas, e que anteriores e seguintes exercia um efeito sig- sua fonologia e sintaxe estão sujeitas aos mes- nificativo na escolha por parte dos sinalizan- mos tipos de processo que operam nas lín- tes entre a forma canônica (da orelha para o guas faladas. Procedendo desta maneira, tais queixo) e a forma não-canônica (do queixo pesquisas deixaram de investigar a possível para a orelha ou tocando na bochecha) da influência de outros fatores além dos fono- palavra surdo. Ele então descreve duas ocor- lógicos. Por exemplo, Battison, Markowicz, rências de surdo usadas no mesmo período e Woodward (1975) investigaram a extensão para ilustrar o papel dos sinais anteriores e variável do polegar em sinais como engraça- seguintes no condicionamento da variação. do, preto, chato e engraçadinho. Dos seis fa- Ele reconhece que o exemplo não possui “sig- tores que os autores afirmam condicionar a nificado estatístico”, mas, mesmo assim, ele variação, cinco dizem respeito às caracterís- comenta que “os sinais anteriores e seguintes ticas composicionais (fonológicas) dos pró- são claramente os fatores significativos nes- prios sinais. Woodward e DeSantis (1977) ses exemplos” (2003, 319). investigaram os sinais realizados com as duas Liddell e Johnson também discutem so- mãos que podem se tornar sinais com uma bre o abaixamento variável do ponto de arti- mão, como gato, chinês, vaca e famoso. Eles culação dos sinais (por exemplo, saber) que também sugeriram que a variação por eles são produzidos à altura da testa na forma observada era condicionada por aspectos fo- canônica (_cf ), que é a forma padrão que nológicos dos próprios sinais (por exemplo, aparece nos dicionários e que é ensinada nas o movimento e a locação do sinal). Liddell aulas de ASL: “os processos fonológicos que e Johnson explicam a variação em duas for- devem ter originado essa transposição ainda mas do sinal surdo (da orelha para o queixo estão ativos na ASL contemporânea. As re- e do queixo para a orelha) como sendo um gras que explicam esses sinais parecem ser processo governado apenas por restrições fo- selecionadas de modo variável na sinalização nológicas: casual e, à semelhança das regras de redução da vogal nas línguas faladas, elas possuem o Diversos sinais substituem um grupo inicial efeito de neutralizar os contrastes de loca- de segmentos por um grupo final de seg- ção” (1989, 253). Esses autores também atri- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas mentos em certos contextos que parecem ser buem a variação nos sinais produzidos com puramente fonológicos. O sinal surdo é um uma configuração de mão 1(dedo indicador 287 Ceil Lucas e Robert Bayley

estendido, todos os outros dedos e o polegar o sinal surdo, a locação da classe de sinais re- fechados) a processos fonológicos, sem con- presentada pelo verbo saber e os sinais reali- siderar fatores em outros níveis lingüísticos: zados com a configuração de mão 1. “Há vários exemplos de assimilação na ASL. Por exemplo, a configuração de mão do sinal eu (_pro. 1) em geral se assimila àquela de 2. O sinal surdo um predicado contíguo na mesma oração. . . A incidência da assimilação de um sinal pela O sinal surdo possui três variantes princi- configuração de mão de outro sinal, além da pais, ilustradas nas figuras 1a, 1b e 1c. Na que ocorre com o sinal para eu, embora ain- forma canônica, surdo é sinalizado da orelha da não investigada por completo, pareceu ser para o queixo. Ele pode também ser sinali- consideravelmente limitada. . . . Para a maio- zado do queixo para a orelha ou reduzido a ria dos sinalizantes, essa assimilação parece um contato com o queixo. Nós chamamos ser variável, provavelmente controlada pelo essas formas alternativas de não-canônicas nível de formalidade e pelas restrições à sina- (-cf). lização rápida” (ibid., 250–52). Neste artigo, nós testamos a hipótese de que a variação fonológica na ASL pode ser ex- 3. Sinais com movimento descendente plicada essencialmente pela influência do am- biente fonológico. Apresentamos uma série de A segunda variável é composta por uma classe análises multivariadas de aproximadamente de sinais, representada pelo verbo saber, que nove mil e quatrocentas ocorrências distribu- compartilha aspectos de locação e de posição ídas entre três variáveis fonológicas, extraídas da mão. Os sinais dessa classe são produzidos de conversas e de entrevistas sociolingüísticas na testa ou na têmpora. Além do verbo saber, gravadas em vídeo, com uma amostra estra- esta classe inclui outros sinais para verbos de tificada de 207 sinalizantes originários de sete pensamento e percepção (por exemplo, acre- regiões dos Estados Unidos. Primeiramen- ditar, decidir, esquecer, lembrar, supor, sus- te, nós ilustraremos as variáveis lingüísticas e peitar, ver, pensar), bem como uma varieda- apresentaremos uma visão geral do modelo de de de adjetivos (por exemplo, tonto, federal, fonologia da ASL que informa a nossa análise. estranho), substantivos (por exemplo, veado, Em seguida, passaremos a discutir os métodos pai, cavalo), preposições (por exemplo, para) usados para a coleta, para a redução e para a e pronomes interrogativos (por exemplo, por codificação dos dados. E, por fim, apresenta- quê), (em sinais como acreditar, decidir e remos os resultados obtidos e discutiremos lembrar. Variação na Língua de Sinais Ame- suas implicações para a nossa interpretação da ricana: o foco aqui está na locação inicial da variação nas línguas faladas e de sinais. configuração de mão – a testa na forma ca- nônica e mais abaixo nas formas variáveis). A figura 2a é uma ilustração de saber e de para 1. As variáveis em suas formas canônicas. As variantes des- ses sinais são produzidas em pontos abaixo Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Examinamos os fatores lingüísticos que res- da testa ou da têmpora. A figura 2b mostra os 288 tringem a variação na forma de três variáveis: sinais saber e para do modo como são produ- Variação na língua de sinais americana: o papel da função gramatical zidos algumas vezes, um pouco acima ou um reconheçam a ocorrência de eventos seqüen- pouco abaixo da mandíbula. ciais no interior dos sinais, para eles, tais eventos são desprovidos de relevância fono- lógica. Como Liddell e Johnson observaram, 4. Sinais produzidos com a “a afirmação de que os sinais são feixes si- configuração de mão 1 multâneos de primes não é uma afirmação de que não existem eventos seqüenciais no Muitos sinais pertencentes a todas as classes interior dos sinais. É uma afirmação de que gramaticais são produzidos com a CM 1. a organização seqüencial dos sinais é fono- A figura 3a mostra a forma canônica para logicamente irrelevante. um, com o polegar e todos os dedos exceto Desse modo, embora Stokoe e, mais o indicador fechados. Os sinais produzidos recentemente, outros pesquisadores reco- com a CM 1, entretanto, apresentam uma nheçam a seqüência no interior dos sinais, larga faixa de variação (por exemplo, polegar em geral, eles defendem que ela é fonolo- aberto, todos os dedos abertos). Neste artigo, gicamente sem relevância” (1989, 196–97). nós consideramos as duas formas não-canô- Modelos mais recentes, contudo, atribuem nicas mais comuns. A primeira, a variante significância fonológica aos eventos seqüen- com a CM L, difere da forma canônica por ciais. Esses modelos parecem ser muito mais utilizar o polegar aberto (figura 3b). Na se- adequados para o estudo da variação do que gunda forma não-canônica, a variante com a os modelos anteriores, relativos à simulta- mão aberta (figura 3c), tanto o polegar quan- neidade, porque eles tornam mais explícitos to os dedos permanecem abertos. certos aspectos do sinal que estão sujeitos à variação. No modelo de Liddell e Johnson (ibid.), 5. Fonologia segmental da Língua de que adotamos aqui, os sinais são vistos como Sinais Americana compostos de segmentos de parada e seg- mentos de movimento seqüencialmente pro- A perspectiva básica com relação à estrutura duzidos, e que até certo ponto são análogos dos sinais sofreu uma mudança radical desde às consoantes e às vogais das línguas faladas. os primeiros estudos sobre a variação na ASL Cada segmento constitui um feixe articulató- (veja, por exemplo, Battison, Markowicz, e rio que inclui as características de CM, loca- Woodward 1975; Woodward 1973a, 1973b, ção, orientação da palma da mão, e aspectos 1976). A perspectiva de Stokoe (1960), ado- não-manuais (expressões faciais). Por exem- tada pelos estudos sobre as línguas de sinais plo, a forma canônica de surdo compreende realizados de 1960 até os anos 1980, defende uma seqüência composta por um segmento que os sinais são compostos de três partes de parada, um segmento de movimento e um ou parâmetros básicos (a locação na qual segmento de parada (PMP). A figura 4 é uma o sinal é produzido, a CM e o movimento representação de surdo segundo esse mode- do sinal) e que, ao contrário dos segmen- lo. Embora reconheçamos que a natureza de tos produzidos seqüencialmente nas línguas tais segmentos é um assunto em aberto (veja, Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas faladas, esses componentes são produzidos por exemplo Coulter 1992; Perlmutter 1992; simultaneamente. Embora Stokoe e outros Sandler 1992; Uyechi 1994; Brentari 1998), 289 Ceil Lucas e Robert Bayley

nós consideramos o modelo de Liddell e 7. Os participantes Johnson como o mais adequado para o es- tudo da variação. Como Liddell (1992) de- Participaram da pesquisa 207 homens e mu- monstrou, esse modelo possibilita não ape- lheres afro-americanos e brancos da classe nas a descrição apropriada de qualquer sinal operária e da classe média, de três faixas etá- individual mas também a explicação precisa rias: de 15 a 25 anos, de 26 a 54 anos e de 55 de processos fonológicos como a assimilação, anos acima. Todos haviam adquirido a ASL a metátese, a epêntese e o apagamento do de modo natural em casa ou aprendido a si- segmento – processos que são fundamentais nalizar com seus colegas nas escolas internas para que haja variação tanto nas línguas fala- antes de completarem 5 ou 6 anos (veja Lu- das quanto nas línguas de sinais. cas, Bayley e Valli [2001] para informações mais detalhadas sobre os participantes).

6. Métodos utilizados 8. A coleta de dados 6.1 As Comunidades A abordagem dos participantes orientou- A fim de obter uma amostra representativa se pelo trabalho de Labov (1984) e Milroy da variação na ASL, nós coletamos dados (1987). Grupos de dois a sete sinalizantes em sete regiões: em Staunton, Virginia; em foram formados em cada área através de um Frederick, Maryland; em Boston Massachusetts; contato, uma pessoa surda residente na vizi- em Olathe e em Kansas/Kansas City, Missouri; nhança com um bom conhecimento da co- em Nova Orleans, Louisiana; em Fremont, munidade. Nas quatro regiões onde nós en- Califórnia e em Bellingham, Washington. trevistamos tanto sinalizantes brancos quan- Todas essas regiões possuem comunidades to sinalizantes afro-americanos, contamos florescentes de usuários da ASL. Além dis- com dois contatos, um para cada comunida- so, Staunton, Frederick, Boston, Fremont e de. Eles eram responsáveis pela identificação Olathe possuem internatos para crianças de usuários fluentes e com longa prática da surdas e comunidades surdas de longa data. ASL que morassem na comunidade há pelo Escolhemos estas regiões porque as conside- menos dez anos. ramos representativas das principais áreas A coleta de dados foi dividida em três do país – o Nordeste, o Leste, o Sul, o Cen- partes. A primeira parte de cada sessão grava- tro-Oeste, o Oeste e o Nordeste. No final do da em videotape compreendia aproximada- verão e no começo do outono de 1994, nós mente uma hora de conversação livre entre testamos e refinamos a metodologia de coleta os membros de cada grupo, sem a presença dos dados em Frederick e em Staunton antes dos pesquisadores. Após esse período de con- de a implementarmos em outras regiões. Os versação livre, dois participantes eram esco- dados foram coletados em Boston, em janei- lhidos e entrevistados mais detalhadamente ro de 1995, em Kansas City e em Olathe, em pelos pesquisadores surdos sobre suas ori- maio de 1995, em Fremont e em Bellingham, gens, relações sociais e seus padrões de uso da Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas em junho de 1995, e em Nova Orleans, em língua. As sessões terminavam com a exibição 290 setembro de 1995. de um conjunto de 34 figuras, a fim de se ob- Variação na língua de sinais americana: o papel da função gramatical ter dos participantes os sinais para os objetos lógica e sintática, além de observações sobre ou ações nelas representados (consulte Lucas, outras características lingüísticas da ASL não Bayley, e Valli 2001 para ver os resultados so- necessariamente relacionadas à variação. bre a variação lexical.) Ficou evidente que os usuários da ASL tendem a ser muito sensíveis ao status au- 10. Surdo diológico e étnico de um entrevistador (por exemplo, se é ouvinte ou surdo, branco ou A fim de permitir a comparação da variação en- afro-americano [Lucas and Valli 1992]). Tal tre as modalidades, para todas as variáveis, nós sensibilidade pode se manifestar pela rápida codificamos uma série de fatores lingüísticos, substituição da ASL pelo inglês sinalizado ou a maioria dos quais de uso corrente nos estu- pelo pidgin na presença de uma pessoa ou- dos sobre variação na língua falada. Para o sinal vinte (ibid.). A fim de se obter uma elicitação surdo, codificamos todas as 1.618 ocorrências consistente da ASL ao invés do inglês sinali- nos dados com relação à função gramatical do zado ou do pidgin, os participantes foram en- sinal e à locação dos segmentos anteriores e se- trevistados apenas por pesquisadores surdos. guintes. Além disso, visto que nossos dados in- Além disso, todos os participantes afro-ame- cluiam tanto conversas informais quanto nar- ricanos foram entrevistados por um pesqui- rativas mais longas, nós codificamos os dados sador assistente afro-americano. Os pesquisa- também em termos de gênero do discurso. Os dores brancos não estavam presentes durante fatores codificados são mostrados aqui: as sessões dos grupos afro-americanos, nem 1. Função gramatical de surdo: substantivo nas entrevistas. Estes procedimentos foram (por exemplo, surdos entendem [“pessoas seguidos na coleta dos dados referentes a 62 surdas entendem”]); adjetivo (por exem- grupos. Os dados foram coletados nos cen- plo, gato surdo); predicativo do sujeito tros comunitários, nas escolas para crianças (por exemplo, pro.1 surdo [‘‘Eu sou sur- surdas, em residências e, no caso de três dos do’’]); substantivos compostos (por exem- grupos, em um parque público plo, mundo surdo, cultura surda). 2. Locação do segmento anterior: alta (altura da orelha ou acima), média (entre a orelha e o 9. Redução dos dados e codificação queixo), baixa (no queixo ou abaixo), pausa. 3. Locação do segmento seguinte: alta, média, Enquanto os dados eram coletados, foram de- baixa, pausa. senvolvidos um sistema de catalogação e um 4. Gênero do texto no qual surdo ocorre: con- banco de dados a fim de facilitar o acesso aos versa, narrativa. dados, e para armazenar uma grande varieda- de de informações sobre os vídeos. O banco de dados inclui detalhes relativos a quando e 11. Locação dos sinais representados onde cada grupo foi entrevistado, bem como por saber informações sobre as pessoas que aparecem em cada vídeo (nome, idade, histórico escolar, Na investigação do movimento descendente Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas profissão, padrões de uso da língua), detalhes de sinais como saber, aproximadamente 15 sobre a variação fonológica, lexical, morfo- ocorrências foram coletadas de cada sinalizan- 291 Ceil Lucas e Robert Bayley

te, totalizando 2.862 ocorrências. Tais ocor- 2. Sinal anterior: sinal, pausa (sem nenhum rências foram codificadas com relação aos se- segmento anterior, o sinal alvo é o primei- guintes fatores lingüísticos: função gramatical, ro sinal) ambiente fonológico anterior, ambiente fono- 3. Locação do segmento anterior: à altura da lógico seguinte e gênero do discurso. O esque- cabeça do sinalizante; à altura do corpo do ma de codificação foi desenvolvido a fim de se sinalizante (no pescoço ou abaixo); não se determinar se a locação do sinal alvo seria in- aplica (o alvo é precedido por uma pausa) fluenciada pela locação do segmento anterior 4. Contato do segmento anterior com o corpo: ou do segmento seguinte. Nós também que- contato com a cabeça ou o rosto; nenhum ríamos determinar se a variabilidade do sinal contato com a cabeça ou o rosto; contato alvo seria influenciada pelos contatos com o com o corpo (isto é, abaixo do queixo); corpo ou o rosto estabelecidos pelos segmen- nenhum contato com o corpo; à altura do tos anteriores ou seguintes. corpo do sinalizante (pescoço ou abaixo) Nós também codificamos as ocorrências e a mão dominante fazendo contato com com relação a se os cotovelos ou antebraços a mão base (contato das 2 mãos); não se dos sinalizantes estavam sobre uma cadeira aplica visto que o sinal alvo é precedido de ou mesa enquanto eles produziam o sinal uma pausa alvo. Este fenômeno, conhecido como “si- 5. Sinal posterior: sinal, pausa (sem nenhum nalização dificultada”, é, de um certo modo, segmento posterior, o sinal alvo é o último comparável à experiência de se ouvir uma sinal antes de uma pausa) pessoa ouvinte falando com a boca cheia. A 6. Locação do segmento seguinte: os mes- diferença é que a sinalização dificultada, que mos códigos utilizados para a locação do não constitui um estigma social, é mais co- segmento anterior se aplicam ao segmento mum. Nós previmos que os sinalizantes cujos posterior ao sinal alvo. cotovelos estivessem sobre uma mesa produ- 7. Contato do segmento posterior com o cor- ziriam os sinais abaixo da têmpora. No en- po: os mesmos códigos para o contato do tanto, embora os resultados obtidos a partir segmento anterior se aplicam ao segmento da análise inicial confirmem a nossa previsão, posterior ao sinal alvo. as 268 ocorrências de sinalização dificultada 8. Gênero do texto no qual a locação ocorre: (menos que 10 por cento do total) foram conversa, narrativa eliminadas da análise final que descrevemos aqui porque tal sinalização mostra a influên- cia de uma restrição que não está sujeita nem 12. Sinais produzidos com a à análise lingüística nem à análise social. Os configuração de mão 1 fatores lingüísticos que foram codificados fo- ram os seguintes: Para os sinais produzidos com a CM 1, que são 1. Função gramatical substantivo (por exem- muito comuns, nós coletamos pelo menos 25 plo, menino, pai); adjetivo (por exemplo, ocorrências por sinalizante, totalizando mais preto, tonto); verbo (por exemplo, sa- de 5.000 ocorrências, todas extraídas das partes ber, entender); preposição (por exemplo, de cada sessão em vídeo que contêm conversas Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas para); pronome interrogativo (por exem- espontâneas. As ocorrências foram divididas 292 plo, por quê) entre sinais lexicais com a CM 1, sinais para Variação na língua de sinais americana: o papel da função gramatical pronomes interrogativos, sinais de funções nais realizados com a CM 1 está sujeita à as- gramaticais, e pronomes. Para cada exemplo, similação, que é o processo através do qual os as características da variante foram descritas e sinais tornam-se semelhantes aos sinais que o contexto sintático no qual a variável ocor- lhes são próximos. Por exemplo, a CM 1 no reu foi registrado. Codificamos as ocorrências pro.1 (“Eu”) pode se converter em uma CM com relação a três restrições lingüísticas: (1) 8 na locução pro.1 preferir (“Eu prefiro”). categoria gramatical; (2) ambiente fonológico Em nossa codificação, supomos que apenas anterior; e (3) ambiente fonológico seguinte. as características da CM dos segmentos ante- Discutiremos cada uma delas com um certo riores e seguintes teriam efeito nas caracterís- grau de detalhamento. Além disso, a exemplo ticas variáveis da CM do sinal alvo. Portanto, de surdo e da locação de sinais como saber, nós em vez de codificar a locação, a orientação e codificamos as ocorrências com relação a uma a CM anteriores, nós limitamos a nossa de- quarta restrição lingüística, o gênero do texto finição dos ambientes anterior e seguinte às no qual se observou a ocorrência, identifica- CMs anteriores e seguintes. do como turno conversacional ou narrativa. A O primeiro passo na codificação das ca- categoria gramatical do sinal no qual a CM em racterísticas do ambiente fonológico foi o questão ocorreu foi codificada como segue: de codificar com relação a se a variável era antecedida ou seguida por um segmento ou Pro.1 (“Eu”) por uma pausa. Nós então codificamos os Pro.2 (“você”) segmentos anteriores e seguintes com rela- Pro.3 (“ele”, “ela”, “ele ou ela” para objetos) ção às características relevantes do polegar, Pronome interrogativo (por exemplo, onde, do indicador e dos dedos 2, 3 e 4. As caracte- quando) rísticas foram selecionadas porque a variável, palavra gramatical (por exemplo, para) conforme definida aqui, não constitui uma advérbio (por exemplo, realmente) unidade ou segmento lingüístico completo, verbo (por exemplo, ir, cancelar) mas um feixe de características que define adjetivo (por exemplo, preto, longo) apenas a CM. Do mesmo modo, a CM dos substantivo (por exemplo, semana, mês) segmentos anterior ou posterior ao sinal rea- lizado com a CM 1 é simplesmente um feixe Os predicados classificadores não foram de características. Cada um destes elementos incluídos na análise porque as CMs 1 nesses da CM poderia ser classificado como tendo sinais são morfemas separados com siginifi- uma de duas características binárias: aberto cado independente, ao contrário dos sinais ou fechado, no caso do polegar ou dos dedos; lexicais e dos pronomes nos quais a CM não e estendido ou curvado, no cado do dedo in- possui significado independente3. dicador. Nossa análise tratou cada um dos O sistema de codificação com relação elementos da CM do ambiente anterior ou aos fatores fonológicos foi concebido a fim seguinte em um grupo de fatores distinto. A de testar a hipótese de que a variação nos si- Tabela 1 mostra como nós codificamos as ca- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 3 Alguns dos sinais alvo são sinais realizados com as duas mãos (por exemplo, semana), e nosso foco foi dirigido para a mão dominante. 293 Ceil Lucas e Robert Bayley

racterísticas dos segmentos anteriores e pos- probabilidade de entrada ou à probabilidade teriores nos três grupos de fatores binários. total do uso de uma variante específica, sem levar em conta a influência de qualquer fator individual do ambiente. 13. Fatores sociais Por exemplo, na tabela 3, vemos que si- nais em seqüência produzidos em um ponto Além desses grupos de fatores, todas as vari- mais baixo do que o da forma canônica de áveis foram codificadas com relação a fatores surdo predispõem a ocorrência da variante não-lingüísticos: região geográfica, idade, gê- de surdo realizada por contato na bochecha, nero sexual, etnia, classe social e histórico lin- com um peso de .579, ainda que tal varian- güístico. (veja Lucas, Bayley, and Valli [2001] te seja usada em apenas 25% das vezes nesse para uma discussão completa dos resultados ambiente. Note-se, entretanto, que a totali- relativos a esses fatores). dade do uso das variantes realizadas por con- tato na bochecha é de apenas 20 por cento.

14. A análise 15. Resultados Os dados foram analisados com a versão do software VARBRUL desenvolvida por Rand Os resultados das análises multivariadas indi- e Sankoff (1991) para Macintosh (Rousseau cam que, para cada uma das variáveis, a fun- and Sankoff 1978; Sankoff 1988), um aplica- ção gramatical é a restrição lingüística mais tivo especializado de regressão logística que importante na escolha entre as formas canô- vem sendo usado há muito tempo nos estu- nica e não-canônica. Em contraste, os fatores dos da variação na língua falada (veja, por fonológicos exercem um papel relativamente exemplo, Guy 1980, 1991; Houston 1991; menos importante. Nesta seção, nós apresen- Labov 1989). O objetivo de uma análise atra- tamos os resultados dos fatores lingüísticos vés do software VARBRUL, isto é, de uma para cada uma das três variáveis. Nós então análise das regras variáveis, é o de quantificar focalizamos a relação entre as restrições gra- e testar o significado de múltiplos fatores que maticais e fonológicas. podem afetar as escolhas por parte dos usu- ários de uma língua entre formas lingüísticas variáveis (Bayley 2002). Na análise das regras 16. SURDO variáveis, um valor, ou peso VARBRUL, entre 0 e 5, indica que o fator em questão não acei- Para surdo, as formas não-canônicas se mos- ta a variante que foi escolhida como o valor traram muito mais comuns do que as formas de aplicação, ou a variante que é considerada canônicas. Das 1.618 ocorrências de surdo como uma aplicação da “regra” que está sen- analisadas nesse estudo, apenas 500, ou seja, do investigada. Um valor ou peso entre 0,5 e 31%, apresentaram a forma canônica. Entre 1,0 aceita a variante como aplicação da regra. as ocorrências das formas não-canônicas, No entanto, os pesos do VARBRUL, impro- 889, ou seja, 55%, foram do queixo para a Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas visadamente denominados “probabilidades”, orelha e 229, ou seja, 14%, foram de contato 294 precisam ser interpretados com relação à na bochecha. A análise da variação na forma Variação na língua de sinais americana: o papel da função gramatical de surdo baseia-se em um modelo de ordena- matical mais uma vez mostrou ser a restrição mento de regras em duas etapas. Na primeira lingüística de primeira ordem. Como mostra etapa, a forma canônica (_cf, da orelha para a tabela 3, os substantivos compostos mos- o queixo) pode sofrer metátese e se transfor- tram preferência pela forma reduzida por mar em uma forma que vai do queixo para a contato na bochecha, os substantivos são orelha; ou seja, a ordem das partes do sinal neutros e os adjetivos e predicados rejeitam – nesse caso a locação – pode se reverter. Na a foma reduzida. No entanto, ao contrário segunda etapa, as formas que sofreram metá- da primeira análise entre as formas canônica tese podem sofrer um processo extra de redu- e não-canônica, a segunda análise, que incluiu ção – de uma forma que vai do queixo para apenas as duas variantes não-canônicas, sele- a orelha para um contato na bochecha. Uma cionou uma restrição fonológica significativa. evidência de que a metátese precede o pro- A locação do sinal seguinte afetou de cesso de redução é o fato de que substantivos maneira significativa a escolha por parte dos compostos como jeito surdo ou cultura surda sinalizantes entre as variantes realizadas do começam com a forma de surdo por contato queixo para a orelha e por contato na boche- na bochecha. Se a metátese não tivesse ocor- cha. Quando o sinal seguinte era entre a ore- rido, a expectativa seria de que o sinal come- lha e o queixo (locação média) ou inexistente çasse na locação da orelha, como explicare- (pausa), a forma por contato na bochecha era mos mais adiante. Os resultados das análises rejeitada. Quando o sinal seguinte era no ní- de surdo são mostrados nas tabelas 2 e 3. vel da orelha ou acima ou no nível do queixo A função gramatical e o gênero do dis- ou abaixo, a forma por contato na bochecha curso mostraram ser os únicos fatores lingüís­ era preferida. Esses resultados podem ser me- ticos relevantes na escolha entre a forma ca- lhor explicados pela necessidade de se manter nônica e a forma não-canônica de surdo. Os uma distinção entre surdo e o sinal seguinte. substantivos compostos tendem a se realizar Assim, a variante por contato na bochecha na forma não-canônica; os substantivos e os pode ser livremente usada se a locação do si- adjetivos, na grande maioria das ocorrências, nal seguinte for realizada à altura da orelha, constituíram um ponto de referência prati- ou acima; ou então à altura do queixo, ou camente neutro; e os predicativos do sujeito abaixo (ou seja, se a locação do sinal seguinte tenderam a se realizar na forma não-canôni- for em algum lugar que não na bochecha). ca. Esses resultados confirmam o estudo pilo- to de Lucas (1995) que mostra que a escolha entre as formas canônica e não-canônica de 16.1 Locação dos sinais representados surdo é condicionada pela função gramatical por saber do sinal, ao invés de o ser pelas características dos sinais anteriores e seguintes. A análise multivariada de 2.594 ocorrências Como observamos anteriormente, a se- mostra que a variação na locação da classe de gunda análise envolveu uma escolha entre a sinais representada por saber é sistemática e variante realizada do queixo para a orelha e restringida por fatores que operam em dife- a variante realizada por contato na bochecha, rentes níveis lingüísticos. As formas não-ca- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas excluindo-se as formas canônicas (da orelha nônicas desses sinais, produzidas em pontos para o queixo). Nessa análise, a função gra- inferiores da face ou da cabeça apresentam 295 Ceil Lucas e Robert Bayley

uma freqüência de uso ligeiramente superior riores e seguintes porque nossa hipótese era a à das formas canônicas. As formas não-canô- de que certas características desses ambientes nicas representam 53% das ocorrências, e as exerceriam um papel no condicionamento da formas canônicas, 47%. A discussão a seguir variação. De fato, esse foi o caso, embora ape- apresenta nossos resultados com relação às nas até um certo ponto. Os resultados mos- contribuições significativas dos grupos de fa- tram que, entre os grupos de fatores fonoló- tores lingüísticos. gicos, apenas a locação do sinal anterior e o Assim como no caso de surdo, nós pre- contato do sinal seguinte com o corpo, cabeça sumimos que a forma canônica fosse a for- ou mão-base tiveram efeitos estatisticamente ma base dos sinais que compõem essa clas- significativos. Os outros quatro grupos de fa- se. Dentre os fatores lingüísticos, a função tores – se os segmentos anteriores e seguintes gramatical, a locação anterior e o contato eram parte de um sinal ou de uma pausa; se o seguinte provaram ser significativos no nível segmento anterior entrava em contato com o .05. A Tabela 4 mostra os pesos VARBRUL corpo ou a cabeça, e a locação do sinal seguin- para os grupos de fatores lingüísticos signifi- te – todos eles se mostraram irrelevantes. cativos, com –cf definida como sendo o valor Os resultados para a locação do sinal an- de aplicação. A tabela também inclui a pro- terior sugerem que há assimilação. Se o seg- babilidade de entrada e os valores totais. mento anterior é produzido na cabeça, o si- Conforme sugere a abrangência dos valo- nal alvo tem menos chance de ser produzido res relativos aos fatores, a função gramatical em sua locação não-canônica (p _ .452). Os novamente provou ser a restrição de primei- sinais anteriores produzidos à altura do cor- ra ordem. Dentro do grupo função gramati- po representam o ponto de referência quase cal, as preposições e outras palavras grama- neutro (p _ .503). ticais apresentaram a maior probabilidade A característica [+/_ contato] também de serem produzidas em uma locação abaixo influencia o abaixamento de sinais como sa- da têmpora (p _ .581). Os substantivos e os ber. Um segmento seguinte [+contato] des- verbos, que constituem a grande maioria das favorece –cf (p _ .466). ocorrências, constituiram o ponto de refe- Assim como na locação do sinal anterior, rência quase neutro (p _ .486), enquanto os a influência está na direção da forma canô- adjetivos favoreceram a forma canônica (p _ nica, enquanto o fator que esperávamos ser .316). O resultado para os adjetivos, no en- o responsável pelo abaixamento na produção tanto, deve ser tratado com precaução, uma de sinais (isto é, [–contato]) favorece –cf de vez que os dados contêm apenas 57 ocorrên- forma apenas sutil (p _ .525). cias de adjetivos. Não observamos nenhuma ocorrência para esse fator na produção de aproximadamente 75% dos sinalizantes nes- 17. Sinais produzidos com a te estudo. configuração de mão 1 No que diz respeito aos fatores fonoló- gicos, o contato e a locação se comportaram Nesta sessão nós relatamos análises de uma forma um pouco diferente da que VARBRUL separadas, onde cada uma das Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas esperávamos. Nós codificamos a locação e o três variantes principais dos sinais realizados 296 contato dos segmentos imediatamente ante- com a CM 1 foi definida como sendo o valor Variação na língua de sinais americana: o papel da função gramatical de aplicação. Essas três variantes constituem provou ser a restrição lingüística de primeira 95% das 5.195 ocorrências analisadas. Suas ordem em duas das três análises VARBRUL, características relevantes são as seguintes: nas quais +cf e a variante de mão aberta fo- + cf: forma canônica (dedo indicador es- ram definidos como os valores de aplicação. tendido, polegar e dedos 2, 3 e 4 fechados). A categoria gramatical também restringiu de Configuração de mão L: polegar estendi- forma significativa a escolha dos sinalizantes do; isto é, diferente da forma canônica com com relação à variante da CM L. Os resulta- relação a uma única característica. dos para os fatores lingüísticos são mostrados Mão aberta: polegar e dedos 2, 3 e 4 esten- nas tabelas 5 e 6. didos (todos os dedos, exceto o indicador); Esses resultados mostram que quando isto é, a forma mais foneticamente diferente +cf é selecionada como o valor de aplicação, da forma canônica. os substantivos e os adjetivos (p = .838), os A exemplo do que se observou para surdo verbos e os advérbios (p = .727), os sinais de e para o abaixamento dos sinais representados função gramatical (p = .708), os pronomes por saber, as formas não-canônicas ocorrem interrogativos (p = .647), e pro.3 (p = .583), mais freqüentemente nesses sinais do que as todos favorecem a forma canônica pro.2 e formas canônicas. Além disso, a variação não pro.1 (p = .482, .223) têm maior probabili- se limita ao pronome singular de primeira dade de ser realizados por meio de uma ou- pessoa. Ao invés disso, ela também ocorre em tra CM. outros pronomes e sinais lexicais. Para a variante da CM L, a situação é pra- Os resultados totais indicam que, dentre ticamente inversa. Há maior probabilidade de os grupos de fatores lingüísticos, a categoria os sinalizantes escolherem essa variante para gramatical, o polegar, os dedos e o indicador pronomes interrogativos (p = .581) e pro.2 e anteriores, e o polegar e os dedos posteriores, pro.3 (p = .568) – que não apresentam dife- todos eles constituiram restrições às escolhas rença significativa entre si – do que para ver- dos sinalizantes entre uma ou outra variante bos e advérbios (p = .474) ou substantivos e da CM 1. O tipo de discurso (narrativa, con- adjetivos (p = .351). versa) e a posição do dedo indicador no seg- Para essa variante, os sinais de função mento seguinte mostraram-se irrelevantes em gramatical (p = .492) e pro.1 (p = .515) são todas as análises estatísticas. Também a esco- relativamente neutros em seu efeito. lha de uma variante de CM 1 mostrou não ser Passando agora à variante de mão aber- afetada, de modo significativo, pela presença ta, podemos novamente observar um pa- ou ausência de um segmento anterior. drão que é praticamente o inverso do padrão A probabilidade de uso de uma das for- para a +cf. Os substantivos e os adjetivos mas não-canônicas pelos sinalizantes foi a (p = .219), os verbos e os advérbios (p = .275), mesma independentemente de o sinal alvo os pronomes interrogativos (p = .270), e os ser precedido ou seguido de uma pausa. sinais de função gramatical (p = .306), todos Como nos casos de surdo e do abaixa- apresentam uma forte rejeição à variante de mento de sinais como saber, as restrições mão aberta pro.3 (p = .439) e também des- fonológicas não constituiram a influência favorece a escolha dessa variante, enquanto Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas mais forte sobre a escolha de uma variante. pro.2 (p = .505) é neutra. Em contrapartida, Ao invés disso, foi a categoria gramatical que pro.1 (p = .761) favorece fortemente a varian- 297 Ceil Lucas e Robert Bayley

te de mão aberta, forma que mais se distancia exerceriam papéis importantes. Por exemplo, da forma canônica. pressupomos que a locação dos sinais ante- As características das CM próximas tam- riores e seguintes seria importante para o en- bém restringem a variação em sinais produ- tendimento da variação no sinal surdo e no zidos com a CM 1. Um polegar fechado no abaixamento de sinais como saber. Também segmento anterior, assim como um polegar pressupomos que a CM dos sinais anteriores fechado no segmento seguinte (p _ .628), fa- e seguintes afetaria a variação em sinais for- vorece _cf (p _ .635). De modo análogo, de- mados a partir da CM 1. Nós então incluímos dos fechados no segmento anterior (p _ .551) grupos de fatores compreendendo caracterís- e no segmento seguinte também favorecem ticas dos segmentos anteriores e seguintes. _cf (p _ .532). Um indicador curvado no sinal Entretanto, as análises anteriores de anterior mostra uma ligeira rejeição a _cf (p Lucas quanto ao sinal surdo (1995), embo- _ .468). Esses resultados sugerem que ocor- ra tendo sido conduzidas com um número re assimilação na variação da CM. Conforme relativamente pequeno de ocorrências, nos mostra a Tabela 6, os resultados das análises chamaram a atenção para o possível papel nas quais a CM L e a CM de mão aberta são exercido pela função gramatical na explica- definidas como valores de aplicação confir- ção dessa variação. Com esses resultados em mam essa tendência. Note-se também que os mente, incluímos em nosso estudo um grupo dedos e o polegar anteriores e seguintes são de fatores para as categorias gramaticais rele- claramente os fatores mais importantes en- vantes de cada variável, junto com os grupos volvidos. Ao contrário do fator referente a de fatores fonológicos e sociais. Para surdo, se o indicador anterior estava curvado ou es- as categorias gramaticais compreenderam tendido, que se mostrou significativo apenas predicativo do sujeito, substantivo, adjetivo e na análise com _cf definida como o valor de adjetivo em um substantivo composto. Para aplicação, as posições do polegar anterior e a análise do movimento de abaixamento dos seguinte, bem como as dos dedos, foram re- sinais representados por saber, elas incluíram levantes nas três análises realizadas. preposições, pronomes interrogativos, subs- tantivos, verbos e adjetivos; e, para os sinais realizados com a CM 1, elas incluíram pro- 18. Discussão dos resultados nomes e sinais lexicais, essa última categoria dividida em substantivos, adjetivos, verbos, 18.1 Classificação das restrições advérbios e sinais de função gramatical. A Tabela 7 resume a classificação das restrições A parte central da nossa análise para cada lingüísticas para cada uma das variáveis, e variável envolveu a identificação dos fatores mostra que a função gramatical é o fator de lingüísticos que regulam a variação observa- maior influência em cada uma das três vari- da. Seguindo o modelo fornecido por estudos áveis. Esse resultado é surpreendente, e tem sobre variação na língua falada, e levando em implicações substanciais. conta afirmações anteriores sobre a variação A seguir, discutiremos primeiramente a nas línguas de sinais, nós partimos da hipó- relevância de tal resultado em relação a cada Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas tese de que as características do ambiente fo- variável, e então ofereceremos uma explicação 298 nológico imediatamente anterior e seguinte mais abrangente, unificando as três variáveis. Variação na língua de sinais americana: o papel da função gramatical

