UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

CAROLINA CUNHA DA SILVA

REPRESENTAÇÃO DA ESCOLA NO CINEMA UM ESTUDO SOBRE O FILME DETACHMENT

GUARULHOS 2019

CAROLINA CUNHA DA SILVA

REPRESENTAÇÃO DA ESCOLA NO CINEMA

UM ESTUDO SOBRE O FILME DETACHMENT

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre

em Educação. Universidade Federal de São Paulo. Área de concentração: Educação. Orientação: Profa. Dra. Marian Ávila de Lima e Dias.

Guarulhos 2019

Na qualidade de titular dos direitos autorais, em consonância com a Lei de direitos autorais nº 9610/98, autorizo a publicação livre e gratuita desse trabalho no Repositório Institucional da UNIFESP ou em outro meio eletrônico da instituição, sem qualquer ressarcimento dos direitos autorais para leitura, impressão e/ou download em meio eletrônico para fins de divulgação intelectual, desde que citada a fonte.

Silva, Carolina Cunha da.

Representação da escola no cinema: um estudo sobre o filme Detachment / Carolina Cunha da Silva. Guarulhos, 2019. 114 f.

Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2019. Orientação: Marian Ávila de Lima e Dias. Título em inglês: Representation of the school in the movies: a study about the film Detachment.

1. Representação da escola. 2. Cinema. 3. Política Educacional. 4. Profissão docente. 5. Violência escolar. I. Dias, Marian Ávila de Lima. II. Título. CAROLINA CUNHA DA SILVA REPRESENTAÇÃO DA ESCOLA NO CINEMA: Um estudo sobre o filme Detachment

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação Universidade Federal de São Paulo Área de concentração: Educação

Aprovação: ____/____/______

Prof. Dra. Marian Ávila de Lima e Dias Universidade Federal de São Paulo

Prof. Dr. Lineu Norio Kohatsu Universidade de São Paulo

Prof. Dr. Sergio Stoco Universidade Federal de São Paulo

Aos meus pais, sempre os maiores amigos, parceiros e apoiadores em tudo o que eu tenho me proposto a fazer na vida.

AGRADECIMENTOS

Várias pessoas e instituições contribuíram de forma direta e indireta para que este trabalho se tornasse possível. Em primeiro lugar, agradeço aos meus orientadores, Denilson Cordeiro, por me ensinar com tanta gentileza a subir nos ombros dos gigantes, e Marian Dias, por ter acreditado em meu potencial e me acolhido desde o começo. Agradeço também ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Unifesp, a todos os professores com quem pude ter contato por meio das disciplinas, aos amigos que fiz, em especial João Carreira, Carolina Nóbrega, Davi Bachelli, Diogo Canhadas e Fabiane Malvestiti, bem como aos funcionários, Erick Dantas e Jane Yamaguti que tão solicitamente atenderam às nossas demandas administrativas.

Agradeço aos componentes do Grupo de Estudos e Pesquisas em Cultura, Diversidade e Educação pelos momentos de exercício do pensar crítico. Agradeço à essencial participação dos professores Marcos Soares e Lineu Kohatsu na banca de qualificação e Leon Crochík pelo intenso semestre de estudos da Dialética do Esclarecimento.

Agradeço aos amigos e irmãos de caminhada, em especial os do GP, pelo suporte espiritual, pela amizade e por compreenderem minhas ausências e contribuírem, muitas vezes sem saber, com ideias e epifanias surgidas de conversas informais. Também aos companheiros do trabalho e alunos da EMEF Tenente Alípio Andrada Serpa, por tornarem o meu cotidiano mais leve há nove anos, incluindo os últimos dois e meio em que me dediquei ao mestrado.

Agradeço à minha família, meus pais Jane Cunha e Edvaldo Liberato pelo suporte e carinho de sempre, à minha irmã Bianca Diacov, meu cunhado Isaque Diacov, meus sobrinhos Débora e Lucas Diacov, ao meu irmão Filipe Cunha e minha cunhada Cristina Mendonça, que carrega David, o mais novo membro da família, simplesmente por serem família e fonte essencial de amor, e ao Filipe especialmente por me ajudar a encontrar textos e vídeos raros.

E como toda a pessoa de fé que chega a esse ponto da vida acadêmica, agradeço a Deus como demonstração de que, ao contrário do que pode parecer a regra, não é necessário abdicar do intelecto quando se tem fé.

[...] la réalité surgit dans le spectacle, et le spectacle est réel. Cette aliénation réciproque est l’essence et le soutien de la societé existante.

Gui Debord

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo estudar a representação da escola no cinema, mais especificamente no filme Detachment a partir das seguintes perguntas: o que vem à tona nesta representação da escola? Quais relações são priorizadas, as institucionais ou as afetivas? Os referenciais teóricos adotados são as concepções de cinema oriundas das obras de Walter Benjamin, Theodor Adorno e Max Horkheimer e a abordagem crítica da sociedade contida também nas obras dos frankfurtianos, com a compreensão do declínio da experiência como interferência da ideologia da sociedade industrial nas subjetividades. A pesquisa teve como método a análise fílmica aliada à revisão bibliográfica e documental dos assuntos observados. Conclui-se que nesta representação da escola é mostrado o acentuado caráter mercadológico dado à gestão escolar pelas políticas implantadas por meio de reformas educacionais no sistema público de ensino dos Estados Unidos, com consequências como a ausência de gestão democrática, a responsabilização dos profissionais da escola pelo desempenho dos alunos materializado em sanções e premiações e a perpetuação da segregação social e racial, principalmente em bairros gentrificados. Percebe-se uma crítica a essas reformas, porém visando a um possível resgate de um ideal de democracia manifestado na Constituição dos Estados Unidos, com uma maior valorização da participação da sociedade civil, representada no protagonista, um professor substituto por opção, que não consegue ter ações transformadoras dentro da escola, simbolizado no suicídio da aluna Meredith, mas fora da função de professor, resgata uma jovem das ruas e da prostituição. O filme prioriza as relações afetivas e os estados emocionais dos personagens que compõem a escola, com uma imagem de degradação material e psicológica dos professores, que aparenta ser uma confirmação de um mal-estar da profissão docente, bem como uma priorização da representação da violência, na forma do bullying, do preconceito no discurso do professor, de agressões físicas, da violência contra o professor, da crueldade contra animais e do suicídio. Quando relacionadas com a organização da sociedade, essas ocorrências podem ser vistas como consequência da frieza da ideologia industrial, em uma negligência dos afetos, inclusive no modo de pensar a educação.

Palavras-chave: Representação da escola. Cinema. Política educacional. Profissão Docente. Violência Escolar. ABSTRACT

This research aims to study the representation of the school in the movies, more specifically in Detachment, starting from the following questions: What subjects rise in this representation of the school? What relationships are prioritized: the institutional or the affective ones? The theoretical references adopted were the conceptions of cinema in the works of Walter Benjamin, Theodor Adorno and Max Horkheimer as well as the critical analysis of the society brought in their works, with the comprehension of the decline of experience as an interference of the ideology of the industrial society in the subjectivities. The method consists in the film analysis allied to the literature and documental review of the subjects in the movie. The results point that this representation of the school depictures a strong marketing bias in the school management given by the policies implemented by the reforms in the public educational system of the United States, resulting in a lack of a democratic management, the accountability, that charges the school professionals for the performance of the students by punishments and rewards and a continuing of the social and racial segregation, mainly in gentrified neighborhoods. It is possible to note a criticism upon these reforms, but aiming to redeem an ideal of democracy manifested in the Constitution of the United States, valuing the participation of the civil society; it can be seen in the main character, a substitute teacher by choice, who is not able to act in a transforming way inside the school, symbolized in the suicide of the student Meredith, but as an individual, rescues a young adolescent from the streets and the prostitution. The film prioritize the affective relationships and the emotional states of the characters who are part of the school, with a material and psychological degradation in the depicture of the teachers, as an acknowledgement of a teaching profession malaise, as well as the prioritization of the representation of the violence, through scenes of bullying, prejudicial discourses by the teachers, fights, violence against the teachers, cruelty to animals and suicide. When related to the organization of the society, these events can be seen as a consequence of the coldness of the industrial ideology, in a negligence of the affects, also in the way it thinks about education.