No caso de surdo, sugerimos que o papel to” é a forma de surdo por contato na boche- das restrições gramaticais na escolha entre as cha que observamos em nossos dados e que formas canônica e não-canônica representa ocorre muito freqüentemente, embora não um reflexo sincrônico de uma mudança em exclusivamente, nos sinais compostos. Tam- progresso, na qual os substantivos compos- bém observamos tanto a forma do queixo tos constituem o ambiente mais favorável ao para a orelha quanto a forma por contato na surgimento de formas inovativas, seguido bochecha ocorrendo com predicados, subs- pelos substantivos e adjetivos e, finalmen- tantivos e adjetivos. Conforme mostram os te, pelos predicados. A ordem específica dos resultados da análise VARBRUL, quando as eventos envolvidos na mudança é apresenta- formas canônica (da orelha para o queixo) e da a seguir. A forma canônica de surdo é da não-canônica (do queixo para a orelha e con- orelha para o queixo. Essa forma é averbada, tato na bochecha) de surdo são comparadas, a já no começo do século XIX, no dicionário categoria gramatical aparece como a respon- da Língua de Sinais Francesa, preparado por sável pela variação. Sicard (1808). Ela foi provavelmente trazida Entretanto, como vimos, esses resultados à América por Clerc em 1817. O sinal então não querem dizer que os fatores fonológicos sofre um processo natural de metátese, por não exercem papel algum. Quando compara- meio do qual sua locação inicial passa a ser mos as formas não-canônicas entre si, a cate- não mais a orelha, mas sim o queixo ou a re- goria gramatical ainda desponta como sendo gião próxima do mesmo. De fato, temos um o fator mais importante, porém a locação do registro da forma de surdo que sofreu metá- sinal seguinte também apresenta um efeito tese na palestra proferida por Veditz em 1913 relevante. Além disso, temos evidência de as- sobre a preservação da ASL. similação: as locações seguintes mais baixas Essa forma que vai do queixo para a ore- do que o usual para a variante por contato lha participa do processo de composição, que na bochecha favorecem essa forma, enquan- resulta em sinais compostos da ASL, como to uma locação posterior que coincida com jeito surdo, pessoa surda e mundo surdo. Sa- a locação de contato na bochecha (como em bemos disso porque todos os sinais compos- ontem ou menina), assim como uma pausa tos com surdo começam em algum ponto da posterior, desvaforecem a forma de conta- bochecha, nas proximidades da boca. to com a bochecha e favorecem a forma do A primeira regra de composição da ASL queixo para a orelha. As locações posteriores requer do primeiro sinal em um composto mais altas do que a locação usual de contato que retenha sua “parada em contato” inicial com a bochecha também favorecem a forma (isto é, um segmento de parada que man- por contato na bochecha, mas apenas 51 das tém contato com a face ou o corpo) (Liddell, ocorrências estão nessa posição, um número 1984). Se a forma de surdo que vai da orelha pequeno se comparado às 756 ocorrências para o queixo fosse o primeiro sinal dos com- em que o sinal seguinte aparece abaixo da lo- postos, a expectativa seria de que os compos- cação de contato na bochecha. tos com surdo começassem na orelha, mas Nos casos de abaixamento de sinais isso nunca acontece. como saber, assim como com surdo, a fun- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Todos eles começam na região baixa da ção gramatical é novamente o fator mais im- bochecha. Essa primeira “parada em conta- portante. Especificamente, as preposições e 299 Ceil Lucas e Robert Bayley

os pronomes interrogativos têm maior pro- tem maior probabilidade de ser mencionado babilidade de ser produzidos em uma loca- por meio de um pronome cuja forma pode ção abaixo da têmpora. Os substantivos e os apresentar variação máxima com relação à verbos representam o ponto de referência forma canônica. O interlocutor, também neutro. Os adjetivos favorecem a forma ca- relevante em uma situação discursiva, tem nônica. E, conforme relatado anteriormente, maior probabilidade de ser mencionado por os grupos de fatores fonológicos referentes à meio de uma forma pronominal que difere locação do sinal anterior e ao contato com o da canônica apenas por suas características corpo em um sinal posterior provaram ser de polegar. Os referentes de terceira pessoa, relevantes. Sendo assim, as características dos aqueles ausentes no momento do discurso, sinais anteriores e seguintes afetam a variação são os que têm a maior probabilidade de ser da locação, mas seu papel não é tão evidente referidos por pronomes em forma canônica. quanto aquele exercido pela categoria grama- Nos pronomes da ASL, a categoria indexical tical a que o sinal pertence. é veiculada por meio das pontas dos dedos, Os resultados para a variação nos sinais não importando a configuração de mão que realizados com a CM 1 mostram novamente o está sendo usada. Em sinais lexicais não-in- papel fundamental das restrições gramaticais. dexicais, entretanto, é a configuração de mão A função gramatical é a restrição lingüística como um todo que veicula parte da carga de primeira ordem em duas das três variantes semântica. As configurações de mão nessas principais, +cf e na variante com mão aber- classes são as que têm maiores chances de ta; e uma restrição significativa na terceira, a aparecer na forma canônica. Os sinais lexicais CM L. Os resultados relativos à CM 1 suge- podem ser produzidos como a variante reali- rem que o condicionamento que ocorre no zada com a CM L, na qual o polegar também nível da estrutura do discurso e da combina- aparece estendido, mas esses sinais têm uma ção /articulação (?) de informações pode ser probabilidade menor do que os pronomes de mais importante para a variação fonológica serem produzidos com uma CM mais distan- nas línguas de sinais do que se pensava antes. te da forma canônica, uma vez que isso pode- Em outras palavras, parece haver uma relação ria resultar na transmissão de um significado inversa entre a “distância” de uma forma em diferente, ou até de significado nenhum. relação ao sujeito da sinalização, – isto é, se o As análises das três variáveis mostram referente está presente no contexto imedia- que não podemos supor que apenas as ca- to – e até que ponto a configuração de mão racterísticas dos sinais anteriores e/ou pos- pode divergir da forma canônica. teriores restrinjam a variação fonológica nas Podemos considerar as três variantes línguas de sinais. De fato, os resultados das aqui analisadas como pontos em um conti- análises multivariadas aqui apresentados in- nuum que representa a distância em relação dicam não ser esse o caso. Além disso, tal qual à forma canônica: a forma canônica propria- o estudo da variação nas línguas faladas, os mente dita; uma forma em que apenas o po- estudos da variação nas línguas de sinais pre- legar aparece estendido; e uma classe de for- cisam ser baseados em grandes quantidades mas nas quais outros dedos são também sele- de dados coletados a partir de amostras re- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas cionados e estendidos. O referente de maior presentativas da comunidade lingüística (cf. 300 relevância no discurso, ou seja, o sinalizante, Cameron, 1986). Considerando as três variá- Variação na língua de sinais americana: o papel da função gramatical veis fonológicas aqui examinadas, vimos que, está relacionado a características dos sinais embora pareça razoável a hipótese de que anteriores e seguintes. as características dos segmentos anteriores e Em outro estudo, Mulrooney (2002) seguintes constituem fatores cruciais na va- investigou a variação na soletração manual riação, tal suposição nem sempre é confiável. (datilologia), objetivando determinar que Quando examinadas à luz da língua real pro- fator(es) regula(m) a produção de formas duzida pelas pessoas, as afirmações e suposi- não-canônicas dos sinais individuais que ções a respeito das três variáveis não podem compõem uma palavra soletrada manual- ser confirmadas. mente. Poder-se-ia esperar, novamente, que o A influência de fatores outros que não ambiente fonológico imediato desempenhas- as características dos sinais anteriores e se- se algum papel, especificamente, a configura- guintes sobre a variação, como discutida ção de mão do sinal imediatamente anterior neste artigo, também foi observada em ou- ou imediatamente posterior. No entanto, ne- tros estudos sobre a ASL. Em um estudo de nhum desses fatores mostrou ter um efeito pequena escala, Hoopes (1998), por exem- significativo. As locações imediatamente an- plo, examinou sinais como pensar, imagi- teriores e posteriores tiveram uma influência nar e tolerar, todos sinalizados por meio de modesta, porém, mais uma vez, o papel mais uma forma canônica com o dedo mínimo importante foi exercido pela função da pala- fechado, mas que também eram produzidos vra manualmente soletrada na qual a forma com uma variante na qual o dedo mínimo alvo ocorreu, com nomes próprios favore- fica estendido. Mais uma vez, nós podería- cendo as formas canônicas, os substantivos mos suspeitar que a extensão do dedo mí- comuns sendo neutros, e os verbos favore- nimo é regulada pela configuração de mão cendo as formas não-canônicas. dos sinais anteriores ou seguintes, mas não A inflência da função gramatical na varia- foi esse o caso. Na verdade, a extensão do ção fonológica também foi observada na Lín- dedo mínimo tendeu a ocorrer com lexemas gua de Sinais Australiana (Auslan). Schembri usados repetidamente dentro de um tópico e Johnston (2004) apresentaram um estudo de discurso, antes de pausas, e com lexemas em andamento sobre o abaixamento de uma prolongados em até duas vezes a sua dura- classe de sinais na Auslan que se dá de forma ção normal. semelhante à classe de sinais representada por Esses resultados sugerem que a extensão saber, discutida anteriormente no presente ar- do dedo mínimo é, em si mesma, uma ca- tigo. Na Auslan, os sinais dessa classe incluem racterística prosódica da ASL que acrescenta substantivos (por exemplo, nome); verbos ênfase ou foco ao sinal com o qual essa ex- (por exemplo, saber) e adjetivos (por exem- tensão ocorre. Ela é análoga ao acento tônico plo, amarelo). Uma análise multivariada de na língua falada enquanto indicado por um 1.096 ocorrências coletadas de uma amostra sinal mais forte que resulta de um esforço ar- representativa das comunidades surdas resi- ticulatório maior. Desse modo, no estudo de dentes em Perth e Sydney mostra que a função Hoopes, nós realmente observamos a possível gramatical restringe de forma significativa a influência de um fator fonológico – o acento escolha dos sinalizantes entre a forma canôni- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas tônico – bem como a de um fator discursivo ca e a não-canônica (em locação inferior) dos – a repetição. Todavia, o fator fonológico não sinais pertencentes a essa classe. Os adjetivos 301 Ceil Lucas e Robert Bayley

mostraram a maior probabilidade de aparecer alta quanto de baixa freqüência. Schembri, como +cf (p = .74), seguidos pelos substanti- Johnston e Goswell (no prelo) também ob- vos (p = .61) e pelos verbos (p = .44). servam que a freqüência dos itens lexicais não Schembri e Johnston (ibid.) também está tão bem estabelecida nas línguas de sinais encontraram evidência de assimilação. A es- como nas línguas faladas. Recursos compará- colha dos sinalizantes de Auslan entre +cf e veis à lista de frequência produzida por Kucera –cf mostrou-se significativamente restringida e Francis (1967) para o inglês escrito, ou ao pela locação dos sinais anteriores e seguintes. British National Corpuspara o inglês falado e Os sinais anteriores e seguintes produzidos à escrito (Leech, Rayhson e Wilson, 2001) ain- altura da cabeça favoreceram +cf. Os sinais da não existem para nenhuma das língua de anteriores e posteriores produzidos à altura sinais. Desse modo, os pesquisadores de lín- do corpo desfavoreceram ligeiramente a for- gua de sinais precisam confiar em corpora ma +cf , e uma pausa anterior ou posterior muito menores caso queiram testar os efeitos desfavoreceu +cf. Entretanto, nos resultados da freqüência sobre a variação ou a aquisição. combinados de pelo menos duas das cinco Com base em seu próprio corpus, Schembri, cidades que serão incluídas no estudo com- Johnston e Goswell classificaram dez sinais pleto, Schembri e Johnston descobriram que como sendo freqüentes: pensar, saber, não-sa- a locação dos sinais anteriores e seguintes não ber, mãe, nome, lembrar, esquecer, entender, causou uma influência tão grande na escolha considerar/imaginar, preocupar. Esses sinais por parte do sinalizante entre uma variante representam 80% das ocorrências usadas em _cf e uma –cf quanto à influência causada seu estudo. Eles observam que a maioria des- pela função gramatical do sinal alvo. ses sinais estão também entre os 200 sinais mais Em um estudo mais abrangente sobre freqüentes do corpus Wellington da Língua a variação da locação na Auslan, Schembri, Neo-Zelandesa de Sinais (McKee e Kennedy Johnston e Goswell (no prelo), baseando-se 1999), uma língua muito semelhante à Auslan. no trabalho recente de Bybee (2002) sobre o Sugerimos que os resultados mais recentes papel da freqüência na mudança fonológica de Schembri, Johnston, e Goswell (no prelo) das línguas faladas, testaram o efeito da fre- sobre o abaixamento de sinais produzidos na qüência, assim como os fatores examinados testa não são incompatíveis com os resultados em Schembri e Johnston (2004). Eles também apresentados neste estudo por várias razões. acrescentaram dados relativos a sinalizantes de Primeiramente, a função gramatical aparece três outras cidades: Adelaide, Brisbane e Mel- como implicação nos resultados apresentados bourne. Esses resultados mais recentes mos- em Schembri, Johnston e Goswell, pois apenas tram que a função gramatical e a freqüência os verbos freqüentes favorecem uma varian- interagem, descoberta essa que tende a lançar te –cf., enquanto os substantivos freqüentes dúvida sobre o papel da função gramatical não o fazem. Ao invés disso, os substantivos nos resultados preliminares. Os verbos de alta freqüentes formam padrões com os verbos freqüência, que compreendem a maioria das infreqüentes, os nomes e os adjetivos. Em se- 2.446 ocorrências do corpus da Auslan, têm gundo lugar, Schembri, Johnston e Goswell maior probabilidade de ser produzidos como examinam apenas uma varíavel. Nosso estudo Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas –cf do que têm os verbos de baixa freqüên- considera três variáveis, e a função gramatical 302 cia, os adjetivos ou os substantivos, tanto de possui um papel importante na variação das Variação na língua de sinais americana: o papel da função gramatical três, a exemplo de Mulrooney (2002) discuti- mais importante do que as características do anteriormente. Em terceiro lugar, uma das dos sinais anteriores e seguintes no condi- varíaveis examinada em nosso estudo, surdo, é cionamento da variação fonológica na ASL. um sinal isolado. No caso de surdo, a idéia da O desafio é entender porque isso ocorre. A freqüência não é relevante. E a função grama- primeira resposta é simplesmente que, assim tical é claramente a restrição de primeira or- como nas línguas faladas, a variação fono- dem sobre a variação da forma de surdo. Com lógica na ASL não é restringida apenas por isso não pretendemos negar a possibilidade de fatores fonológicos, pelo menos no que se que a freqüência possa condicionar a variação refere às características dos sinais anteriores fonológica na ASL. Entretanto, até nós termos e seguintes. Até agora o foco pode ter per- acesso a um corpus de ASL que seja compará- manecido nas características dos sinais ante- vel aos corpora desenvolvidos para muitas das riores e seguintes, mas estudos quantitativos línguas faladas, nós não teremos meios ade- baseados em grandes bancos de dados, como quados de testar se a freqüência exerce ou não é o nosso caso, claramente mostram que os um efeito na variação, independentemente da fatores gramaticais também precisam ser le- função gramatical, ou de quaisquer outros fa- vados em consideração. Uma segunda res- tores, ou, como parece ser o caso para uma das posta diz respeito a diferenças entre as lín- variáveis em Auslan, se a freqüência e a função guas falada e escrita. Tendo estabelecido que gramatical também interagem na ASL. línguas de sinais são verdadeiras línguas, as Resumindo, a pesquisa empírica tem pesquisas referentes a todos os aspectos da mostrado de forma consistente que a função estrutura da língua de sinais começaram a gramatical exerce um papel importante – em revelar algumas diferenças fundamentais e geral o papel mais importante – no condicio- muito provavelmente relacionadas à moda- namento da variação fonológica nas línguas lidade entre as línguas faladas e as línguas de de sinais. Nós observamos isso não apenas sinais. Da maior importância para o presen- nas três variáveis fonológicas discutidas nesse te estudo são as diferenças básicas relativas artigo, mas também em resultados de estudos ao modo de funcionamento da morfologia como os de Mulrooney (2002) e de Schembri, e ao modo pelo qual as diferenças se mani- Johnston e Goswell (no prelo). Sugerimos que festam na variação. Em muitas das línguas esses resultados empíricos podem nos ajudar faladas nas quais a variação fonológica tem a distinguir entre os tipos de restrições que sido extensamente explorada, a morfologia é podem ser exclusivas das línguas de sinais (a um “fenômeno limítrofe”. Isto é, segmentos categoria indexical, por exemplo) e os tipos com significado são adicionados ao início ou que são comuns a todas as línguas, sejam elas ao final de outras unidades da língua sob a faladas ou escritas. forma de marcadores de plural, marcadores de pessoa e tempo, afixos derivacionais e as- sim por diante. Essencialmente, tais unidades 19. Diferenças de modalidade e são adicionadas a um ambiente fonológico já variação fonológica existente. Fica claro então que quando a va- riação ocorre, um bom lugar para se buscar Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Temos fortes evidências de que as restrições sua explicação é o ambiente imediato ao qual gramaticais e prosódicas exercem um papel essas unidades foram adicionadas (isto é, os 303 Ceil Lucas e Robert Bayley

segmentos anteriores ou seguintes). Na ver- acrescentados ao radical do sinal. Esse tipo dade, muitos estudos sobre variação na lín- de codificação morfológica contrasta com a gua falada demonstraram o papel fundamen- afixação essencialmente linear encontrada tal desempenhado pelo ambiente fonológico nas línguas faladas. Nas línguas faladas, os imediato sobre a variação. processos de derivação parassintética, como Entretanto, em geral, a morfologia das na morfologia templática (por exemplo, nas línguas de sinais não constitui um fenômeno línguas semíticas), a infixação e a redupli- limítrofe, pelo menos não em um nível com- cação são relativamente raros. As línguas de parável ao das línguas faladas. Existem pou- sinais, ao contrário, preferem processos não- quíssimos afixos. As distinções morfológicas concatenativos como a reduplicação, e nelas a são realizadas por meio da alteração de uma prefixação e a sufixação são raras. A preferên- ou mais características no feixe articulatório cia das línguas de sinais pela produção simul- que compõe um segmento de parada ou de tânea de afixos e radicais pode ter suas origens movimento, ou então por meio da altera- na modalidade visual-manual (1999, 173). ção do movimento de direção do sinal. Por exemplo, em geral, os segmentos não são adi- Os resultados de nossas análises indicam cionados a outros segmentos para se forne- que essas diferenças fundamentais se manifes- cer informações sobre pessoa ou aspecto. Ao tam nos componentes variáveis da língua. Isto invés disso, a característica de locação de um é, o ambiente fonológico imediato não exerce segmento (por exemplo, próximo ou distante o papel principal na regulação das variáveis fo- do sinalizante) é que indica a pessoa, e o mo- nológicas, em parte porque essas variáveis não vimento entre as locações indica o sujeito e o são afixos. A categoria gramatical à qual per- objeto do verbo em questão. De modo aná- tence a variável em questão é freqüentemente logo, um movimento de direção específico a restrição lingüística de primeira ordem. indica um aspecto incoativo ou continuativo. Esse resultado tem implicações impor- Referindo-se especificamente à marcação as- tantes para o nosso entendimento da variação pectual na ASL, Emmorey afirma o seguinte: nas línguas faladas e de sinais. Assim como as diferenças relativas à modalidade entre as Em muitas línguas faladas, palavras morfo- línguas faladas e de sinais se manifestam nos logicamente complexas são formadas pela componentes fonológicos, morfológicos e adição de prefixos ou sufixos a um radical. sintáticos básicos que formam essas línguas, Na ASL e em outras línguas de sinais, essas elas também aparentam surgir nos padrões formas complexas são na maioria das vezes de variação lingüística. Da mesma forma que criadas por meio do posicionamento de um funcionam os processos morfológicos, fun- radical sinalizado em meio a configurações ciona também, aparentemente, a variação. dinâmicas de movimento e planos do espa- A questão que se apresenta agora diz res- ço... A ASL apresenta muitas flexões verbais peito aos paralelos entre a ASL e as línguas que veiculam informação temporal sobre a faladas (por exemplo, o chinês) que, como a ação denotada pelo verbo, como por exem- ASL, não fazem um uso considerável de afi- plo, se a ação foi habitual, iterativa ou du- xos. O ponto essencial da questão é se a va- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas rativa. Em geral, essas distinções são mar- riação nessas línguas faladas se assemelha ou 304 cadas por diferentes padrões de movimento não à que ocorre na ASL, especificamente no Variação na língua de sinais americana: o papel da função gramatical que toca ao papel fundamental dos fatores contribui para a ocorrência dos padrões aqui gramaticais na regulação da variação. relatados. Até o momento da composição deste No presente momento, a melhor expli- artigo, essa pergunta permanece difícil de cação para o papel dos fatores gramaticais se responder. Embora existam inúmeros es- no condicionamento da variação fonológica tudos sobre dialetos chineses, poucos desses na ASL parece ser a de que trata-se de uma estudos empregam métodos variacionistas. questão de grau. Há, claramente, restrições Apenas um deles, a dissertação de Bourgerie gramaticais na variação fonológica existente (1990) sobre a variação sociolingüística no na língua falada, e as características dos sinais cantonês falado em Hong Kong, considera o anterior e seguinte obviamente influenciam a efeito da classe gramatical na variação fono- variação nas línguas de sinais. lógica. O que estamos sugerindo, usando os re- Bourgerie (ibid.) examinou três variáveis sultados de nossas análises como base, é que sociolingüísticas: n-/l- iniciais, ng-/0- ini- a diferença de modalidade pode ser respon- ciais, e k-/h- iniciais em pronomes de terceira sável por uma diferença na importância re- pessoa. Apesar de seu foco principal ter sido lativa das restrições. Levando-se em conta a as dimensões sociais da variação, ele desco- variação fonológica observada até agora nas briu que duas das três variáveis fonológicas línguas de sinais, as restrições gramaticais são eram restringidas pela classe gramatical. Para consistentemente mais importantes do que a variável ng-/0-, os advérbios e os verbos de as fonológicas. Ironicamente, é possível que ação apresentaram uma probabilidade signi- a natureza visual das línguas de sinais reforce ficativamente maior de serem realizados por as impressões e hipóteses de que a variação meio da inicial inovadora, enquanto os verbos fonológica nas línguas de sinais é regulada de estado apresentaram uma probabilidade por restrições relacionadas a características muito menor de serem realizados da mesma dos segmentos anterior e/ou seguinte. Ou forma. A classe gramatical também foi signi- seja, podemos realmente ver as locações mais ficativa para a variável n-/l-. Mais de 80% das baixas e mais altas que precedem e sucedem ocorrências de verbos e advérbios aconteceu surdo e sinais como saber; nós podemos tam- com a inicial [l-], comparado a apenas 40% bém ver as configurações de mão que pre- das ocorrências de demonstrativos e partícu- cedem e sucedem os sinais em CM 1. A ca- las (ibid. 137-138). Os resultados de Bourge- pacidade de ver o ambiente fonológico que rie relativos à classe gramatical sugerem que cerca a variação nos leva facilmente a hipó- as diferenças de modalidade podem não ser teses segundo as quais esse ambiente seria o suficientes para explicar as diferenças na for- único responsável pela variação. Porém, essas ça das restrições gramaticais sobre a variação hipóteses simplesmente não são confirmadas nas línguas faladas e de sinais. pelos nossos dados. Todavia, devido à ausência de um nú- mero substancial de estudos sobre a variação sociolingüística no chinês e em outras línguas 20. Conclusão que apresentam pouca ou nenhuma flexão Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas morfológica, não podemos descartar as di- O presente estudo, baseado em dados rela- ferenças de modalidade como um fator que tivos a mais de 200 sinalizantes de ASL dos 305 Ceil Lucas e Robert Bayley

Estados Unidos, mostrou que a variação en- güística empírica. Um exemplo individual contrada em três variáveis fonológicas é siste- serve apenas para ilustrar aquilo que seria mática. Para as três variáveis – o sinal surdo, possível para um determinado sinalizante o movimento descendente de sinais como sa- em um contexto específico. Ele não pode ber, e sinais realizados com a CM 1 –, a análise ser usado para contestar os resultados de multivariada mostra que a categoria gramati- um estudo quantitativo baseado em dados cal a que o sinal pertence é a restrição lingü- coletados em uma comunidade lingüística. ística de maior importância. Características Tal contestação só pode ser efetuada por dos sinais mais próximos também restringem meio de um estudo que seja conduzido na significativamente as escolhas dos sinalizantes mesma comunidade, ou em uma seme- entre as possíveis variantes. Sendo assim, as lhante, e que obtenha resultados diferen- análises da locação de sinais como saber e de tes dos resultados originais. Além do mais, sinais realizados com a CM 1 indicam que nós, os sociolingüistas empíricos, não afir- ocorre assimilação. De qualquer modo, a in- mamos ter certeza nem saber exatamente fluência de fatores fonológicos é consistente- quais são os fatores associados à variação mente menos importante do que a classe gra- antes de termos investigado uma amostra matical. O padrão observado nas três variáveis adequada de dados extraídos de usuários fonológicas, assim como verificado também da língua. Ao invés disso, como por exem- em estudos como o de Mulrooney (2002) e de plo no caso de surdo, o critério normal de Schembri e Johnston (2004), pode nos ajudar relevância estatística (p _ .05) que adota- a identificar os tipos de restrição (por exem- mos significa que há apenas 1 chance em plo, a indexicalidade) que são exclusivos das 20 de que a função gramatical não esteja línguas de sinais e os tipos que são comuns a associada à escolha de um sinalizante por todas as línguas, sejam elas faladas ou escri- uma das formas de realização do sinal. Ob- tas. Finalmente, sugerimos que os resultados viamente, quanto maior e mais representa- aqui apresentados, fornecem evidência de tiva a amostra da comunidade lingüística, que as hipóteses sobre os fatores que restrin- mais confiantes podemos nos sentir com gem a variação nas línguas de sinais, tal qual relação a nossos resultados. Por essa ra- as hipóteses sobre a variação nas línguas fa- zão, procuramos confirmar ou invalidar os ladas, precisam ser testados não apenas por resultados obtidos por Lucas (1995) con- meio de uns poucos exemplos, mas em estu- duzindo um estudo muito mais amplo en- dos de larga escala sobre a língua real usada volvendo sinalizantes dos Estados Unidos, por amostras representativas de integrantes estudo esse relatado em Bayley, Lucas e da comunidade surda. Rose (2000) e Lucas, Bayley e Valli (2001). Liddell (2003), contudo, comenta exclusi- vamente sobre os resultados do estudo pi- Notas loto exposto em Lucas (1995), ao invés de 1. De acordo com as convenções, as glosas abordar os resultados do estudo nacional em inglês dos sinais da ASL estão escritas mais abrangente. em maiúsculas pequenas. 3. Note-se que a transcrição feita por Liddell Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 2. A afirmação de Liddell reflete um equívoco e Johnson (1989) desse sinal é MPMMP, 306 na compreensão dos objetivos da sociolin- em oposição a PMP. Essas diferenças na Variação na língua de sinais americana: o papel da função gramatical

transcrição refletem apenas diferenças no fatores, seguida da adição de cada um dos nível de detalhamento e não afetam a ques- outros grupos de fatores à análise, um de tão fundamental de se tratar os sinais como cada vez, até que todos os grupos tenham sendo seqüenciais. sido incluídos. Quando o modelo completo 4. A cidade de Olathe localiza-se em Kan- com todos os grupos é montado, o progra- sas, próxima a Kansas City. Os sinalizan- ma VARBRUL passa a remover um grupo tes brancos dessa região moravam todos de fatores de cada vez, até que apenas um em Olathe, enquanto os sinalizantes afro- permaneça. Durante cada aplicação indivi- americanos moravam em Kansas City, dual, os pesos do fator e o “log-likelihood” Missouri. Duas outras localidades incluí- (cálculo da verossimilhança máxima) são ram sinalizantes de áreas vizinhas. A região calculados. No final da análise, o programa de Fremont incluiu alguns sinalizantes de gera um arquivo contendo os detalhes de San José, e a região de Boston incluiu sina- cada aplicação e uma indicação da melhor lizantes jovens que estudam no Learning aplicação stepping-up e da melhor aplica- Center for Deaf Children [Centro de ção stepping-down, o que inclui apenas os Aprendizagem para Crianças Surdas], que grupos de fatores significativos, com a = 05. fica em Framingham, Massachusetts. Para maiores detalhes sobre esse processo 5. Pode-se argumentar que a palavra surdo e outras características da análise VAR- usada em substantivos compostos como BRUL, veja Young e Bayley (1996). mundo surdo e cultura surda também 9. Embora as características do ambiente an- constitui um adjetivo. Entretanto, termos terior e seguinte tenham se mostrado irre- como esse, particularmente relevantes em levantes no estudo piloto conduzido por meio à comunidade surda, passaram a ser Lucas, nós as incluímos no presente estudo reconhecidos pelos falantes nativos de ASL porque suspeitamos que algumas de suas como itens lexicais únicos, quase como características acabariam sendo significa- “breakfast” no inglês falado. tivas, levando em consideração o número 6. Alguns sinalizantes foram participantes co- muito maior de ocorrências com que está- adjuvantes nas conversações coletivas, ou vamos lidando. Conforme revelam os re- ficaram fora do alcance da câmera. Nesses sultados, esse foi o caso. casos, não foi possível realizar a codifica- 10. É possível que o acento tônico também ção das quinze ocorrências. esteja envolvido no efeito do predicativo 7. Na tabela 3 e em outros pontos do artigo, do sujeito sobre o sinal para surdo. Isto é, nós agrupamos fatores que não apresenta- os predicativos do sujeito podem favorecer vam diferenças relevantes entre si, nos ca- +cf porque freqüentemente eles recebem sos em que havia uma justificativa lingüís- acento tônico. Entretanto, não estamos tica para tal agrupamento. em posição de avaliar essa possibilidade no 8. Uma análise step-up/step-down (teste de presente momento uma vez que, apesar de significância estatística de grupos de fato- termos codificado os dados com relação a res) confirma a interpretação da abran- um grande número de fatores, nós não fi- gência dos valores relativos aos fatores. zemos a codificação para o acento tônico. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Esse tipo de análise envolve a realização de 11. Morford e Macfarlane (2003), por exem- uma aplicação com apenas um grupo de plo, em um estudo recente sobre as carac- 307 Ceil Lucas e Robert Bayley

terísticas da freqüência na ASL baseiam FRISHBERG, N. Arbitrariness and Iconicity: suas conclusões num corpus de 4.111 sinais Historical Change in American Sign Language. produzidos por apenas 27 sinalizantes. Language, v. 51, 1975, p. 696–719. GUY, G. R. Variation in the Group and the In- dividual: The Case of Final Stop Deletion. In: Referências LABOV, W. (Org.). Locating Language in Time and Space. New York: Academic Press, BATTISON, R.; MARKOWICZ, H.; WOO- 1980, p. 1–36. DWARD, J. C. A Good Rule of Thumb: Variable GUY, G. R. Explanation in a Variable Phonology: Phonology in American Sign Language. IN: An Exponential Model of Morphological Cons- FASOLD, R.W.; SHUY, R. (Orgs.). Analyzing traints. Language Variation and Change, v. 3, Variation in Language. Washington D.C: Ge- 1991, p. 1–22. orgetown University Press, 1975. HOOPES, R. A Preliminary Examination of Pinky BAYLEY, R. The Quantitative Paradigm. IN: CHAM- Extension: Suggestions regarding Its Occurren- BERS, J. K.; TRUDGILL, P.; SCHILLING-ESTES, ce, Constraints, and Function. IN: LUCAS, C N. (Orgs.). The Handbook of Language Variation (Org.). Pinky Extension and Eye Gaze: Language and Change. Oxford: Blackwell, 2002. Use in Deaf Communities, Sociolinguistics in BAYLEY, R.; LUCAS, C.; ROSE, M. Variation Deaf Communities, vol. 4. Washington, D.C.: in American Sign Language: The Case of Gallaudet , 1998.p. 3–17. . deaf. Journal of Sociolinguistics, v. 4, 2000, p. HOUSTON, A. A Grammatical Continuum for 81–107. (ING). IN: TRUDGILL, P.; CHAMBERS, J. K. BOURGERIE, D. S. A Quantitative Study of So- (Orgs.). Dialects of English: Studies in Gram- ciolinguistic Variation in (China). matical Variation. London: Longman, 1991, Tese de Doutorado, Ohio State University, p. 241–57. 1990. KUCˇERA, H.; FRANCIS, W. N. Computational BRENTARI, D. A Prosodic Model of Sign Lan- Analysis of Present-Day American English. guage Phonology. Cambridge: MIT Press., Providence, R.I.: Brown University Press, 1967. 1998 LABOV, W. Field Methods of the Project on BYBEE, J. Word Frequency and Context of Use in Language Change and Variation. In: BAUGH, the Lexical Diffusion of Phonetically Conditio- J.; SHERZER, J. (Orgs.). Language in Use: Rea- ned Sound Change. Language Variation and dings in Sociolinguistics, Englewood Cliffs, N.J.: Change, v. 14, p. 261–90, 2002. Prentice-Hall. 1984, p. 28–53. CAMERON, R.. A Community-based Test of a LABOV, W. The Child as Linguistic Historian. Linguistic Hypothesis. Language in Society, v. Language Variation and Change, v. 1, 1989, 25, p. 61–111, 1996. p. 85–97. COULTER, G. (Org.) Current Issues in ASL Pho- LEECH, G.; RAYSON, P.; WILSON, A. Word nology. San Diego: Academic Press, 1992. Frequencies in Written and Spoken English: EMMOREY, K. The Confluence of Space and Based on the British National Corpus. London: Language in Signed Languages. In: BLOOM, P.; Longman, 2001 PETERSON, M. A.; NEDEL, L.; GARRETT, M. LIDDELL, S. K. Think and Believe: Sequentiality Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas (Orgs.). Language and Space. Cambridge: MIT in American Sign Language. Language, v. 60, p. 308 Press, 1999, p. 171–209. 372–99, 1984. Variação na língua de sinais americana: o papel da função gramatical

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Tabela 1 – Variável 1 – Configuração da Mão (CM): traços relevantes dos segmentos anteriores e Tabela 3 – Variação na forma de DEAF: queixo- posteriores para-orelha vs. Contato-queixo (valor de Polegar Dedos Indicador aplicação: contato-queixo) Segmento aberto/ abertos/ esticado/ anterior fechado fechados curvado Grupo de fator Fator Peso Percentual n Segmento aberto/ abertos/ esticado/ posterior fechado fechados curvado Substantivo .490 17 411

Função Adjetivo .403 10 191 gramatical Tabela 2 – Variação na forma de DEAF: + cf vs. Adjetivo predicado .338 12 299 (Valor de aplicação: _cf) Composto .850 56 151

Baixo .579 25 756 Gupo de fator Fator Peso Percentual n Mediano .273 7 134 Função Substantivo .515 71 1063 Sinal posterior gramatical adjetivo Alto .590 18 51

Predicado .370 58 361 Pausa .240 5 111

Composto .660 81 194 Total Input .142 20 1052

Gênero Conversação .489 69 1489 Nota: X²/cell = 1.0294;, todos os grupos de fatores significativos em p <.05 discursivo Narrativa .628 74 129

Total Input .743 69 1618

X²/cell = 1.2952, todos os grupos de fatores significativos em p <.05; o valoar de aplicação é a forma do sinal no qual o algorítimo é direcionado a focalizar: neste caso, o –cf, forma de não-citação. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

310 Variação na língua de sinais americana: o papel da função gramatical

Tabela 4 - Variação na Localização de Sinais Tabela 6 - Variação em Sinais de Configuração de Representados por KNOW: Mão 1 por Traços dos Segmentos Fatores Lingüísticos (Valor de Aplicação: -cf) anteriores e Posteriores

n –cf, Grupo fator Fator Peso Percentual –cf, Mão +cf Configuração Preposição, aberta .581 59 485 L interrogativa Função Grupo Fator Peso % Peso % Peso % n anterior Substantivo, verbo .486 52 2052 fator Adjetivo .316 35 57 Polegar Closed .635 55 .390 23 .440 17 1461 Contato Corpo .503 53 1648 anterior Open .426 33 .560 35 .532 28 2713 posterior Cabeça .452 48 614 Dedos Closed .551 49 .573 33 .385 15 1771 Following Nenhum contato .525 55 1323 anteriores Open .463 34 .446 29 .585 31 2403 contact Contato .466 48 991 Indicador Straight .512 41 ns 30 Ns 24 3071 Input Total .518 53 2594 anterior Hooked .468 39 ns 32 Ns 24 1103 Nota: X²/cell = 1.1702; todos os grupos de fatores são significativos em p <.05; Closed .628 51 .389 23 .429 18 1762 resultados para localização anterior e contato posterior não incluem pausas, Polegar que foram testadas em grupos separados de fator que não se mostraram posterior significativos. Open .419 31 .570 33 .545 32 2816

Dedos Closed .532 47 .597 33 .375 16 1896 posteriores Open .477 33 .431 28 .590 34 1762 Table 5. Variação em Sinais de Configuração de Mão 1 por categoria Gramatical Nota: 1.021 ocorrências foram precedidas por uma pausa, que foi codificada como não aplicável para os traços do segmento anterior; 617 ocorrências foram seguidas por uma pausa, que foi codificada como não aplicável para traços do segmento posterior. –cf, +cf, Uma mão configuração –cf, Mão aberto de Mão L Tabela 7– Sumário das Restrições Lingüísticas Fator Peso % Peso % Peso % n sobre a Variação fonológica na ASL Substantivo, .838 68 .351 20 .219 8 419 adjetivo Variável Análise Ranking das restrições Verbo, .727 59 .474 29 .275 10 1238 deaf +cf vs. –cf Função gramatical > gênero discursivo advérbio Chin-to-ear Sinal de Função gramatical > locallização .708 52 .492 31 .306 13 501 vs. contact- função gr. segmento posterior (assimilação) cheek Sinais-Wh .647 48 .581 40 .275 11 101 Localização Função gramatical > contato com o corpo PRO.3 .583 45 .439 19 435 de KNOW +cf vs. –cf Sinal posterior > Localização di {.568} {37} etc. sinal anterior PRO.2 .482 34 .505 23 482 Configuração Função gramatical > Traços das CMs +cf vs. –cf PRO.1 .223 19 .515 29 .761 44 2019 de mão 1 anteriores e posteriores (assimilação) Input .344 40 .281 30 .192 25 5195 CM L vs. Traços das CMs anteriores e posteriores Nota: +cf, X²/cell = 1.0653; Configuração de Mão L X²/cell = 1.1159; mão todas as (assimilação) > Função gramatical aberta, X²/cell = 1.1241. Na análise com a variante Configuração de Mão outras L, PRO.3 a PRO.2 não diferiram significativamente um do outro e foram combinados. Mão aberta Função gramatical > traços das CMs vs. todas as anteriores e posteriores (assimilação) outras Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

311 Ceil Lucas e Robert Bayley

Figure 2a. know e for, forma de citação

Figure 1a. deaf (surdo), variante 1: orelha-para-queixo

Figure 2b. know e for, forma de não-citação

Figure 1b. deaf (surdo), variante 2: queixo-para-orelha

Figure 3a. one , Forma de citação, figura de L

3b. 1 CM 1: variante de CM

Figure 3c. CM 1: variante Figure 1c. deaf, variante 3: contato-queixo no de mão aberta

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas composto deaf culture (cultura surda)

312 Variação na língua de sinais americana: o papel da função gramatical

Figure 4

deaf (surdo), forma de citação

Configuração de mão

Localização

Orientação Palma para Palma para dentro dentro Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

313 Variação sociolingüística em numerais da NZSL1

David McKee, Rachel McKee, George Major Victoria University of Wellington, Nova Zelândia

Este trabalho apresenta os resultados de um Os sinais para numerais foram seleciona- estudo de variação sociolingüística em nu- dos para um estudo piloto, por serem casos merais lexicais da Língua de Sinais da Nova conhecidos como uma parte variável no lé- Zelândia (NZSL). O objetivo foi determinar xico da NZSL. A incorporação de sinais nu- como fatores sociais ligados à idade, região e merais da Auslan via Inglês Australiano Sina- gênero condicionam a escolha feita pelos si- lizado desde 1979 e o aumento generalizado nalizantes de variantes para numerais de 1 a do uso de sinais desde essa data possibilitou 20. O estudo sobre numerais foi conduzido a criação da hipótese de que a idade seria um como um estudo piloto de um projeto mais claro fator predeterminante da variação no amplo, ‘Sociolinguistic Variation in NZSL’2, uso de numerais. O estudo sobre sinais nu- que trata de uma investigação quantitativa merais também possibilitou testar a meto- (em andamento) da correlação entre estrutu- dologia para a análise de variação lexical no ras lingüísticas variáveis e características so- projeto mais amplo, utilizando-se dados não- ciais de surdos que utilizam a NZSL. O pro- sensíveis e facilmente obtidos. Os resultados jeto mais amplo é modelado de acordo com do estudo de numerais podem ser relevantes a metodologia de dois estudos anteriores para educadores e intérpretes de NZSL que sobre variação sociolingüística em ASL (Lu- freqüentemente fazem escolhas entre as va- cas, Bayley & Valli 2001) e em Auslan (língua riantes disponíveis. de sinais da comunidade surda australiana) Relativamente poucos estudos empíri- (Schembri & Johnston 2004), com o objeti- cos observaram variação lexical nos sistemas vo de viabilizar a comparação interlingüística de números das línguas de sinais. Alguns que, potencialmente, possa explicar se fatores pesquisadores têm investigado aspectos e processos similares condicionam a variação psicolingüísticos do uso de numerais; por entre as línguas sinalizadas (e faladas). exemplo, o estudo de Fuentes e Tolchinsky

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Elaine Espíndola, Thiago Blanch Pires, Carolina Vidal Ferreira. 2 http://www.vuw.ac.nz/lals/research/deafstudies/DSRU site/NZSL variation/variation project.aspx Variação sociolingüística em numerais da NZSL

(2004) sobre a precisão de crianças surdas mais 5 (isso também ocorre na NZSL). Em na transcodificação de números escritos conformidade com esse estudo, Leybaert e para a Língua de Sinais Catalã (LSC), na ex- Van Cutsem comentam que números em pectativa de que esse estudo possibilite no- BFSL são intrinsecamente menos arbitrários vas descobertas sobre a estrutura da LSC. O e mais estruturados morfologicamente que estudo desses teóricos incluiu uma descrição os números em Francês falado, mas não há preliminar do sistema numérico da LSC ba- menção de formas variantes no léxico nu- seada em dados coletados de três membros mérico. da comunidade surda, que eram também Ao examinar os numerais em ASL como professores, do conteúdo do curso de LSC evidência dos processos históricos de creoli- e das anotações feitas em uma associação zação, Fischer (1996) argumenta que eles são de surdos (2004:95). Os autores reconhecem um híbrido de sinais americanos antigos e si- que esse pequeno conjunto de dados não ex- nais em LSF, que por sua vez, derivam dos plica a variação em áreas onde a LSC é utili- gestos numéricos usados nas culturas ouvin- zada fora de Barcelona e poderia até mesmo tes de seus respectivos países. A autora pro- representar um número maior de variantes põe que, historicamente, a ASL relexificou acadêmicas, pelo fato de os informantes se- os números em LSF para incorporar gestos rem professores. “… poderíamos ter obti- americanos (para os números de 1-5), ex- do resultados um pouco diferentes de uma ceto pelo número “3”, que mantém o gesto quantidade maior de observações eventuais francês, tomado emprestado da LSF. Fischer ou pelo acréscimo do número de diferentes descreve variantes sub-lexicais na morfologia informantes” (2004:114)3. de algumas formas numéricas (por exemplo, Um estudo experimental realizado por o movimento dos números ‘de 13 a 19’ em Leybaert e Van Cutsem (2002) comparou o ASL), mas não observa qualquer outra va- conhecimento de uma seqüência de núme- riante lexical para numerais em ASL ou LSF. ros (contagem abstrata, contagem de obje- Em comparação com línguas mais anti- tos e criação de conjuntos de números) em gas e mais documentadas como ASL ou LSF, jovens surdos e crianças ouvintes na Bélgica, o léxico numeral contemporâneo em NZSL para investigar os efeitos da modalidade de parece relativamente instável, com diversas língua e da estrutura lingüística no desen- variantes para um único número co-existin- volvimento de habilidades numéricas. O es- do em uso comum. Nosso estudo foi pro- tudo observa que a Língua de Sinais Belgo- jetado de modo quantitativo, buscando ex- Francesa (BSFL) possui uma estrutura de plicar padrões nessa variação, o que, por sua base cinco: entre 1-5, o número de dedos es- vez, pode contribuir para o entendimento da tendidos representa literalmente numerosi- origem dos sinais numerais na NZSL e dos dade, enquanto os sinais para os números de processos de mudanças lexicais, geralmente 6-9 representam o número de dígitos visível encontrados na comunidade NZSL. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas 3 “…we might have obtained somewhat different results from a larger quantity of occasional observations or by an augmentation of the number of different informants” (2004:114). (versão original) 315 David McKee, Rachel McKee e George Major

1. A comunidade da NZSL sua história oralista. Essa percepção estava equivocada, mas não havia uma descrição Com uma população nacional de aproxi- lingüística acadêmica da NZSL até o final madamente quatro milhões de habitantes, a dos anos 1980 (Collins-Ahlgren, 1989). Em- comunidade surda da NZSL é estimada em bora o status da língua tenha se elevado des- 4.500 a 7.700 membros (Dugdale, 2000; Sta- de então, (incluindo reconhecimento como tistics New Zealand, 2001). Há duas grandes uma língua oficial em 2006), a NZSL ainda comunidades surdas com clubes de surdos é relativamente pouco descrita, particular- em expansão em Auckland e Christchurch mente em termos sociolingüísticos. e grandes comunidades surdas em Palmers- A NZSL, historicamente, faz parte da ton North, Wellington (na região central) e família da Língua de Sinais Britânica e es- Hawkes Bay (no Leste). tudos empíricos têm demonstrado que ela De 1880 a 1942, havia uma escola para está intimamente relacionada à Auslan con- surdos em Christchurch (em South Island), temporânea e à BSL (Johnston 2000; McKee que todas as crianças surdas eram obriga- e Kennedy 2000), línguas das quais sinais das a freqüentar. Duas escolas se estabele- continuam a ser livremente tomados em- ceram mais tarde em North Island – uma prestados. A NZSL pode ser descrita como em Auckland em 1942 e outra, católica em uma língua recente em uma pequena comu- Wellington em 1944. Todas as escolas eram nidade que não possui tradição estabelecida freqüentadas por ambos os sexos e acei- de professores surdos ou uso da NZSL na tavam matrícula tanto de crianças Maori educação ou na mídia pública. Embora a (indígenas) quanto de Pakeha (brancas). A NZSL tenha ganhado aceitação no domínio educação para surdos na NZ utilizava mé- educacional, a maioria dos alunos surdos todos estritamente orais até 1979, quando tem sido influenciada pela corrente predo- a Comunicação Total (CT) foi introduzida. minante desde os anos 1980, com ramifica- O componente manual da CT era do Inglês ções negativas para a transmissão da NZSL Australasiano Sinalizado, um sistema de si- entre gerações. O número de matrículas nos nais baseado no vocabulário de sinais nati- dois centros de educação para surdos (anti- vos do estado de Victoria na Austrália, com- gas escolas para surdos) diminuiu para uma plementado por sinais artificiais (Collins- média de 30 a 60 alunos, em cada centro. Os Ahlgren, 1986). Uma parte do vocabulário primeiros intérpretes profissionais foram da Auslan coincidia com os sinais já em uso treinados em 1985 e a NZSL tem sido ensi- na NZ, porém muitos sinais tradicionais dos nada em contextos educacionais comunitá- neozelandeses foram substituídos pelo novo rios, por tutores surdos desde o início da dé- léxico da CT (incluindo conjuntos inteiros cada de 1990. Esses fatores sócio-históricos de sinais como cores, números, dias da se- contribuem para a variação na comunidade mana, termos de parentesco). Uma base de NZSL, que ainda não foi estudada empiri- vocabulário da Auslan foi adotada para o camente, de forma mais científica do que a uso educacional, porque se acreditava não documentação descritiva das variantes em haver, na época, uma língua de sinais ade- A Dictionary of New Zealand Sign Language Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas quadamente “sistemática” utilizada pela co- (Um dicionário da Língua de Sinais da Nova 316 munidade surda da NZ, como resultado de Zelândia) (Kennedy et al, 1997). Variação sociolingüística em numerais da NZSL

2. Participantes e dados para a pesquisa Oito participantes foram excluídos da análise devido à aquisição tardia de NZSL ou Cento e nove participantes surdos de toda a devido aos longos períodos de residência no Nova Zelândia fizeram parte do presente es- exterior, o que poderia potencialmente in- tudo. Quatro desses participantes eram alu- fluenciar seu vocabulário. nos de uma disciplina de Estudos Surdos em uma universidade e os demais foram recru- 3. Coleta de dados tados em um dos três grandes eventos para surdos: um encontro de escolas para surdos, Os dados foram coletados por um pesquisa- um acampamento para jovens surdos e um dor surdo, que é um membro imigrante da clube de surdos. Todos os participantes ti- comunidade NZSL. Os sinais foram filmados nham aprendido a NZSL antes dos 12 anos, a em sessões breves de coleta individual, em maioria antes dos sete anos de idade. uma área separada do evento principal. Num As variáveis sociais para essa análise fo- primeiro momento, os participantes respon- ram: faixa etária, região e gênero. Os dados deram a algumas perguntas sobre seu perfil, demográficos colhidos em uma breve entre- para possibilitar a codificação das variáveis vista com cada participante possibilitaram a sociais e para se certificar que os participantes codificação desses fatores. A Tabela 1 mostra cumpriam os critérios de usuários vitalícios uma lista de características dos participantes. (nativos ou quase nativos) de NZSL. As per- guntas foram: . Onde você mora e há quanto tempo você TABELA 1: Características dos participantes mora lá?

Freqüência Percentagem . Qual/quais escola(s) você freqüentou, com Totais de gênero qual idade? Feminino 49 45 . Masculino 60 55 (Para aqueles que não freqüentaram a es- Total 109 100 cola para surdos anteriormente) Com que Totais de faixa etária idade você aprendeu a NZSL? 15-29 34 31.2 30-44 30 27.5 . Qual é a sua idade? 45+ 45 41.3 Total 109 100 Pedimos aos participantes para produ- Totais de Região Sul 64 58.7 zirem números de 1 a 20, contados em se- Norte 45 41.3 qüência, e seguidos de números individu- Total 109 100 ais sinalizados em resposta aos flash cards apresentados em uma ordem consistente, Embora tivéssemos procurado por uma mas não-seqüencial. Apenas os dados da amostra representativa da comunidade, as tarefa não-seqüencial foram analisados, células para cada categoria social não se en- para evitar possíveis efeitos de escolha de contram completamente equilibradas, já que o sinais na produção de uma seqüência con- recrutamento dos participantes foi circunstan- vencional. cial, dependendo da presença de participantes Devido ao número potencialmente nos eventos para surdos, ao invés de seguir em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas grande de variantes que precisaríamos ana- uma amostra rigorosamente planejada. lisar, comparar os numerais produzidos em 317 David McKee, Rachel McKee e George Major

condições seqüenciais e não-seqüenciais aquela da faixa etária de 65 anos. Por exem- não constitui um objetivo dessa investi- plo, sinalizantes mais velhos usam mais o gação. Em retrospectiva, acreditamos que movimento da boca como principal meio teria sido metodologicamente mais ade- de referência, um vocabulário de sinais mais quado não ter incluído a tarefa de conta- restrito e pouco ou nenhum uso de um alfa- gem inicial, pois isso poderia ter incitado beto manual convencional. Entretanto, não os participantes a produzir sinais numerais pudemos identificar um ponto histórico es- que não eram necessariamente consistentes pecífico de mudança que justificaria a cria- com as formas que espontaneamente pro- ção de uma nova faixa etária para a geração duzem, de formas aleatórias ou incorpo- mais antiga. radas ao discurso natural. Curiosamente, As categorias de região foram baseadas alguns sinalizantes não produziram formas em três regiões históricas de escola para sur- que diferiam entre as condições seqüen- dos, que mantêm grandes comunidades sur- ciais e não-seqüenciais, o que sugere que das: Auckland (Norte), Palmerston Norte/ esse efeito foi mínimo para tais sinalizan- Wellington (Central) e Christchurch (Sul). A tes. Cumpre, também, observar que é pos- classificação dos participantes por região foi sível que a produção de sinais de número feita de acordo com o local onde residiram em resposta a numerais arábicos escritos nos últimos dez anos. O participante 93, por nos flahs cards pode elicitar formas diferen- exemplo, nasceu e cresceu em Wellington, tes daquelas produzidas ao se enumerar ou mas tinha morado em Auckland nos últi- contar itens presentes visualmente. mos dez anos, o que nos levou a decidir que ele seria codificado na região Norte. Partici- pantes que relataram morar continuamente 4. Análise em um centro menor foram categorizados no mais próximo dos três grandes centros Os três agrupamentos por idade, apresen- regionais. Foram feitas exceções com rela- tados na Tabela 1, foram baseados nas mu- ção aos indivíduos que passaram a maior danças da política escolar em relação ao uso parte do período de formação e idade adulta de língua de sinais, como apresentado a se- no local de outra grande comunidade surda guir: 15-29 anos, 30-44 anos e acima de 45. e que se mudaram recentemente para uma Os participantes de faixa etária 15-29 foram cidade menor, onde não havia uma comuni- expostos potencialmente (embora não uni- dade surda. Nesses casos, classificamos essas formemente) ao uso da NZSL na educação, pessoas como pertencentes à região originá- a partir de 1993. Os participantes de faixa ria da exposição à NZSL. etária 30-44 foram expostos ao Inglês Aus- É difícil isolar os efeitos provocados pelo tralasiano Sinalizado a partir de 1979. Final- local de escolaridade e atual identidade re- mente, pessoas de faixa etária acima dos 45 gional de um surdo, em seu uso da língua na anos foram educadas, sobretudo, em escolas idade adulta. Decidimos não utilizar local de residenciais ou unidades para surdos que escolarização como uma variável de análise, utilizavam métodos puramente orais. Na pois não foi possível sistematizar esse fator de Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas realidade, houve diferenças observáveis en- maneira consistente. Isso se deve ao fato de 318 tre a sinalização de faixa etária de 45 anos e que a maioria dos usuários de NZSL abaixo Variação sociolingüística em numerais da NZSL de 45 anos de idade freqüentou uma combi- identificar o peso relativo dos fatores sociais nação de dois ou três sistemas educacionais, na escolha do sinal. incluindo escola para surdos, unidade para surdos, escola convencional e, algumas vezes, em locais geográficos diferentes. O local de 5. Resultados residência atual de longo prazo (acima de 10 anos) foi selecionado, portanto, como a base Dez dos vinte numerais demonstraram alto para classificar a identidade regional, mesmo nível de consistência nas formas produzidas que essa seja uma medida etnográfica não pelos sinalizantes e, portanto não foram can- refinada no contexto da comunidade NZSL, didatos apropriados para análise quantitativa onde a origem da escolaridade poderia ser posterior de variação. A Tabela 2 lista esses considerada uma variável de igual peso no numerais na ordem de sua uniformidade no uso da língua. conjunto de dados. Primeiramente analisamos e codificamos os dados em relação a três regiões – Norte, TABELA 2: Números que demonstram Central, Sul. Os resultados demonstraram variação mínima não haver diferenças significativas entre sina- lizantes das regiões Central e Sul; portanto, Numeral Grau de consistência em formas essas categorias foram, subseqüentemente, 1, 2, 4, 5 100% agrupadas em uma única região, Sul. Et- 6 99 % 14, 16 93.6% nograficamente, essa é uma decisão válida, 15 92.7% já que a região Central pertence à zona de 7 90% matrícula para a escola de surdos do sul em 17 87.3% Christchurch. A escola para surdos na região Dos dez numerais que revelaram variação central era uma escola católica que foi fecha- (3 e 13, 8 e 18, 9 e 19, 10, 11, 12, 20), quatro da no início dos anos 80, que uma proporção exemplos foram escolhidos para serem abor- relativamente pequena de sinalizantes mais dados neste artigo, para ilustrar os efeitos dos velhos tinha freqüentado. diferentes fatores sociais na variação em si- Seguindo a codificação numérica dos nais numerais. dados para categorias sociais e variantes pro- duzidas por cada participante, os dados foram exportados para o SPSS e analisados utilizan- 6. Número oito: efeito da idade do-se regressão logística, seguindo o método backwards stepwise para modelar o efeito das O número oito foi o primeiro número que variáveis sociais independentes (idade, gênero examinamos em detalhe como caso um tes- e região) nas variáveis dependentes (ocorrên- te (ver Major 2005). Selecionamos oito para cias das formas variantes de cada número). uma análise detalhada devido ao número O Varbrul, um software estatístico proje- alto e excepcional de variantes co-exis- tado para determinar a força relativa das va- tentes. Quatro variantes principais foram riáveis independentes na previsão da variação identificadas nos dados, como demonstra- em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas na utilização da língua (Paolillo, 2002), foi do na Tabela 3. utilizado nos subconjuntos dos dados para 319 David McKee, Rachel McKee e George Major

TABELA 3: Variantes do número 8 As formas mais freqüentes para o núme- ro 8 foram A e B, juntas somando 101 dos 109 casos nos dados. As estatísticas descriti- vas indicaram que C e D não ocorreram com freqüência suficiente para que as pressupo- sições de testagem paramétrica fossem satis- feitas e foram, portanto, excluídas da análise. A Os dados para as formas A (n=77) e B (n=24) foram analisados, utilizando-se da regressão logística em SPSS. Após a redução das ca- tegorias nominais das variáveis dependentes para apenas duas, a modelação da regressão logística binária foi realizada. B Os resultados demonstraram que, no caso do número 8, nem a região e nem o gê- nero são prognósticos estatisticamente sig- nificantes de qual variante é utilizada (isto é, não possuíam um valor p igual ou abaixo de 0.05). Entretanto, a idade mostrou ter um C efeito significante na escolha da variante. Esse efeito tornou-se aparente quando a idade foi considerada por faixa etária ou pela idade real do indivíduo, em anos. O uso do modelo de regressão logística com média de idade como a única covariável, foi possível explorar como a escolha entre as formas A e B foi influencia- D da pelo desvio da média de idade. Descobrimos que a probabilidade de uso As formas A e D apresentam também da forma A eleva-se com o aumento da ida- sub-variantes de uma e duas mãos, respecti- de. Inversamente, a probabilidade de utili- vamente, mas decidimos não tratá-las como zar a variante alternativa B diminui com o formas distintas. Uma quinta variante regis- aumento da idade. Por exemplo, sinalizantes trada foi uma forma ‘traçada’ em que o dedo com idade média de 39 anos apresentam so- indicador ‘escreve’ o numeral 8 no ar. Essa mente 12% (0.117) de probabilidade de usar técnica geralmente é utilizada por sinalizan- a variante B, enquanto a probabilidade de si- tes mais velhos (que experienciaram a forma nalizantes abaixo dessa idade utilizar essa for- de oralismo mais rigorosa) para representar ma diminui exponencialmente. A estatística letras e números, entretanto, a forma traçada descritiva demonstrou que a variante ‘B’ não não ocorreu com a freqüência necessária no foi utilizada nenhuma vez pelos participan- nosso conjunto de dados (para nenhum dos tes com idade inferior a 30 anos. Sinalizan- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas números) de forma a garantir sua inclusão na tes com idade média de 39 anos tinham 88% 320 análise quantitativa. (0.883) de probabilidade de usar a forma B e Variação sociolingüística em numerais da NZSL a probabilidade de seu uso aumentava expo- lizam para se referir ao número 8 (a forma nencialmente, à medida que a idade reduzia. mais comum para o número 3 em NZSL é a A estatística descritiva demonstrou que a va- configuração de mão em ‘W’, proveniente da riante “B” foi utilizada por todos os partici- ASL, enquanto a forma mais comum para o pantes com idade inferior a 30 anos, mas foi número 8 é a variante B, na tabela 3). A va- utilizada apenas por 18% dos participantes riante A para o número 3 foi utilizada por acima de 65 anos. 19% e a mesma variante foi utilizada para o Metade das idades na amostra (50%) co- número 8 por 22% dos sinalizantes. Utilizar briu a faixa etária entre 21 e 54 anos; isto é, um homônimo manual para o número 3 e o metade dos participantes tinham entre 21 e número 8 é comum, especialmente, por si- 54 anos, com um quarto abaixo de 21 anos nalizantes com idade superior a 45 anos, na e um quarto acima de 54 anos. Pelo modelo região Sul, que usam o movimento da boca estimado, a probabilidade de um sinalizan- para esclarecer a ambigüidade. Não conse- te com 21 anos usar a variante ‘B’ é de 2% guimos encontrar, nesses dados, evidências (0.024). Em contrapartida, a probabilidade que confirmassem ou não se os mesmos in- de um sinalizante com 54 anos usar a varian- divíduos utilizaram essa variante para se re- te ‘B’ é de 35% (0.353). ferir tanto ao número 3, quanto ao número Com base nesse resultado, a variante A 8, mas a partir de observação, podemos dizer pode ser chamada de ‘sinal velho’ e variante que, para muitos indivíduos mais velhos, o B, ‘sinal novo’, oferece uma clara evidência significado numérico de um sinal de 3 dígitos de mudança para a variante B, mudança essa (os números 3,13,8 ou 18) depende do mo- que é aparentemente completada na geração vimento da boca. A configuração da mão em mais nova. ‘W’ (uma versão de uma mão da variante D) A variante A (como a variante D) é usada também é usada, intercambiavelmente, por de forma inconstante, com ou sem uma base alguns sinalizantes para os números 3 e 8. de mão passiva ‘5’ por sinalizantes mais ve- Esse exemplo aponta para o papel do lhos. Esse exemplo e uma forma similar para movimento da boca em referência numérica o número 9 (ver variante C, tabela 4), sugere e no léxico, sobretudo em NZSL, especial- que um sistema de duas mãos para numerais mente entre sinalizantes mais velhos. O fato acima de cinco está sendo substituído pelas que menos sinalizantes mais novos preferem formas da Língua de Sinais Auslan de uma essa variante potencialmente ambígua sugere mão, introduzidas via CT. Isso pode refletir um distanciamento da dependência do movi- um padrão de mudança em direção à redu- mento da boca para especificar o significado, ção (ou, nesse caso, substituição) de formas em direção à preferência por formas manuais mais elaboradas fonologicamente. distintivas.

7. Homônimos para 3 e 8 8. Número 9: um caso obscuro

Nossos dados demonstram que alguns sinali- Foram encontradas três variantes principais Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas zantes utilizam a variante A (como na tabela para o número nove, conforme ilustrado na 3) para referir-se ao número 3 e alguns a uti- Tabela 4. 321 David McKee, Rachel McKee e George Major

Para evitar células vazias (por exemplo, ne- foi realizada nas variantes A e B. Nenhuma di- nhum sinalizante do Norte, Sul, jovens ou de ferença significativa foi encontrada. Entretanto, meia-idade utilizou a variante C), a variante C os dados descritivos sugerem padrões emergen- foi removida da análise e a regressão logística tes relacionados aos fatores de idade e região.

TABELA 4: Variantes do número 9 distribuídas por região

Região

A B C Total

Norte 21 (46.6%) 18 (40%) 6 (13.4%) 45 (41.28%)

Sul 41 (64%) 3 (5%) 17 (26.5%) 64 (58.7%)

Total 62 (56.9%) 21(19.26%) 23 (21.1%) 109

TABELA 5: Variantes do número 9 distribuídas por região e faixa etária

Região Faixa etária Variante A Variante B Variante C Norte 15-29 9 (20%) 12 (27%) -- 30-44 6 (13%) 2 (4%) 2 (4%) 45+ 6 (13%) 4 (9%) 4 (9%) Total do Norte N = 45 21 (47%) 18 (40%) 6 (13%) Sul 15-29 13 (20%) -- -- 30-44 18 (28%) 2 (3%) -- 45+ 10 (16%) 1 (2%) 17 (27%) Total do Sul N = 64 41 (64%) 3 (5%) 17 (27%)

A Tabela 5 mostra que é, principalmente, a é uma provável razão para a variante A estar faixa etária mais jovem que prefere utilizar a va- competindo fortemente com a variante B. riante A inovadora, o que sugere uma possível Embora a variante C – a forma mais an- mudança acontecendo atualmente em direção tiga – é, no geral, um pouco mais utilizada a tal variante. Enquanto outros sinais de nú- que a variante B, sua distribuição por idade meros em Auslan foram amplamente adotados sugere que é provável que ela desapareça em (tais como os números 6, 7 e 8), a variante (B) breve, já que não é utilizada por nenhum dos da Auslan para o número 9 é difícil para mui- sinalizantes das faixas etárias mais jovens, em Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas tos sinalizantes produzir – pois requer o dedo nenhuma região, e por quase nenhum sinali- 322 mínimo dobrado em direção à palma. Esta zante de meia-idade. Variação sociolingüística em numerais da NZSL

TABELA 6: Variantes do número 9 distribuídas variantes principais apresentaram ocorrên- por região e gênero cias suficientes para análise. A variante A (na tabela 7), ou ‘índice de movimento’ foi Variante Variante Variante introduzida via CT em 1979, enquanto a va- Região Gênero A B C Norte Feminino 9 9 3 riante B (na qual, os dois dedos se movem para baixo) é um sinal mais antigo. De for- Masculino 12 9 3 ma geral, a variante B prevalece, detectado Total do em 60% das ocorrências, enquanto a varian- 45 21 (47%) 18 (40%) 6 (13%) Norte te A é detectada em 32%. Os 8% restantes Sul Feminino 12 3 10 das ocorrências são compostos pelas outras variantes. Masculino 29 - 7 A análise de regressão logística demons- Total do 64 41 (64%) 3 17 trou efeitos significantes para os fatores Sul principais de idade e gênero. A análise con- firmatória de chi-quadrado demonstrou um Os resultados não mostraram efeito es- efeito principal para faixa etária, com o ‘ín- tatístico significante para o fator gênero em dice de movimento’ (variante A), apresen- relação ao número 9, embora os dados de freqüência apresentem algumas tendências. tando maior tendência de ocorrência entre No Norte, as variantes não são distribuídas sinalizantes mais jovens e a variante de ‘dois uniformente entre os dois gêneros, enquanto dedos’ (variante B) apresentando maior ten- no Sul, há uma forte preferência masculina dência de ocorrência entre sinalizantes do pela variante A, com freqüência zero de uso grupo do meio (50%). O chi-quadrado de- da variante B. Conforme observado ante- monstrou significância em relação ao gêne- riormente, as questões articulatórias podem ro e, quando a região foi mantida constante, também ser um fator relacionado ao gênero, os sinalizantes masculinos de todas as faixas já que a variante B exige maior destreza di- etárias utilizaram a variante B, mais do que gital para ser produzida, do que as variantes as sinalizantes femininas. A e C. Da mesma forma, descobrimos que, Embora a regressão logística não tenha no caso do número 10, os sinalizantes mas- revelado um efeito significante para região, culinos claramente evitaram uma variante houve uma forte tendência (p=.068) para va- com um movimento rápido e curto do dedo riação regional, conforme a tabela 7. Os da- médio a partir do polegar, que é um movi- dos de freqüência demonstram que os sinali- mento ‘delicado’ ou de configuração de mão zantes do Norte preferem a variante A (mais marcada e preferiram uma variante com recente), enquanto os sinalizantes do Sul pre- uma configuração de mão menos complexa, ferem a variante B (mais antiga), mostrando aberta em cinco. alguns efeitos regionais sobre esse número. Se isolarmos esse fato, pode parecer que os sina- lizantes do Sul são mais conservadores, mas 9. Número 11: efeito de idade e gênero pela interação entre idade e região, a ser dis- cutida a seguir para o número 12, vê-se que a Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Apesar de seis variantes terem sido regis- explicação para a preferência pela variante B tradas para o número onze, apenas as duas é mais complexa. 323 David McKee, Rachel McKee e George Major

TABELA 7: Variantes do número 11 distribuídas por faixa etária, gênero e região

A (n = 35) B (n = 65) Faixa etária Total

15-29 18 16 34

30 -44 6 23 29

45+ 11 26 37

Gênero

Feminino 20 23 43

Masculino 15 42 57

Região

Norte 27 16 43

Sul 8 49 57

(*9 dos 109 casos (8%) no banco de dados são compostos de outras variantes. Dessas ‘outras’ 9 ocorrências, 7 foram produzidas por sinalizantes do Sul).

10. Número 12: Efeitos de região, ida- utilizam a variante B, enquanto, no Norte, de e gênero essa variante é preferida pela mesma faixa etária. É curioso observar que 29% dos sina- Os resultados da análise de regressão logísti- lizantes mais velhos (acima de 45 anos) no ca para o número doze demonstraram uma Sul preferem a variante B, a qual foi introdu- interação significante entre região e idade zida via Inglês Sinalizado no sistema escolar, na escolha da variante pelos sinalizantes. As bem depois de seu período de escolaridade. freqüências estão destacadas na tabela 8. A Também é evidente um contraste re- variante A é, aparentemente, uma inovação, gional em sinalizantes da faixa etária com- enquanto a variante B foi introduzida via CT. preendida entre 30-44 anos: 67% dos si- (Existe uma outra variante tradicional for- nalizantes do Norte preferem a variante B, mada pelos dois primeiros dedos fechando mas, na mesma faixa-etária, no Sul, a pre- no dedo polegar, mas essa variante ocorreu ferência por essa variante é de apenas 5%. com bem pouca freqüência nos dados, para O sinal para o número 12 é, portanto, um ser analisada). possível marcador de identidade lexical do Uma observação mais detalhada das fre- Sul em comparação ao Norte, pelo menos qüências revela a relação entre a região e a em se tratando de sinalizantes com idade faixa etária. Observamos um claro contraste inferior a 45 anos. A divisão regional nessas regional na faixa etária entre 15 e 29 anos: duas faixas etárias explica a interação ‘re- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas nenhum dos sinalizantes mais jovens no Sul gião por idade’. 324 Variação sociolingüística em numerais da NZSL

TABELA 8: Variantes do número 12 distribuídas A análise do número 12 também mostra por região e faixa etária uma interação estatisticamente significan- te entre região e gênero. A tabela 8 mostra A B que na região Norte, sinalizantes de ambos Outras os gêneros utilizam as variantes A e B em Região Faixa variantes etária proporções quase exatamente opostas, as si- nalizantes femininas preferindo o sinal mais recente (variante B). No Sul, tanto sinalizan- tes masculinos quanto femininos preferem a Norte 15-29 7 12 2 variante A, embora uma diferença de gênero seja aparente nas proporções – sinalizantes 30-44 6 3 1 masculinos se dividem igualmente entre as variantes A e B. A comparação entre as re- 45+ 6 5 3 giões mostra que as sinalizantes femininas Total do 20 N = 44 19 (43%) do Norte preferem a variante B, enquanto Norte (46%) 5 (11%) as sinalizantes do Sul preferem a variante A,

Sul 15-29 13 -- novamente em proporções quase opostas. De -- modo geral, no Sul, a variante A é mais pre- 30-44 17 3 -- ferida, enquanto a variante B é preferida no Norte, mais por sinalizantes femininas. Esses 45+ 4 19 8 dados são similares aos resultados obtidos

Total do 22 para os números 9 e 11, que demonstram que N = 64 34 (52%) Sul (34%) 8 (13%) sinalizantes masculinos do Sul não utilizam, preferencialmente, a variante da Auslan mais recente.