Keywords: Representation of the school. Cinema. Educational Policies. Teaching Profession. School Violence.

LISTA DE SIGLAS

AFT American Federation of Teachers

ANAR A Nation at Risk

EMO Educational Management Organization

HPLC High Performance Learning Communities

LD Learning Disabled

NCLB No Child Left Behind

PISA Programme for International Student Assessment

TDAH Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade

UCLA University of California, Los Angeles

SUMÁRIO

Introdução ……………………………………………………………….... 11 i. Apresentação …………………………………………………………. 11 ii. Objeto, justificativa e problemas de pesquisa ………………………... 12 iii. Objetivos …………………………………………………………….... 15 iv. Procedimentos metodológicos ………………………………………... 16 v. Relações entre cinema e escola ……………………………………..... 18 Capítulo 1 - A escola em Detachment …………………………………... 21 1.1.Interfaces entre mercado e escola …………………………………….. 22 1.1.1. O modelo de mercado na gestão escolar …………………………. 22 1.1.2. O currículo e o poder econômico ………………………………… 31 1.1.3. O processo de gentrificação e a escola …………………………… 41 Capítulo 2 - A representação da profissão docente …………………… 48 2.1.O protagonista Henry Barthes ……………………………………….. 48 2.2.O corpo docente ………………………………………………………. 61 Capítulo 3 – A representação da violência …………………………….. 70 3.1.O discurso do professor e o preconceito ……………………………… 70 3.2.Episódios de violência na escola ……………………………………... 74 Capítulo 4 - Para uma abordagem crítica do cinema e da sociedade.... 82 4.1.A reprodutibilidade técnica da obra de arte e a indústria cultural ……. 84 4.2.A sociedade industrial …………………………………………...... 91 Considerações finais …………………………………………………….. 97 Referências Bibliográficas ……………………………………………… 101 Filmes e Produções Citados …………………………………………….. 112 Anexos ……………………………………………………………………. 114 i. Ficha técnica …………………………………………………... 114

11

INTRODUÇÃO

i. Apresentação

É comum ouvir entre profissionais da educação básica queixas a respeito dos pensadores da educação de um modo geral, por parecerem distantes da realidade escolar, desconhecendo muito do que ocorre nas entranhas do cotidiano e perdendo a capacidade de dialogar com esse contexto. Por outro lado, com as demandas burocráticas e a proletarização da profissão docente, o pragmatismo tem se tornado uma tendência, abrangendo “desde a formação docente, a filosofia da educação até definições do que e como ensinar” (LOUREIRO, 2007, p. 524). Em pesquisa sobre a formação continuada de professores, Tilger (2016) constatou que

Há uma clara tendência de adoção das pedagogias não diretivas e pragmáticas, com ênfase em uma noção de aprendizagem como processo autônomo, que se materializa em preferências por atividades lúdicas e de cunho prático, além da recusa de práticas acadêmicas, justificadas pelas resistências do público a leitura de textos teóricos. (TILGER, 2016, p. 202) Porém, contrariando esta tendência, muitos professores tem tido a oportunidade de fazer parte ao mesmo tempo do “chão da escola” e do grupo que pensa a educação. Mais do que pensar a educação, ousam simplesmente pensar; ousadia, pois muitas vezes a falta de incentivo ao estudo nos locais de trabalho do docente e a conjuntura atual do país remete à observação de Adorno (2010a) a respeito da

[...] hostilidade em relação ao espírito desenvolvido por parte de muitas administrações escolares, que sistematicamente impedem o trabalho científico dos professores, permanentemente mantendo-os down to earth (com os pés no chão), desconfiados em relação àqueles que, como afirmam, pretendem ir mais além ou a outra parte. (ADORNO, 2010a, p. 116) Foi nesse contexto que a pesquisadora deste trabalho, uma professora de inglês da rede municipal de ensino de São Paulo, formada em letras em 2009 e desde então fora da universidade e imersa na prática, sentiu a necessidade de voltar para pensar sobre as representações cinematográficas da escola, retomando o estudo do cinema praticado na faculdade de letras, porém agora voltado para a educação.

A posição é delicada, pois envolve situações paradoxais: imersão e distanciamento, demandas urgentes de sobrevivência e reflexão, teoria e práxis. Adorno 12

(1995), ao discorrer sobre teoria e práxis, as coloca em polos opostos e critica a junção das duas, comum ao pragmatismo. Para ele,

O dogma da unidade entre teoria e práxis é, em oposição à doutrina a que se reporta, adialético: ele capta simples identidade ali onde só a contradição tem chance de ser frutífera. Embora a teoria não possa ser arrancada do conjunto do processo social, também tem independência dentro do mesmo; ela não é somente meio do todo, mas também momento; não fosse assim, não seria capaz de resistir ao fascínio do todo. A relação entre teoria e práxis, uma vez distanciadas uma da outra, é a da virada qualitativa, não a da transição, muito menos a da subordinação. Elas estão em relação de polaridade entre si. (ADORNO, 1995, pp. 227-228) Portanto, levando-se em conta a necessidade de uma separação clara entre teoria e práxis, qual deve ser a atitude desses educadores-pesquisadores, que estão imersos na realidade escolar e precisam concomitantemente estar distanciados do seu objeto de estudo?

Em primeiro lugar, perseguindo a premissa de que “aquelas teorias que não foram concebidas com vistas à sua aplicação são as que têm maior probabilidade de serem frutíferas na prática” (ADORNO, 1995, p.228), este trabalho teve em seu objeto de estudo, o cinema, o distanciamento necessário para que o pensamento sobre educação fosse independente da práxis, ainda que tenha dialogado com demandas diárias e que possa trazer transformações na prática da pesquisadora.

Em segundo lugar, na compreensão de que a formação cultural de outrora se transformou em pseudoformação (ADORNO, 1996), condição esta que abarca a todos, inclusive os educadores, responsáveis por formar as gerações mais jovens, e que ela está fortemente atrelada à mediação que os produtos da indústria cultural (sobretudo o cinema) fazem entre a sociedade e os indivíduos, “[...] a única possibilidade de sobrevivência que resta à cultura é a auto-reflexão crítica sobre a semiformação” (ADORNO, 1996, p. 410). Com isto, a reflexão crítica a respeito dos produtos da indústria cultural faz parte do processo da tomada de consciência da pseudoformação.

ii. Objeto, justificativa e problemas de pesquisa

Os produtos da indústria cultural, em especial os filmes e seriados norte- americanos, têm mantido sua hegemonia cultural no início do século XXI, antes com a popularização do cinema e da televisão e depois com avanço da telefonia e informática. A importação de produtos cinematográficos pode ser relacionada à herança de uma cultura 13

colonial decorrente do papel do Brasil no capitalismo mundial durante séculos como fornecedor de matérias-primas e consumidor dos produtos importados industrializados e, ao mesmo tempo, das culturas de suas metrópoles (GOMES, 1981). O cinema, portanto, se configura como uma das formas atuais de consumo cultural estrangeiro do capitalismo, como mercadoria proveniente da indústria cultural, e importado da atual metrópole cultural e ideológica, os Estados Unidos (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b; HARVEY, 2014). Tais filmes, ainda que apresentem diferenças culturais consideráveis, têm feito parte do “imaginário social” (MORAES, 2004, p. 55, grifo do autor) do brasileiro; com suas representações de um cotidiano padronizado e genérico, eles geram a identificação imediata dos espectadores que, distraídos, envolvem-se e absorvem o fluxo das imagens em movimento (BENJAMIN, 1987a; HORKHEIMER; ADORNO, 2006b).