TABELA 9: Variantes do número 12 distribuídas por região e gênero 11. Efeitos gerais dos fatores sociais Outras Região Gênero Variante A Variante B variantes na variação numeral Norte Feminino 6 13 2 Para um quadro geral de como as variáveis Masculino 13 7 4 sociais condicionam a variação das formas Total do 19 (42%) 20 (44%) 6 (13%) Norte numerais como um todo, nós agrupamos 14 7 Sul Feminino 7 todas as ocorrências produzidas para os dez 4 números que variaram. A seguir, agrupa- Masculino 20 15 1 mos as variantes (a variável dependente) em Total do 34 (53%) 22 (34%) 8 (13%) Sul duas categorias: variantes ‘freqüentes’ e va- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

4 Agradecemos Adam Schembri por essa sugestão e conselho com relação a essa análise. 325 David McKee, Rachel McKee e George Major

riantes ‘não-freqüentes’. Todas as variantes Os resultados na tabela 10 mostram que que eram o sinal mais comum produzido a idade é o efeito mais marcado com relação pelos participantes foram codificadas como ao uso feito pelos sinalizantes de variantes ‘freqüente’ e todas as outras variantes, como freqüentes versus variantes não-freqüentes. ‘não-freqüentes’. As duas faixas etárias mais novas tendem a Para essa análise geral, re-agrupamos os preferir variantes freqüentes (de forma mais participantes em quatro categorias de faixa usual) enquanto as duas faixas etárias mais etária, para testar nossa hipótese que havia velhas tendem a usar um grande número de uma diferença nas escolhas lexicais dos sina- variantes não-freqüentes. Os pesos Varbrul lizantes com idade superior a 65 anos; assim, para faixa etária apontam uma nítida pro- o terceiro grupo por faixa etária foi subdividi- gressão do grupo mais jovem para o mais do em sinalizantes da faixa etária entre 45 e 64 velho, em relação ao uso de variantes não- anos e acima de 65 anos. Decidimos, também, freqüentes: sinalizantes mais jovens são me- retomar as três regiões para essa análise, para nos propensos a produzir essas variantes e observar se um número maior de regiões pode sinalizantes mais velhos tendem a produzi- ter um impacto sobre o peso relativo na utili- las. Para a maioria dos numerais, porém não zação das variantes numerais não-freqüentes. para sua totalidade, as variantes ‘freqüentes’ O programa Varbrul foi utilizado para são aquelas introduzidas via o Inglês Austra- analisar o efeito das variáveis sociais sobre lasiano Sinalizado. a probabilidade de uso da variante não-fre- Em relação à região, sinalizantes do Nor- qüente. Nesse programa, os pesos relativos te são ligeiramente mais propensos a preferir maiores que 0,50 indicam um aumento na as variantes não-freqüentes em comparação probabilidade de favorecer o valor de aplica- aos sinalizantes do centro ou do Sul. Os sina- ção enquanto os pesos relativos menores que lizantes masculinos são um tanto mais pro- 0,50 indicam um aumento na probabilidade pensos a preferir variantes não-freqüentes e de desfavorecer seu uso. Nessa análise, sele- mais antigas do que as sinalizantes femininas, cionamos ‘variantes não-freqüentes’ como o embora o fator gênero pareça ser o menos de- valor de aplicação. terminante dentre os três fatores sociais.

TABELA 10: Probabilidade geral de utilização de variantes numerais não-freqüentes 12. Conclusões

A análise da variação nesse subconjunto do Grupo Fator Fator Peso Varbrul léxico da NZSL confirma que a escolha le- Faixa etária 15-29 .308 30-44 .397 xical está correlacionada com características 45-64 .685 sociais. Conforme nossa hipótese, o fator 65+ .863 idade provou ter o efeito mais influente nas Região Norte .564 Central .395 variantes lexicais utilizadas, seguido pelos fa- Sul .477 tores região e gênero, nessa ordem. Os dados Gênero Feminino .491 fornecem evidência de mudança diacrônica Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Masculino .512 entre cortes etárias e crescente padroniza- Os fatores idade e região são significantes em p<.01 326 ção no léxico numeral. Podemos interpretar Variação sociolingüística em numerais da NZSL que as diferenças nos sinais produzidos pelas merais de 1 a 20, com exceção dos números faixas etárias mais jovens e mais velhas signi- 9, 11, 12 e 19. Com exceção dos números 9, ficam que o conjunto de numerais da NZSL 19 e 12, as variantes da Auslan introduzidas (especialmente acima de cinco) tem sido par- via Inglês Sinalizado Australasiano são os si- cialmente relexificado, principalmente por nais numerais que consistentemente prefe- formas da língua de sinais Auslan, introdu- riram. Sinalizantes mais velhos exibem mais zidas via Inglês Sinalizado, em substituição a variação intragrupo (com maior utilização variantes mais antigas. A incorporação das de variantes não-freqüentes), o que reflete variantes mais recentes tem se disseminado o fato de nunca terem sido expostos a um através das gerações da comunidade. Para léxico convencional de sinais para números certos números, como o número oito, a mu- durante o período de educação formal – um dança parece ser completa, já que nenhum contexto em que os numerais e conceitos de dos sinalizantes do grupo mais jovem utilizou número são explicitamente aprendidos. Esses variantes mais antigas. Em outros casos, as resultados confirmam o impacto da introdu- variantes co-existem ou podem indicar uma ção da sinalização na educação para surdos. mudança em andamento, ocasionalmente Entretanto, é provável que um conjunto le- em direção a uma variante que não pertence xical discreto, como o conjunto de nume- ao Inglês Sinalizado (por exemplo, os dedos rais, é mais prontamente afetado pelo uso da cruzados para o número doze, o que é uma linguagem escolar do que pode ocorrer com inovação). o léxico como um todo – já que existe uma Realizar análises estatísticas alternativas forte tendência a ensinar os números como que consideram a idade como uma variável uma seqüência convencionalizada ou como categórica (em agrupamentos pré-determi- um conjunto de vocabulário que é extensi- nados) ou como variável contínua, (como vamente ensaiado e utilizado em operações fizemos para o número oito) é útil por per- matemáticas na sala de aula. Exploraremos mitir que os dados determinem onde frontei- esse possível efeito em uma futura análise dos ras relevantes para gerações da comunidade dados para 80 itens lexicais da NZSL, alguns lingüística podem ser demarcadas. Embora pertencentes a conjuntos (como cores e dias seja desejável comparar os resultados entre da semana) e outros que são conceitos do línguas (no nosso caso com estudos simila- dia-a-dia não relacionados. res da ASL e Auslan), adotar os critérios para Uma vez que todas as variáveis sociais categorias sociais utilizadas em estudos inter- provaram se correlacionar, significativamen- nacionais, como agrupamento por idade ou te, com a variação lexical, esse estudo piloto idade máxima de aquisição da língua de si- sugere que uma investigação mais ampla da nais torna-se arbitrário e metodologicamen- variação sociolingüística em NZSL utilizando te inválido, a menos que seja justificado por métodos quantitativos será útil. particularidades etnográficas e históricas de cada comunidade lingüística. Observamos evidências claras de cres- Referências cente padronização no resultado que todos Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas os participantes entre 15 e 29 anos de idade COLLINS-AHLGREN, M. New Zealand Sign Lan- produziram as mesmas variantes para os nu- guage and the aim of Total Communication 327 David McKee, Rachel McKee e George Major

for the Deaf. SET: Research Information for LEYBAERT, J. & VAN CUTSEM, M. Counting in Teachers, No.1 1986. Sign Language. Journal of Experimental Child COLLINS-AHLGREN, M. Aspects of New Ze- Psychology 81, 2002. p. 482-501. aland Sign Language, Tese Ph.D., Victoria LUCAS, C.; BAYLEY R.;& VALLY C. Sociolin- University of Wellington. 1989. guistic Variation in American Sign Language. DUGDALE, Patricia O. Being Deaf in New Ze- Washington, DC: Gallaudet University Press. aland: A case study of the Wellington Deaf 2001. community, Tese Ph.D., Victoria University of MAJOR, G. Number EIGHT: An investigation Wellington. 2000. into lexical variation in the New Zealand Sign FISCHER, S. By the Numbers: Language-Internal Language number system. Pesquisa não-pu- Evidence for Creolization. blicada (LALS 582), School of Linguistics and In: W. Edmonson & R. Wilbur (Eds.) International Applied Language Studies, Victoria University Review of Sign Linguistics, Volume 1. Mahwah, of Wellington. 2005. NJ: Lawrence Erlbaum Associates. 1996. p. 1-22. MCKEE, D.; & GRAEME, K. A Lexical Compa- FUENTES, M. & TOLCHINSKY L. The subsystem rison of Signs from American, Australian, and of numerals in Catalan sign language: Descrip- New Zealand Sign Languages. In: The Signs of tion and Examples from a Psycholinguistic Language Revisited, eds. K. Emmorey and H. Study. Sign Language Studies 5(1): 2004. p. Lane. London: Lawrence Erlbaum. 2000. 94-117. PAOLILLO, John. Analyzing Linguistic Variation: JOHNSTON, T. BSL, Auslan and NZSL: Three Statistical Models and Methods. CSLI Publica- signed languages or one? Trabalho apresentado tions. Stanford, California. 2002. na 7th International Conference on Theoreti- SCHEMNRI, A. & JOHNSTON, T. Sociolinguistic cal Issues in Sign Language Research (TISLR), variation in Auslan (Australian Sign Language): Amsterdam, Julho de 2000. A research project in progress. Deaf Worlds: KENNEDY, G.; ARNOLD, R.; DUGDALE, P.; International Journal of Deaf Studies, 20(1): FAHEY, S.; & MOSKOVITZ, D. A Dictionary 2004. p. 78-90. of New Zealand Sign Language. Auckland: Au- STATISTICS NEW ZEALAND. New Zealand Di- ckland University Press with Bridget Williams sability Survey Snapshot 6: Sensory Disabilities. Books. 1997. Wellington: Statistics New Zealand. 2001. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

328 Imagens da identidade e cultura surdas na poesia em Línguas de Sinais1

Rachel Sutton-Spence

Neste artigo, mostrarei como os temas e as do por pessoas surdas e ministrado em língua línguas usadas na poesia em língua de sinais de sinais. O poema foi composto para exaltar constroem e mostram a cultura e a identidade e celebrar a realização não apenas dos gra- surdas de pessoas surdas, como um povo vi- duandos, mas, também, de seus tutores. As sual considerado como um todo. Usarei dois traduções inglesas desses dois poemas encon- poemas em Língua de Sinais Britânica (BSL), tram-se anexadas a esse artigo. Cinco Sentidos, de Paul Scott, e A escadaria, A poesia em língua de sinais, como a de Dorothy (‘Dot’) Miles, para explorar as poesia em qualquer língua, usa uma forma imagens da surdez construída e apresentada elevada da língua (“sinal arte”) para produ- pelos dois poemas em língua de sinais. zir efeito estético (Sutton-Spence, 2005). O No poema Cinco Sentidos, o poeta ques- prazer é um elemento importante da poesia tiona cada sentido, separadamente, para ex- em BSL e ela é, cada vez mais, uma forma po- plicar o que ele é e o que ele faz. Os sentidos pular de entretenimento ligado à linguagem, de Tato, Paladar e Olfato conseguem facilitar na Comunidade Surda Britânica. No entan- a tarefa do poeta, por mostrar-lhe o que fa- to, a poesia também empodera a população zem. Entretanto, a Audição é incapaz disso. surda. O empoderamento pode ocorrer ou Quando a Audição é acompanhada pela Vi- simplesmente por se usar a língua, ou pela são, os dois sentidos trabalham juntos para mensagem por ela transmitida. explicar sua importância para uma pessoa Utilizar línguas de sinais em um gênero surda perceber o mundo. O poema de Dot poético é um ato de empoderamento em si, Miles, A escadaria, foi declamado pela pri- para pessoas surdas, enquanto membros de meira vez em 1987, na cerimônia de gradua- um grupo lingüístico minoritário oprimido. ção da primeira turma surda britânica a rece- Por muito tempo, a população surda foi le- ber um título em ensino de Língua de Sinais vada a acreditar que o inglês era a língua a ser Britânica, de uma universidade britânica. O usada para situações formais e que a “sinali- curso que essa turma freqüentou foi conduzi- zação surda” tinha um status baixo e deveria

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Lincoln Paulo Fernandes, Lautenai Antonio Barthalamei Junior Rachel Sutton-Spence

ser usada, apenas, em conversas sociais. Pes- e desenvolve sua identidade surda, enquanto soas surdas e ouvintes achavam que a poesia parte de uma comunidade visual coletiva. En- deveria ser escrita apenas em inglês, devido quanto a ‘surdez’ (deafness) é um estado de ser ao status dessa língua. Referindo-se à Língua que é determinado audiologicamente e pode de Sinais Americana, Alec Ormsby afirmou ser construído de maneira fundamentalmen- que, antes dos anos 70, “não existia registro te negativa, ‘o ser surdo’ é um processo ativo poético na ASL, porque o registro poético era de pertencer a um grupo cultural e lingüístico socialmente inconcebível e, enquanto per- e é, em última instância, uma jornada positi- manecesse socialmente inconcebível, seria va de descoberta. Ao ‘fazer’ o Folclore Surdo lingüisticamente inviável” (1995, p. 119). O (incluindo a poesia), a população surda está mesmo é válido para a BSL. Entretanto, nos ‘fazendo’ o Ser Surdo. Usar a poesia para em- anos 70, surgiram algumas mudanças rela- poderar os membros da comunidade surda cionadas à consideração da poesia em línguas por meio da criação de formas de língua para de sinais não apenas como concebível, mas, descrever as imagens positivas da experiência também, como uma realidade. A lenta emer- de pessoas surdas é uma forma de ser surdo. gência do “Orgulho Surdo” – primeiramente As imagens de surdez em poesia de língua na América e, mais tarde, na Inglaterra e em de sinais podem ser consideradas em termos outros países – o reconhecimento crescente de uma variedade de temas, incluindo-se: das línguas de sinais como línguas indepen- • A surdez como “perda” dentes e reais, o trabalho pioneiro de poe- • A opressão pela sociedade ouvinte e a con- tas em língua de sinais, como, por exemplo, tra-reação de pessoas surdas Dorothy Miles, criaram uma mudança signi- • A experiência sensorial de pessoas surdas ficativa na maneira de se ver as línguas de si- • A celebração do Sucesso Surdo e da Comu- nais. Nesse ambiente social, histórico, cultu- nidade Surda ral e político, cada performance de um poema • A celebração da surdez (ser surdo?) e das em BSL é, ainda hoje, um ato de empodera- línguas de sinais mento e uma expressão implícita de orgulho • O lugar de pessoas surdas no mundo em uma língua de sinalizantes surdos. A importância da poesia em língua de sinais pode ser compreendida no contex- 1. A surdez como uma “perda” to das idéias do Folclore Surdo (Deaflore) (por exemplo, Rutherford, 1993) e da Surdez Incluí essa categoria na discussão de imagens (Deafhood) (Ladd, 2003). O Folclore Surdo em poesia em língua de sinais, mesmo que é o conhecimento coletivo de comunidades ainda não tenha encontrado um poema em surdas individuais e da comunidade mundial língua de sinais que concentre a atenção, de surda compartilhada. Em um nível lingüístico, maneira negativa, em um sentido de perda esse conceito se refere ao conhecimento da lín- de audição para pessoas surdas. Esse fato ne- gua que constitui a herança cultural de comu- cessita ser salientado, pois poesia escrita por nidades surdas, o que inclui conhecer e avaliar pessoas surdas que usam a língua da comuni- os elementos lingüísticos que formam um bom dade ouvinte dominante, ao invés da língua Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas poema. O ‘ser surdo’ (deafhood) é o processo de sinais é claramente diferente. Em poesia 330 por meio do qual a população surda descobre escrita por pessoas surdas, a perda da audição Imagens da identidade e cultura surdas na poesia em língua de sinais pode ser uma questão séria, mas se a língua My tongue is mute, and closed ear heede- de sinais é usada, ao invés da língua da comu- th not [Minha língua é muda e ouvido fechado nidade ouvinte dominante, isso parece pres- não presta atenção] supor um sentido de ser surdo, que significa No gleam of hope this darkened mind assu- que a idéia de perda não é considerada. res [Nenhum lampejo de esperança esta mente Cinco Sentidos, de Paul Scott lida direta- obscura garante] mente com a questão da experiência sensorial That the blest power of speech shall e’er be de uma pessoa surda, incluindo a incapacida- known [Que a benção da faculdade da fala um de de ouvir e, no entanto, não existe nele ima- dia será conhecida]. gem alguma de perda. Existe um poderoso Murmuring gayly o’er their pebbly beds sentido de propriedade no poema, claramen- [Murmurando alegremente sobre suas camas te expressando a identidade do poeta como de pedra] uma pessoal visual. Enquanto fica claro que The limpid streamlets, as they onward flow o sentido da Audição não pode funcionar so- [Os riachos límpidos, ao avançar seu fluxo] zinho, a perda não é um problema, pois a vi- Through verdant meadows and respon- são é satisfatória para a experiência da pessoa ding woodlands [Entre os prados verdejantes e surda. No poema A escadaria, de Dot Miles, as matas replicantes], não há menção explicita à surdez, mas, sim- Vocal with many tones - I hear then not plesmente, assume-se que os personagens são [Soam em muitos tons - Não os ouço]. surdos. No início do poema, as pessoas estão The linnet’s dulcet tone, the robin’s strain perdidas e com medo, mas não há sugestão de [O tom suave do pintarroxo, a melodia do tor- que isso ocorre porque elas não podem ouvir. do], Ao invés disso, a questão é que, simplesmente, The whip-poor-will’s, the lightsome nunca lhes foi dada oportunidade e capacida- mockbird’s cry [O lamento do bacurau e do de de liderança de que necessitam para ter su- alegre sabiá], cesso. Quando tais oportunidades são ofereci- When merrily from branch to branch they das, elas são capazes de realizar seus sonhos. A skip [Quando de galho em galho alegremente perda de audição não é um problema. saltam], Entretanto, ao contrário do que ocorre Flap their blithe wings, and o’er the tran- nesses poemas sinalizados, em alguns poemas quil air [Batem suas asas alegremente sobre o escritos por pessoas surdas na língua da maio- ar tranqüilo] ria ouvinte, pode aparecer o sentido de perda Difundem suas melodias – Não os ouço. de uma pessoa surda. O Lamento Mudo, de John Carlin, escrito em 1847, é um exemplo de um poema escrito por uma pessoa surda, 2. A opressão pela Sociedade Ouvinte que demonstra isso. e a reação das pessoas surdas O primeiros versos do poema são: I move, a silent exile on this earth; [Movo- A poesia em língua de sinais pode abordar me, um exílio silencioso sobre esta terra] algumas das questões de opressão pela so- As in his dreary cell one doomed for life, ciedade ouvinte, mas isso é feito a partir da Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas [Como em sua triste cela alguém condenado perspectiva que o problema está na sociedade eternamente] ouvinte e que as pessoas surdas podem com- 331 Rachel Sutton-Spence

batê-lo para conseguir igualdade. Os poemas desde o uso explícito de verbos de visão, até em língua de sinais empoderam a comuni- expressões cotidianas particularmente signi- dade surda, por escrever sobre a surdez e a ficativas, no contexto dos poemas. língua de sinais de forma positiva. Eles são Os versos de A escadaria demonstram otimistas e mostram as pessoas surdas como isso, de forma muito clara: pessoas em controle de seus próprios desti- “A dark forest. [Uma floresta escura] A nos. Reconhecem os problemas enfrentados figure creeps forward, peering ahead, …[Um por pessoas surdas e alguns deles identificam vulto se move lentamente adiante, olhando o papel que pessoas ouvintes têm desempe- atentamente à sua frente] nhado na opressão de pessoas surdas, mas … they see a light that glimmers, [Eles podem mostrar a força de pessoas surdas que veêm uma luz que brilha, brilha]” vivem em um mundo ouvinte. Em A escada- Na floresta “surda”, a imagem sedutora é ria, as pessoas são claramente oprimidas pela a luz na escuridão. Para uma sociedade que sociedade ouvinte, conforme representado valoriza tanto a visão, a escuridão deve ser pelo leão, o pântano e o gigante com sua espa- evitada e a luz, buscada. O sinal utilizado no da. Mas elas superam seus medos desses três poema para mostrar a luz trêmula é forma- obstáculos, superando a opressão do mundo cionalmente semelhante ao sinal que mostra ouvinte e começam a realizar seus sonhos. todo o grupo de pessoas correndo em direção a seus prêmios e, também, ao sinal APLAUSO utilizado no final. Assim, a língua utilizada 3. A experiência sensória de pessoas mostra a relação entre pessoas surdas e a luz, surdas a identidade coletiva de pessoas surdas e a ce- lebração desses dois aspectos do ser surdo. A experiência sensória de pessoas surdas é tema de muitos poemas em línguas de sinais. Sinais formacionalmente similares: ‘Luzes O som e a fala são geralmente irrelevantes e, tremulando’, ‘Pessoas correndo em direção a’ e em vez disso, idéias de visão são realçadas, ‘Aplauso’ reafirmando o lado positivo da experiência surda de vida e a existência de pessoas sur- das como pessoas visuais. Várias vezes, as idéias de olhar, ver, olhos e visão ocorrem em poemas em línguas de sinais. Muitas vezes, menções a “olhar” surgem em poemas sina- lizados, devido à importância da visão e do olhar para o poeta surdo e o público surdo. Colocar essas imagens no poema em língua de sinais empodera o poeta e o público, mos- trando suas identidades visuais e seu estado de ‘ser surdo’. Essa perspectiva visual sobre o mundo é Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas claramente percebida nos dois poemas, Cin- 332 co Sentidos e A escadaria. Exemplos variam Imagens da identidade e cultura surdas na poesia em língua de sinais

le dedo a ela relacionado não consegue ficar ereto até que ele seja acompanhado por outro dedo, representando a Visão).

A ‘audição’ incapaz de se sustentar ereta ou de abrir seus olhos Em Cinco sentidos, de Paul Scott, os sen- tidos de Tato, Paladar e Olfato compartilham o sentido de Visão. O Tato olha para objetos frios e quentes e para suas mãos congeladas e queimadas; o Paladar olha, cuidadosamente, a comida saborosa (e não tão saborosa) antes e depois de comê-la; e o Olfato também olha a flor, o queijo e o saboroso pedacinho de 4. A celebração do sucesso surdo e o comida. O uso dos olhos é particularmente sucesso da comunidade surda poderoso nesse poema. Todos os poemas em línguas de sinais são ce- lebrações implícitas da língua de sinais e da ‘Tato’, ‘Paladar’ e ‘Olfato’, todos usando seus olhos comunidade surda, mas alguns poemas con- centram a atenção nessas celebrações, de for- ma explícita. Alguns poemas abordam o di- lema familiar enfrentado por pessoas surdas: ficar seguros em uma vida sem exigências, porém limitadora, ou tentar melhorar sua si- tuação, arriscando a segurança de seu mundo Todo sentido “nasce” quando o dedo se sem desafios? Esse tema ocorre em muitos endireita e os olhos se abrem. No final de sua poemas surdos, incluindo A Escadaria. vez, o sentido se retrái, por meio do fecha- O tema em A Escadaria é um dos temas mento do dedo para o interior do punho e do das pessoas surdas a quem são oferecidas um fechamento dos olhos. Na verdade, os olhos desafio e a chance de ganhar grandes recom- parecem nos conduzir através desse poema. pensas. O desafio tem riscos e as pessoas pre- O principal problema com a Audição não cisam decidir se o aceitam ou não. O poema é que ela não possa ouvir, mas que ela não descreve como seus medos de possíveis leões, consegue ver. (Relacionado a isso está o fato pântanos e gigantes os levam a recusar o desa- de que ela não consegue ficar de pé de forma fio, porém um membro do grupo os encoraja ereta. Phyllis Wilcox (2000) observou que a a encarar o risco e alcançar o sucesso. A for- saúde e a vitalidade são expressas metaforica- ma como o grupo alcança o sucesso é mostra- mente pelas formas retas; assim, os sentidos da de uma maneira especialmente “surda” no que são capazes de se sustentarem eretos são poema. Em primeiro lugar, o herói não é um Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas saudáveis. A audição não se encontra com- típico herói no molde “Super-herói”. Ele é pletamente formada e independente e aque- descrito como sendo “calvo, de óculos e meio 333 Rachel Sutton-Spence

gordo” e, entretanto, é quem os conduz ao também utiliza uma CM ilegítima – todos os triunfo. A mensagem importante aqui é que dedos se abrem e se esticam, com exceção do qualquer um, na comunidade surda, pode ser dedo mindinho, que se liga ao dedo anular. um herói. Em segundo lugar, o herói leva as Esse sinal resume o sentido para o poeta e é pessoas a subirem as escadas, degrau por de- altamente criativo e tão marcado que requer grau. Freqüentemente, a única forma para as considerável habilidade da parte do ator para pessoas surdas terem êxito na vida tem sido articulá-lo na mão não-dominante (de fato, deixar o universo surdo e se unir ao universo algumas pessoas o acham fisicamente impos- ouvinte. Essa imagem poderia ter sido mos- sível fazer). trada em A escadaria pela imagem do herói correndo para o topo da escada e, então, ace- CM ‘ilegítima’ no sinal “Esse sou eu” mostrando nando para que os outros o seguissem. No a identidade de visão e audição do poeta surdo entanto, a distância entre o topo e o pé da es- fundidas. cadaria seria grande demais e os outros não seriam capazes de fazer a jornada sozinhos. Ao invés disso, o herói sobe o primeiro de- grau, verifica se tudo está seguro e ajuda as pessoas a subirem. Elas, por sua vez, ajudam outras pessoas a subirem o primeiro degrau, até estarem todos unidos em seus pequenos avanços. Assim, uma abordagem ao sucesso na comunidade surda vem de uma perspecti- Em todo o poema, a caracterização con- va especialmente surda. sistiu de uma única figura que questiona e dos diferentes sentidos; porém nos sinais finais da coda do poema, o poeta–ator vem para o pri- 5. A celebração de surdez, do ser meiro plano da performance e sai do papel es- surdo e da língua de sinais perado de narrador para dizer, “Esse sou eu”. Esse é um forte momento de empoderamen- O poema Cinco Sentidos celebra a idéia visual, to, no sentido de que o ator, corajosamente, a surdez e a língua de sinais. A língua é de- toma a atitude de “assumir”, de forma explí- liberadamente utilizada para salientar idéias cita, o conteúdo do poema. Embora normal- chaves. Em BSL, todas as configurações de mente esperemos que a pessoa que compôs mão (CMs) com um único dedo estendido o poema o declame, qualquer sinalizante são legítimas, com exceção do dedo anular surdo poderia, potencialmente, declamar o individual estendido (ver a figura no pará- poema Cinco sentidos. Entretanto, se uma grafo anterior). Essa é a configuração de mão pessoa ouvinte fosse executá-lo, o significado que o poema utiliza para representar o senti- tão poderoso transmitido por esse último ato do de audição confuso, não-cooperativo. Essa de identificação poderia ser mudado radical- CM não ocorre em nenhum sinal em BSL e é mente – talvez a ponto de ausência total de fisicamente muito difícil de articular, espe- significado. Isso mostra que o poema é uma Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas cialmente com a mão não-dominante (como expressão particularmente forte de identida- 334 utilizada aqui). O último sinal do poema de própria de uma pessoa surda. Imagens da identidade e cultura surdas na poesia em língua de sinais

O poema Cinco sentidos também utili- Cinco Sentidos utiliza três maneiras prin- za a simetria, de maneira extensiva. O uso cipais de criar simetria em poemas sinalizados: equilibrado do espaço e os sinais simétricos a colocação seqüencial de sinais de uma-mão feitos pelas duas mãos são, esteticamente, ou duas-mãos em áreas opostas de espaço; muito atraentes, o que faz com que seja um o uso simultâneo de sinais de uma-mão que prazer assistí-los. Eles também têm valores são simetricamente opostos; e o uso de sinais simbólicos, transmitindo idéias de unificação simétricos de duas mãos (Sutton-Spence). O de opostos polares e o sentido de “justiça” da uso de espaço simétrico no poema tem um pessoa surda, advindo da língua de sinais. padrão, de tal forma que, para os três primei- Grande parte do poema utiliza o esque- ros sentidos, a simetria é criada, na maioria ma de manter as duas mãos em uso, usando das vezes, através da localização seqüencial de uma informação diferente em cada mão. A sinais em áreas opostas de espaço. Isso reflete mão não-dominante permanentemente pro- a dualidade das idéias mostradas no poema, duz uma informação que é percebida, simul- que são parte intrínseca da simetria bilateral. taneamente, com a informação da mão do- Por exemplo, com o Tato, a mão direita se minante. Na maior parte do poema, a mão estende para a direita para tocar alguma coisa não-dominante faz ou a simples CM ‘A’ re- gelada e, então, retira-se antes que a mão es- presentando o grupo de sentidos “dormen- querda se estenda para a esquerda para tocar tes”, ou a CM apropriada ao sentido específi- algo quente. O uso equilibrado e oposto de co – ‘Å’ para o Tato, o ‘G’ para o Paladar, CM espaço e de mãos reflete a oposição semântica ‘dedo médio’ para o Olfato, o ‘I’ para a Visão entre quente e frio. Essa representação espa- e ‘BSL 7’ para Visão e Audição. Esse uso da cial de quente e frio cria a simetria de uma mão não-dominante concentra a atenção no maneira que a simples sinalização de QUEN- sentido em questão. TE (um sinal de uma-mão) e FRIO (um si- nal de duas-mãos) não seria capaz de fazer. Para o Paladar, as ações são todas executadas pela mão direita; porém, primeiro ela pega e toma um sorvete delicioso na direita, depois pega uma colherada grande de algo de sabor desagradável da esquerda e, finalmente, pega uma colherada grande de algo de sabor mais Å em Tato ‘G’ em Paladar O dedo médio em Olfato agradável, da direita. Com o Olfato, uma flor perfumada é colhida e cheirada da direita, usando sinais feitos com as duas mãos; de- pois, um queijo de odor menos agradável é retirado da geladeira na esquerda (de novo, usando as duas mãos), antes de o pedaço gos-

toso (não especificado no poema) que é co- ‘I’ em Visão Dedos anular e mindinho mido e então cheirado apreciativamente vir da direita. O uso equilibrado do espaço de em Visão e Audição em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas sinalização cria uma sensação de simetria, em que essas oposições semânticas são limitadas 335 Rachel Sutton-Spence

pelo plano central de simetria. Conforme sentidos da Visão e da Audição que são fun- o plano central é ocupado pela forma per- didos em apenas um. Nessa estrofe, estão os sonificada do sentido em questão (executa- sinais OLHOS-ABERTOS, INFORMAÇÃO- do através da incorporação ativa do sentido ATRAVÉS-DOS-OLHOS (não existe termo usando a personificação), a representação equivalente em inglês para essa idéia de “au- (“vignette”) de cada sentido é feita como uma dição através dos olhos”) INFORMAÇÃO, experiência completa e unificada. VELOCIDADE, CORES, MOVIMENTO, APRENDER e finalmente CAPTAR-TUDO- O Frio e Quente para a direita e esquerda ATRAVÉS-DOS-OLHOS. Os sinais são to- no Tato dos simétricos ao longo do plano vertical, que é a simetria bilateral para o corpo humano.

O Agradável e Desagradável para a esquerda e a direita no Paladar Olhos-abertos Informação

Velocidade Cores Através-dos-olhos

A flor perfumada e o queijo fedorento para a direita e a esquerda no Olfato No poema A Escadaria, a língua também é usada de forma simbólica para expressar a identidade surda. Aqui, simetria e equilíbrio são usados para significar a condição de es- tar junto (the togetherness) e a natureza co- letiva da comunidade surda. No poema A Escadaria, o mesmo sinal é freqüentemen- te articulado nos lados esquerdo e direito. Na quarta estrofe, onde a Visão e a Audi- Existe um importante simbolismo por trás ção trabalham juntas, os sinais de uma-mão disso, pois o tema central desse poema é a simetricamente equilibrados são substituídos “unidade”. Manter os dois lados do espaço por sinais inteiramente simétricos de duas- sinalizante equilibrados mostra a unidade do mãos. A simetria, assim, deixa de ser pro- grupo subindo a escadaria para alcançar seu duzida seqüencialmente para ser mostrada Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas objetivo. Embora os indivíduos sejam pesso- simultaneamente. O uso de duas mãos para as separadas, eles estão parcialmente ligados 336 produzir sinais únicos coloca em paralelo os através do dispositivo unificador de simetria Imagens da identidade e cultura surdas na poesia em língua de sinais espacial, que mostra um sentido coletivo de Os sinais são localizados, simetricamente, identidade. no plano centro-vertical. Conforme os núme- Os sinais proformes (proform signs) que ros nos grupos crescem, existe, inicialmente, são usados para representar ações de indivíduos certa assimetria à medida que uma das confi- podem criar simetria. Onde existe um número gurações de mão muda para refletir o número par de indivíduos, a metade deles pode ser mos- acrescido, mas a simetria é restaurada a cada trada em cada mão. Isso ocorre no poema A Es- vez que os números mostrados em cada mão cadaria, criando simetria nas primeiras linhas à se desequilibram. Esse padrão de assimetria medida que as pessoas vagueam, perdidas, pela seguido pela simetria ocorre novamente no floresta. Os versos em inglês são: poema quando o herói ajuda o grupo a subir os degraus. Ao chegar no primeiro degrau, A dark forest [Uma floresta escura]. A figure ele sinaliza VAMOS para o lado esquerdo do creeps forward, peering ahead[Uma figura se ar- espaço de sinalização e o próximo sinal pode rasta para frente, olhando adiante atentamente], ser glosado como AJUDE-PESSOA-SUBIR. Then comes another and another [Depois Isso é, então, repetido, usando a outra mão, vem outra e outra]. para o outro lado do espaço de sinalização, They draw together in uncertainty, then in criando simetria no poema. O próximo sinal a line [Elas se ajuntam desordenadamente, de- proforme PESSOA-SOBE-NO-DEGRAU é, pois em uma fila], então, feito com a mão esquerda para o lado They advance [Elas avançam]. esquerdo e, depois, com a mão direita para o lado direito, de tal forma que os lados são Isso pode ser glosado em BSL, como mos- novamente equilibrados. Essa manutenção trado a seguir, com os sinais glosados localizados de simetria, apesar de trocas ocasionais para à esquerda, direita e centrados na página para re- assimetria, é parte importante do poema, que presentar como são localizados no espaço: usa “unidade em mudança” como um tema central.

FLORESTA ESCURA PESSOAS 6. Conclusão TÊM UMA-PESSOA-SE MOVE- Esse artigo considerou apenas dois poemas, PARA FRENTE dentre um grande cânone potencial de poe- UMA-PESSOA-SE MOVE sia em BSL. No entanto, qualquer número -PARA FRENTE de outros poemas em BSL poderia ser usa- DUAS-PESSOAS-SE do para demonstrar exemplos semelhantes MOVEM-PARA FRENTE de imagens de surdez e formas de criar essas DUAS-PESSOAS-SE imagens. Criar imagens positivas da expe- MOVEM-PARA FRENTE riência surda através do uso da linguagem OITO-PESSOAS-(2x4)-SE MOVEM-PARA deliberadamente criativa e esteticamente sa- FRENTE tisfatória contribui muito para uma identi- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas MUITAS-PESSOAS-(2x5)-SE MOVEM- dade positiva, que pode ser vista como uma PARA FRENTE expressão do ser surdo. 337 Rachel Sutton-Spence

Agradecimentos: A Escadaria – Uma Alegoria

Sou muito grata a Paul Scott, Don Read e a A dark forest. A figure creeps forward, peer- BBC por permitirem usar suas imagens aqui. ing ahead, Then comes another and another. Vários poemas de Paul Scott, incluindo They draw together in uncertainty, then in a Cinco Sentidos, podem ser encontrados em line, www.deafstation.org (registrar com a deafsta- tion, entrar em deafstation, ir ao main menu, They advance. entertainment e escolher poetry e, então, Paul But they come to a wall. Scott). http://www.deafstation.org/deafsta- They retreat, gazing upwards - what is it? tionDev/getAllPC.do;jsessionid=4D62D8B0 Ah, it’s a huge staircase. 04B1619F5288DE87047E743A?preferredCli entId=1&preferredClipId=3&PCContentIte Suddenly at the tip they see a light that glim- mMasterId=6033 mers, glimmers. Os poemas de Paul Scott podem também They are drawn to it and look at each other ser comprados em formato de DVD na Fo- - who will climb up first? rest Books (www.forestbooks.com) Perhaps the one who climbs will face a lion’s claws. Or sink into the ground. Referências Or meet a giant with a sword and lose his head. LADD, P. Understanding Deaf culture: in search of Deafhood. Clevedon: Multilingual Matters, They back away and turn to go. 2003. Then one of them, balding, spectacled, some- ORMSBY, A. The poetry and poetics of American what plump - says No; Sign Language. Tese de doutorado não publi- Goes forward, climbs, looks around, sees all cada, Stanford University, 1995. is well; RUTHERFORD, S. A study of American Deaf Beckons them on and heaves up those on ei- folklore. Silver Spring, MD: Linstok Press, ther side of him, 1993. Who then heave others, until all are in line on SUTTON-SPENCE, R. Analysing Sign Language the first step. Poetry. Basingstoke: Palgrave Macmillan, On his left is a woman, short-haired and 2005. spectacled too, SUTTON-SPENCE, R.; KANEKO, M. Symmetry Eager to give support. in Sign Language poetry. Sign Language Stud- He moves on again, climbs up, beckons and ies, no prelo. hoists… WILCOX, P. Metaphor in American Sign Lan- Again the line is straight. guage. Washington, DC: Gallaudet Univ. Press, So up and up they go, stair after stair, 2000. And see that the glimmering light now glows Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas around 338 Imagens da identidade e cultura surdas na poesia em língua de sinais

What looks like a sword embedded in a Uma colher grande daquele - cremoso! stone, Uma colher grande desse - humm! Such as a king once drew and held aloft. Então, agora você me conhece. They press forward and someone reaches to grasp the sword’s hilt - Lo and behold, it’s a Desculpe-me, mas quem é você? certificate! Quem sou eu? Venha comigo e veja. One by one in a line they each get one. Arranque uma flor e cheire - cheirosa! Pegue algum queijo da geladeira - heca! But where’s the man, balding, spectacled, so- Enfie isse pedaço saboroso em sua boca, mewhat plump? Sim, e seu cheiro é bom demais. He’s sitting, looking on, applauding them, Então, agora você me conhece. then rises and leaves. Desculpe-me, mas quem é você? And the woman - she takes up her certificate Quem? like a flag, And leads the onward parade. Desculpe-me, mas o que está errado com ele? (Translation by Dot Miles) Oh, nós estávamos juntos. Cinco Sentidos Juntos? Desculpe-me, mas quem é você? Sim, venha conosco e veja. Quem sou eu? Venha comigo e veja. Olhos bem abertos, vendo e entedendo. Sinta seus braços formigarem em meu abra- Informação e conhecimento, ço. Cores, velocidade, ação. Estenda – oh, que gelado! Conhecendo e brindando no mundo entre os Estenda – oh, que quente! olhos. Então, agora você me conhece. Então, agora você nos conhece.