A escola, por sua vez, tem sido frequentemente o espaço narrativo em filmes que trazem o professor como herói, como em Ao mestre com carinho (To sir, with love, 1967), e em outros que privilegiam o ponto de vista do personagem adolescente, como em Curtindo a vida adoidado (Ferrys Bueler’s day off, 1986). Em algumas dessas produções, o ponto de vista tem recaído sobre os personagens que representam os professores, dentre as quais se podem elencar Escritores da Liberdade (Freedom Writers, 2007) e O Substituto (Detachment1, 2011), sendo o último o escolhido para análise. O filme é uma produção cinematográfica norte-americana dirigida pelo britânico Tony Kaye2 e escrita por Carl Lund que tem como espaço narrativo uma escola pública secundária de Nova Iorque. Um dos motivos para a escolha deste filme se deu pela construção do seu enredo; ao contrário de outros filmes com o ponto de vista sobre o professor, como o já citado Escritores da Liberdade, que narra a trajetória bem sucedida da professora Erin Gruwell no ensino de inglês dedicada a uma turma caracterizada pela precariedade social, não se trata de uma história de superação dentro da escola, mas segue uma estrutura trágica e à primeira vista demonstra uma descrença no sistema educacional.

1 Neste trabalho se optará pelo título original do filme, Detachment. O termo em inglês carrega uma gama de sentidos que dialogam com o filme em questão e com a própria natureza da obra cinematográfica que foram perdidos no título em português. Detachment pode ser traduzido como distanciamento, desapego, descolamento, alheamento.

2 Este é o segundo longa-metragem de Tony Kaye, diretor de videoclipes e documentários. O primeiro longa foi A outra história americana (American History X, 1998), cuja escola também está presente (não como espaço narrativo predominante, porém de extrema importância) e aborda comportamentos extremistas de skinheads, suas consequências e a complexidade da intolerância racial e seus desdobramentos na sociedade.

14

Outro motivo está relacionado com a experiência pessoal da pesquisadora; sendo professora da educação básica, ao assistir ao filme em um momento de distração, vivenciou o que Horkheimer e Adorno (2006b) chamam de identificação imediata causada pelas situações vividas pelos personagens que representam os professores e demais profissionais da educação, e com o pessimismo a respeito da escola, da sociedade e da profissão docente. Ou seja, é possível que o espectador na posição de professor observe com naturalidade e sem questionamento os diversos aspectos do fracasso da escola e da fragilidade, frustração e impotência dos profissionais nela inseridos. Filmes com temática escolar, a propósito, não somente são consumidos como entretenimento mas têm sido usados muitas vezes de forma acrítica como recurso didático em formações de professores, tanto nos cursos de pedagogia e licenciatura como na formação continuada, de acordo com estudo de Tilger (2016, p.202): Os filmes [...] assumem a função de criar um referencial comum de vivências ao qual o formador possa se reportar para construir consensos em torno das atitudes mais apropriadas diante de alguns aspectos da “realidade” da escola e dos alunos.

Ou seja, os filmes são tratados como dados absolutos a partir dos quais os formadores naturalizam as situações de fracasso ou superação expostas nas produções (TILGER, 2016). Contudo, a partir de análises distanciadas e críticas, é possível desnaturalizar essas visões correntes sobre o ambiente escolar e seus atores. De acordo com Walter Benjamin, ao comparar a contemplação de um quadro à contemplação de um filme, [...] quem se recolhe diante de uma obra de arte mergulha dentro dela e nela se dissolve, como ocorreu com um pintor chinês, segundo a lenda, ao terminar seu quadro. A massa distraída, pelo contrário, faz a obra de arte mergulhar em si, envolve-se com o ritmo de suas vagas, absorve-a em seu fluxo. (BENJAMIN, 1987a, p. 193) Portanto, a razão da escolha do tema do presente trabalho se deu na necessidade de um movimento de recolhimento diante dos filmes com a temática escolar, no lugar do consumo distraído; à medida que deixam de ser apenas consumidos e tornam-se objeto de estudo crítico, eles deixam de legitimar os pensamentos correntes sobre a educação e levam a um questionamento das formas como se dão as representações da escola e de seus atores e a maneira como elas refletem a realidade. Os principais assuntos a serem discutidos a partir da análise de Detachment são: a caracterização do sistema público de ensino dos Estados Unidos, que tem apresentado mudanças no decorrer da história; a submissão da educação pública ao mercado e a onda de reformas a partir da década de 1990; o papel da sociedade civil em contraste com o papel do Estado, representada também pelo personagem principal que, ao incorporar o primeiro, 15

consegue resgatar uma adolescente das ruas e da prostituição, ao passo que, como representante do Estado, não consegue impedir que uma adolescente se suicidasse dentro da escola; a representação da profissão docente que está manifestada no protagonista Henry Barthes que é um professor substituto por opção, e nos outros personagens que representam os profissionais da educação; o discurso preconceituoso de profissionais da educação que rotulam os alunos e suas famílias e os responsabilizam pelo fracasso da escola; e a ênfase na representação da violência dentro da escola, que se dá na forma do bullying, do preconceito, da agressão a animais, da violência contra o professor e do suicídio.

iii. Objetivos

O objetivo geral do trabalho é estudar a representação da escola no filme Detachment. Para tanto, tomaram-se como ponto de partida as seguintes perguntas: nesta representação fílmica da escola, quais assuntos vêm à tona? Quais relações são priorizadas, as institucionais ou as afetivas? A partir dessas perguntas, foram levantadas incialmente as seguintes hipóteses dos assuntos que emergem desta produção, relacionados à primeira pergunta: a) As consequências das políticas educacionais relacionadas com o mercado, que ficam em evidência na menção da lei educacional No child left behind em vigência nos Estados Unidos de 2001 a 2015. A menção aparece dentro de uma sequência em que há um personagem que se coloca como representante da iniciativa privada, com a venda de métodos de ensino para que os alunos tenham melhores notas nos exames estaduais, e do mercado imobiliário, pois faz a relação das notas da escola com o valor dos imóveis do bairro; b) A precarização da profissão docente, que se coloca na representação dos professores e demais profissionais da educação. Esta precarização diz respeito à saúde emocional desses profissionais e também às suas condições de trabalho e de vida; c) A priorização da representação da violência, já que no filme, há uma série de episódios de violência, incluindo conflitos entre estudantes, violência contra o professor, preconceito no discurso dos professores, crueldade a animais e suicídio. Priorização, pois se nota que há mais episódios de violência do que, por exemplo, de convivência e aprendizagem. 16

Quanto à segunda pergunta, a hipótese é a de que o filme tende para uma priorização das relações afetivas acima das institucionais na representação dos professores, dos demais profissionais da educação e dos alunos, ressaltando as consequências psicológicas da organização da sociedade como um todo e de decisões no âmbito das políticas educacionais.

iv. Procedimentos metodológicos

O presente trabalho se propôs a estudar o cinema e a sociedade, estabelecendo relações entre esta e o outro. Os métodos desta pesquisa, portanto, consistem em revisão bibliográfica e documental e análise fílmica. Com isto, em primeiro lugar julgou-se necessário um levantamento teórico que colocasse sua ênfase na observação crítica do cinema e da sociedade, ambos fornecidos pelos autores da Teoria Crítica da Sociedade, em especial Walter Benjamin, Max Horkheimer e Theodor Adorno, sobretudo os conceitos de reprodutibilidade técnica da arte e indústria cultural.

Quanto à bibliografia e aos documentos sobre a escola e o sistema educacional dos Estados Unidos, eles foram selecionados de acordo com os temas levantados durante a análise fílmica, partindo da primazia do objeto. Foram necessárias leituras teóricas sobre políticas educacionais, currículo, violência e história da educação, bem como a consulta de documentos oficiais, relatórios, sítios da internet e estatísticas provindas de fontes secundárias a respeito dos temas abordados.

Sobre a análise fílmica, de acordo com Vanoye e Goliot-Leté (1994) trata-se, em primeiro lugar, de decompor a montagem fílmica em seus aspectos formais constitutivos e reconstruir os mesmos para que sejam descritos e interpretados. Em seguida, após análise interna, é possível fazer as relações entre forma fílmica e sociedade. Portanto, a análise seguiu o seguinte roteiro: a) Análise dos aspectos formais: decomposição e interpretação de sequências, sobretudo as ligadas ao tema proposto; análise do roteiro; análise de elementos narrativos (personagens, espaço e tempo narrativos, ponto de vista e enredo) com base nos estudos literários, sobretudo em Candido et al. (2014) e Rosenfeld (2006). b) Análise contextual: interpretação dos aspectos formais relacionados com o contexto histórico, político e social. 17

A escrita da análise, por sua vez, se deu na forma de ensaios analíticos, já que possibilitam uma organização das ideias descritivas da análise fílmica combinadas com a reflexão gerada a partir da interpretação dos elementos do filme e com o aporte teórico escolhido para o trabalho. A base para esses ensaios partiu dos escritos de Žižek (2009) em Lacrimae Rerum; o filósofo traz à tona o caráter ideológico do cinema e a possibilidade de uma leitura da sociedade por meio dos filmes, aliada a estudos dos diferentes campos das ciências humanas, como a antropologia, a psicanálise e a filosofia. Para ele, “o fracasso narrativo, a impossibilidade de construir ‘uma boa história’, [...] indica um fracasso social mais fundamental” (ŽIŽEK, 2009, p. 233). Isto é, os aspectos da sociedade estão atrelados ao modo como as obras estéticas são construídas. Entende-se, portanto, que a forma de ensaio está coerente com a proposta de análise fílmica e sua correspondência com a sociedade. Sendo assim, o trabalho foi estruturado em quatro capítulos. Os três primeiros consistem nos ensaios analíticos resultantes da análise fílmica aliada ao estudo dos assuntos levantados: o capítulo um verifica a grande interferência do mercado por meio de reformas que têm sido implantadas desde o fim do século XX e as transformações de o que se entende por educação pública e gestão pública no geral; as mudanças nos centros urbanos e o fenômeno da gentrificação que também têm interferido na configuração das escolas públicas urbanas, gerando uma consequente segregação social e racial. O capítulo dois aborda a representação da profissão docente; primeiramente fez-se uma análise do protagonista Henry Barthes, sua importância para a construção fílmica e a relação de suas funções sociais com as esferas do Estado e da sociedade civil, simbolizadas respectivamente em sua relação com a aluna Meredith e com a adolescente Erica. Fez-se também uma análise do restante do corpo docente, levando-se em conta seu estado de precariedade material e de sua saúde emocional. O capítulo três discute sobre a maneira como a violência está presente na representação fílmica sobre a escola, primeiro no discurso dos professores, que no filme se referem aos estudantes e suas famílias de maneira preconceituosa, e depois nos episódios de violência, sobretudo aqueles que se manifestam dentro da escola, como as agressões, o bullying, a violência contra o professor, a crueldade contra animais e o suicídio, e suas relações com o empobrecimento da experiência propiciado pela ordem social. O capítulo quatro consiste em uma revisão sobre as teorias do cinema desenvolvidas por Benjamin, Horkheimer e Adorno e sobre a sociedade industrial, da qual o cinema emergiu. Este capítulo visa a uma abordagem crítica da sociedade e a uma desnaturalização do cinema, que deve ser entendido como forma estética consequente da 18

crescente interferência da ideologia industrial no cotidiano das massas, com o predomínio da reprodutibilidade técnica, e também nas produções fílmicas, com o predomínio da indústria cultural.

v. Relações entre cinema e escola

A relação entre cinema e escola tem sido pesquisada sob duas principais perspectivas: a primeira é referente ao uso do cinema como instrumento didático; a segunda, que coincide com o propósito do presente trabalho, é o cinema como objeto de estudo, no caso em produções onde a escola é tema principal ou espaço narrativo. Sobre os filmes com temática escolar, sobretudo aqueles que trazem o professor como protagonista, Amaury Moraes (2003), afirma:

Por serem filmes do “circuito comercial”, não estando voltados somente para professores e alunos, mas sim para um público heterogêneo – quase uma amostra da sociedade –, o filme é produzido segundo referências do imaginário social sobre a escola (MORAES, 2004, p. 55, grifos do autor).

Ou seja, para ele, os elementos identificados na análise dos filmes chamados hollywoodianos, produtos acríticos da indústria cultural destinados ao consumo e entretenimento, correspondem às concepções de escola e de educação presentes na sociedade. Portanto, o cinema pode ser uma “fonte de pesquisa da educação” (MORAES, 2004, p. 53). Uma autora significativa nos estudos da representação da escola no cinema, com ênfase na figura do professor, é Mary Dalton (1996; 2013; 2017); após analisar filmes lançados no decorrer de oitenta e cinco anos de história cinematográfica, a autora afirma a existência de um “currículo de Hollywood”, que se trata tanto da construção das aulas nos filmes como da disseminação de valores feita por essas produções. Para ela, dos valores curriculares elaborados na teoria do currículo de Huebner, que são o “técnico, científico, estético, político e ético” (DALTON, 1996, p. 101), os que se sobressaem nas aulas dos filmes são os três últimos. Quanto à disseminação de um padrão do bom professor nos filmes hollywoodianos, geralmente encarnados pelos protagonistas, ela se dá no contraste com um mau professor, comumente representado pelos demais membros do corpo docente. Segundo a autora, de forma resumida, o bom professor nos filmes hollywoodianos é tipicamente:

[...] um outsider que usualmente não é bem quisto/a pelos outros professores, os quais, por sua vez, são tipicamente hostilizados pelos/as estudantes, temem os/as estudantes ou estão ansiosos por dominá-los/as. O “bom/boa” professor/a envolve-se com os estudantes num nível pessoal, aprende com eles/as e usualmente não se dá muito bem com os administradores. Algumas vezes esses “bons” professores ou 19

“boas” professoras têm um agudo senso de humor. Eles/elas também frequentemente personalizam o currículo para atender às necessidades cotidianas das vidas de seus/suas estudantes. (DALTON, 1996, p. 102) Ao ler esta descrição, é possível relacioná-la a vários personagens, inclusive de produções que não estão no escopo de Dalton, como o professor de filosofia do seriado catalão que leva seu nome, Merlí (2015-2018), que chega para ensinar uma turma do ensino médio aplicando a filosofia à vida cotidiana, é hostilizado pelos colegas e direção e se envolve excessivamente na vida pessoal dos alunos. Isto é, Dalton identificou uma estrutura fílmica que se tornou uma fórmula muito comum em produções com temática escolar, sendo que, segundo a autora, já se consolidou como gênero, que ela chama de “good teacher movies” (DALTON, 2017, p. 14, grifo nosso).