Desculpe-me, mas quem é você? E agora você me conhece. Quem sou eu? Venha comigo e veja. Uma lambida de sorvete - humm (Traduzido por Rachel Sutton-Spence) Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

339 O sinalizante nativo não-(existente): pesquisa em língua de sinais em uma pequena população surda1

Brendan Costello, Javier Fernández e Alazne Landa KHIT (Grupo de pesquisa em língua de sinais do País Basco) EHU – Universidade do País Basco

0. Introdução torna menos óbvio e precisa de uma definição cuidadosa. Um exemplo claro de um contex- A noção de um falante nativo é crucial em to lingüístico não-padrão é o caso das línguas pesquisas lingüísticas; o objeto de estudo, a de sinais, que têm um perfil sociolingüístico língua, se manifesta no seu estado mais na- complexo e uma população de usuários total- tural na produção lingüística de um falante mente atípica e heterogênea. Como se sabe, nativo. Isso se reflete na importância dada a as línguas de sinais são línguas minoritárias julgamentos de gramaticalidade ou intuições que existem em contato próximo com a(s) de falantes nativos, para a decisão sobre o língua(s) majoritária(s) e apresentam uma que é e o que não é possível em um sistema grande parcela de variação. O fator mais de- lingüístico dado. A revolução chomskiana cisivo para o desenvolvimento das línguas de produziu considerações sobre os fundamen- sinais é o fato de que 90 a 95% das crianças tos biológicos da linguagem que endossam a surdas nascem de pais ouvintes. Essa porcen- supremacia do uso nativo da língua, entendi- tagem se tornou quase mítica na literatura e do como o cérebro fazendo o que lhe parece é constantemente citada para explicar a situ- mais natural (CHOMSKY, 1959). Falantes ação anômala das línguas de sinais. Porém, não-nativos são problemáticos, uma vez que essa estatística é baseada na população dos eles talvez apresentem qualquer problemma Estados Unidos e pode não ser diretamente de uma grande gama de fatores complicado- aplicável a outras populações. Como vere- res; não revelando a faculdade lingüística em mos, esse número não se aplica à população seu estado natural, ou nativo. surda do País Basco, no norte da Espanha. No caso de contextos monolíngües de Neste trabalho, examinamos a noção de línguas faladas, a noção de falante nativo é falante/sinalizante nativo no contexto da co- bastante direta, mas para situações que di- munidade de línguas de sinais do País Basco. vergem desse padrão, o conceito do nativo se Na seção 1, revisamos os tipos de definições

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Lincoln Paulo Fernandes, Lautenai Antonio Barthalamei Junior, José Rodolfo da Silva O sinalizante nativo não-(existente) que têm sido usadas para caracterizar sinali- güística e muitos pesquisadores selecionam zantes nativos, em diferentes estudos de línguas informantes surdos-de-surdos que adquiri- de sinais. A seção 2 descreve a situação socio- ram uma dessas línguas de sinais no contex- lingüística específica do País Basco. Apesar de to mais “natural” ou nativo possível. Porém, nenhuma estatística confiável estar disponível, não existe definição estabelecida para a noção está claro que o número de indivíduos surdos- de sinalizante nativo e, freqüentemente, ne- de-surdos (ou seja, pessoas surdas que nascem nhuma explicação é dada quando o termo é em famílias surdas) é extremamente baixo e usado. Por exemplo, em suas considerações nem sequer se aproxima das porcentagens de metodológicas detalhadas para coleta de da- 5-10% citadas na literatura; apresentamos vá- dos na ASL (Língua Americana de Sinais), rias explicações para essa aparente anomalia. Neidle et al. enfatizam a importância de se A falta de sinalizantes surdos-de-surdos torna ter sinalizantes nativos como informantes, a participação de sinalizantes nativos como in- mas dão uma definição bastante vaga do que formantes em uma pesquisa lingüística virtu- eles querem dizer com isso: “Pessoas surdas almente impossível, o que nos levou à questão que cresceram com pais sinalizantes surdos e da possibilidade de chegarmos a um modelo que se identificam com a comunidade surda” nativo da língua e considerarmos a variedade (2000, p. 13). A noção de identificação com de uso e competência entre a população sina- uma comunidade implica em uma série de lizante, em nossa metodologia. Para controlar fatores sociais que podem ser difíceis de se- esses fatores sociolingüísticos, geramos um per- rem medidos objetivamente. fil para cada informante baseado em metadados Quando enfrentam tal imprecisão e as IMDI definidos pelo projeto ECHO, sendo essa complexidades e heterogeneidade da comu- metodologia descrita em detalhes na seção 3. nidade surda sinalizante, muitos grupos de Na seção 4, descrevemos um elemento grama- pesquisa tendem a escolher a opção mais tical específico das línguas de sinais que pode segura, selecionando sujeitos que são (pelo ser afetado pelo grau de competência nativa menos) sinalizantes surdos-de-surdos de do sinalizante: a troca de papel. Apresentamos segunda geração. Isso garante que a pessoa dados sobre a troca de papel por sinalizantes cresceu adquirindo a língua de sinais de seus bascos que revelam duas correlações entre o pais sinalizantes. Esse modelo de “opção mais grau de competência nativa e a expressão dos segura” de escolha de informantes nativos é elementos gramaticais que marcam a troca de particularmente favorecido em pesquisas papel. A seção 5 apresenta um resumo e oferece neurolingüísticas, uma vez que os dados ba- discussão aprofundada das questões suscitadas seados em milissegundos são freqüentemente por este trabalho, especificamente a relevância sensíveis a esses detalhes e existe uma neces- do estudo de produção lingüística não-nativa sidade de eliminar como fator a maior quan- para a lingüística em geral. tidade possível de ruídos (cf. NEVILLE et al. 1997; PETITTO et al. 2000; MACSWEENEY et al. 2002). 1. A noção de sinalizante nativo Porém, o acesso a sinalizantes de famí- lias surdas multigeracionais não é sempre Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas A importância de dados sobre competência possível; quando a “opção mais segura” de nativa tem sido confirmada na pesquisa lin- sinalizantes de segunda geração ou mais não 341 Brendan Costello, Javier Fernández e Alazne Landa

é viável, uma estratégia alternativa é especi- rirmos ao País Basco, estamos nos referindo ficar vários critérios que os informantes de- a essas três províncias; não consideraremos vem preencher. Dando um exemplo recente, a parte francesa do País Basco, já que a co- em seu estudo sobre formas de concordância munidade surda de lá usa uma língua de si- verbal em línguas de sinais diferentes, Mathur nais diferente – a LSF ou Langue de Signes e Rathmann (2006) estipularam que seus in- Française – e é considerada uma comunidade formantes deveriam preencher três condi- lingüística separada.) De acordo com o Eus- ções: (i) exposição a uma língua de sinais até tat, o Centro Basco de Estatísticas, a popula- a idade de 3 anos; (ii) habilidade de julgar ção do País Basco corresponde a pouco mais com facilidade se uma sentença é gramatical; de 2.1 milhões de habitantes (informações (iii) contato diário com uma língua de sinais atualizadas do censo de 2004). As principais na comunidade surda por mais de 10 anos. línguas faladas nessa parte do País Basco são A idéia é que a aquisição precoce combinada o espanhol e o basco; apesar de quase 60% com contato contínuo com a língua é quase da população ser de hispano-falantes mono- tão próxima quanto possível do que se enten- língües, quase 70% das crianças estão sen- de por ser um falante nativo. do educadas através de ensino bilíngüe em Como veremos na seção seguinte, a de- basco e espanhol ou ensino monolíngüe em mografia da população sinalizante que es- basco, o que significa que existe uma ten- tamos estudando torna difícil encontrar até dência para um grau mais alto de bilingua- mesmo essa opção menos ideal. Que opção lismo nessa população. resta quando não existem indivíduos sufi- A língua de sinais usada em nossa área cientes com aquisição precoce de línguas de de estudo é a variante da LSE (Lengua de sinais para servirem de informantes? Na se- Signos Española), a língua de sinais usada na ção 3, pretendemos responder essa pergunta maior parte do resto da Espanha. Pesquisas revisitando a noção de sinalizante nativo e dialetais na LSE baseadas em comparações explicando a definição que adotamos dentro lexicais e julgamentos de inteligibilidade de nossa metodologia, que tenta acomodar mútua demonstraram que a língua de sinais a participação de sinalizantes não-nativos do País Basco é uma variante da LSE e forma como informantes. Antes de analisarmos o leto (lect) - a variedade de língua - central nossa resposta à situação específica da popu- do principal dialeto nortenho, com certas lação sinalizante do País Basco, descrevemos diferenças que o separam de outros diale- essa situação na seção 2. tos. Revisaremos brevemente esses resulta- dos, que podem trazer algumas informações sobre o número de usuários de línguas de 2. A população surda do País Basco sinais, mas, fica claro que, dados mais preci- sos são necessários, havendo necessidade de O País Basco é a região no norte da Espanha inclusão de perguntas sobre o uso de línguas e no sudoeste da França. Nosso grupo de de sinais nos censos oficiais. pesquisa atua na parte administrativamen- A Associação Nacional Espanhola dos te espanhola do País Basco, que é dividida Surdos, a CNSE, afirmou que em 2002 havia Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas em três províncias principais: Araba, Biscay 150 mil usuários surdos de línguas de sinais 342 e Gipuzkoa. (Doravante, quando nos refe- na Espanha (site de 2002 da CNSE, acessado O sinalizante nativo não-(existente) via The Internet Archive).2 Eles não deram níveis para a população abaixo dos 6 anos, uma fonte dessa estatística, nem esclareceram mas uma estimativa aproximada, feita por como chegaram a esse número. Se fizermos meio do levantamento regional em base si- um levantamento similar da população do milar ao nacional, sugere que existem menos País Basco, o número de usuários surdos de de 50 crianças portadoras de surdez profunda línguas de sinais deveria estar em volta de 7,2 no País Basco, o que teria pouca influência mil. no número total. O INE, Instituto Nacional de Estatística Os conselhos regionais das três provín- (Instituto Nacional Espanhol de Estatística), cias bascas (Araba, Biscay e Gipuzkoa) pu- conduziu uma pesquisa sobre deficiência em blicam dados referentes ao número de indi- 1999, mas não fez menção específica alguma víduos que são certificadamente deficientes. sobre o uso de línguas de sinais em seu ques- Em 2003, havia 2.950 indivíduos certificados tionário. As categorias utilizadas, como “Co- como portadores de “deficiência auditiva” municação por meio de línguas alternativas” (PISONERO RIESGO, 2004). Essa certifica- ou “Comunicação por meio de gestos não- ção de deficiência é uma medida administra- sinalizados”, são muito vagas para os nossos tiva para avaliar se um indivíduo se qualifica propósitos, já que elas podem incluir muitos ou não para certos tipos de programas sociais; sistemas de comunicação além de línguas de a classificação se dá numa escala linear e não sinais. Porém, os números referentes à perda dá muita indicação da situação do indivíduo, de audição podem dar uma idéia do número já que muitos fatores são combinados. Nes- de usuários de línguas de sinais. De acordo se caso, esse número pode incluir indivíduos com Johnston (2006), podemos supor que que têm algum tipo de deficiência auditiva o número de usuários de línguas de sinais combinada com outras deficiências ou indi- pode ser estimado como a soma de todos os víduos portadores de surdez profunda, mas indivíduos portadores de surdez profunda e que não usam línguas de sinais; podem existir a metade de indivíduos portadores de surdez usuários surdos de línguas de sinais que não severa.3 Isso nos dá um número de usuários foram certificados como deficientes e, assim, surdos de línguas de sinais no País Basco de, não foram incluídos nessa estatística. aproximadamente, 5,1 mil indivíduos. Essa Por fim, um indicador do número de usu- estimativa é baseada em porcentagens para a ários de línguas de sinais no País Basco pode população na faixa etária de 4 a 64 anos, o ser extraído dos dados referentes ao número de que ajuda a excluir o grande número de indi- membros das associações de surdos locais, os víduos acima de 65 anos que perdem a audi- centros sociais da comunidade sinalizante. Exis- ção por causa da idade avançada e que, muito tem seis associações diferentes (uma em Araba: provavelmente, não são usuários de línguas Vitoria-Gasteiz; três em Biscay; Bilbao, Basauri de sinais; não existem dados regionais dispo- e Durango; duas em Gipuzkoa: San Sebastian

2 Atualmente, o sítio do CNSE apenas fornece dados para o número de usuários de línguas de sinais, o que inclui tanto sinalizantes surdos, quanto sinalizantes ouvintes (membros de famílias ouvintes, interpretes, etc.). 3 Deveria ser observado que os dados de Johnston foram baseados em critérios audiológicos (limiar de audição em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas em decibéis), mas as estatísticas INE são baseadas em critérios funcionais (“Não ouve nada”, “Ouve apenas com extrema dificuldade”). 343 Brendan Costello, Javier Fernández e Alazne Landa

e Tolosa), em um total de 750 membros. Em- A segunda observação que gostaríamos bora seja possível que alguns indivíduos perten- de fazer, que é mais diretamente ligada ao çam a mais de uma associação, provavelmente objetivo deste trabalho, é relativa à discre- há muito mais sinalizantes surdos que não são pância existente entre a predição que esses membros de nenhuma delas e, assim, esse valor dados fazem com relação ao número de si- nos dá o número mais conservador de sinali- nalizantes de segunda geração no País Bas- zantes, oferecendo um limite mais baixo para co e a realidade da situação. A porcentagem as estimativas. Os diferentes dados revistos aqui de 5-10% para a proporção de indivíduos estão resumidos na Tabela 1. surdos nascidos de pais surdos é freqüente- mente citada na literatura (SCHEIN; DELK, Tabela 1. Resumo das informações estatísticas 1974; KYLE & WOLL 1985; NEIDLE et al. disponíveis para o número de sinalizantes surdos 2000). Se aplicássemos essa porcentagem às no País Basco (Números arredondados para os múltiplos de 50 mais próximos.) nossas estimativas do número de sinalizan- tes surdos no País Basco, mesmo em nossa Número Grupo Fonte (ano) suposição mais conservadora, esperaríamos 7,200 Sinalizantes surdos CNSE – Associação Nacional Espanhola dos Surdos ter entre 40 e 75 sinalizantes surdos (ou (2002) mais) de segunda geração. Em nosso traba- 5,100 Sinalizantes surdos INE – Instituto Nacional de lho na comunidade surda sinalizante, não portadores de surdez Estadística (1999) “profunda ou severa” conseguimos encontrar nem mesmo 7 sina- (na faixa etária entre 6-64 anos) lizantes de segunda geração. 2,950 Surdos “certificados” Conselhos Regionais (2003) Parece claro que, apesar das deficiências (abaixo dos 65 anos de de nossos dados estatísticos, o problema resi- idade) de na porcentagem entre 5-10% para surdos- 750 Membros de Associações de surdos associações de surdos regionais (2006) de-surdos. Chegou-se a esse número com base em dados estatísticos para a população A conclusão mais óbvia que se pode tirar dos EUA e considera-se que o mesmo valor se desses números é a necessidade urgente de aplica a outras populações. Porém, a valida- dados estatísticos claros relativos a usuários de dessa porcentagem mítica tem sido ques- de línguas de sinais (e à deficiência auditiva tionada e, provavelmente, ela superestima no geral); em nossa revisão das informações enormemente a proporção de crianças surdas disponibilizadas por órgãos oficiais de es- que nascem de pais surdos (cf. JOHNSTON, tatística, percebemos essa falha e também a 2006, p. 161). Essas afirmações referentes ao falta de uniformidade de categorias, quando percentual entre 5-10% é um número muito se comparam os diferentes questionários. Até alto para indivíduos surdos-de-surdos que certo ponto, é compreensível que cada esta- são apoiadas em nosso conhecimento sobre a tística tenha seus próprios critérios quando população sinalizante surda do País Basco. É se define que tipo de informação é relevante, possível que essa porcentagem não se aplique mas com freqüência, encontramos definições ao País Basco, porque existe um grau menor que carecem de rigor científico e inutilizam de endogamia dentro desse grupo populacio- nal. Infelizmente, embora não seja tão surpre- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas os dados (ou, até pior, nenhuma explicação é dada para um dado rótulo, como “perda se- endente, não existem estatísticas confiáveis 344 vera de audição”). para o nível de endogamia entre indivíduos O sinalizante nativo não-(existente) surdos no País Basco, mas nossa experiência cruzamento seletivo (ou seja, pessoas surdas dentro da comunidade surda sinalizante su- tendem a se casar com outras pessoas surdas) gere que existe, pelo menos, uma percepção e seleção relaxada (as circunstâncias sociais popular de endogamia relativa dentro da co- que impediram surdos de serem genetica- munidade, como tende a ocorrer em popula- mente aptos e também reprodutivos foram ções surdas do Ocidente. excluídas). Essa afirmação é sustentada pela Uma outra explicação para a porcenta- freqüência, inesperadamente alta, desse tipo gem entre 5-10% não se aplicar à população de surdez hereditária nos EUA, combinada surda sinalizante do País Basco reside na de- à endogamia contínua dentro da população mografia e na genética. O tamanho relativa- surda, durantes os últimos 200 anos. A au- mente reduzido da população do País Basco sência de altos níveis de surdez genética no pode significar que a surdez geneticamente País Basco pode se dar porque não ocorreu hereditária não chega a se tornar um traço muita endogamia ou porque a população não fenotípico comum dentro da população; os é grande o bastante para que os mecanismos genes responsáveis pela surdez não chegam do cruzamento seletivo e da seleção relaxada a se espalhar, já que a dimensão da popula- tenham efeito. ção está no nível limiar para que esses meca- Essa pesquisa sobre a surdez relacionada nismos entrem em ação. A idéia de que uma à conexina sugere que pode existir uma ter- população precisa adquirir uma massa crítica ceira explicação possível. Para que um tipo antes que maiores freqüências de surdez ge- específico de surdez genética se torne fre- nética ocorram é sustentada pelo fato de que qüente, ela tem que estar presente de início: comunidades surdas maiores, como as que podem ser encontradas em cidades como Para explicar por que a surdez relativa à co- Madri e Barcelona, realmente tendem a ter nexina tem aumentado em tantas comuni- famílias surdas multigeracionais. Porém, são dades populosas, precisamos supor que esse necessários dados estatísticos e pesquisas ge- tipo de surdez era a forma mais freqüente néticas para fornecer evidências empíricas nessas populações no momento em que a para suportar essas hipóteses. seleção relaxada e o cruzamento seletivo co- Pesquisas recentes em um tipo específi- meçaram, possivelmente por causa de uma co de surdez hereditária sugerem que a ex- taxa de mutação intrínseca um tanto maior. plicação possa ser uma combinação de en- (NANCE; KEARSY, 2004) dogamia e genética. Um tipo específico de surdez hereditária é causado por mutações Pode ser o caso de existir uma incidên- no locus gênico da conexina 26 e esse gene cia bastante baixa de surdez genética relativa pode ser responsável por até metade de todos à conexina (ou outro tipos de surdez genéti- os casos de surdez genética, em muitas popu- ca) no País Basco, de tal forma que as condi- lações (NANCE et al. 2000). Tem sido afir- ções necessárias nunca estiveram presentes mado que a surdez relacionada à conexina 26 para que houvesse uma alta freqüência de é “maior em populações de maior dimensão surdez genética na população. Quando ana- com uma longa tradição de endogamia entre lisamos populações surdas de países como a Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas pessoas surdas, do que nas populações sem Austrália, cuja comunidade surda é bastante esse costume”, devido a uma combinação de grande e que tem condições aparentemente 345 Brendan Costello, Javier Fernández e Alazne Landa

similares àquelas nos EUA (cruzamento se- to de uma comunidade onde existem apenas letivo e seleção relaxada) e descobrimos que alguns (possíveis) sinalizantes nativos? não alcançam a porcentagem mítica entre Para aumentar nossa base de informan- 5-10%, podemos inferir que elas têm uma tes entre os usuários de línguas de sinais no taxa bem menor de surdez hereditária. As- País Basco e para ter uma idéia melhor de o sim, o caso dos EUA pode ser excepcional, que um usuário nativo pode ou não ser, de- no sentido de que, inicialmente, havia uma cidimos usar um método de coleta de dados taxa anormalmente alta de um tipo de sur- que incluiu registro de dados sociolingüísti- dez genética que estabeleceu as bases para cos associados com cada informante e com um aumento notável dessa surdez genética cada seção de coleta de dados. Desse modo, específica na população. nossos dados não vêm, necessariamente, No momento, por falta de dados estatís- de informantes nativos, mas teríamos uma ticos claros referentes à incidência de surdez imagem tão clara quanto possível da ori- hereditária no País Basco, nenhuma respos- gem de nossos dados. Para registrar os fato- ta pode ser encontrada para essas questões e res sociolingüísticos, usamos a base de dados as hipóteses delineadas acima continuam a IMDI para metadados de línguas de sinais, ser mera especulação. O que sabemos é que a qual foi desenvolvida pelo projeto ECHO existe um número incrivelmente pequeno de (CRASBORN; HANKE 2003). O padrão IMDI sinalizantes surdos-de-surdos no País Basco. vem com um visualizador e um editor que fo- Como lingüistas procurando sinalizantes na- ram desenvolvidos no Instituto Max Planck tivos para nos alimentar com dados sobre a de Psicolingüística em Nijmegen, na Holanda, língua, sofremos as conseqüências desse pro- que permite que as informações sejam exami- blema na maneira como podemos estudar a nadas e manipuladas. O conjunto de metada- língua de sinais usada no País Basco. Na pró- dos para línguas de sinais foi construído para xima seção, descrevemos a metodologia que a seção de línguas de sinais do projeto ECHO, adotamos em nosso grupo de pesquisa para projetado para estabelecer um corpus de da- lidar com essa situação. dos para várias línguas de sinais européias. Gravamos em vídeo nossos informantes em várias situações e contextos, como con- 3. Metodologia versas espontâneas, entrevistas controladas e elicitação a partir de estímulos. Cada seção de Como vimos nas seções anteriores, dados gravação é registrada na base de dados IMDI de informantes nativos constituem um dos para assegurar que todos os metadados re- principais meios para examinar o funciona- lacionados sejam registrados. Os metadados mento de uma língua; porém, torna-se difícil são referentes ao informante, por exemplo: afirmar que a língua que é o objeto de estudo − idade, local de nascimento e sexo; de nosso grupo de pesquisa tenha algum in- − status da audição, status da audição formante nativo, no País Basco: no máximo, dos pais, tipo de recursos auditivos (hearing temos alguns sinalizantes de segunda geração aid) usados (se for o caso); que aprenderam a língua de sinais desde o − idade de exposição à língua de sinais; Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas nascimento, de seus pais não-nativos. Que − local e contexto de exposição à língua 346 pesquisa lingüística pode ser feita no contex- de sinais; O sinalizante nativo não-(existente)

− língua de comunicação principal den- modo independente de se julgar competên- tro da família; cia nativa é a velocidade com que um indi- − grau de escolaridade (idade, curso, víduo processa a linguagem. Grosso modo, tipo de escola) usuários nativos são rápidos, não-nativos e também o contexto específico do tipo são lentos. Pesquisa experimental sobre de seção de gravação, como: tempo de reação de julgamento de grama- − tipo de ato comunicativo (diálogo, ticalidade em línguas de sinais demonstrou relato de histórias, perguntas e respostas); que a idade de exposição do indivíduo a uma − grau de formalidade; língua de sinais é crucial para a velocidade − local e contexto social; na qual ele processa a língua. Se uma pessoa − tópico do ato comunicativo inicia a aquisição de uma língua de sinais Esses dados permitem que um perfil so- depois da idade de três anos, ela é significa- ciolingüístico, tanto dos informantes, quanto tivamente mais lenta (e menos precisa) em da seção de gravação seja estabelecido, de for- detectar frases agramaticais, quando compa- ma mais precisa possível. De certo modo, isso rada a sinalizantes que começaram a apren- nos permite colocar a carroça na frente dos der antes dos três anos (BOUDREAULT; bois. Normalmente no estudo de línguas, a MAYBERRY, 2006). Essa descoberta mostra competência lingüística é definida em termos que a idade de três anos é um limiar impor- de fatores internos à língua, por meio de tra- tante e que delimitará a proficiência final do ços específicos: “um falante nativo diria isso, indivíduo com relação à língua. Com base isso e isso”. Porém, no caso das línguas de si- nesse resultado, usamos o fator “idade de nais, e da LSE especificamente, não temos en- exposição à língua de sinais” como princi- tendimento suficiente de como a língua fun- pal característica para indicar se uma pessoa ciona para poder afirmar o que é e o que não é ou não um usuário nativo. (Também in- é competência nativa. Como vimos na seção cluímos os fatores relacionados de contato 2, no campo da pesquisa em línguas de sinais, contínuo com as línguas de sinais e o status definimos competência lingüística nativa em de audição dos pais.) termos de fatores externos à língua, ou seja, Tendo um perfil sociolingüístico de características sociolingüísticas do indivíduo: cada informante, somos capazes de identifi- “essa pessoa é um falante nativo porque ela é car aqueles que (provavelmente) são sinali- isso, isso e isso”. E, como vimos na seção 1, zantes nativos. Além disso, para aqueles que as características normalmente dadas são dos não são sinalizantes nativos, os metadados seguintes tipos: status de audição, status de nos dão uma visão de seu grau de desvio audição da família, idade e duração da expo- do perfil nativo prototípico. Se então ana- sição à língua de sinais, nível de uso da língua lisarmos seu uso da língua, podemos fazer de sinais. afirmações provisórias sobre o uso nativo da Felizmente, existe justificativa para esse língua e sobre como o uso não-nativo diver- modo inverso de definir competência nativa ge desse. Na seção seguinte, analisamos um e para as características sociolingüísticas que exemplo de uso divergente da língua para foram isoladas como relevantes para definir uma estrutura específica das línguas de si- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas essa noção. A evidência vem de descobertas nais, a partir dos dados que coletamos: troca de estudos em processos lingüísticos: um de papel. 347 Brendan Costello, Javier Fernández e Alazne Landa

4. Um estudo de caso: troca de papel um estudo piloto para analisar a correlação entre a expressão da troca de papel e o grau A troca de papel é um mecanismo utilizado de competência nativa. Nossos resultados são em línguas de sinais para transmitir os pen- baseados em poucos sinalizantes (5) e são samentos ou falas de outra pessoa e tem sido somente qualitativos, no momento. Mais da- largamente estudado em várias de línguas dos são necessários para chegar a resultados de sinais (vide QUER, 2005, para uma visão quantitativos. Antes de analisarmos os resul- geral). A troca de papel desempenha uma tados do estudo, descrevemos brevemente os função similar, tanto em discurso direto, marcadores usados para sinalizar troca de pa- quanto em indireto em línguas faladas e, de pel em LSE. um ponto de vista semântico-pragmático, a troca de papel envolve mudar o quadro de referência para o do personagem cujos 4.1 Marcadores de troca de papel pensamentos ou falas estão sendo transmi- tidos. Quando a troca de papel é utilizada, A troca de papel pode ser marcada de vários todos os elementos dêiticos que identificam modos (que foram identificados na maioria o contexto das falas devem ser entendidos das línguas de sinais estudadas, ZUCCHI, como referentes ao contexto recriado (ou 2004): “trocado”) e não ao contexto comunica- (i) uma mudança na orientação do corpo, tivo imediato. As âncoras referenciais que cabeça ou olhar durante (ou no início) dão significado para todas as referências da troca de papel; dêiticas (“eu-aqui-agora”) são substituídas (ii) um marcador nominal: uma frase nomi- por um quadro de referência construído ou nal que identifica o personagem da troca imaginário (o do personagem da troca de de papel, a qual é sinalizada para demar- papel). Essa estratégia é gramaticalmente car o seu início (por exemplo, amigo) codificada nas línguas de sinais e é comu- (iii) expressão facial associada com cada per- mente usada no discurso de sinalizantes. sonagem da troca de papel durante (ou Assim, a troca de papel representa uma es- no início) do processo. trutura cognitivamente complexa e é parte Nenhum desses três marcadores é obri- da gramática que pode ser afetada por um gatório durante todo o tempo. A expressão atraso no processo de aquisição da língua facial por si só nunca é usada para marcar a pelo indivíduo, ou seja, até que ponto o uso troca de papel, enquanto a orientação corpo- da língua por um indivíduo é considerado ral ou o marcador nominal podem ser usados nativo. sozinhos. Um exemplo de troca de papel em Com base na expressão da troca de pa- LSE, na qual o indivíduo usa vários marcado- pel nos dados que coletamos, conduzimos res, é dado em (1):4

4 Os sinais são glosados por meio da convenção padrão do uso de maiúsculas (por exemplo, SINAL). Os subscri-

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas tos marcam o locus do sinal ou o início/fim dos traços de localização: i é um ponto no espaço de sinalização, 1P e 2P são os loci de primeira e segunda pessoa gramatical, respectivamente. O INDICADOR é sinal de apontamento 348 (que pode ser pronominal); POSS = possessivo. O sinalizante nativo não-(existente)

troca de papel-i

(1) ONTEM POSS1P MÃE1P INDICADORi iSAY1P AMANHÃ INDICADORIP POSS2P CASA IR “Ontem minha mãe me disse: amanhã eu irei à sua casa.”

Retomamos, agora, os resultados de nos- nominais com pouca freqüência, e quando sa análise da expressão de troca de papel em o fez, na maioria das vezes, agiu de modo sinalizantes com diferentes graus de compe- inconsistente e incorreto. Klara também tência nativa. usou de expressão facial, mas deu prefe- rência a mudanças de orientação, usando também outros articuladores como os om- 4.2 Resultados bros e os olhos; ela ocasionalmente utilizou marcadores nominais e, quando combina- Nossos resultados podem ser exemplificados dos a outros marcadores, foram articulados por três sinalizantes diferentes que são repre- seqüencialmente, ao invés de simultanea- sentativos das correlações entre competência mente. O uso de expressão facial por Iratxe nativa e a expressão da troca de papel, que foi mais reduzido do que o das outras duas encontramos em toda a amostra. A primeira sinalizantes, o mesmo se dando para seu sinalizante, “Andrea”, cresceu numa família uso de orientação, que, às vezes, nem era ouvinte e não entrou em contato com uma usado; por sua vez, o marcador nominal foi língua de sinais até os 16 anos; a segunda si- consistentemente usado para marcar troca nalizante, “Klara”, também tem uma família de papel. Esses resultados estão resumidos ouvinte, mas iniciou o aprendizado da língua na Tabela 2. de sinais mais cedo, aos 11 anos e se tornou professora de línguas de sinais; a terceira si- Tabela 2. Resumo das três sinalizantes: fatores nalizante, “Iratxe”, é de uma família surda e indicando o grau de competência nativa e marcadores formais usadas na expressão de troca aprendeu a língua de sinais desde o nascimen- de papel. to. De acordo com nossa definição de nativo com base na idade de exposição à língua de “Andrea” “Klara” “Iratxe” sinais, o contato contínuo com ela e o status Idade de 16;0 11;0 0;0 exposição de audição da família, Iratxe é a sinalizante Família ouvinte ouvinte surda mais nativa, seguida por Klara e depois, por Contato casa-social casa-social- casa-social-escola Andrea. com trabalho línguas de Com relação à expressão da troca de sinais papel que encontramos nas gravações des- Expressão • expressão • expressão • menos da troca de facial facial expressão sas três sinalizantes, iremos nos concentrar papel • orientação • orientação facial no uso dos marcadores formais como des- da cabeça (olhos, cabeça, • troca de • uso não ombros, corpo) papel limitada critos acima. Observe-se que tínhamos a in- freqüente/ • uso ocasional na orientação inconsistente de marcador (possivelmente tenção de descobrir algum tipo de correla- de marcador nominal nenhuma) ção entre competência nativa e a expressão nominal • marcador nominal consistentemente da troca de papel. Andrea fez bastante uso em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas de expressão facial e mudanças na orien- usado tação da cabeça, mas usou os marcadores 349 Brendan Costello, Javier Fernández e Alazne Landa

4.3 Discussão gramaticamente controlado e uso que ela faz de expressão facial e de orientação estivessem Como previamente mencionado, nossos resul- mais próximas da mímica do que de marca- tados não nos permitem traçar uma correlação dores formais de troca de papel. Essa sinali- direta entre um dado fator social e uma forma zante demonstra um alto grau de co-articu- gramatical específica usada para marcar troca lação para os marcadores de troca de papel, de papel, já que muito mais dados seriam ne- mas não está usando esses marcadores para cessários para alcançar esse tipo de resultado sinalizar troca de papel como um construto quantitativo. Apesar disso, conseguimos identi- gramatical, mas sim como uma estratégia co- ficar duas escalas progressivas que estabelecem municativa. Essa escala, então, pode ser mais duas relações diferentes entre competência na- bem descrita como uma curva em forma de tiva e marcadores de troca de papel: U, um padrão que freqüentemente emerge (i) O grau de co-articulação dos marca- em processos de aquisição de língua. No es- dores aumenta com o grau de competência tado inicial (não-nativo), os marcadores são nativa. Um sinalizante nativo pode usar vá- usados simultaneamente, mas agramatical- rios marcadores para sinalizar troca de papel mente; quando a gramaticalização ocorre e e, invariavelmente, articulará esses marca- os marcadores assumem funções gramatical- dores todos ao mesmo tempo. Por exemplo, mente controladas, o sinalizante quase nativo um marcador nominal pode ser sinalizado irá separar a expressão em segmentos que são nas mãos enquanto a cabeça se volta para um articulados seqüencialmente (talvez devido lado e a expressão facial muda um pouco. Um a limitações do processo cognitivo); o sina- sinalizante menos nativo, por sua vez, tende lizante nativo será capaz de ativar o processo a produzir cada marcador seqüencialmen- de marcação da troca de papel em um grau te, sendo que uma mudança de orientação muito mais elevado, permitindo articulação corporal é seguida de uma expressão facial de vários marcadores, se for necessário. marcada e depois de um marcador nominal. (ii) Quanto mais nativo o sinalizante for, Obviamente, essa diferença resulta em uma mais abstrato será seu uso do espaço. Como fluidez e densidade de informações maiores línguas visuais que são articuladas no espaço nas produções dos sinalizantes nativos. físico, as línguas de sinais utilizam o espaço Curiosamente, no caso menos semelhan- para marcar distinções gramaticais. No caso te ao nativo, existe também um grau relati- da troca de papel, uma mudança da orien- vamente alto de co-articulação. Isso pode tação (do corpo, da cabeça ou do olhar) no parecer ir contra a escala co-articulação- espaço real é um dos marcadores que po- competência nativa que alegamos ter encon- dem ser usados para indicar uma mudança trado, mas uma análise mais minuciosa dos no quadro de referência. Descobrimos que o marcadores que a sinalizante não-nativa está uso do espaço para marcar a troca de papel usando e o modo como ela os usa oferece se torna mais abstrato para sinalizantes mais uma explicação. A sinalizante menos nativa nativos, até que, ao longo da escala, o espa- usa expressão facial e orientação simultane- ço não é mais usado pelo sinalizantes que se amente, para marcar a troca de papel, mas aproximam da competência nativa. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas o faz de maneira às vezes ambígua. É como Como mencionado acima, é mais pro- 350 se o mecanismo de troca de papel não fosse vável que o sinalizante menos nativo não es- O sinalizante nativo não-(existente) teja usando troca de papel gramaticalizada, de orientação marca a troca de papel, mas mas, ao invés disso, uma série de estratégias não identifica necessariamente o quadro de comunicativas; a mudança de orientação referência que está sendo adotado; isso é con- para marcar troca de papel é muito próxi- seguido por meio de outros marcadores de ma da mímica e o uso do espaço é limitado troca de papel, como o marcador nominal e a refletir as relações espaciais do espaço real. por considerações discursivas. A mudança de Por exemplo, se a sinalizante está narrando orientação não significa mais “Agora eu sou uma conversa entre um leão, situado à sua o rato”, mas só diz “Agora sou outra pessoa”. esquerda e um rato, que está à sua direita, O último passo no processo de abstração do uma troca de papel para o personagem do uso do espaço, que ocorre em sinalizantes na- leão deve sempre ser marcada por uma mu- tivos, envolve não utilizar a orientação como dança de orientação para a esquerda, e para uma marca de troca de papel. Existe uma ten- a direita, no caso do rato. As limitações da dência em sinalizantes nativos para diminuir mímica fazem com que, sem essa coerência a articulação da orientação, não só fazendo espacial, haja uma perda de transparência e movimentos reduzidos, mas também utili- possivelmente uma quebra na comunicação. zando articuladores menores, como os olhos O sinalizante quase nativo também tende a e a cabeça, ao invés dos ombros e do corpo. respeitar a coerência dessas representações Porém, existem casos de troca de papel onde espaciais, com cada personagem sendo atri- absolutamente nenhuma orientação é usada, buído a um dado ponto no espaço, mas não sendo a marcação determinada apenas por de modo tão estrito. Encontramos muitas in- meio dos marcadores nominais (e, possivel- cidências de troca de papel em que a direção mente, expressão facial). Os diferentes usos da mudança de orientação não seguia o mapa do espaço por parte dos sinalizantes com di- espacial estabelecido no discurso (por exem- ferentes graus de competência nativa refletem plo, leão à esquerda e rato à direita); o que até onde a troca de papel é parte da gramática: importa aqui não é a direção da mudança de o uso do espaço varia de uma representação orientação, mas o fato de que acontece, sim, mímica para um marcador arbitrário e pode uma mudança de orientação. Essa mudança desaparecer completamente.

Tabela 3. Duas correlações entre o grau de competência nativa do sinalizante e os diferentes aspectos da expressão da troca de papel: (i) co-articulação; (ii) uso abstrato do espaço. menos nativo mais nativo

CO-ARTICULAÇÃO:

Co-ocorrência de vários me- Articulação consecutiva de Co-articulação de vários canismos de expressão marcadores marcadores

USO ABSTRATO DO ESPAÇO:

Próximo à mímica Uso arbitrário do espaço Uso mínimo ou inexistente do espaço Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

351 Brendan Costello, Javier Fernández e Alazne Landa

Em nossa discussão dessas duas escalas, de co-articualação, de um lado, e o grau de representadas na Tabela 3, aludimos ao pro- abstração do uso de espaço, do outro. cesso de gramaticalização e a como a expres- Com base no que descrevemos em nosso são da troca de papel pode variar de acordo trabalho sobre a língua de sinais do País Bas- com o grau no qual ela faz parte da gramática co, gostaríamos de chamar atenção para dois do sinalizante. Pode essa observação oferecer pontos: uma nova visão sobre como a língua se de- Primeiramente, a importância do regis- senvolve no indivíduo, ou até mesmo como a tro de metadados, o que permite que se crie língua em si evolui? Deixamos essa pergunta um perfil sociolingüístico dos informantes. para a conclusão. No contexto das línguas de sinais em peque- nas populações, a ausência de sinalizantes in- questionavelmente nativos torna imperativo 5. Conclusão saber, exatamente, de onde os dados estão vindo e o que eles representam. Em nosso Neste trabalho, examinamos a noção do fa- grupo de pesquisa, as principais linhas de es- lante/sinalizante nativo; a motivação para a tudo não são sociolingüísticas por natureza, pesquisa surgiu da falta de sinalizantes na- mas sentimos a necessidade de adotar uma tivos na população surda do País Basco que metodologia sociolingüisticamente sustentada pudessem participar como informantes, para substanciar nossos dados. Como efeito em pesquisas sobre línguas de sinais. Um secundário, a compilação de dados sociolin- levantamento um tanto descuidado das in- güísticos ajudará a dar uma idéia melhor das formações estatísticas referentes a essa po- populações surdas para a comunidade cientí- pulação revelou que a suposição mais co- fica e fornece um ponto de partida para traba- mum de que de 5 a 10% das pessoas surdas lhos sociais, demográficos e antropológicos. nascem em famílias surdas não se aplica ao Nossa segunda observação é referente ao País Basco. Examinamos várias definições estudo piloto dos efeitos da aquisição tardia de sinalizante nativo que têm sido usadas na expressão de troca de papel. Levando em em pesquisas em línguas de sinais e descre- consideração as condições sociais nas quais vemos a metodologia que desenvolvemos elas existem, as línguas de sinais apresen- para driblar a falta de informantes nativos, tam a chance de estudar a faculdade lingüís- que envolve adotar uma noção de “nativo” tica em estágios outros, que não a condição baseado num número de fatores extralin­ de nativo, de acordo com a idade de exposi- güísticos (idade de aquisição, status de au- ção à primeira língua. O trabalho clássico de dição da família e contato com uma língua Jakobson (1941) chama a atenção para os pa- de sinais). Finalmente, analisando o uso de ralelos entre os estágios de desenvolvimento marcadores de troca de papel de nossos in- durante a construção do sistema fonológico e formantes, isolamos um aspecto da varieda- os estágios de declínio devido a condições afá- de da LSE usada no País Basco que apresenta sicas. De acordo com esse estudo, o fato de os variação de acordo com o grau de compe- estágios de desenvolvimento e declínio do sis- tência nativa do sinalizante. Essa variação tema fonológico coincidirem em sua nature- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas pode ser categorizada nos termos de duas za e sua ordem seqüencial constitui evidência 352 escalas progressivas que lidam com o grau da organização interna do sistema lingüístico. O sinalizante nativo não-(existente)

Nas palavras do próprio Jakobson, essa orga- Como mencionado anteriormente, a tro- nização está sujeita ao seguinte princípio: ca de papel nas línguas de sinais é um meca- nismo gramatical que é análogo ao discurso Assim como uma estrutura superior não pode direto/indireto das línguas faladas. Ambas as ser construída a não ser que as fundações te- estruturas envolvem uma mudança no qua- nham sido previamente estabelecidas, as fun- dro de referência para expressões dêiticas e dações não podem ser desmanchadas sem ambas envolvem construções gramaticais que que, primeiro as estruturas superiores serem agregam certa complexidade morfológica. As removidas (JAKOBSON, 1941, p. 396). escalas progressivas para a gramaticalização da troca de papel que identificamos refletem O caso da aquisição tardia nas línguas de essa complexidade. Uma comparação desse sinais representa um híbrido entre a aquisição processo com os estágios de aquisição da tro- de língua normal e a deterioração lingüística ca de papel ou do discurso direto/indireto por em afásicos. Se aceitarmos o princípio geral falantes/sinalizantes nativos e a manifestação de Jakobson de que os processos de aquisição dessas estruturas em afásicos podem produ- e perda de língua refletem a natureza funda- zir uma valiosa fonte de evidência para: (i) a mental da organização hierárquica da lingua- organização interna da gramática das línguas gem, pode ser previsto que os vários níveis de de sinais, (ii) as diferenças fundamentais e competência gramatical resultantes da aqui- similaridades entre línguas faladas e línguas sição tardia também são um reflexo dessa de sinais e (iii) a configuração estrutural da organização hierárquica. Assim, estudos gra- Gramática Universal. maticais envolvendo sinalizantes não-nati- vos podem revelar informações importantes sobre a faculdade lingüística humana. Nosso Agradecimentos: estudo piloto sobre troca de papel não é ab- solutamente o primeiro passo nessa direção: Agradecemos a nossos informantes e a Lillo-Martin e Berk (2003) estudam os efei- nossos colegas no KHIT. Agradecemos tos da aquisição tardia na ordem dos sinais muito a Onno Crasbron pelo apoio e aju- na ASL; Coppieters (1987) analisa a relação da em nossas questões técnicas. O progra- entre idade de aquisição e conhecimento le- ma de edição IMDI é desenvolvido no Max xical para a ASL; e, como vimos na seção 3, Planck Institute for Psycholinguistics (Ins- Boudreault e Mayberry (2006) analisaram as tituto Max Planck de Psicolingüística, www. diferenças no tempo de processamento de mpi.nl/IMDI/). sentenças, com relação à idade de aquisição. Essa pesquisa foi possibilitada pelos re- Além disso, trabalho de ponta sobre sinali- cursos para o estágio de pré-doutorado de zação caseira (GOLDIN-MEADOW, 2003) e Brendan Costello e Javier Fernández, conce- línguas de sinais emergentes, como a Língua didos pelo Governo Basco (ref. BFI05.149, de Sinais Nicaragüense (KEGL; SENGHAS; BFI04.465) e por um projeto financiado COPPOLA, 1999), tem utilizado sinalizan- pelo Spanish Ministry of Science and Tech- tes não-nativos para fornecer insights rele- nology (Ministério Espanhol de Ciência e Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas vantes sobre a natureza e o desenvolvimento Tecnologia) e FEDER (ref. BFF2002-04238- da linguagem. C02-01). 353 Brendan Costello, Javier Fernández e Alazne Landa

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355 Reflexões sobre a língua de sinais e a cultura surda em ambientes de comunicação mediada por computador (CMC): explorações e considerações iniciais1

Maria Mertzani

1. Introdução ca e principal razão: a língua de sinais é uma língua visual e os alunos, a fim de aprendê-la, A comunicação mediada por computador precisam visualizar seu movimento e suas ca- (CMC) tem exercido considerável influência racterísticas não manuais inibidoras. Em ge- sobre a prática de ensino e a aprendizagem ral, alunos ouvintes de uma língua falada ou- no âmbito da Aquisição de Segunda Língua vem a si mesmos falando e, desse modo, são (ASL). O acesso à Internet e a disponibilida- capazes de monitorar sua produção e com- de de ferramentas de CMC síncronas e assín- pará-la com a de falantes nativos e/ou prati- cronas (por exemplo, e-mails, chats, MOOs, car a língua em um laboratório por meio de I-phone, NetMeeting) têm afetado as pedago- exercícios de compreensão e produção oral. gias tradicionais e introduzido novos paradig- Em contrapartida, existe “uma assimetria no mas que enfatizam metodologias de ensino mecanismo de feedback para o controle da centradas no aluno e baseadas em princípios produção da língua de sinais” 2 (Woll & Smi- construtivistas (Mertzani, 2006). Entretanto, th 1991: 240). Os alunos vêem apenas as suas a CMC ainda não foi incorporada ao ensino mãos enquanto sinalizam ou atuam como da língua de sinais e este artigo visa a iniciar observadores de outros sinalizando, portan- a discussão sobre o efeito de tal aplicação em to, não dispõem da visão completa de si mes- aulas de Língua de Sinais Britânica para alu- mos ao sinalizarem, o que é uma habilidade nos ouvintes. essencial na aquisição da língua de sinais. Tradicionalmente, o ensino e a aprendi- Os alunos precisam receber instruções zagem da língua de sinais depende considera- sobre como executar um sinal, sobre como velmente de simulações visuais (por exemplo, certas modulações afetam o significado dos animação, livros-texto e vídeo) por uma úni- sinais, e sobre como se observarem a si mes-

1 Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Ladjane Maria Farias de Souza, Lucas Hack de Mendonça. 2 N. do T.: no original em inglês: “an asymmetry in the feedback mechanism for regulating sign language production”. Reflexões sobre a língua de sinais e a cultura surda em ambientes de comunicação mediada por computador (CMC) mos. Diversos programas têm incorporado páginas da web por meio do meio textual e texto, material multimídia em CD/DVD e não por meio do meio da sinalização digital material analógico e/ou em vídeo digital para (sinalização por meio de vídeo ou animada). a instrução da língua de sinais. Entretanto, Desse modo, quando se considera o meio o material baseado em texto (por exemplo, textual e a interatividade da Internet, o que se livros-texto e dicionários) não é suficiente tem é um modo passivo de ensino e aprendi- para o estudo da língua de sinais, uma vez zagem da língua de sinais. Existe uma repre- que tais materiais consistem em figuras e de- sentação fixa, controlada e limitada da infor- senhos, os quais não conseguem expressar a mação em língua de sinais que se assemelha a forma tetradimensional da língua (Fourie aplicativos computacionais do passado: am- 2000). Videotapes, CD/DVD-ROMs e ma- bientes multimídia de língua de sinais arma- terial animado resolvem esse problema por zenados em um CD e que constituem meros meio da incorporação de vídeo e/ou de ima- exercícios de repetição de palavra/oração de gens animadas da língua de sinais. sinais a serem realizados pelo aluno de uma Sinalizantes animados (por exemplo, ava- maneira mecânica e linear. tares) em formato 2D e/ou 3D podem repre- Conseqüentemente, a transmissão da lín- sentar a língua de sinais, mas exigem habili- gua de sinais é unidirecional e o modo de in- dades avançadas em desenho gráfico e tempo teração é único: entre o usuário e o programa para sua criação. A utilização da tecnologia de de computador. No entanto, a tecnologia de vídeo, especialmente o vídeo digital, parece ser rede permite que haja interação entre sinali- a solução mais fácil para tais problemas. O ví- zantes a qualquer distância, visto que são os deo digitalizado, particularmente o streaming computadores que medeiam a interação hu- de vídeo, é atualmente usado na Internet para a mana. A comunicação on-line em língua de representação de informações para os Surdos, sinais é viável por meio da CMC baseada em constituindo assim, um material autêntico da vídeo e sua utilização é por nós recomendada língua de sinais. Com relação à aprendizagem para fins de ensino e aprendizagem da língua da língua de sinais, existem websites que ofere- de sinais a distância. Este artigo apresenta os cem cursos completos, contendo dicionários procedimentos seguidos e os resultados ob- de língua de sinais on-line com dispositivos tidos em um estudo piloto que investigou a de busca de sinais, diálogos sinalizados, voca- viabilidade de uma interação por vídeo em bulário, explicações de gramática e exercícios rede entre um instrutor surdo e três alunas interativos, além de testes de múltipla escolha ouvintes da Língua de Sinais Britânica (BSL), para auto-avaliação. em um laboratório digital de língua de sinais, Devido ao fato de que a Internet é basica- o SignLab, pertencente ao Centre for Deaf mente um ambiente hipertextual não-linear Studies3, da Universidade de Bristol, no Rei- (Ryan, Scott, Freeman & Patel 2000), no sen- no Unido. Antes de procedermos à ilustra- tido de que ela não é um ambiente de hipersi- ção dos dados, apresentaremos a base teórica nalização, ela permite a inserção de links para deste estudo na seção a seguir. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

3 N. do T.: “Centro para Estudos Surdos”. 357 Maria Mertzani

2. Produção visual in situ para a que ele se torna auto-regulado com relação à aprendizagem de língua de sinais realização de uma tarefa (DiCamila & Anton, 2004:38). Este estudo fundamenta-se em duas teo- Segundo a teoria social da visualidade rias: a teoria da aprendizagem situada e a (Mirzoeff, 1999), o visual – no presente es- teoria social da visualidade. A base comum tudo, a CMC baseada em vídeo – é o local entre tais teorias é a perspectiva sócio-cul- da interação, o local onde “os significados são tural da aprendizagem. Segundo a primeira, criados e contestados” 4 (Mirzoeff, 1999: 6). a aprendizagem está associada a atividades A CMC estrutura as relações sociais e é o es- direcionadas a um objetivo, em circunstân- paço dentro do qual essas relações ocorrem. cias autênticas, dentro de, e relacionadas Ela é um espaço culturalmente construído a, comunidades de prática (Youn, 2005). que reúne indivíduos fisicamente distantes Conseqüentemente, as interações entre in- para interações interculturais on-line (Lawley, divíduos, suas atividades e suas comunida- 1994). A aprendizagem dentro de ambientes des fazem parte de um processo contínuo. de CMC compreende dois tipos de interação: A teoria da aprendizagem situada tem como individual e social. O primeiro tipo é uma ati- base a teoria sócio-cultural de Vygotsky, se- vidade individual entre o usuário (por exem- gundo a qual a aprendizagem tem início e plo, aluno, professora) e o material visual; o se desenvolve dentro de um contexto social segundo é uma atividade social que envolve e cultural mas termina no nível individual a interação humana mediada por computa- (DiCamila & Anton, 2004). dores e que faz referência a materiais visuais No estágio inicial da aprendizagem, os (Ryan et al. 2000:100). alunss dependem de interações com seus/ Pesquisas indicam que a CMC constitui suas professoras e/ou colegas, mas, em um um excelente veículo para a aprendizagem de estágio de desenvolvimento posterior, essa segunda língua, uma vez que permite a alunos dependência é internalizada e dá origem a e professores a possibilidade de negociarem uma função mental auto-reguladora que significados enquanto se concentram na di- constitui um nível profundo do seu proces- mensão verbal da língua (Meskill & Antony, so cognitivo individual durante toda a sua 2005). A principal justificativa dada para essa vida. Essa transferência do domínio social afirmação é a de que a CMC proporciona a para o domínio cognitivo acontece dentro da professores/as e alunos um acréscimo no zona de desenvolvimento proximal (ZDP), tempo para reflexão. Ambos ganham o tem- ou seja, o fenômeno de aprendizagem que po necessário para se concentrar e processar ocorre quando iniciantes interagem e cola- a língua alvo, visto que a CMC faz uso de um boram com pessoas de maior conhecimento material visual no qual as formas da língua para concluir uma tarefa que estaria além de são “visualmente imediatas”. Os alunos po- suas capacidades individuais. Desse modo, dem observar e refletir sobre a forma e o con- o desenvolvimento cognitivo se dá quando teúdo do material visual tantas vezes quantas o aluno avança em sua ZDP até o ponto em forem necessárias e pelo tempo que quiserem Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

358 4 N. do T.: no original em inglês: “meanings are created and contested”. Reflexões sobre a língua de sinais e a cultura surda em ambientes de comunicação mediada por computador (CMC)

(Meskill & Antony, 2005; Smith, 2003). Tam- vação de vídeo (e áudio), visto que automa- bém os professores podem observar a língua ticamente compacta o arquivo em MPEG-4 dos alunos, editar suas respostas e dar feedback (arquivo para QuickTime Play), um formato nos momentos de “aprendizagem” propicia- altamente compactado com requisitos de ar- dos pelo intercâmbio via rede (Meskill & An- mazenamento mínimos e um tempo mínimo tony, 2005:92). de espera para a compactação e a movimen- Nesse contexto, o presente estudo procu- tação de arquivos entre as pastas. rou mostrar que a aprendizagem da língua de O SignLab é, essencialmente, um am- sinais pode ocorrer em um ambiente de CMC biente de CMC assíncrona baseada em ví- baseado em vídeo, por meio do qual alunos deo, visto que permite o compartilhamento ouvintes e instrutores Surdos são imersos em de arquivos para a troca de informações por uma ambiente de língua de sinais autêntico, meio do Panda, software responsável pela no qual eles negociam a fim de adquirir e captura, recuperação e representação da inte- transferir conhecimentos a respeito de itens ração entre os usuários via vídeo. Mais espe- lingüísticos específicos. Este estudo foi rea- cificamente, os alunos e professores filmam a lizado com o objetivo particular de investi- si mesmos enquanto sinalizam, salvam seus gar a natureza do ensino e da aprendizagem arquivos de vídeo no servidor e então com- da língua de sinais durante uma comunica- partilham seu trabalho com seus/suas co- ção assíncrona via vídeo em rede. A seguin- legas ou com outros usuários temporários te questão foi proposta: Como os alunos e a (Cormier & Carss, 2004). O compartilha- instrutora negociam significados e se concen- mento de arquivos é feito movendo-se um tram nas formas da BSL durante três tarefas vídeo-clipe de uma pasta para outra enquan- realizadas numa CMC baseada em vídeo? to conectado ao servidor do SignLab. Assim, professores e alunos não ficam on-line simul- 3. Método taneamente, em tempo real. Ocorre um inter- valo de horas ou dias entre o envio das mensa- 3.1 SignLab: o contexto de ensino e gens de vídeo e o recebimento das respostas. aprendizagem Ao se conectarem ao SignLab, professo- res e alunos trabalham em pastas separadas O SignLab é uma sala de aula digital composta intituladas ‘home directories’ (‘diretórios lo- de sete computadores Apple Mac interligados cais’). As pastas ‘home directory’ constituem via rede e conectados a um servidor central de o local de trabalho de quem quer que entre 360GB, localizado no Centre for Deaf Studies5 no SignLab. Desse modo, os diretórios locais da Universidade de Bristol no Reino Unido. de todos os usuários estão no servidor e o que Panda é o nome do software instalado em to- quer que esteja em seus desktops também vai das as máquinas e é com ele que professores estar no servidor. Especificamente, existem e alunos trabalham enquanto estão on-line e três pastas no servidor: ‘Staff Homes’ (‘Di- offline. Esse software facilita em muito a gra- retórios Locais do Corpo Docente’), ‘Staff Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

5 N. do T.: v. nota 2 acima. 359 Maria Mertzani

Private’ (‘Diretório Particular do Corpo Do- três alunas faziam curso de pós-graduação e cente’), e ‘Teaching Resources’ (‘Recursos haviam freqüentado aulas de BSL oferecidas Didático-pedagógicos’) A pasta ‘Staff Homes’ pelo CDS (Centre for Deaf Studies). Seus contém os diretórios locais de todo o corpo países de origem eram Alemanha, Chipre e docente, e pode ser usada por membros do Japão. Apenas a aluna um relatou possuir ex- corpo docente e por alunos para o compar- periência prévia com outra língua de sinais, a tilhamento de arquivos. Dentro do diretório Língua de Sinais Alemã. Acreditamos, a partir de cada pessoa existe uma pasta chamada de conversas com o instrutor, que as partici- ‘Public’ (‘Público’), dentro da qual há uma pantes foram classificadas como pertencendo outra pasta chamada ‘Drop Box’ (‘Caixa a um nível iniciante de proficiência em BSL Coletora’). Qualquer um pode colocar um (ou seja, como possuindo um amplo vocabu- arquivo dentro de uma pasta ‘Drop Box’, po- lário que lhes permite a produção de discurso rém, apenas o dono de cada pasta tem acesso relacionado a atividades e comunicação coti- ao conteúdo de sua pasta. dianas, além da formação de orações sintati- ‘Staff Private’ é uma pasta compartilha- camente simples na BSL). As idades das par- da por todos os membros do corpo docen- ticipantes eram 24, 29 e 32 anos. te, que contém o material de ensino criado O instrutor era qualificado e experiente pelos instrutores. O corpo docente pode ‘ler no ensino de BSL (em todos os níveis da lín- e modificar’ o conteúdo desta pasta, mas os gua), tinha acima de 50 anos de idade e era alunos não podem acessá-la de modo algum. membro da equipe do CDS há 15 anos. Ele ‘Teaching Resources’ é também uma pas- tinha experiência no uso do SignLab. Apenas ta compartilhada aberta a todos os alunos uma das alunas sabia como usar o SignLab, e membros do corpo docente. Contudo, porque, na época em que o estudo foi reali- enquanto o corpo docente pode tanto ‘ler’ zado, ela fornecia suporte técnico ao corpo (abrir e visualizar) quanto ‘modificar’ (gra- docente e aos estudantes que freqüentavam var e editar) os arquivos de vídeo desta pasta, o laboratório. As outras duas alunas parti- os alunos podem apenar ler tais arquivos. Os ciparam de um treinamento sobre o uso do professores transferem o material da pasta SignLab e do software Panda para poder ‘Staff Private’ para a pasta ‘Teaching Resour- acompanhar todas as sessões. O instrutor ces’ para que os alunos o acessem e nele tra- também serviu de modelo e gravou os vídeos balhem enquanto conectados ao servidor. educativos usados nas três sessões. Para os propósitos deste estudo, o software Panda foi utilizado para gravar, sal- var e compartilhar os arquivos de vídeo pro- 3.3 Os Procedimentos duzidos pelos alunos e pelo instrutor durante a realização das três tarefas. As alunas completaram as três sessões. Cada sessão era composta de vídeo-clipes de ins- trução que as alunas deveriam assistir, além 3.2 Os Participantes de uma tarefa a ser realizada. Foram utiliza- das três tarefas baseadas na tipologia propos- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Três alunas ouvintes e um instrutor surdo ta por Pica, Kanagy & Falodun (1993): uma 360 participaram desta etapa do estudo. Todas as tarefa de troca de opiniões (sessão um), uma Reflexões sobre a língua de sinais e a cultura surda em ambientes de comunicação mediada por computador (CMC) tarefa de preenchimento de lacunas (sessão ca inferencial. Em contrapartida, a análise foi dois), e uma tarefa de quebra-cabeças (sessão qualitativa em sua maior parte, visto que este três). As sessões foram organizadas de modo estudo, de natureza expositiva, teve por obje- que o instrutor estivesse on-line no momento tivo analisar os fatores que deveriam ser leva- da execução das tarefas, a fim de dar feedback dos em consideração no desenho da pesquisa tão logo os clipes postados pelas alunas fos- de meu estudo controlado principal. Apesar sem recebidos. Durante cada sessão, as alunas disso, os dados foram quantificados, quando deveriam se conectar ao servidor do SignLab necessário, para indicar tendências gerais du- e buscar na pasta ‘Teaching Resources’ os víde- rante as sessões. os de instrução referentes a cada sessão. Elas tinham 30 minutos para assistir atentamente ao material e mais 30 minutos para interagir 4. Resultados com seu instrutor a respeito da tarefa. Todo o discurso produzido pelas as alunas e pelo 4.1 A Negociação de turnos via Vídeo e a instrutor foi coletado após o término de cada aprendizagem da língua de sinais6 sessão. Todo o discurso produzido on-line foi salvo e arquivado e foram analisadas as De modo geral, 107 NTs foram realizadas du- partes que continham os movimentos de ins- rante três sessões, a maioria das quais ocor- trução do instrutor e as respostas das alunas. rendo na primeira sessão. As NTs-Iniciadas- No final de cada sessão, as alunas tiveram a pelo-Instrutor dominaram o intercâmbio via oportunidade de comentar sobre sua expe- rede, o que mostra que foi o instrutor quem riência em entrevistas semi-estruturadas. As “falou” mais durante a comunicação en- transcrições de tais entrevistas também fo- quanto as alunas desempenharam um papel ram analisadas. responsivo e passivo (Figura 1). Independen- temente do tipo de tarefa, as NTs foram inicia- das principalmente a partir da necessidade das 3.4 A Análise dos dados alunas de aprender certos itens lingüísticos. As NTs também se mostraram sensíveis ao tipo de Todo o discurso produzido na CMC baseado tarefa. A sessão um provocou a maior quanti- em vídeo foi analisado quantitativa e qualita- dade de NTs enquanto a sessão três provocou tivamente com relação às seguintes caracterís- a menor quantidade (Figura 1). ticas: a quantidade de Negociações de Turnos Os arquivos de vídeo produzidos du- (NTs) iniciados pelas alunas e pelo instrutor; rante a comunicação parecem constituir um a quantidade de reações (uptakes) das alunas; exemplo da produção forçada das alunas, as reações nos tipos de NTs; e os efeitos de um fator crucial para a aprendizagem da lín- diversas características gerais das NTs sobre gua de sinais. No total, foram identificados as reações. Os tipos de dados coletados para 60 movimentos de reação (uptakes) das alu- esse estudo não permitiram o uso de estatísti- nas nas NTs. A sessão um originou o maior Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

6 361 Data is presented in Appendix A. Os dados são apresentados no Apêndice A. Maria Mertzani

número de reações (n = 42, 70%) enquan- “inválidos”, o que indica que a tarefa de que- to a sessão três originou o menor número bra-cabeça não forçou as alunas a usarem os de reações (n = 6, 10%). Em 67% das NTs itens alvo nem mesmo de forma equivocada contendo reações, as reações foram bem su- (Figura 4). cedidas e nas 33% restantes, as reações não As reações ocorreram em 40 NTs, isto foram bem sucedidas. O índice de reações é, em NTs-Iniciadas e em NTs-Respondidas da sessão um foi substancialmente maior do pelas alunas. As reações das alunas foram que o das sessões dois e três. Desse modo, a mais freqüentes nas NTs-Respondidas e me- reação das alunas provou também ser sensí- nos freqüentes nas NTs-Iniciadas por elas. vel ao tipo de tarefa. Conseqüentemente, o índice de NTs-Res- Os movimentos de reação bem sucedi- pondidas foi maior na sessão um do que nas dos das alunas foram motivados por corre- sessões dois e três (Figura 5). Parece provável ção (n = 15), seguidos de incorporação (n = que as alunas tenham utilizado grande parte 5), autocorreção e repetição, estes apresen- da informação derivada das NTs-Respondi- tando o mesmo total (n = 4) cada. Nas ses- das. Assim, elas puderam trabalhar a partir sões dois e três, as reações das alunas carac- do feedback e produzir movimentos de rea- terizaram-se como movimentos de incorpo- ção bem sucedidos baseados na informação ração. Houve também poucas ocorrências recebida do instrutor. de movimentos de correção e repetição na A reação das alunas foi influenciada pelo sessão dois. Quanto ao índice de reações tipo de feedback dado pelo instrutor. Por bem sucedidas, as sessões diferem entre si. exemplo, na sessão um, ocorreram reações A sessão um gerou todos os tipos de movi- bem sucedidas quando o instrutor enviou mento de correção, enquanto as sessões dois um feedback explícito para as alunas, como e três promoveram principalmente movi- a solicitação de esclarecimento e a explica- mentos de incorporação, que ocorreram ção de itens alvo. Nas sessões dois e três, as de forma semelhante durante as sessões. Os reações bem sucedidas ocorreram quando movimentos de ‘Correção’ e de ‘Repetição’ o instrutor enviou feedback implícito. Além foram muito poucos na sessão dois e não disso, comparando-se as três sessões, pode-se ocorreram na sessão três (Figura 3). Todos observar que as alunas produziram um maior os tipos de movimentos de reação bem su- número de movimentos de reação durante a cedidos indicam que as alunas perceberam sessão um do que durante as outras sessões seus erros e os corrigiram ou ao menos ten- (Figura 6). taram corrigir sua produção. O tipo de feedback mais freqüente foi a Quanto às reações fracassadas, os movi- correção explícita usada na sessão um. Os mentos mais freqüentes na sessão um foram outros tipos de feedback estão distribuídos da os de ‘correção parcial’ e de ‘mesmo erro’. seguinte forma: solicitação de esclarecimen- Na sessão dois, duas alunas tentaram corri- to (n = 17), nas sessões dois e três; feedback gir seus erros sem sucesso. Elas repetiram os metalingüístico (n = 16), nas sessões dois e mesmos erros e apenas aceitaram o feedback três; reformulação, na sessão dois e reforço, do instrutor sem produzir os itens alvo. Além nas sessões dois e três, ambos apresentando Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas disso, nas sessões dois e três, houve um nú- o mesmo total (n = 6) cada; e, por fim, eli- 362 mero considerável de movimentos de reação citação (n = 1) na sessão um. A correção ex- Reflexões sobre a língua de sinais e a cultura surda em ambientes de comunicação mediada por computador (CMC) plícita ocorreu com mais freqüência na ses- 4.2 Comentários das alunas a respeito da são um. Nas sessões dois e três, o instrutor interação via vídeo parece ter preferido utilizar movimentos de instrução implícitos, como a solicitação de Em geral, as alunas se mostraram satis- esclarecimento e o feedback metalingüístico feitas quanto às discussões via vídeo com seu (Figura 7). instrutor. A parte mais interessante foi a in- Nestas mesmas sessões, as reações ocor- teração com o instrutor, especialmente o seu reram com maior freqüência durante as feedback. O feedback incidiu exatamente so- NTs relativas à negociação de significados, bre os sinais que estavam sendo produzidos enquanto na sessão um, as reações ocor- e, portanto, foi muito útil para a aprendiza- reram [com maior freqüência] durante as gem da BSL. O aspecto positivo do feedback NTs relativas à negociação da forma. Essa dado pelo instrutor foi a informação adqui- comparação sugere que a motivação de uma rida pelas alunas a respeito de seus erros e de NT exerce influência sobre a quantidade de suas habilidades gerais enquanto sinalizantes. reações bem sucedidas produzidas durante Na composição dos vídeos, o instrutor inse- riu comentários e criou seqüências separadas as tarefas. Na primeira das tarefas, o foco da contendo informações sobre a sinalização das aprendizagem são as formas da língua, en- alunas, como por exemplo, sobre a forma cor- quanto na tarefa dos quebra-cabeças, a aten- reta da execução dos sinais alvo, sobre aspectos ção se volta para o significado e não para as da gramática e da sintaxe, sobre a produção da formas da língua de sinais. A comparação língua de sinais pelas alunas e sobre as pergun- entre as três sessões mostra que a maioria tas feitas por elas. Dessa forma, enquanto as das reações ocorreu na sessão um (Figura 8). alunas assistiam ao feedback via vídeo, elas usa- Como observaram as alunas na entrevista, é vam a informação adquirida para corrigir seus possível que a dificuldade das tarefas tenha erros e, conseqüentemente, aprendiam os itens afetado as suas reações. específicos ensinados em cada sessão. Houve A maioria das NTs foi motivada por também ocasiões em que as alunas utilizaram confusões sintáticas e discursivas ao invés de informações dadas no feedback para produzir confusões lexicais. Especificamente, o foco sinais outros que não os sinais alvo. das NTs nas sessões um e dois foi posto no discurso mais freqüentemente do que na ses- “Sim, basicamente sim, em cada uma de são três (Figura 9). Os movimentos de reação suas perguntas eu praticava mais meus erros, das alunas se referem às NTs com esse foco. aqueles que ele percebia que eu não tinha Uma porcentagem razoavelmente alta de tais conseguido entender muito bem. Eu me re- reações foi bem sucedida, particularmente firo ao estabelecimento de pontos no espaço. nas tarefas um e três: 67% em cada tarefa. Es- Com as palavras foi fácil, mas no estabele- tes resultados reiteram a idéia de que pôr em cimento de pontos no espaço eu como que foco características específicas da língua in- parei e fiquei... eu olhava para a câmera e não fluenciou os movimentos de reação das alu- fazia nada. Então, com, com as perguntas e nas, ou seja, o fato de se ter voltado a atenção comentários dele, eu usei a maioria. […] E para uma função sintático-discursiva parti- isso foi bom para as minhas habilidades de Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas cular da BSL influiu no sucesso das reações recepção. Quer dizer, quando ele falava das das alunas. coisas que eu não tinha usado na minha sina- 363 Maria Mertzani

lização. Eu captei essas informações e expres- como a falta de imediatismo e de disponi- sei outras coisas.” bilidade de tempo de ambas as partes. Elas disseram que a filmagem dos vídeos era de- Outra vantagem do feedback via vídeo morada e que, por isso, havia um atraso no foi o seu caráter individual, isto é, o instrutor recebimento da resposta dada pelo instrutor. direcionava o feedback individualmente para Isso era incômodo, pois elas tinham que es- cada aluna, algo que não acontece nas aulas perar alguns minutos para receber a resposta. tradicionais de língua de sinais. Em uma aula Uma solução possível para essa situação se- tradicional, o instrutor não consegue contro- ria a criação de vídeos mais longos, conten- lar a sinalização de cada aluno, basicamente do mais informações cada um. Além disso, devido a limitações de tempo e número de como o tempo de ensino foi curto, as alunas alunos em sala de aula. Já na comunicação perderam o feedback sobre o segundo ou o on-line via vídeo, o instrutor tem condições terceiro vídeo que produziram, ficando a se de monitorar o desempenho de cada alu- perguntar se haviam produzido os sinais cor- no separadamente. Conseqüentemente, em retamente ou não. nosso estudo piloto, esse tipo de feedback assíncrono ofereceu a possibilidade de uma “[…] Então, eu fiz apenas a primeira parte aprendizagem individualizada, uma vez que porque eu nem mesmo recebi comentários o tempo de ensino foi completamente dedi- sobre o restante da tarefa. Então, o que não cado às alunas. conseguimos fazer foi, eu não pude receber comentários sobre toda minha sinalização “Basicamente, você tem todo o tempo dedi- porque não houve tempo suficiente, e eu não cado a você. Quer dizer, quando você senta tive um segundo feedback sobre minha res- na frente do computador, ele te dá, por exem- posta. Entende o que eu digo? Então, eu sina- plo, dez tarefas, você aprende os sinais sozi- lizo, ele manda a correção, eu sinalizo de novo nho. Quer dizer, todo o tempo (de aprendi- e então eu não recebo uma segunda correção zagem) é dedicado somente a você, e eu acho porque não houve tempo suficiente.” que você entende mais rápido e mais facil- mente (dessa forma), enquanto numa sala de Além disso, as alunas descreveram al- aula... [...] OK. Tem mais alunos. Você não, gumas estratégias de aprendizagem por elas não analisa a palavra (o sinal), como, por desenvolvidas para assimilar os itens alvo. exemplo, como estabelecer os pontos de um Essas estratégias foram aplicadas não apenas objeto que está sobre a mesa. Você não anali- enquanto elas assistiam aos vídeos de instru- sa mais profundamente porque você precisa ção mas também enquanto observavam o continuar. Porque se você sentar para anali- feedback do instrutor. As estratégias foram as sar com todo mundo, isso leva muito tempo, mesmas durante as três sessões e foram apli- enquanto quando você está sozinho, você cadas seguindo o mesmo procedimento. Pri- usa todo tempo disponível. O tempo está meiramente, as alunas assistiram aos vídeos disponível só para você”. de instrução tantas vezes quantas julgaram necessário para entender o seu conteúdo. Ao Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas As alunas também se referiram a alguns assistir aos vídeos, elas observavam atenta- 364 aspectos negativos do feedback via vídeo, mente o instrutor modelando sinais específi- Reflexões sobre a língua de sinais e a cultura surda em ambientes de comunicação mediada por computador (CMC) cos e então o imitavam. As alunas explicaram “OK. Eu penso sobre, sobre como eu quero que estavam aprendendo sinais que não co- organizar as coisas e então desenho uma fi- nheciam e que eram necessários para a reali- gura, porque se não eu não iria me lembrar zação das tarefas. Os exemplos seguintes são se recebesse um feedback dele perguntando representativos. onde foi que eu coloquei a garrafa?, sabe? Então, eu pensei e depois eu filmei o vídeo “Em geral, eu os assistia apenas uma vez, um e depois disso, eu recebi os comentários dele ou dois [vídeos]. Eu assistia uma segunda vez sobre a minha sinalização. Isso quer dizer, ou para ver novamente como ele fazia o sinal. classificador errado ou algo assim”. E assistia de novo quando eu queria sinali- zar. Eu assistia mais uma vez para ver como As interações das alunas consistiram em ele fazia”. “O que foi isso? Onde está minha respostas relacionadas às tarefas, portanto fo- imagem?” ram academicamente motivadas. Em outras palavras, as alunas produziram o vídeo visan- Antes de começarem a tarefa, as alunas do à conclusão da tarefa, sem ter em mente ensaiavam sua sinalização fazendo um dese- outra função social como, por exemplo, ex- nho em um pedaço de papel ou sinalizando pressar informações pessoais ou sentimentos. para si mesmas, a fim de se lembrarem dos Houve, entretanto, algumas ocasiões em que sinais que precisavam produzir. Além disso, as alunas expressaram algumas informações elas planejavam e praticavam sua sinaliza- pessoais sobre a aprendizagem da BSL ou so- ção filmando a si mesmas antes de enviar o bre seus sentimentos com relação às tarefas. clipe definitivo para o instrutor. Isso com- A ocorrência de tais interações não acadêmi- prova a preocupação que expressaram com cas está associada ao não entendimento da relação à qualidade do conteúdo de suas sinalização feita pelo instrutor devido ao seu mensagens em vídeo. Isso é também uma posicionamento inadequado na frente da câ- indicação de que a comunicação assíncrona mera. Por essa razão, as alunas expressaram via vídeo na língua de sinais fez com que as sentimentos relativos à complexidade da ta- alunas tivessem dificuldades ao expressar refa ou à dificuldade de entender a solução suas idéias, especialmente pelo fato de que, para a tarefa. Mesmo assim, as alunas e o ins- no nível de proficiência em BSL em que se trutor adotaram algumas funções do discur- encontram, elas não são capazes de arti- so conversacional da BSL, como formas de cular suas idéias de forma clara por meio saudação e despedida. da sinalização. Desse modo, a estratégia de desenhar os sinais que deveriam produzir as ajudou a expressar seu pensamento. Elas 5. Discussão e conclusão queriam enviar para o instrutor mensagens com sentido e, para garantir que sua sinali- Até aqui, demonstramos que a interação ne- zação fosse inteligível, fizeram uma grava- gociada pode ocorrer na aprendizagem da ção preliminar de sua sinalização. Por essa língua de sinais em um ambiente de CMC razão, elas assistiam aos clipes e, quando baseada em vídeo. Esse tipo particular de in- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas sentiam que podiam modificar sua sinali- teração proporciona às alunas oportunidades zação, repetiam a gravação. de sinalizar e de discutir a língua de sinais que 365 Maria Mertzani