As teorias de Dalton surgiram de sua tese de doutorado que deu origem à sua principal obra, o livro The Hollywood Curriculum: Teachers in the Movies. Publicado pela primeira vez em 1995, antes do lançamento de Detachment, o livro foi reeditado várias vezes com revisões, sendo que na quarta edição de 2017 (ou terceira edição revisada), a autora incluiu considerações sobre o filme (DALTON, 2017). Ela considera Detachment um good teacher movie revisado, o que comprovaria, juntamente com paródias como Uma escola muito doida (High School High - 1996), a consolidação de um gênero, já que “paródia e revisionismo não podem existir a menos que se admita a existência de uma forma básica. Com os lançamentos desses filmes, o ciclo dos filmes de bom professor como um gênero está completo” (DALTON, 2017, p. 13-14, tradução nossa).

Embora haja divergências em alguns aspectos entre este trabalho e os escritos de Dalton, o conhecimento de sua obra é fundamental, já que consolidou um campo de estudo e construiu suas teorias sobre um acervo histórico de quase um século de tradição de filmes com temática escolar. As principais divergências estão no método e nos objetivos, já que a autora busca verificar um padrão em vários filmes e este trabalho levanta os elementos formais de uma única produção e reconhece as repetições detectadas nos filmes como fórmulas comumente utilizadas pela indústria cultural.

Dentre as produções acadêmicas brasileiras sobre o tema, vale mencionar as pesquisas de Fabris (1999), Ferreira (2003), Padial (2010) e Pinheiro (2010). Fabris (1999) analisou a representação de espaço e tempo escolares em dezesseis filmes de Hollywood, destacando as transformações nas concepções espaço temporais a partir da segunda metade do século XX, os discursos hegemônicos sobre a escola e seu anacronismo. Ferreira (2003) 20

analisou obras hollywoodianas das décadas de 1960 e 1970, perseguindo a hipótese da disseminação da doutrina do American way of life e a representação das escolas como réplicas da sociedade dos Estados Unidos; na representação fílmica dos professores, baseada em Dalton, ela ressalta as contradições demonstradas no “paradoxo de situar tais personagens, ao mesmo tempo, como heróis, modelos e outsiders, marginais aos padrões estabelecidos” (FERREIRA, 2003, p. 178). Ainda sobre filmes de Hollywood, Padial (2010), tendo como base a Teoria Crítica, enfatizou as representações dos professores nos filmes O sorriso de Mona Lisa (Mona Lisa Smile, 2003) e Sociedade dos Poetas Mortos (Dead Poets Society, 1989), e a divulgação de valores sobre a profissão docente nos produtos da indústria cultural, também com base na obra de Dalton. Para ela, os protagonistas disseminam um modelo de professor ideal, que deve ser inovador, carismático e dinâmico, em contraste com o estereótipo do professor “como pessoas e profissionais desinteressantes, [...] monótonos, solitários, orgulhosos e que abusam do poder que tem sobre os estudantes” (PADIAL, 2010, p. 88) características dos outros professores representados nos filmes. Pinheiro (2010), por sua vez, fez uma análise comparativa de dois filmes fora desse circuito hegemônico que são o francês Os Incompreendidos (Les quatre cents coups, 1959) e o hispano-chileno Machuca (Machuca, 2004); seu trabalho ressalta as representações sociais sobre a escola e a subjetividade trazida pelas narrativas fílmicas autobiográficas que remetem às memórias dos diretores dos filmes.

21

CAPÍTULO 1: A ESCOLA EM DETACHMENT

Detachment traz a representação de uma escola pública do ensino secundário sem nome e fictícia localizada na cidade de Nova Iorque. Não há como precisar o bairro e se ela seria gerida pela administração estadual ou municipal, sendo a típica “seleção arbitrária de casos representando a média” (HORKHEIMER; ADNORNO, 2006b, p. 121) encontrada nos produtos da indústria cultural. Entretanto, considerando a variedade de escolas públicas existentes nos Estados Unidos, que serão detalhadas mais adiante, percebe-se que se trata de uma escola distrital, o que quer dizer que ela é gerida pela administração pública e não privada. A escola do filme também passa por uma crise que é mostrada logo no início, pois apresenta baixo desempenho de seus alunos nos exames estaduais preconizados pela lei No Child Left Behind e é cobrada a fazer mudanças para melhorar sua nota, como a compra e a adoção de métodos preparatórios para os alunos e também a sugestão da demissão da diretora.

Os elementos descritos serão o ponto de partida para a análise desta produção que tem a escola como espaço narrativo, já que esta é a condição para o desenvolvimento de uma pesquisa no campo da educação por meio de uma análise fílmica (MORAES, 2003). Para tanto, é necessário considerar seu caráter institucional e social, construídos historicamente; em sua modalidade pública, ela é alvo de políticas que direcionam o funcionamento da instituição, mas também interferem nas relações e nas subjetividades dos atores que a compõe (CANDIDO, 1953; VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001; BALL, 2012).

Isto posto, em primeiro lugar verifica-se que a responsabilidade sobre a educação pública nos Estados Unidos é delegada aos Estados pela Constituição, a qual determina em sua décima emenda que “os poderes não delegados aos Estados Unidos pela Constituição, nem proibidos por ela aos Estados, são reservados respectivamente aos Estados ou ao povo” (UNITED STATES OF AMERICA, 2007, p. 14, tradução nossa). No caso da cidade de Nova Iorque, há tanto escolas estaduais reguladas pelo Departamento de Educação do Estado de Nova Iorque como escolas municipais reguladas pelo Departamento de Educação da Cidade de Nova Iorque.

De acordo com os elementos fílmicos, portanto, o primeiro assunto a ser abordado diz respeito às interfaces entre o mercado e a escola que se manifestam em diferentes aspectos: elas podem ser vistas na ênfase dada aos resultados dos exames estaduais, como 22

consequência do modelo de mercado na gestão da educação, com grande importância à medição de desempenho e à calculabilidade, gerando, ao mesmo tempo, mudanças estruturais e nas relações sociais e subjetividades (BULKLEY et al., 2010; BALL, 2012); na entrada da iniciativa privada nos espaços públicos facilitada pelas políticas educacionais como a citada no filme, a No child left behind que envolvem as reformas educacionais baseadas no mercado desde a década de 1990; elas estão também nas prioridades quando se pensa na elaboração de um currículo escolar, que prioriza as disciplinas exigidas nos testes estaduais e internacionais para fins de medição e punição e deixam de lado saberes importantes para a formação do sujeito, como as artes e as ciências humanas; e na possível relação das notas da escola no valor dos imóveis do entorno, que levanta o tema da interferência da gentrificação, fenômeno crescente em vários bairros da cidade de Nova Iorque e em outros centros urbanos nos Estados Unidos, nas escolas públicas.

Com isto, para a compreensão do contexto das políticas educacionais vigentes no sistema público de ensino dos Estados Unidos representadas em Detachment, há a necessidade de uma análise mais voltada para a sociedade, porém sempre tendo como alicerce as referências indicadas nos elementos do filme com apoio da bibliografia sobre o assunto, bem como em informações obtidas de documentos oficiais, sites da internet e dados de fontes secundárias.

1.1.Interfaces entre mercado e escola

1.1.1. O modelo de mercado na gestão escolar

As relações entre o modo de produção capitalista e a escola são muitas e têm sido estudadas sob diferentes perspectivas. Como exemplo, pode-se verificar o lucro gerado por esta instituição, não somente em sua modalidade privada e com fins lucrativos, mas também na modalidade pública e gratuita, ao passo que movimenta indústrias que estão à sua volta, como a do papel, do mobiliário, da construção civil, a editorial e a da alimentação (FRIGOTTO, 2006; BALL, 2012; BURCH, 2009). Porém, a entrada de empresas privadas nas escolas públicas dos Estados Unidos tem passado por uma transformação, ao passo que de fornecedoras de serviços, elas passaram, em alguns casos, a administrar todos os aspectos da escola (BURCH, 2009). Até mesmo as políticas educacionais já se tornaram uma mercadoria 23

em si, com empresas especializadas na elaboração e venda de políticas as quais são compradas por governos federais, estaduais e municipais de diversos países (BALL, 2012).