elas produzem, e proporciona aos instrutores incentivam o feedback explícito, enquanto a oportunidade de lhes oferecer feedback. Des- as tarefas de preenchimento de lacunas e de sa maneira, as alunas podem usar o feedback quebra-cabeça incentivam o feedback implí- para desenvolver a língua de sinais. Quando as cito (Pica et al. 1993). Em geral, as alunas alunas participaram das interações via vídeo, consideraram o feedback do instrutor muito elas produziram sua língua de sinais visando à útil para o desenvolvimento de suas habili- conclusão das tarefas, e, seguindo a orientação dades de sinalização, visto que ele se referia do feedback, elas realizaram todo tipo de mo- exatamente aos seus erros e, dessa maneira, vimento de reação a fim de corrigir seus erros. promovia sua aprendizagem individual. Desse modo, na maioria das correções ou das Além disso, mostramos que a CMC as- tentativas de correção de seus erros, as alunas síncrona baseada em vídeo promoveu uma utilizaram-se de negociações que tinham por maior percepção dos erros por parte das foco o significado ou a forma. De modo ge- alunas devido às duas características princi- ral, esses resultados indicam que o padrão de pais desse ambiente: tempo de processamento correção de erros após o feedback assemelha- mais longo e permanência do vídeo. As alunas se ao das interações face-a-face, conclusão esta tiveram tempo para rever e avaliar a língua amplamente corroborada por pesquisas na área por elas produzida não só nas suas demons- da aquisição de segunda língua (falada) (Sheen trações de desempenho gravadas em vídeo, 2004; Ellis, Basturkmen & Loewen 2001). mas também nas próprias mensagens en- A negociação foi elicitada por confusões viadas para o instrutor. Todas as mensagens lexicais e sintático-discursivas, o que confir- foram armazenadas no servidor, e, portanto, ma pesquisas anteriores sobre CMC (Blake estavam disponíveis durante as interações via & Zyzik 2003; Morris 2005; Smith 2003). A rede. Conseqüentemente, as alunas puderam maioria das negociações de turno foi inicia- assistir a seus vídeos, analisar sua capacidade da pelo instrutor, que muito freqüentemente de sinalização, perceber seus erros, fazer revi- respondia as perguntas das alunas. A análise sões e correções. A propiciação (affordance) revelou a ocorrência de solicitações de escla- do SignLab corrobora o estudo de Lai & Zhao recimento, reformulações e outras estratégias (2006), que mostrou que a permanência do de instrução, conforme documentadas tan- vídeo permitia às alunas monitorar e resolver to nas pesquisas sobre interação face-a-face problemas em sua produção. Além disso, as quanto nas referentes à CMC (Meskill & alunas gastaram um tempo considerável pre- Anthony 2005). A forma de feedback domi- parando a sua produção, pois assistiram aos nante foi a explícita, que pareceu exercer o clipes mais de uma vez, ou mesmo regrava- efeito mais significativo nas reações das alu- vam sua sinalização. Ao que parece, as alunas nas, e que ocorreu durante a tarefa de troca tiveram tempo para processar a informação de opiniões. As correções explícitas constitu- recebida e para monitorar a produção da BSL. íram a forma dominante de movimentos de Entretanto, um tempo extra poderia ter lhes feedback, seguidas pelas solicitações de escla- proporcionado uma melhor compreensão e a recimento e pelo feedback metalingüístico. oportunidade de apresentar produções mais Este resultado também mostra que o feedback adequadas. Esse resultado também corrobo- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas dado pelo instrutor sofre influência do tipo ra resultados mostrados em outras pesquisas 366 de tarefa, isto é, as tarefas de troca de opinião (Lai & Zhao 2006; Smith 2005). Reflexões sobre a língua de sinais e a cultura surda em ambientes de comunicação mediada por computador (CMC)

Apêndice A Figura 4: Freqüência das reações fracassadas

Figura 1: Freqüência e tipos de NTs

Figura 5: Freqüência das reações em NTs-Iniciadas-pelas-alunas e em Figura 2: Freqüência das reações NTs- Respondidas-pelas alunas durante as sessões

Figura 3: Freqüência das reações bem sucedidas Figura 6: Reações em relação ao feedback do instrutor Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

367 Maria Mertzani

Figura 7: Feedback do instrutor durante as sessões Referências

BLAKE, R.J.; & ZYZIK, E.C. Who’s Helping Whom? Learner/Herritage – Speakers’ Net- worked Discussions in Spanish. Applied Lin- guistics 24: 4. 2003. p. 519 – 544. DICAMILLA, F. & ANTON, M. Private Speech: a Study of Language for Thought in the Col-

Sessão 1 Sessão 2 Sessão 3 laborative Interaction of Language Learners. International Journal of Applied Linguistics 14: 1. 2004. p. 36 – 69. ELLIS, R.; BASTURKMEN, H.; & LOEWEN, S. Learner Uptake in Communicative ESL lessons. Figura 8: Freqüência das reações de acordo Language Learning 51: 2. 2001. p. 281-318. com a motivação FOURIE, R. J. Efficiency of a Hearing Person Learning Sign Language Vocabulary from Me- dia Versus Teacher. Deafness and Education International, 2: 1. 2000. p. 45 - 60. LAI, C., & ZHAO, A. Noticing and Text-based Chat. Language Learning and Technology 10: 3. 2006. p. 102 -120. LAWLEY, E.L. The Sociology of Culture in Com- puter-Mediated Communication: An Initial Exploration. Acessado em: http://www.itcs. com/elawley/bourdieu.html 1994. MERTZANI, M. Sign Language Learning through

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Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

369 Glossário

Glossário: PROLIBRAS Autor: Lautenai Antonio Barthalamei Junior Língua fonte: Inglês Língua alvo: Português Alfabeto: Latino

absolute spatial reference referência espacial absoluta Contexto: Absolute spatial reference means that rather than selecting arbitrary locations in space to set up reference, e.g. on the right and left sides of the signer, the location of referents in the real world determines where the signer will point. A referência espacial absoluta significa que ao invés de selecionar locais arbitrários no espaço para estabelecer referência, por exemplo, à direita ou à esquerda do sinalizante, a localização dos referentes no mundo real determina para onde o sinalizante irá apontar. Fonte: ZESHAN, U. acquisition of sign and spoken language aquisição de sinal Contexto: In this category are studies which note potential differences in the path of acquisition of sign and spoken languages, and attempt to account for them, often by appealing to the modality. Nessa categoria, estão os estudos que apontam as diferenças potenciais na trajetória da aquisição de línguas de sinais e de línguas faladas e que buscam, freqüentemente, explicá-las por meio da modalidade. Fonte: LILLO-MARTIN, D. adult rater avaliador adulto Contexto: Each of these sign tokens was then judged by a Deaf adult rater as to whether it was more iconic than the adult target sign, less iconic than the adult target sign, or as iconic as the adult target sign. Cada uma das ocorrências desses sinais foi avaliada por um avaliador adulto surdo para verificar se a ocor- rência era mais icônica do que o sinal direcionado ao adulto, menos icônico do que o sinal direcionado ao adulto ou tão icônico quanto o que o sinal direcionado ao adulto. Fonte: MEIER, R. adult target sign sinal produzido pelo adulto Contexto: The adult target sign has a repeated bending at the first knuckles of the extended first and second fingers; Suzie instead produced a repeated bending at the wrist. In an analysis of children’s omission errors (from signs that required action at two or more target joints), children were more likely to omit action at the more distal joint than at the more proximal joint. Glossário

O sinal produzido pelo adulto tem uma curvatura repetida nas primeiras juntas do primeiro e do segundo dedo estendidos; Suzie produziu, em vez disso, uma curvatura repetida no punho. Numa análise de erros da omissão das crianças (de sinais que exigiam ação de duas ou mais juntas), as crianças costumavam omitir a ação da junta mais distante do que a da mais próxima. Fonte: MEIER, R. agreement inflection flexão de concordância Contexto: For the SR task, tokens of verb agreement were collected from Chun-chun and coded for person agreement inflection, use of referential loci, and role-shift as well as markers. Para a tarefa RE, sinais de concordância verbal foram coletados de Chun-chun e codificados para flexão de concordância de pessoa gramatical, uso de lóci referenciais e troca de papel, assim como marcadores. Fonte: TANG, G. et al.

Al-Sayyid Bedouin Sign Language Lingua de Sinais Beduína Al-Sayyid (ABSL) Contexto: The sign languages that will be examined in comparison to Jordanian Sign Language (LIU) are Al-Sayyid Bedouin Sign Language (ABSL), Kuwaiti Sign Language (KSL), (LSL), and Palestinian Sign Language (PSL). As línguas de sinais que serão examinadas em comparação com a Língua de Sinais da Jordânia (LIU)3 são a Língua de Sinais Al-Sayyid Beduína (ABSL)4, a Língua de Sinais do Kuwait (KSL), a Língua de Sinais da Líbia (LSL) e a Língua de Sinais Palestina (PSL). Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C. alienable and inalienable possession posse alienável Contexto: We will not only ask how a sign language expresses possession, but also whether there is a re- lationship between possessives and existentials and whether there is a difference between alienable and inalienable possession. Não perguntaremos apenas como uma língua de sinais expressa posse, mas também se há uma relação entre possessivos e existenciais e se há diferença entre posse alienável e inalienável. Fonte: ZESHAN, U.

American Sign Language (ASL) Língua de Sinais Americana (ASL) Contexto: The most common American Sign Language (ASL) verb classification follows AL-FITYANI, K.; PADDEN, C.’s (1983/1988, modified in 1990:119) tripartite grouping: (1) plain verbs which do not inflect for number or person and do not take locative affixes either; (2) agreement verbs which inflect for person and number and do not take locative affixes, and (3) spatial verbs which do not inflect for number, person or aspect, but do take locative affixes. A classificação verbal mais comum da Língua de Sinais Americana segue o agrupamento tripartite de AL- FITYANI, K.; PADDEN, C. (1983/1988, modificada em 1990: 119): (1) verbos simples que não flexionam em número e pessoa e tampouco aceitam afixos locativos; (2) verbos de concordância que flexionam pessoa e número e não aceitam afixos locativos; e, (3) verbos espaciais que não flexionam em número, pessoa ou Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas aspecto, mas aceitam afixos locativos. Fonte: QUADROS, R. M.; QUER, J. 371

Glossário

animate possessor possuidor animado Contexto: The most basic configuration for NP possessives in our data is that involving alienable posses- sion of an inanimate possessum by an animate possessor. The possessum can be either concrete (11) or abstract (12). A configuração mais básica para as locuções nominais possessivas em nossos dados é a que envolve a posse alienável de um possuído inanimado por um possuidor animado. Fonte: PICHLER, D. et al.

animating images of sign language imagens animadas de línguas de sinais Contexto: However, text-based material (e.g., textbooks and dictionaries) is not enough for the study of sign language as they consist of pictures and drawings, which cannot express its four-dimensional form (Fourie 2000). Videotapes, CD/DVD-ROMs and animated material solve this problem by incorporating video or/and animating images of sign language. Entretanto, o material baseado em texto (por exemplo, livros-texto e dicionários) não é suficiente para o es- tudo da língua de sinais, uma vez que tais materiais consistem em figuras e desenhos, os quais não conseguem expressar a forma tetradimensional da língua (Fourie 2000). Videotapes, CD/DVD-ROMs e material animado resolvem esse problema por meio da incorporação de vídeo e/ou de imagens animadas da língua de sinais. Fonte: MERTZANI, M.

argument structure estrutura de argumento Contexto: In support of this proposal, Morgan & Woll (2002) conclude: “we found no evidence for the child’s exploitation of an abstract set of verb frames before 3;2. The child appeared to build argument structure afresh with each new verb and these verbs were uniquely tied to their communicative function”. Em consonância com essa proposta, Morgan & Woll (2002) concluem: “não encontramos evidências para a exploração abstrata da criança de um conjunto de estruturas verbais antes da idade de 3,2 anos. A criança parecia construir uma estrutura de argumento a cada vez, com cada novo verbo e esses verbos foram, in- dividualmente, atrelados à sua função comunicativa”. Fonte: LILLO-MARTIN, D.

articulatory factors fatores articulatórios Contexto: Second, he suggests that articulatory factors may promote particular kinds of linguistic organi- zation - especially for children - which might lead us to think that these effects may reflect not only different levels of performance with grammar (for signing and speaking children), but also different competences. Segundo, ele sugere que fatores articulatórios podem promover tipos específicos de organização lingüísti- ca - principalmente para as crianças - o que pode nos levar a crer que esses efeitos podem refletir não apenas diferentes níveis de desempenho gramatical (para crianças sinalizantes e falantes), como também diferentes competências. Fonte: LILLO-MARTIN, D.

artificial signed systems

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas sistemas de sinais artificiais Contexto: It is important to note that these situations of contact involve the spoken language and the writ- 372 ten language, artificial signed systems, and the use of the manual alphabet (). Glossário

É importante ressaltar que essas situações de contato envolvem língua falada e escrita, sistemas de sinais artificiais e o uso de alfabeto manual (soletração manual). Fonte: PUST, C. P.; WEINMEISTER, K.

Auslan Língua de Sinais Australasiana (Auslan) Contexto: The importation of Auslan number signs via Australasian Signed English from 1979, and indeed the general increase in signing from this date, allowed us to hypothesise that age would be a clear predictor of variation in numeral usage. A incorporação de sinais numerais da Língua de Sinais Australasiana (Auslan) via Inglês Australiano Si- nalizado desde 1979 e o aumento generalizado do uso de sinais desde essa data possibilitou a criação da hipótese de que a idade seria um claro fator predeterminante da variação no uso de numerais. Fonte: MACKEE, D. et al.

Austrian Sign Language Língua de Sinais Austríaca (ÖGS) Contexto: This study describes and compares possessive and existential constructions in three sign languag- es: American Sign Language (ASL), (ÖGS) and Croatian Sign Language (HZJ). Este trabalho resulta de um estudo interlingüístico sobre estruturas possessivas e existenciais na Língua De Sinais Americana (ASL), na Língua de Sinais Austríaca (ÖGS) e na Língua De Sinais Croata (HZJ). Fonte: PICHLER, D. et al. b configuration base hand configuração de mão “b” Contexto: Interestingly, the present form of the sign DA bears a striking resemblance to the sign used in HZJ sign MJESTO place (the HZJ sign adds a B configuration base hand). É interessante notar que a forma atual do sinal DA mostra uma notável semelhança com o sinal MJESTO place usado na HZJ (o sinal HZJ acrescenta uma configuração de mão “B”). Fonte: PICHLER, D. et al. backward verbs verbos reversos Contexto: A generalization over backwards verbs that usually remains unmentioned is that, unlike “regu- lar” agreement verbs, most backwards verbs are not ditransitive. Uma generalização sobre os verbos reversos que geralmente não é mencionada é que, diferentemente de verbos de concordância “regular”, os verbos reversos, em sua maioria, não são bitransitivos. Fonte: QUADROS, R. M.; QUER, J. base * weak hand base de mão passiva * Contexto: The A form (like D) is used variably with or without a base ‘5’ weak hand by older signers. A variante A (como a variante D) é usada de forma inconstante, com ou sem uma base de mão passiva ‘5’ por sinalizantes mais velhos. Fonte: MACKEE, D. et al. bilingual bootstrapping desencadeamento bilíngüe Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Contexto: The more advanced language may thus fulfil a pioneering function in terms of “bilingual boot- strapping” (Gawlitzek-Maiwald & Tracy 1996). 373 Glossário

Na medida em que a língua avança, ela pode responder pela função pioneira em termos de “desencadea- mento bilíngüe” (Gawlitzek-Maiwald & Tracy 1996). Fonte: PUST, C. P.; WEINMEISTER, K.

bimanual behaviors comportamentos bimanuais Contexto: Bimanual behaviors in which one hand must remain static emerge at 9-10 months (Fagard, 1994). Comportamentos bi-manuais em que uma mão deve permanecer estática surgem a partir dos 9-10 meses de idade (Fagard, 1994). Fonte: MEIER, R.

binding relation relação de ligação Contexto: In (2), it is governed by the verb UNDERSTAND and is licensed by a discourse topic through a binding relation. Em (2), ela é controlada pelo verbo ENTENDER e é permitida por um tópico de discurso através de uma relação de ligação. Fonte: TANG, G. et al.

body part possessum parte do corpo do possessum Contexto: As we examined our data, we noted similarities across these three languages in terms of the syn- tactic structures employed to express possession and existence, as well as an apparent restriction on which of these structures can occur with inanimate possessors and certain cases of inalienable possession (eg. body part possession). Ao analisar nossos dados, observamos semelhanças entre essas três línguas quanto às estruturas sintáticas empregadas para expressar posse e existência, bem como uma visível restrição com relação a quais dessas estruturas podem ocorrer com possuidores inanimados e certos casos de posse inalienável (por exemplo, parte do corpo do possessum). Fonte: PICHLER, D. et al.

body-anchored verbs verbos ancorados ao corpo Contexto: We argue that in iconic or partially iconic verbs articulated on the body, the so called ‘’body- anchored verbs’’, the body represents the subject argument. Argumentamos que em verbos icônicos ou parcialmente icônicos articulado 3 no corpo, os chamados ‘’ver- bos ancorados ao corpo’’, o corpo representa o argumento do sujeito. Fonte: MEIR, I. et al.

Brasilian Sign Language (LSB) Língua de Sinais Brasileira (LSB) Contexto: A fim de sustentar os argumentos, evidências recentes são discutidas a partir da Língua de Sinais Brasileira - LSB - e a Língua de Sinais Catalã – LSC. Fonte: QUADROS, R. M.; QUER, J.

British Sign Language (BSL) Língua de Sinais Britânica (BSL)

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Contexto: NZSL is historically part of the British Sign , and has been empirically shown to be closely related to contemporary Auslan and BSL (Johnston 2000; McKee and Kennedy 2000), languages 374 from which signs continue to be freely borrowed. Glossário

A NZSL, historicamente, faz parte da família da Língua de Sinais Britânica e estudos empíricos têm de- monstrado que ela está intimamente relacionada à Auslan contemporânea e à BSL (Johnston 2000; McKee e Kennedy 2000), línguas das quais sinais continuam a serem livremente tomados emprestados. Fonte: MACKEE, D. et al.

Catalan Sign Language Língua de Sinais Catalã (LSC) Contexto: Relatively few empirical studies have noted lexical variation in the number systems of signed languages. Some researchers have investigated psycholinguistic aspects of number use, such as Fuentes and Tolchinsky’s (2004) study of Deaf children’s accuracy in transcoding written numbers into Catalan Sign Language (LSC), in the hope this would provide further insight into the structure of LSC. Alguns pesquisadores têm investigado aspectos psicolingüísticos do uso de numerais; por exemplo, o estu- do de Fuentes e Tolchinsky (2004) sobre a precisão de crianças surdas na transcodificação de números es- critos para a Língua de Sinais Catalã (LSC), na expectativa de que esse estudo possibilite novas descobertas sobre a estrutura da LSC. Fonte: MACKEE, D. et al. character view-point gestures gestos da perspectiva do sinalizador Contexto: It might also prove useful in bringing together other phenomena as well, for example the fact that character view-point gestures are more transparent than observer view-point gesture (Marentette et al 2007), and observations regarding stages of acquisition of verb agreement by deaf children in various sign languages. É útil também para demonstrar a conexão com outros fenômenos, como por exemplo, o fato de que gestos da perspectiva do sinalizador são mais transparentes que os gestos da perspectiva do observador (Maren- tette et al 2007) e além de observações em relação aos estágios de aquisição da concordância verbal por crianças surdas em várias línguas de sinais. Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C. child-directed signing sinalização direcionada à criança Contexto: Those three studies will examine: 1) properties of child-directed signing, 2) the interaction of iconicity and infant sign production, and 3) motoric constraints upon infant sign production. Esses três estudos examinam: 1) propriedades da sinalização direcionada à criança, 2) a interação da iconici- dade e da produção dos sinais da criança, e 3) restrições motoras à produção dos sinais da criança. Fonte: MEIER, R. classifier constructions construções classificadoras Contexto: Our data include several instances of part-whole relationships expressed via classifier construc- tions, in which the whole entity is established as GROUND ground entity, and the part entity as FIGURE figure (cf. Talmy (1978)). Nossos dados incluem diversos exemplos de relações parte-todo expressadas por meio de construções clas- sificadoras, nas quais a entidade todo é estabelecida como entidade base e a entidade parte como figura (cf. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Talmy (1978)). Fonte: PICHLER, D. et al. 375

Glossário

classifier configurações de mão classificadoras Contexto: These forms include spatial pointers, direction of movement of the verb as an agreement marker, and the use of classifier handshapes. Essas formas incluem apontadores espaciais, direção de movimento do verbo como um marcador de con- cordância e o uso de configurações de mão classificadoras. Fonte: SUPALLA, T.

cliticization cliticização Contexto: In some cases, these these processes of restructuring and reanalysis gave rise to grammatical paradigms, by triggering a process of cliticization where one component becomes specialized for a specific grammatical category, such as gender. Em alguns casos, esses processos de reestruturação e reanálise deram origem a paradigmas gramaticais, ativan- do um processo de cliticização, onde um componente se torna especializado para uma categoria gramatical específica, como por exemplo, gênero. Fonte: SUPALLA, T. code switching alternância de códigos Contexto: At the level of individual signers, the evidence gathered suggests that bilingual signers use code- switching and other types of language mixing as an additional resource in specific communication situations No nível de sinalizantes individuais, evidências coletadas sugerem que sinalizantes bilíngües usam alter- nância de código e outros tipos de mistura de línguas como recurso adicional em situações específicas de comunicação. Fonte: PUST, C. P.; WEINMEISTER, K.

communal home sign systems sistemas de sinais caseiros compartilhados Contexto: It is the intermediate situations such as the one possibly obtaining in Surinam, the cases of “com- munal home sign systems”, that pose the greatest theoretical puzzle. São esses pontos intermediários, como possivelmente o de Suriname, os casos de ‘’sistemas de sinais casei- ros compartilhados’’, que se constituem como o maior enigma teórico. Fonte: ZESHAN, U.

concrete possessum possessm concreto Contexto: As we saw for the NP possessives above, predicate possessives in ASL, ÖGS and HZJ occur the most naturally and acceptably with an animate possessor and a concrete possessum. Como observamos acima com relação às locuções nominais possessivas, os predicados possessivos na ASL, na ÖSG e na HZJ ocorrem com mais naturalidade e aceitabilidade com um possuidor animado e um pos- sessum concreto. Fonte: PICHLER, D. et al.

contact continuum continuum de contato

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Contexto: The range of contact phenomena is commonly referred to in terms of “contact continuum”. A extensão dos fenômenos de contato é geralmente conhecida como ‘’continuum de contato’’. 376 Fonte: PUST, C. P.; WEINMEISTER, K.

Glossário

contrived signs sinais artificiais Contexto: The manual component of TC was Australasian Signed English, a sign system based largely on native sign vocabulary from the state of Victoria in Australia, supplemented by contrived signs (Collins- Ahlgren, 1986). O componente manual da CT era do Inglês Australasiano Sinalizado, um sistema de sinais baseado no vocabulário de sinais nativos do estado de Victoria na Austrália, complementado por sinais artificiais (Collins-Ahlgren, 1986). Fonte: MACKEE, D. et al.

Croatian Sign Language Língua de Sinais Croata (HZJ) Contexto: This talk is the result of a cross-linguistic study of possessive and existential structures in Ameri- can Sign Language (ASL), Austrian Sign Language (ÖGS) and Croatian Sign Language (HZJ). Este trabalho resulta de um estudo interlingüístico sobre estruturas possessivas e existenciais na língua de sinais americana (ASL), na língua de sinais austríaca (ÖGS) e na Língua de Sinais Croata (HZJ). Fonte: PICHLER, D. et al. cross modal language contact phenomena fenômenos de contato de linguagem intermodal Contexto: Secondly, cross-modal language contact phenomena, like inter-modal language mixing also reflect the social factors that determine language use in bilingual signers. Em segundo lugar, fenômenos de contato de linguagem intermodal, como, por exemplo, mistura de línguas intermodal, também refletem fatores sociais que determinam o uso da língua por sinalizantes bilíngües. Fonte: PUST, C. P.; WEINMEISTER, K.

Danish Sign Language (DSL) Língua de Sinais Dinamarquesa (DSL) Contexto: Engberg-Pedersen (1993: 193) describes a similar tendency in Danish Sign Language: older signers tend to use agreement verbs as single-agreement verbs, agreeing only with their (indirect) object argument. Engberg-Pedersen (1993: 193) descreve uma tendência similar na Língua de Sinais Dinamarquesa: sinaliza- dores mais velhos tendem a utilizar verbos de concordância como verbos de concordância única, concordando apenas com o argumento-objeto (indireto). Fonte: MEIR, I. et al. deaf sign language língua de sinais produzida por surdos Contexto: In time, trained Deaf sign language specialists and a growing body of knowledge in this field will support efforts toward beneficial linguistic and pedagogical planning for deaf people around the world. Com o tempo, os especialistas treinados em língua de sinais para surdos e um crescente conjunto de co- nhecimento nessa área darão suporte aos esforços direcionados ao planejamento pedagógico e lingüístico útil para a população surda mundial. Fonte: SUPALLA, T. deaf signers sinalizantes surdos em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Contexto: This study analyzes the word-segmentation strategies used in 3 groups of Deaf signers (ASL, HZJ, ÖGS) and 3 groups of hearing nonsigners (speakers of English, Croatian, Austrian). 377 Glossário

Este estudo analisa as estratégias de segmentação da palavra utilizadas em 3 grupos de sinalizantes surdos (ASL, HZJ e ÖGS) e 3 grupos de ouvintes não-sinalizantes (falantes de Inglês, Croata e Austríaco). Fonte: BRENTARI, D.; WILBUR, R..

deaf tutors tutores surdos Contexto: Professional interpreters were first trained in 1985, and NZSL has been taught in community education settings by Deaf tutors since the early 1990s. Os primeiros intérpretes profissionais foram treinados em 1985 e a NZSL tem sido ensinada em contextos educacionais comunitários, por tutores surdos desde o início da década de 1990. Fonte: MACKEE, D. et al.

digital sign language laboratory laboratório digital de língua de sinais Contexto: This paper presents procedures followed and results taken from a pilot study that investigated the feasibility of a networked video interaction among a Deaf tutor and three hearing learners of BSL within a digital sign language laboratory, the SignLab in the Centre for Deaf Studies, University of Bristol, U.K. Este artigo apresenta os procedimentos seguidos e os resultados obtidos em um estudo piloto que investi- gou a viabilidade de uma interação por vídeo em rede entre um instrutor surdo e três alunas ouvintes da Língua de sinais britânica (BSL), em um laboratório digital de língua de sinais, o SignLab, pertencente ao Centre for Deaf Studies3, da Universidade de Bristol, no Reino Unido. Fonte: MERTZANI, M.

directionality of movement direcionalidade de movimento Contexto: Both are deictic, expressed by directing a sign to a location in space (i.e. referential locus) in order to refer to a definite and specific referent in a signing discourse, and both use directionality of move- ment to mark person value. Ambos são dêiticos, expressados por meio do direcionamento de um sinal para uma localização no espaço (isto é, locus referencial), para referir-se a um referente definido e específico em um discurso em língua de sinais e ambos utilizam a direcionalidade de movimento para marcar o valor da pessoa gramatical. Fonte: TANG, G. et al.

distal articulators articuladores distantes Contexto: We hypothesized that in early sign production infants might tend to use proximal joints of the arm in lieu of the more distal articulators that would be expected in adult signing (MEIER, R. et al., 2007). Levantamos a hipótese que, nas primeiras produções dos sinais, as crianças tendem a usar as juntas pró- ximas do braço ao invés dos articuladores mais distantes, que seriam esperadas na produção do adulto (MEIER, R. et al., 2007). Fonte: MEIER, R.

distalization errors erros de distanciamento Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Contexto: With the exception of the one class of distalization errors that I’ve just noted, children tended 378 to proximalize. Glossário

Com a exceção de uma classe de erros de distanciamento que acabei de mencionar, as crianças tenderam a proximalizar. Fonte: MEIER, R. early sign learning aprendizagem dos primeiros sinais Contexto: Properties of child-directed signing may be an important contributor to the robustness of early sign learning in deaf children born into deaf families. Carefully tuned input might obviate whatever con- sequences may follow from the relatively lower quantity of input that signing parents may present to their children (Spencer & Harris, 2006). As propriedades da sinalização direcionada à criança podem contribuir significativamente para a con- sistência da aprendizagem dos primeiros sinais nas crianças surdas nascidas em famílias surdas. Um input cuidadosamente calibrado pode prevenir quaisquer conseqüências que possam resultar da quan- tidade relativamente baixa de insumo que os pais sinalizantes possam apresentar aos filhoos (Spencer & Harris, 2006). Fonte: MEIER, R. facial markers marcadores faciais Contexto: Individual signs of different languages were compared based on four phonemic parameters (handshape, movement, location, and orientation of the palm), following McKee et al.’s (2000) more strin- gent guidelines. For McKee et al., cognates are signs that share at least three out of four parameters. Non- manual differences such as facial markers were not included in the comparison. Os sinais individuais de línguas diferentes foram comparados com base nos quatro parâmetros fonêmicos (configuração de mão, movimento, localização, e orientação da palma) seguindo a orientação mais rigo- rosa de McKee et al.’s (2000). Para McKee et al., os cognatos são sinais que compartilham pelo menos três desses quatro parâmetros. As diferenças não manuais, tais como marcadores faciais, não foram incluídas na comparação. Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C. facing of the hands orientação das mãos Contexto: Meir (2002) suggests that directionality of movement reveals crucial thematic properties of Source and Goal and facing of the hands can be a dative case assigner. Meir (2002) sugere que a direcionalidade de movimento revela propriedades temáticas cruciais de Fonte e Alvo e que o movimento de orientação das mãos para fora pode ser um atribuidor de caso dativo. Fonte: TANG, G. et al. fingerspelling soletração manual Contexto: On the other hand, compounds are not well-studied in HZJ and ÖGS, and a preliminary impres- sion of HZJ is that there are many fewer. In HZJ there are (virtually) no initialized signs or loan signs from fingerspelling. Por outro lado, os compostos não são tão bem estudados na HZJ e na ÖGS e uma primeira impressão é que, na HZJ, existem bem poucos compostos. Na HZJ, não existem (virtualmente) sinais inicializados ou Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas empréstimo de sinas da soletração manual. Fonte: BRENTARI, D.; WILBUR, R.. 379

Glossário

French Sign Language (FSL) Lingua de Sinais Francesa (FSL) Contexto: He compared the lexicon of French Sign Language (FSL) from a sign language dictionary with ASL, where one set of signs were elicited from an older deaf man and another set from younger ASL signers. Ele comparou o léxico da Língua de Sinais Francesa (LSF) de um dicionário de língua de sinais com a ASL, onde alguns sinais foram elicitados de um homem surdo mais velho e outros sinais de um sinalizante de ASL mais novo. Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C.

German Sign Language (DGS) Linguagem de Sinais Alemã(DGS) Contexto: Only Student one had reported previous experience with another sign language, German Sign Language (DGS). Apenas a aluna um relatou possuir experiência prévia com outra língua de sinais, a Língua de Sinais Alemã (DGS). Fonte: MERTZANI, M.

gestural repertoire repertório gestual Contexto: It is not unlikely then for deaf Arab communities with little or no contact with each other to have similar signs due to a shared gestural repertoire. É provável que para as comunidades surdas árabes com pouco ou nenhum contato entre si tenham sinais similares devido ao repertório gestual compartilhado. Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C.

gesture gesto Contexto: It is indeed said that speech, gesture, and culture are so intimately related to Arabs that to tie an Arab’s back while they are speaking is tantamount to tying their tongue (Barakat, 1973). De fato, é comum dizer que a fala, o gesto e a cultura estão tão intimamente interligados para os Árabes que para segu- rar as costas de um árabe enquanto ele está falando é equivalente a segurar a sua língua (Barakat, 1973). Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C.

ground entity entidade base Contexto: Our data include several instances of part-whole relationships expressed via classifier construc- tions, in which the whole entity is established as GROUND ground entity, and the part entity as FIGURE figure (cf. Talmy (1978)). Nossos dados incluem diversos exemplos de relações parte-todo expressadas por meio de construções clas- sificadoras, nas quais a entidade todo é estabelecida como entidade base e a entidade parte como figura (cf. Talmy (1978)). Fonte: PICHLER, D. et al.

ground-figure classifier constructions construções classificadoras de fundo

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Contexto: We find the same ambiguity (also noted by Kristofferson (2003) for Danish Sign Language) in the GROUND-FIGURE ground-figure classifier constructions such as examples (29), (356) and (412), 380 another alternative structure used in ASL, ÖGS and HZJ to express existence. Glossário

Encontramos a mesma ambigüidade (também observada por Kristofferson (2003) para a língua de sinais dinamarquesa) nas construções classificadoras de figura-base, como nos exemplos (29), (356) e (41), [que constitui] outra estrutura alternativa usada na ASL, na ÖGS e na HZJ para expressar existência. Fonte: PICHLER, D. et al. hand-internal closing movement movimento de fechamento interno da mão Contexto: But what about the sign ORANGE? This sign has a repeated, hand-internal closing movement that is articulated at the mouth. Mas, e o sinal LARANJA? Este sinal tem um movimento repetido de fechamento interno da mão que é articulado na boca. Fonte: MEIER, R. handshape (hs) configuração da mão (cm) Contexto: A comparison among spoken languages involves identifying similarities in syllable and segmen- tal structure; in sign languages, cognate similarity is based on comparing handshapes (hs), movements, locations, and orientations of the hand in vocabulary of two different sign languages. Uma comparação entre as línguas faladas envolve a identificação de similaridades na estrutura silábica e seg- mental; nas línguas de sinais, a similaridade dos cognatos é baseada na comparação de configurações de mão (cm), movimentos, localizações e orientações da mão no vocabulário de duas línguas de sinais diferentes. Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C. headshake movimento de cabeça Contexto: One of the most interesting patterns emerged from studying the non-manual marking of nega- tive clauses across sign languages. In a nutshell, a side-to-side headshake in negative clauses occurs in all sign languages for which data about this topic have been available. Um dos padrões mais interessantes emergiu do estudo da marcação não-manual de orações negativas entre línguas de sinais. Resumidamente, um movimento de cabeça para os lados em orações negativas ocorre em todas as línguas de sinais para as quais dados sobre esse tópico estavam disponíveis. Fonte: ZESHAN, U. hearing cultures culturas ouvintes Contexto: Examining ASL numerals as evidence of historical creolisation processes, Fischer (1996) argues that they are a hybrid of old American and LSF number signs, which in turn derive from the number ges- tures used in the hearing cultures of their respective countries. Ao examinar os numerais em ASL como evidência dos processos históricos de creolização, Fischer (1996) argumenta que eles são um híbrido de sinais americanos antigos e sinais em LSF, que por sua vez, derivam dos gestos numéricos usados nas culturas ouvintes de seus respectivos países. Fonte: MACKEE, D. et al. hearing impairment deficiência auditiva Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Contexto: They state: “prelingual hereditary hearing impairment occurs in the Palestinian population at a frequency of approximately 1.7 per 1,000 and is higher in some villages” (Shahin et al, 2002, p. 284). 381 Glossário

Esses autores afirmam: “a deficiência auditiva hereditária ocorre na população palestina numa freqüência de aproximadamente 1,7 em cada 1.000 e é mais alta em algumas vilas” (Shahin et al, 2002, p. 284). Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C.

hearing learners alunos ouvintes Contexto: However, CMC has not yet been incorporated into sign language teaching and this paper attempts to introduce the effect of such application within British Sign Languages classes for hearing learners. Entretanto, a CMC ainda não foi incorporada ao ensino da língua de sinais e este artigo visa iniciar a discus- são sobre o efeito de tal aplicação em aulas de Língua de Sinais Britânica para alunos ouvintes. Fonte: MERTZANI, M.

hearing loss perda de audição Contexto: Shahin et al. (2002) document that while approximately one in 1000 infants worldwide are born with hearing loss, communities with high levels of consanguinity have especially high frequencies of inher- ited childhood deafness. Shahin et al. (2002) documentam que enquanto aproximadamente uma, dentre mil crianças no mundo, nasce com perda de audição, comunidades com altos níveis de consangüinidade apresentam uma freqüên- cia especialmente alta de surdez genética na infância. Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C.

home signs sinais caseiros Contexto: The iconic potential of the visual-gestural modality means that deaf children of hearing parents can invent gestures (so-called “home signs”) that will be understood by non-signing parents (Goldin- Meadow, 2003). O potencial icônico da modalidade visual-gestual significa que as crianças surdas de pais ouvintes podem inventar gestos (chamados “sinais caseiros”) que serão entendidos pelos pais não-sinalizantes (Goldin- Meadow, 2003). Fonte: MEIER, R.

hyper-signing environment ambiente de hipersinalização Contexto: Due to the fact that the Internet is basically a non-linear hypertextual environment (Ryan, Scott, Freeman & Patel 2000) - in a sense that it’s not a hyper-signing environment - it permits web page linking through the medium of text and not through the medium of digital signing (video and or animated sign- ing). Devido ao fato de que a Internet é basicamente um ambiente hipertextual não-linear (Ryan, Scott, Freeman & Patel 2000), no sentido de que ela não é um ambiente de hipersinalização, ela permite a inserção de links para páginas da web por meio do meio textual e não por meio do meio da sinalização digital (sinalização por meio de vídeo ou animada). Fonte: MERTZANI, M.

iconic or indexic icônico ou indicador Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Contexto: The other two are shared symbolism, where vocabularies share similar motivations either iconic 382 or indexic, and finally, by chance. Glossário

Os outros dois são simbolismo compartilhado, onde os vocabulários compartilham motivações similares, icônicas ou indicadoras e, finalmente, o acaso. Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C. improved sign sinal desenvolvido Contexto: An One important aspect of such “Improved Sign” was the use of syntax for the expression of abstract concepts. De certo modo, podemos considerar o sinal caseiro como uma protogramática desse “sinal desenvolvido”, com seus gestos seqüenciais atuando como o precursor da justaposição. Fonte: SUPALLA, T. inalienable possession posse inalienável Contexto: As we examined our data, we noted similarities across these three languages in terms of the syn- tactic structures employed to express possession and existence, as well as an apparent restriction on which of these structures can occur with inanimate possessors and certain cases of inalienable possession (eg. body part possession). Ao analisar nossos dados, observamos semelhanças entre essas três línguas quanto às estruturas sintáticas empregadas para expressar posse e existência, bem como uma visível restrição com relação a quais dessas estruturas podem ocorrer com possuidores inanimados e certos casos de posse inalienável (por exemplo, posse de parte do corpo). Fonte: PICHLER, D. et al. inanimate possessum possessum inanimado Contexto: The most basic configuration for NP possessives in our data is that involving alienable posses- sion of an inanimate possessum by an animate possessor. A configuração mais básica para as locuções nominais possessivas em nossos dados é a que envolve a posse alienável de um possessum inanimado por um possuidor animado. Fonte: PICHLER, D. et al. index handshape cm de indicador Contexto: Noel substituted an index handshape (index finger only extended; others fisted) for the V-hand- shape of the target sign, thus obscuring the image of legs. Noel substituiu uma CM de indicador (o dedo indicador estendido e os outros dobrados) por uma CM V do sinal alvo, assim apagando a imagem das pernas. Fonte: MEIER, R. index shake movimento do indicador Contexto: The logistic regression analysis showed significant main factor effects for age and gender. Confir- matory chi-square analysis showed a main effect for age, with “index shake”(A) more likely in the youngest group, and ‘two fingers’ (B form) more likely in the middle group. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas A análise de regressão logística demonstrou efeitos significantes para os fatores principais de idade e gê- nero. A análise confirmatória de chi-quadrado demonstrou um efeito principal para faixa etária, com o 383 Glossário

‘’índice de movimento’’ (variante A), apresentando maior tendência de ocorrência entre os sinalizantes mais jovens e a variante de ‘’dois dedos’’ (variante B) apresentando maior tendência de ocorrência entre os sinalizantes do grupo do meio (50%). Fonte: MACKEE, D. et al.

infant sign production produção de sinais de crianças Contexto: Those three studies will examine: 1) properties of child-directed signing, 2) the interaction of iconicity and infant sign production, and 3) motoric constraints upon infant sign production. Esses três estudos examinam: 1) propriedades da sinalização direcionada à criança, 2) a interação da iconici- dade e da produção dos sinais da criança, e 3) restrições motoras à produção de sinais da criança. Fonte: MEIER, R.

inflected and uninflected forms formas flexionadas e não-flexionadas Contexto: There are just 18 tokens for first person subject and third person object (i.e. 1-GIVE-3) and they are evenly distributed over the inflected and uninflected forms. Entretanto, cerca de 68.89% dos sinais nessa categoria são sinais não-flexionados. Existem apenas 18 sinais para sujeito de primeira pessoa gramatical e objeto de terceira pessoa gramatical (isto é, 1-DAR-3) e eles são igualmente distribuídos entre as formas flexionadas e não-flexionadas. Fonte: TANG, G. et al.

informational load of the sign carga informacional contida no sinal Contexto: The hands are the active articulator in sign languages, and they carry most of the informational load of the sign. As mãos são o articulador ativo na língua de sinais e elas concentram a maior parte da carga informacional contida no sinal. Fonte: MEIR, I.

inherited childhood deafness surdez genética na infância Contexto: Shahin et al. (2002) document that while approximately one in 1000 infants worldwide are born with hearing loss, communities with high levels of consanguinity have especially high frequencies of inher- ited childhood deafness. Shahin et al. (2002) documentam que enquanto aproximadamente uma, dentre mil crianças no mundo, nasce com perda de audição, comunidades com altos níveis de consangüinidade apresentam uma freqüên- cia especialmente alta de surdez genética na infância. Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C.

inter-modal language mixing mistura de línguas intermodal Contexto: Secondly, cross-modal language contact phenomena, like inter-modal language mixing also reflect the social factors that determine language use in bilingual signers. Em segundo lugar, fenômenos de contato de linguagem intermodal, como, por exemplo, mistura de línguas Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas intermodal, também refletem fatores sociais que determinam o uso da língua por sinalizantes bilíngües. 384 Fonte: PUST, C. P.; WEINMEISTER, K.

Glossário

international sign sinal internacional Contexto: Presumably because of such similarities among unrelated sign languages, speakers of mutually unintelligible sign languages are able to develop a signed pidgin (called International Sign) which retains these morphological structures, and which is thus unexpectedly more complex than spoken pidgins (T. Supalla and Webb, 1995;Webb and T. Supalla, 1995). Supostamente, devido a essas semelhanças entre línguas de sinais não relacionadas, falantes de línguas de sinais mutuamente ininteligíveis são capazes de desenvolver um pidgin sinalizado (denominado sinal internacional) que conserva essas estruturas morfológicas e que é, portanto, surpreendentemente, mais complexo que os pidgins falados (T. Supalla e Webb, 1995;Webb e T. Supalla, 1995). Fonte: SUPALLA, T.

Japanese Sign Language (NS) Língua de Sinais Japonesa (NS) Contexto: Currie, MEIER, R., and Walters (2002) counted cognates in their lexicostatistical comparison of LSM with French Sign Language (LSF), (LSE), and (NS). Currie, MEIER, R., e Walters (2002) contaram os cognatos em suas comparações léxico estatísticas da LSM com a Língua de Sinais Francesa (LSF), Língua de Sinais Espanhola (LSE), e Língua de Sinais Japonesa (NS). Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C.

Jordanian Sign Language (LIU) Língua de Sinais da Jordânia (LIU) Contexto: The sign languages that will be examined in comparison to Jordanian Sign Language (LIU) are Al-Sayyid Bedouin Sign Language (ABSL), Kuwaiti Sign Language (KSL), Libyan Sign Language (LSL), and Palestinian Sign Language (PSL). As línguas de sinais que serão examinadas em comparação com a Língua de Sinais da Jordânia (LIU) são a Língua de Sinais Al-Sayyid Beduína (ABSL), a Língua de Sinais do Kuwait (KSL), a Língua de Sinais da Líbia (LSL) e a Língua de Sinais Palestina (PSL). Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C. kinship terms termos de parentesco Contexto: A proportion of the Auslan vocabulary overlapped with signs already in use in NZ, but many traditional NZ signs were supplanted the new TC lexicon (including whole sets of signs such as colours, numbers, days of the week, kinship terms). Uma parte do vocabulário da Auslan coincidia com os sinais já em uso na NZ, porém muitos sinais tra- dicionais dos neozelandeses foram substituídos pelo novo léxico da CT (incluindo conjuntos inteiros de sinais como cores, números, dias da semana, termos de parentesco). Fonte: MACKEE, D. et al. knuckle junta dos dedos Contexto: Unlike the oral articulators, the manual articulators comprise a series of jointed segments; signs are articulated at joints ranging from the shoulder to the second knuckles. Ao contrário dos articuladores orais, os articuladores manuais compreendem uma série de segmentos realizados Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas nas juntas; os sinais são articulados nas juntas, desde os ombros até as segundas juntas dos dedos da mão. Fonte: MEIER, R. 385

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Kuwaiti Sign Language (KSL) Língua de Sinais do Kuwaiti (KSL) Contexto: The sign languages that will be examined in comparison to Jordanian Sign Language (LIU) are Al-Sayyid Bedouin Sign Language (ABSL), Kuwaiti Sign Language (KSL), Libyan Sign Language (LSL), and Palestinian Sign Language (PSL). As línguas de sinais que serão examinadas em comparação com a Língua de Sinais da Jordânia (LIU)3 são a Língua de Sinais Al-Sayyid Beduína (ABSL)4, a Língua de Sinais do Kuwait (KSL), a Língua de Sinais da Líbia (LSL) e a Língua de Sinais Palestina (PSL). Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C.

Libyan Sign Language (LSL) Língua de Sinais Libanesa (LSL) Contexto: The sign languages that will be examined in comparison to Jordanian Sign Language (LIU) are Al-Sayyid Bedouin Sign Language (ABSL), Kuwaiti Sign Language (KSL), Libyan Sign Language (LSL), and Palestinian Sign Language (PSL). As línguas de sinais que serão examinadas em comparação com a Língua de Sinais da Jordânia (LIU)3 são a Língua de Sinais Al-Sayyid Beduína (ABSL)4, a Língua de Sinais do Kuwait (KSL), a Língua de Sinais da Líbia (LSL) e a Língua de Sinais Palestina (PSL). Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C.

lip reading; speech reading leitura labial Contexto: For this reason, speech reading (“lip reading”) does not yield sufficient information for a deaf child to understand speech. Por esta razão, a leitura labial não provê informação suficiente para que uma criança surda entenda a fala. Fonte: MEIER, R.

locative adverb sign sinal de advérbio locativo Contexto: Schalber and Hunger (to appear) point out that in its existential use, DA functions to indicate the actual presence and location of the object to which existence is being attributed, and can even be replaced with a locative adverb sign such as HIER here. Schalber e Hunger (no prelo) mostram que, o sinal DA, usado em construções existenciais, indica a pre- sença concreta e a locação do objeto ao qual se atribui existência e pode até ser substituído por um sinal de advérbio locativo como HIER . Fonte: PICHLER, D. et al.

locative gloss glosa locativa Contexto: Most obviously is the fact that the ÖGS verb used with possessives and existentials bears a loca- tive gloss (here). É evidente o fato de que o verbo usado em construções possessivas e existenciais na ÖGS permite uma glosa

Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas locativa here (aqui). Fonte: PICHLER, D. et al. 386 Glossário

locative index apontação Contexto: For instance, all three in our study languages make use of the locative index (including personal pronouns) for expression of possession and existence. Por exemplo, todas as três línguas do nosso estudo usam a apontação (inclusive para pronomes pessoais) para expressar posse e existência. Fonte: MEIER, R. locative structure estrutura locativa Contexto: As we examined the possessive and existential constructions collected for the present project, we asked ourselves what evidence there might be for an underlying locative structure in possessives and existentials in ASL, ÖGS and HZJ. Ao analisarmos as construções possessivas e existenciais coletadas para o presente projeto, nos perguntamos que evidência poderia haver nelas para a existência de uma estrutura locativa subjacente nas construções possessivas e existenciais na ASL, na ÖGS e na HZJ. Fonte: PICHLER, D. et al. locatives [construções] locativas Contexto: It has been noted by many researchers that possessive and existential expressions in a large num- ber of spoken languages share certain relationship with locatives (cf. Lyons (1968), Clark (1978), Freeze (1992), Harley (2003), inter alia). Muitos pesquisadores observaram que as expressões possessivas e existenciais de um grande número de línguas faladas mantêm uma certa relação com as construções locativas (cf. Lyons (1968), Clark (1978), Freeze (1992), Harley (2003), inter alia). Fonte: PICHLER, D. et al. locus of the possessor locus do possuidor Contexto: All three languages employ a possessive pronoun (glossed as POSS in the examples below) formed by displacing the B hand configuration towards the locus of the possessor. Todas as três línguas empregam um pronome possessivo (glosado como POSS nos exemplos abaixo), for- mado pelo deslocamento da configuração de mão “B” em direção ao locus do possuidor. Fonte: PICHLER, D. et al. manual and visual indexes apontação manual e visual Contexto: The first, hereafter referred to as the ‘standard’ class has been rather extensively investigated, and is realized through manual and visual indexes which establish marked positions in space, often called “loci”, where referents can be symbolically assigned (for overviews highlighting typological uniformity across SL with respect to this basic mechanism see, among others, Cuxac, 2000; Liddell, 2003; LILLO- MARTIN, D.-Martin & Klima, 1990; McBurney, 2002; Rathmann & Mathur, 2002; PIZZUTO, E. et al., 2004/to appear). A primeira, doravante denominada classe ‘padrão’, tem sido amplamente investigada. Ela é realizada por meio Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas de apontações manuais e visuais, que estabelecem posições marcadas no espaço, normalmente chamadas de “loci”, às quais os referentes podem ser atribuídos simbolicamente (para visões gerais que enfatizam a unifor- 387 Glossário

midade tipológica na LS com relação a esse mecanismo básico, veja, entre outros, Cuxac, 2000; Liddell, 2003; LILLO-MARTIN, D.-Martin & Klima, 1990; McBurney, 2002; Rathmann & Mathur, 2002; PIZZUTO, E. et al., 2004/no prelo). Fonte: PIZZUTO, E. et al.

manual articulators articuladores manuais Contexto: Whereas the manual articulators move in a transparent, three-dimensional space, the speech articulators are largely hidden from view. Enquanto os articuladores manuais movem-se em um espaço tridimensional transparente, os articulado- res da fala são invisíveis. Fonte: MEIER, R.

Mexican Sign Language (MSL) Língua de Sinais Mexicana (MSL) Contexto: The result is that even unrelated signed languages such as Japanese and (MSL) may exhibit considerable overlap in their vocabularies. O resultado é que até mesmo em línguas de sinais que não se relacionam, como a Língua de Sinais Japonesa e a Língua de Sinais Mexicana (MSL), podem exibir similaridades consideráveis em seus vocabulários. Fonte: MEIER, R. mirror movements movimentos espelhados Contexto: Production of these mirror movements, or what I have called sympathetic movements, is nor- mal in typically-developing infants, but persists in children with developmental disorders (see Mayston, Harrison, & Stephens, 1999, for a recent report). A produção desses movimentos espelhados, ou o que chamo de movimentos cúmplices (sympathetic mo- vements), é normal no desenvolvimento típico de crianças, mas persiste em crianças com desordens de desenvolvimento (ver um relatório recente em Mayston, Harrison, & Stephens, 1999). Fonte: MEIER, R.

modality-specific constraints; modality-specific resources restrições específicas de modalidade; estratégias específicas da modalidade Contexto: I’ll discuss three arenas of early sign learning in which we might detect the effects of modality- specific constraints upon the child and of modality-specific resources afforded the child. Discutirei três contextos de aprendizagem dos primeiros sinais nos quais poderemos detectar os efei- tos das restrições específicas da modalidade sobre a criança e os efeitos das estratégias específicas da modalidade disponibilizadas para a criança. Fonte: MEIER, R.

modality-specific features características específicas de modalidade Contexto: This paper explores typological, presumably modality-specific features affecting deixis and anaphora in signed languages (hereafter SL). Este artigo explora fatores tipológicos, supostamente características específicos da modalidade, que afe- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas tam a dêixis e a anáfora nas línguas de sinais (doravante LS). 388 Fonte: PIZZUTO, E. et al. Glossário

modern sign language línguas de sinais modernas Contexto: The 40-year history of modern sign language research includes both impressive achievements which have advanced our knowledge and research agendas which have narrowed our focus and limited our knowledge. A história de 40 anos da pesquisa em línguas de sinais modernas inclui tanto as conquistas importantes que fizeram avançar nosso conhecimento, quanto as pautas de pesquisa que delimitaram nosso foco e limi- taram o nosso conhecimento. Fonte: SUPALLA, T.

Modern Standard Arabic (MSA) Árabe Moderno Padrão (MSA) Contexto: Should a Yemeni and a Tunisian meet, they can resort to the dialect of movie stars to understand each other or they could use the highly codified language of Modern Standard Arabic (MSA) which is used by newscasters and public officials in Arab countries. Caso um iemenita e um tunisiano se encontrem, eles podem recorrer ao dialeto das estrelas dos filmes para se entenderem ou podem usar a língua altamente codificada da língua Árabe Moderno Padrão (MSA), que é usada pelos apresentadores de jornal e oficiais públicos, nos países árabes. Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C. motoric constraints restrições motoras Contexto: Those three studies will examine: 1) properties of child-directed signing, 2) the interaction of iconicity and infant sign production, and 3) motoric constraints upon infant sign production. Esses três estudos examinam: 1) propriedades da sinalização direcionada à criança, 2) a interação da iconici- dade e da produção dos sinais da criança, e 3) restrições motoras à produção dos sinais da criança. Fonte: MEIER, R. movimentos da boca Contexto: In fact, there are observable differences between the signing of 45 year olds and that of 65 year olds; for example, the oldest signers use more mouthing as a primary means of reference, a more restricted sign vocabulary, and little or no use of a conventional manual alphabet. Na realidade, houve diferenças observáveis entre a sinalização de faixa etária de 45 anos e aquela da faixa etária de 65 anos. Por exemplo, os sinalizantes mais velhos usam mais movimentos da boca como principal meio de referência, um vocabulário de sinais mais restrito e pouco ou nenhum uso de um alfabeto manual convencional. Fonte: MACKEE, D. et al. movement sympathy cumplicidade de movimento Contexto: The infant tendency to movement sympathy appears in deaf and hearing children alike, but only for signing infants will this tendency affect their production of language. A tendência infantil à cumplicidade de movimento aparece tanto na criança surda como na criança ouvin- te, mas essa tendência só afetará a produção de linguagem nas crianças sinalizantes. em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Fonte: MEIER, R. 389

Glossário

multimedia sign language environments ambientes multimídia de línguas de sinais Contexto: There is a fixed, controlled and limited representation of sign language information that re- sembles previous computer-based applications; multimedia sign language environments stored in a CD constituting simple word – sign sentence drill patterns that students needed to repeat in a mechanistic and linear way. Existe uma representação fixa, controlada e limitada da informação em língua de sinais que se assemelha a aplicativos computacionais do passado: ambientes multimídia de língua de sinais armazenados em um CD e que constituem meros exercícios de repetição de palavra/oração de sinais a serem realizados pelo alu- no de uma maneira mecânica e linear. Fonte: MERTZANI, M.

native deaf signer sinalizante nativo surdo Contexto: Chun-chun’s naturalistic interactions with either his mother (only for the first few months) or a native deaf signer were filmed for about one hour per week. As interações naturalistas de Chun-chun com sua mãe (apenas nos primeiros meses) ou com um sinalizan- te nativo surdo foram filmadas por aproximadamente uma hora por semana. Fonte: TANG, G. et al.

native-signing mother mãe sinalizante nativa Contexto: A typical example was produced by Noel at 12 months; she produced the monocyclic ASL sign black with three movement cycles; in the same conversation, her native-signing mother produced the sign with just one cycle. Um exemplo típico foi produzido por Noel aos 12 meses de idade; ela produziu o sinal ASL monocíclico de PRETO com três ciclos de movimento; na mesma conversa, sua mãe sinalizante nativa produziu o sinal com apenas um ciclo. Fonte: MEIER, R.

New Zealand Sign Language (NZSL) Língua de Sinais Neozelandesa (NZSL) Contexto: McKee et al. (2000) use Woodward’s modified core vocabulary list of 100 concepts to establish the relationship between New Zealand Sign Language (NZSL), ASL, Australian Sign Language (Auslan), and British Sign Language (BSL). McKee et al. (2000) usam a lista modificada de vocabulário nuclear de Woodward, de 100 conceitos, para estabelecer a relação entre a Língua de Sinais da Nova Zelândia (NZSL), a ASL, a Língua de Sinais Austra- liana (Auslan) e a Língua de Sinais Britânica (BSL). Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C.

non-manual marking marcação não-manual Contexto: One of the most interesting patterns emerged from studying the non-manual marking of nega- tive clauses across sign languages. Um dos padrões mais interessantes emergiu do estudo da marcação não-manual de orações negativas entre Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas línguas de sinais. 390 Fonte: ZESHAN, U.

Glossário

non-manual differences diferenças não-manuais Contexto: For McKee et al., cognates are signs that share at least three out of four parameters. Non-manual differences such as facial markers were not included in the comparison. Para McKee et al., os cognatos são sinais que compartilham pelo menos três desses quatro parâmetros. As diferenças não-manuais, tais como as marcas faciais, não foram incluídas na comparação. Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C. non-signing parents pais não sinalizantes Contexto: The iconic potential of the visual-gestural modality means that deaf children of hearing parents can invent gestures (so-called “home signs”) that will be understood by non-signing parents (Goldin- Meadow, 2003). O potencial icônico da modalidade visual-gestual significa que as crianças surdas de pais ouvintes podem inventar gestos (chamados “sinais caseiros”) que serão entendidos pelos pais não-sinalizantes (Goldin- Meadow, 2003). Fonte: MEIER, R. null arguments argumentos nulos Contexto: However, LILLO-MARTIN, D.-Martin (2002) cautions against this outright rejection arguing that there are indeed fixed phonological forms for first person and plural, and person agreement does in- teract with the licensing conditions for null arguments in ASL. Entretanto, LILLO-MARTIN, D.-Martin (2002) mostra-se cauteloso no que tange essa rejeição imediata, argumentando que existem, na verdade, formas fonológicas estabelecidas para a primeira pessoa gramatical e plural e que a concordância de pessoa gramatical interage com as condições de licença para argumentos nulos, em ASL. Fonte: TANG, G. et al. one-handed sign sinal de uma mão Contexto: There is much to observe in this brief interaction: 1) With the first token of duck (a one-handed sign articulated at the mouth that suggests the opening and closing of a duck’s bill), the mother leaned in so that it was possible for her daughter to see a sign such as duck that is articulated on the face. Há muito a ser observado nesta breve interação: 1) Na primeira ocorrência de PATO (um sinal de uma mão articulado na boca, que sugere o abrir e fechar de um bico de pato), a mãe se inclinou de tal forma a entrar no campo visual de sua filha, para que ela visse como o sinal de PATO é articulado no rosto. Ela continuou inclinada durante toda a interação. Fonte: MEIER, R. oral-aural oral-auditivo Contexto: The differing articulatory and perceptual characteristics of the visual-gestural and oral-aural modalities raise the possibility that the two language modalities may place different constraints on the lan- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas guage learner and may offer different resources to that learner. A articulação diferenciada e as características perceptuais das modalidades gesto-visual e oral-auditivo 391 Glossário

levantam a possibilidade de que as duas modalidades de línguas podem apresentar restrições diferentes a aprendizes, e podem oferecer estratégias diferentes para os mesmos. Fonte: MEIER, R.

paired articulators articuladores emparelhados Contexto: Spoken and signed languages differ in that signed languages employ paired articulators; we have two arms and hands, but only one jaw, one tongue, and one velum. Línguas sinalizadas e faladas diferenciam-se no sentido de que as línguas sinalizadas usam articuladores emparelhados; temos dois braços e duas mãos, mas somente uma mandíbula, uma língua e um palato. Fonte: MEIER, R.

Palestinian Sign Language (PSL) Língua de Sinais Palestina (PSL) Contexto: The sign languages that will be examined in comparison to Jordanian Sign Language (LIU) are Al-Sayyid Bedouin Sign Language (ABSL), Kuwaiti Sign Language (KSL), Libyan Sign Language (LSL), and Palestinian Sign Language (PSL). As línguas de sinais que serão examinadas em comparação com a Língua de Sinais da Jordânia (LIU)3 são a Língua de Sinais Al-Sayyid Beduína (ABSL)4, a Língua de Sinais do Kuwait (KSL), a Língua de Sinais da Líbia (LSL) e a Língua de Sinais Palestina (PSL). Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C.

path trajetória Contexto: Specifically, the children were quite accurate on place of articulation, less accurate on path movement, and quite inaccurate on handshape. Especificamente, as crianças foram bem precisas no que diz respeito ao local de articulação, menos precisas no que diz respeito aos movimentos de trajetória, e quase nada precisas no que diz respeito à CM. Fonte: MEIER, R.

path movement movimento de trajetória Contexto: Children thus controlled two movement types: path movements articulated at the elbow and hand-internal movements articulated at the first knuckles. As crianças, então, controlaram dois tipos de movimento: movimentos de trajetória articulados no coto- velo e movimentos articulados no interior da mão, nas primeiras juntas. Fonte: MEIER, R.

place of articulation (poa) local de articulação (pa) Contexto: In this study, sign parameters Handshape (HS), Place of Articulation (POA), and Movement (M) are systematically varied to permit us to test the cues that are used for making such decisions. Neste estudo, os parâmetros de sinais, Configuração de Mão (CM), Ponto de Articulação (PA) e Movi- mento (M) são sistematicamente variados para nos permitir testar as pistas que são utilizados para tomar Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas tais decisões. 392 Fonte: BRENTARI, D.; WILBUR, R..

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pointing signs sinais de apontação Contexto: Pointing signs were excluded from consideration. Each of these sign tokens was then judged by a Deaf adult rater as to whether it was more iconic than the adult target sign, less iconic than the adult target sign, or as iconic as the adult target sign. Sinais de apontação foram excluídos desse número. Cada uma das ocorrências desses sinais foi avaliada por um avaliador adulto surdo para verificar se a ocorrência era mais icônica do que o sinal direcionado ao adulto, menos icônico do que o sinal direcionado ao adulto ou tão icônico quanto o que o sinal direcionado ao adulto. Fonte: MEIER, R. prelingual neurosensory deafness surdez neurosensorial prelingual Contexto: Kisch (2004) describes the case of the Al-Sayyid community in the Negev, where consanguine- ous marriage is common and frequencies of hearing loss is high at 3% of the population due to genetically recessive traits of profound prelingual neurosensory deafness. Kisch (2004) descreve o caso da comunidade de Al-Sayyid no Negev (deserto que ocupa o sul de Isra- el), onde o casamento consangüíneo é comum e a freqüência de perda de audição é alta em 3% da po- pulação devido a características genéticas recessivas de profunda surdez neurosensorial pré-lingual. Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C.

R-locus locus-R (locus referencial) Contexto: Each argument is assigned its own R-locus, and therefore it can be regarded more as an index than as feature complex. Cada argumento designado seu próprio locus-R e assim ele pode ser compreendido mais como um indica- dor do que como um complexo de traços. Fonte: MEIR, I. recessive deafness surdez recessiva Contexto: As Groce (1985) illustrates in her history of nineteenth-century Martha’s Vineyard where there was a high incidence of recessive deafness, sign languages are likely to flourish in such communities as deaf people and hearing people use signed communication on a regular basis. Como Groce (1985) ilustra em sua história do Vinhedo de Marta do século XIX, onde havia um alto inci- dente de surdez recessiva, as línguas de sinais são propensas a aflorar em tais comunidades, uma vez que surdos e ouvintes usam, regularmente, a comunicação sinalizada. Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C. referential indexes indicadores referenciais Contexto: At stage I, referential indexes (pronouns) and verb agreement are absent. No estágio I, indicadores referenciais (pronomes) e concordância verbal não estão presentes. Fonte: PUST, C. P.; WEINMEISTER, K. referential locus in space locus referencial no espaço em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas Contexto: Following TANG, G. et al. and Sze (2002), an agreeing verb in HSKL is realized by directing the sign through a path movement to a referential locus in space. 393 Glossário

De acordo com TANG, G. et al. e Sze (2002), um verbo de concordância em HSKL é realizado por meio do dire- cionamento do sinal, através de um movimento de trajetória, para um locus referencial no espaço. Fonte: TANG, G. et al.

sign bilingualism research pesquisa de bilingüismo de sinais Contexto: In sign bilingualism research, there is a general agreement about the positive effects deriving from an early exposure to sign language for the acquisition of literacy in young deaf signers in the sense of Cummins’ Interdependence theory. Nos estudos de bilingüismo em sinais, há um consenso geral sobre os efeitos positivos que derivam das primeiras exposições à língua de sinais para a aquisição do letramento de jovens sinalizantes surd@s de acordo com a Teoria da Interdependência de Cummin Fonte: PUST, C. P.; WEINMEISTER, K.

sign language typology tipologia de línguas de sinais Contexto: Finally, it makes interesting predictions regarding sign language typology and diachronic devel- opments within sign languages. Finalmente, esta análise faz previsões interessantes acerca da tipologia e avanços diacrônicos em línguas de sinais. Fonte: MEIR, I.

sign linguists lingüistas de sinais Contexto: Woodward (1978) is one of the first sign linguists to conduct lexicostatistical research on sign languages. Woodward (1978) é um dos primeiros lingüistas de sinais a conduzir uma pesquisa léxico estatística em línguas de sinais. Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C.

sign motherese manhês de sinais Contexto: However, these modifications also sometimes appear when the mother already has the child’s attention, indicating that these properties of sign motherese are not purely a product of the mother’s sen- sitivity to the child’s visual attention. Entretanto, estas modificações podem aparecer algumas vezes quando a mãe já tem a atenção da criança, o que indica que estas propriedades do manhês de sinais não são, exclusivamente, produtos da sensibilidade da mãe em relação à atenção visual da criança. Fonte: MEIER, R.

sign tokens ocorrências de sinais 0Contexto: We followed their language development longitudinally; children were videotaped in their home while interacting with a parent and/or a signing experimenter. In subsequent coding of these vid- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas eotapes, we identified a corpus of 632 sign tokens. 394 Seguimos o desenvolvimento de sua aquisição da língua de sinais, longitudinalmente; as crianças foram Glossário

filmadas em suas casas enquanto interagiam com um dos pais e/ou um experimentador sinalizante. Na transcrição dessas gravações, identificamos um corpus de 632 ocorrências de sinais. Fonte: MEIER, R. signed labels palavras sinalizadas Contexto: One issue in early sign development is therefore this: how do signing parents make signed labels visible to their infants? Uma questão na aquisição dos primeiros sinais é, portanto: como os pais sinalizantes tornam palavras sinalizadas para suas crianças Fonte: MEIER, R. signing space spaço de sinalização Contexto: These differences have to do with the use of space. In the spatial semantic field, the signing space is taken as an analogous representation of real world space, which is continuous. Contudo, existem diferenças importantes entre os dois campos. Essas diferenças estão relacionadas ao uso do espaço. No campo semântico espacial, o espaço de sinalização é interpretado como uma representação análoga do espaço do mundo real, que é contínuo. Fonte: MEIR, I. single signs sinais isolados Contexto: So for example, some of the stimuli that would clearly be two separate signs in HZJ or ÖGS might be allowable single signs in ASL, or vice versa. Por exemplo, alguns dos estímulos que poderiam, claramente, ser separados em dois sinais na HZJ ou ÖGS, na ASL podem ser sinais isolados admissíveis, ou vice-versa. Fonte: BRENTARI, D.; WILBUR, R.. spatial pointers apontadores espaciais Contexto: These forms include spatial pointers, direction of movement of the verb as an agreement mark- er, and the use of classifier hanshapes. Essas formas incluem apontadores espaciais, direção de movimento do verbo como um marcador de concordância e o uso de configurações de mão classificadoras. Fonte: SUPALLA, T. urban deaf communities comunidades surdas urbanas Contexto: This section is about a type of sign language that differs radically from the better-known situa- tion of largely urban deaf communities that are users of minority sign languages and members of a minor- ity cultural group, such as is the case in all sign languages discussed in section 3. Esta seção analisa o tipo de língua de sinais que difere radicalmente da situação mais conhecida das grandes comunidades surdas urbanas que são usuárias das línguas de sinais de minoria e são membros de um gru- Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas po cultural minoritário, como é o caso de todas as línguas de sinais analisadas na sessão 3. Fonte: ZESHAN, U. 395 Glossário

visual-gestural modality modalidade visual-gestual Contexto: They argue that the visual-gestural modality of sign languages and their capacity for iconic repre- sentations support at the very least, a minimal level of similarity between unrelated sign languages. Eles argumentam que a modalidade visual-gestual das línguas de sinais e sua capacidade para represen- tações icônicas dão suporte, no mínimo, a um nível mínimo de similaridade entre as línguas de sinais não relacionadas. Fonte: AL-FITYANI, K.; PADDEN, C.

visually-perceived referents referentes percebidos visualmente Contexto: Spoken labels and their referents are generally presented in distinct sensory modalities; audito- rally-presented labels are paired with visually-perceived referents. As palavras faladas e seus referentes são geralmente apresentados por meio de modalidades sensoriais dife- rentes; as palavras são apresentadas de formas audíveis, coordenadas com os referentes percebidos visu- almente. Fonte: MEIER, R.

young sign languages línguas de sinais jovens Contexto: In an overview article “Sign Language Research at the Millenium”, Newport and Supalla (2000) discuss the tendency toward such structures in young sign languages, sign language pidgins, and even home sign systems. No artigo “Sign Language Research at the Millenium”, Newport e Supalla (2000) discutem a tendência em direção a essas estruturas nas línguas de sinais jovens, língua de sinais pidgins e até em sistemas de sinais caseiros. Fonte: SUPALLA, T. Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais das Pesquisas Questões Teóricas

396 FICHA TÉCNICA © 2008 Editora Arara Azul LTDA. Todos os direitos reservados Rua das Acácias, 20 – Condomínio Vale União – Araras Petrópolis – RJ– CEP.: 25725-040 Tel.: (24) 2225-8397 www.editora-arara-azul.com.br

Organizadoras Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos Ronice Müller de Quadros

Coordenação Geral da Tradução Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos

Tradutores Alinne Balduíno Pires Fernandes Carolina Vidal Ferreira Elaine Espíndola Gisele Daiana Pereira Jose Rodolfo da Silva Ladjane Maria Farias de Souza Lautenai Antonio Barthalamei Junior Lincoln Paulo Fernandes Lucas Hack de Mendonça Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos Thiago Blanch Pires

Revisores Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos Lincoln Paulo Fernandes Lautenai Antonio Barthalamei Junior

Revisão final Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos Mariana Klôh Rabello

Assistentes de Coordenação de Projeto de Tradução Gisele Daiana Pereira Fabio Augusto Prado Marques

Compilação do Glossário Lautenai Antonio Bartholomei Junior

Capa, projeto gráfico e diagramação FA Editoração eletrônica

apoio INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira MEC/SEED

ISBN 978-85-89002-33-2

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