Considerando, pois, o dinamismo do sistema capitalista e sua capacidade de adaptação, evidente na passagem do modelo fordista-keynesiano no período pós Segunda Guerra Mundial para o neoliberalismo a partir do fim do século XX (HARVEY, 2014; BALL, 2012), percebe-se uma conformação dos Estados a esses novos modelos econômicos de acordo com as demandas do mercado, bem como alterações na administração de setores públicos como a educação e a saúde (BALL, 2012).

Uma das sequências fílmicas que pode propiciar uma discussão sobre as interfaces entre mercado e escola mostra uma reunião convocada pela diretora Sra. Carol (Marcia Gay Harden) entre professores e o Sr. Mathias (Isiah Whitlock Jr.); ao apresentar o personagem, no auditório da escola, ela o anuncia como alguém que veio apresentar métodos elaborados para que os alunos tenham êxito nos exames estaduais, de acordo com a lei No child left behind. No auditório, o personagem começa seu discurso falando do heroísmo dos professores, porém, logo em seguida, muda o assunto para a importância do mercado imobiliário e a necessidade do aumento do desempenho nas provas para a valorização dos imóveis do entorno, já que o mercado imobiliário gera receita. Ele alega que, com a melhora das notas, o bairro irá atrair novas famílias e o aumento do preço dos imóveis será a salvação da escola. No meio da sequência, enquanto se ouve seu discurso em tom de pregação religiosa, é mostrada uma animação, que começa com a chegada de vários abutres sobrevoando o prédio escolar que é mostrado em seguida com uma placa com a inscrição “for sale”.

A primeira questão, portanto, que se coloca, é sobre a menção à lei No child left behind (NCLB) que de fato foi assinada pelo presidente George W. Bush em 2002 e permaneceu vigente até 2015. A lei se trata de uma política educacional federal que interferiu nos sistemas locais de educação, sobretudo por meio da medição de desempenho, da responsabilização3 baseada nos resultados dos testes e do discurso da escolha da escola (school choice). O papel principal do Estado no processo educacional se volta para a gestão e monitoramento do desempenho por meio de exames e a responsabilização, que consiste nas

3 Accountability é a palavra da versão original, presente na lei NCLB, que também pode ser traduzida como contabilidade, salientando o viés mercadológico dado à educação. 24

consequentes sanções, punições e premiações de acordo com os resultados (BALL, 2012; RAVITCH, 2010).

Sua implantação foi unânime, sendo adotada e fomentada pelos dois principais partidos dos EUA, os Democratas e os Republicanos (RAVITCH, 2010). Na teoria, a medição de desempenho por meio dos testes padronizados seria precisa quanto à identificação de quais

[...] estudantes deveriam ser retidos, quais professores e diretores deveriam ser demitidos ou recompensados, e quais escolas deveriam ser fechadas – e a ideia de que essas mudanças iriam inevitavelmente produzir uma melhor educação. (RAVITCH, 2010, p. 172) Ademais, a competição entre as escolas tornaria algumas reconhecidas pela sua alta performance e outras estigmatizadas pelo seu mau desempenho, sendo que as primeiras seriam mais procuradas pelos pais, assim como consumidores escolhem os melhores produtos e as últimas seriam modificadas, fechadas ou transformadas em charter schools; nisto consiste a ideia da “escolha da escola”, presente na NCLB e preconizada pelos pensadores e divulgadores desse modelo de gestão escolar (U.S. DEPARTMENT OF EDUCATION, 2004; BALL, 2010; RAVITCH, 2012).

Com isto, esta lei trouxe grandes mudanças de paradigma para a educação pública dos Estados Unidos. O sistema educacional público do país foi construído por meio de movimentos da sociedade civil que contaram com líderes nos diferentes Estados da nação entre o fim do século XVIII e no decorrer do século XIX e impulsionaram a criação de leis estaduais para a regulamentação da instrução pública. Tais movimentos originaram as common schools, escolas padronizadas que permitiriam o acesso de todos a um mesmo tipo de instrução (CREMIN; BORROWMAN, 1956; BULKLEY, 2010). A partir da NCLB, e mesmo antes, com alguns movimentos locais que antecederam a lei, a participação da sociedade e dos pais se transformou em uma relação de “consumidores individuais no lugar da ênfase no papel dos pais na tomada de decisão coletiva” (BURCH, 2009, p. 8, tradução nossa); isto é, a common school dá lugar a uma variedade de escolas com diferentes propostas educacionais para que sejam escolhidas pelos pais, seguindo a lógica de concorrência mercadológica (BURCH, 2009).

Assim, o sistema público de ensino passa a contar com: as escolas distritais, administradas diretamente pelo governo – que é o caso da escola do filme; as charter schools, que são autônomas e geridas com recursos públicos pela iniciativa privada, com ou sem fins lucrativos; as magnet schools, com uma proposta específica relacionada com alguma área do 25

conhecimento; as escolas menores que substituíram grandes escolas de ensino médio; e, em alguns estados, as virtual charter schools, que oferecem o ensino básico chamado de K-12 (que compreende desde a pré-escola até o ensino médio), à distância (BURCH, 2009; BULKLEY, 2010). Outra alternativa para os pais que envolve dinheiro público, porém fora do sistema educacional público, é a política de vouchers, que consiste em conceder bolsas de estudos a crianças de baixa renda para estudarem em instituições privadas. Esta política não está na NCLB, porém, em 2003, o presidente George W. Bush sancionou a DC School Choice Incentive Act of 2003, que é a lei que a complementa no Distrito de Columbia, sendo o primeiro programa de school vouchers dos Estados Unidos. De acordo com o site da EdChoice, organização que promove a escolha da escola, além de Washington D.C., o programa já é oferecido em quinze Estados do país4.

Entretanto, as reformas educacionais com base mercadológica já existiam antes da NCLB; estados e distritos, valendo-se de sua autonomia constitucional, as têm implantado desde os anos 1990s (BURCH, 2009; BULKLEY, 2010). A rede municipal de ensino da cidade de Nova Iorque, por exemplo, foi uma das pioneiras na implantação desse tipo de gestão educacional; durante os doze anos em que o empresário Michael Bloomberg governou a cidade (2002-2013), ele, juntamente com seu secretário de educação Joel I. Klein impuseram uma série de reformas que culminaram em um Modelo de Gestão de Portfolio. Este modelo tem como alicerce três principais reformas: a baseada no mercado, com a efetivação de contratos e privatizações, a baseada em referências, visando à medição de desempenho e a responsabilização e a que propõe diferenciação entre as escolas; isto é, os mesmos princípios da NCLB. A lei, portanto, ampliou esse modelo de gestão ao âmbito federal (GYURKO; HENIG, 2010; BULKLEY, 2010).

No filme, um dos aspectos desta forma de gestão é exemplificado no processo de demissão da diretora, anunciado em algumas sequências: em uma das primeiras cenas após a abertura, a personagem é mostrada em sua sala em diálogo com o Dr. Hart (Chris Papavasiliou), que aparenta ser um funcionário hierarquicamente superior, como um supervisor de ensino, que faz o primeiro anúncio; depois, na fala do Sr. Mathias, quando a chama de “fóssil” e diz para que aproveite os poucos meses que ainda estaria à frente daquela

4 EDCHOICE. Types of school vouchers: What are school vouchers? Disponível em https://www.edchoice.org/school-choice/types-of-school-choice/what-are-school-vouchers-2/. Acesso em: 14 mai. 2019. 26

“relíquia”; e mais adiante, em uma cena em que ela está em uma ligação telefônica e recebe a confirmação de sua demissão.

A ênfase do filme está no drama pessoal da Sra. Carol, que demonstra um estado crescente de melancolia devido à sua iminente demissão, sobretudo em uma cena em que está chorando, deitada no chão de sua sala, ao mesmo tempo em que convoca os professores para uma reunião por meio dos autofalantes, provavelmente para dar a notícia de sua saída – na reunião ela não consegue falar, pois se encontra muito emocionada. Ou seja, o filme retrata as consequências psicológicas da implantação de políticas.

Porém, ainda que o foco da representação fílmica esteja no âmbito subjetivo, nota- se no primeiro diálogo mencionado entre a Sra. Carol e o Dr. Hart uma descrição do modelo de gestão de portfólio na prática:

Sra. Carol: Vá direto ao assunto, Dr. Hart. Eu tenho uma escola para cuidar. Dr. Hart: A nota no exame estadual tem caído nos últimos três anos. Você não está rendendo. Sra. Carol: Não finja que você não conhece o jogo. Você marcou minha escola como lugar de recebimento das piores crianças do distrito. Dr. Hart: Bem, as crianças merecem ter educação, não acha? Sra. Carol: Eu acho que você está enrolando e fazendo eu perder meu tempo. Vá direto ao assunto, Dr. Hart... Dr. Hart: Precisamos de criadores de consenso. Nova metodologia. Sra. Carol: Você está corporatizando o sistema. Dr. Hart: Não, estamos limpando a casa. Nosso superintendente acha que está na hora de você renunciar. (O substituto, 2011, tradução nossa)

As primeiras frases do supervisor a ressaltar são as seguintes: “precisamos de criadores de consenso” e “estamos limpando a casa”. Esta fala denuncia um lado menos óbvio de reformas educacionais baseadas no mercado, que corresponde à retirada de possíveis empecilhos às mudanças propostas pelos reformadores. De acordo com Gyurko e Henig (2010), logo no início de seu primeiro mandato como prefeito de Nova Iorque, Bloomberg adquiriu o controle do sistema com o aval do poder legislativo e eliminou os trinta e dois conselhos educacionais distritais existentes, criando dez novas regiões com líderes indicados pelo secretário de educação. Como resultado, as entidades de participação democrática tornaram-se “um corpo meramente consultivo com uma maioria de seus membros indicados pelo prefeito e servindo suas vontades” (GYURKO; HENIG, 2010, p. 92, tradução nossa). Outra estratégia para o mesmo fim foi o ataque à burocracia e o “estabelecimento de novos modos de recrutamento e treinamento de um tipo diferente de diretor” (GYURKO; HENIG, 2016, p. 116, tradução nossa), para que fosse possível implementar as reformas mais 27

rapidamente sem a oposição de possíveis “protetores do status quo” (GYURKO; HENIG, 2016, p. 116, tradução nossa).

Porém, tal modelo ao mesmo tempo em que centraliza as decisões, delega a responsabilidade de melhores desempenhos às unidades escolares. Ou seja, foi dada autonomia às escolas com a condição de que apresentem alto desempenho, tendo como consequência no caso contrário, desde a “implementação de planos reparatórios até a substituição de diretores e fechamento das escolas” (GYURKO; HENIG, 2010, p. 103, tradução nossa). Com isto o Estado deixa de ser um provedor de recursos pedagógicos e passa a ser um medidor de desempenhos e administrador. Gyurko e Henig (2010) observam que nesse sistema, quando os resultados são positivos, os méritos recaem sobre o Estado, porém, quando, negativos, a responsabilidade é total da unidade escolar, que merece ser punida.

É nesse ponto, portanto, que se encontra o elo mais óbvio entre o diálogo descrito e o modelo de gestão de portfólio, quando o Dr. Hart atrela a queda nos resultados dos exames estaduais da escola à decisão do superintendente de demitir a diretora. Ela, por sua vez menciona a corporatização do sistema e o fato de sua escola receber os “piores” alunos do distrito. Salvo o termo usado para descrever os adolescentes, a ser discutido no terceiro capítulo, esta fala levanta o problema referente à seleção de alunos pelas escolas alternativas, como as charter schools, e a obrigação das escolas distritais de receberem a todos, abordado por Ravitch (2010):

As escolas mais procuradas podem melhorar seus escores aconselhando os seus estudantes problemáticos a se transferirem para uma outra escola. Não apenas as escolas mais procuradas têm uma melhor imagem se elas excluírem retardatários, como também as escolas públicas tradicionais passam a parecer piores, pois elas devem por lei aceitar aqueles que não foram admitidos ou foram removidos das escolas mais procuradas. (RAVITCH, 2010, p. 178) Isto é, esse modelo de gestão trouxe efeitos colaterais invisíveis aos testes. Outro problema relacionado à medição de desempenho levantado por Ravitch (2010) é a possibilidade de se “burlar o sistema” (RAVITCH, 2010, p. 181) por meio de diversas maneiras, como: a modificação das pontuações mínimas para aprovação nos testes, como já ocorreu no Estado de Nova Iorque; a recomendação dada pela escola para que os alunos que possam apresentar baixo rendimento não estejam no dia do teste; e a realização de treinamentos em habilidades para a realização dos testes, fazendo com que os educandos dominem “métodos de realizar testes, mas não o assunto em si” (RAVITCH, 2010, p. 181). 28

Esses treinamentos para os testes, inclusive, são normalmente fornecidos por empresas privadas por meio de contrato. Porém, isto não é feito por opção da escola ou por permissão do Estado, mas sim por aplicação da lei NCLB que determina que as escolas contratem essas empresas privadas caso não atinjam os parâmetros pelo período de três anos (BURCH, 2009). Mais uma vez o filme retrata esta condição na prática, com o anúncio inicial de que a escola tem declinado em suas notas nos exames e depois com a contratação de materiais específicos para a preparação nos testes provindos da inciativa privada.

Isto leva à discussão sobre a natureza legal das privatizações no setor educacional público e a proteção do governo a essas transações. Aliado ao estímulo da competição entre escolas, com o crescimento das charter schools, bem como com o incentivo às escolas distritais de firmarem contratos com prestadores de serviços educacionais, esta lei fez com que os sistemas educacionais fossem penetrados pelo mercado e sua lógica e ao mesmo tempo facilitou o uso do dinheiro público em companhias privadas em vários aspectos da educação pública. Segundo Ball (2012), há

[...] quatro áreas de negócios que são centrais para as novas privatizações educacionais em relação ao NCLB. São elas: desenvolvimento e preparação de testes, análise de dados de gestão, serviços de reparação e programação de conteúdo de área específica. [...] os 45 milhões de testes feitos atualmente a cada ano nos EUA como parte do programa NCLB valem US$ 517 milhões para o setor privado. (BALL, 2012, p. 161) Entretanto, a privatização de serviços da educação pública não é um fato novo nos Estados Unidos; serviços como alimentação, transporte e manutenção eram providos historicamente por empresas privadas (BURCH, 2009). Porém, a partir dos anos 1990, aconteceu uma grande mudança na natureza dessas privatizações, com o “crescimento do uso de organizações privadas para prover serviços próximos ao centro do processo educativo, como os contratados pelos distritos para a gestão de escolas públicas inteiras” (BULKLEY, 2010, p. 14, tradução nossa). Muitas dessas organizações surgidas nos anos 1990 são empresas especializadas na gestão escolar, chamadas educational management organizations (EMOs), que operam nas modalidades com e sem fins lucrativos e desde então têm crescido sua participação no gerenciamento de escolas públicas (BULKLEY, 2010; BURCH, 2009). À frente das escolas, elas são responsáveis por “todos os aspectos das operações escolares, incluindo administração, formação de professores, manutenção de prédios, serviços de alimentação e apoio administrativo” (BURCH, 2009, p. 4, tradução nossa). 29

Embora entre apoiadores dessa forma de gestão se acredite em vantagens na desburocratização, com o argumento de que “a burocracia é inerentemente ineficiente e não cria incentivos suficientes para educação de alta qualidade” (BURKLEY, 2010), a entrada do setor privado, que significa dinheiro público aplicado a empresas privadas, bem como o financiamento da educação pública por entidades privadas e filantrópicas por meio de doações às empresas fornecedoras de serviços para a educação pública, pode provocar uma opacidade nos trâmites financeiros públicos (BURCH, 2009). No caso de Nova Iorque, como exemplificado por Gyurko e Henig (2010), ocorreram doações pessoais e de empresas às escolas públicas – inclusive do próprio prefeito e de filantropos como Bill Gates. De acordo com Burch (2009), com o aumento da privatização, a tendência é que haja cada vez mais a “privatização de informações públicas” (BURCH, 2009, 130):

Quando empresas públicas se tornam privadas ou quando empresas públicas são adquiridas, passa a ser cada vez mais difícil para o público acessar tanto o poder como o valor dessas firmas de qualquer maneira, seja sistemática ou em profundidade. (BURCH, 2009, 130, tradução nossa) Outra questão referente a isto é a indefinição nas barreiras entre o público e privado, aspecto que se evidencia no hibridismo da figura do personagem Sr. Mathias. Ele deixa explícita sua relação com o setor privado e ao mesmo tempo tem influência dentro do setor público, pois demonstra ter informações privilegiadas sobre a futura demissão da diretora. Figuras como esta estão cada vez mais comuns no cenário da gestão pública neoliberal. Elas demonstram que

[...] as fronteiras entre o Estado, a economia e a sociedade civil estão ficando turvas; há novas vozes nas conversas sobre as políticas e novos canais por meio dos quais os discursos sobre políticas introduzem o pensamento sobre políticas. (BALL, 2012, p. 34, grifo do autor) Pessoas e empresas transitam entre os setores privado e público atuando como “prestadores de serviços, comissários e corretores” (BALL, 2012, p. 34), como a “Cambridge Education [...], que é um edu-business do Reino Unido [...], ativa nos EUA e tem trabalhado em mais de 60 países” (BALL, 2012, p. 34). A cidade de Nova Iorque, a propósito, é uma das compradoras de um modelo de inspeção escolar inglês elaborado pela empresa, que tem também como clientes os governos da Tailândia e de Beijing; ou seja, o comércio não se limita à venda de materiais didáticos, mas se amplia na possibilidade da compra e venda de políticas educacionais em âmbito global (BALL, 2012).

Isto é, ampliando a discussão para a gestão pública em geral, esta forma de gestão está de acordo com o novo modo que os Estados neoliberais têm lidado com os serviços 30

públicos, participando de uma transformação que ao mesmo tempo dá lugar às privatizações e a reformas no papel do Estado na gestão pública, sendo que “o setor público é substituído e reformado ao mesmo tempo, e as duas coisas são conectadas” (BALL, 2012, p. 43).

Assim, o “currículo neoliberal” (BALL, 2012, p. 65), que “consiste de um conjunto de tecnologias morais que trabalham em, dentro e por meio de instituições do setor público e de trabalhadores” (BALL, 2012, p. 65) se torna dominante nos discursos e nas práticas, discurso este que

[...] promete salvar escolas, líderes, professores e alunos do fracasso, dos terrores da incerteza e das confusões das políticas e deles mesmos – suas próprias fraquezas. Políticas de Estado, particularmente aquelas que empregam técnicas de gestão de escola e de gestão de desempenho, podem assim, criar incentivos e pressões para fornecedores do setor público a fazer uso dos serviços do setor privado. (BALL, 2012, p. 160, grifo nosso) Ball (2012) denomina este mecanismo de gestão de desempenho como “performatividade”, e o descreve como uma forma indireta de gestão pública (gestão hands off), pois o Estado não dá as diretrizes, mas cobra resultados padronizados e estabelece metas, baseando as decisões neles (BALL, 2012). Esta forma de gestão, que é ao mesmo tempo totalizante e individualizante, atinge seu maior sucesso quando é introjetada nos indivíduos:

A performatividade “funciona” mais poderosamente quando está dentro de nossas cabeças e de nossas almas. Ou seja, quando nós a aplicamos em nós mesmos, quando assumimos a responsabilidade de trabalhar duro, mais rápido e melhor, assim “melhoramos” nossa “produção” como parte de nossa autovalorização e valorização dos outros. (BALL, 2012, p. 66) Em Detachment, porém, os profissionais representados não demonstram ter incorporado a performatividade; eles se opõem ao modelo, tendo como marco desta oposição sua atitude ao fim da sequência da reunião convocada pela diretora, quando interrompem o “vendedor” e protestam contra seu discurso alinhado com a especulação imobiliária. Eles o fazem primeiro verbalmente e depois deixam o auditório antes do fim da reunião.

Esta recusa, demonstrada tanto na diretora como nos professores da escola representada remetem à ideia de que as escolas não são locais neutros onde as políticas educacionais são aplicadas, mas “representam arenas de contestação e luta entre grupos de diferente poder cultural e econômico” (GIROUX, 1986, p. 105). Esses grupos consistem em organizações da sociedade civil, como os já mencionados conselhos educacionais formados em grande parte por pais, e as entidades de classe, como a American Federation of Teachers (AFT). Porém, há aqueles que veem os sindicados como “parte do velho e desacreditado status quo” (RAVITCH, 2010, p. 77), como declarou o ex-superintendente do sistema de 31

ensino de San Diego Alan Bersin, que aplicou uma polêmica reforma educacional com decisões autoritárias e verticalizadas em que demitiu professores e diretores em massa (RAVITCH, 2010).

Opostamente ao que acontece nesse corpo docente representado, a performatividade fica muito clara em outra produção do mesmo ano de Detachment em que o espaço narrativo principal também é uma escola; a comédia Professora sem classe (Bad teacher, 2011), tem como protagonista uma professora que, para ganhar o bônus em dinheiro por lecionar na sala com melhor resultado nos exames estaduais, comete crimes e fraudes, como roubar os resultados da prova antes da aplicação. Por meio da caricatura e da sátira, o filme retrata uma consequência drástica da corporatização do sistema educacional, que é a possibilidade da existência de fraudes para se obter o primeiro lugar na competição entre os professores.

No entanto, as promessas das reformas durante a primeira década do século XXI não surtiram o resultado aclamado, e há evidências do reconhecimento de que as medidas propostas, sobretudo as testagens, não foram efetivas para a melhora do desempenho dos alunos. A primeira a se mencionar é a historiadora da educação Diane Ravitch que é uma das fontes deste trabalho; ela foi uma incentivadora e atuou na implantação da reforma quando ocupou a posição de secretária adjunta da Secretaria Nacional da Educação dos Estados Unidos, porém tornou-se uma grande crítica após assistir às suas consequências (RAVITCH, 2010). Em novembro de 2013, o New York Council of School Superintendents publicou um relatório juntamente com o Senate Comittee on Education em que reconhecem falhas nas iniciativas de reformas e sua implementação apressada e problemática devido à exigência de muitas mudanças concomitantes, além do descontentamento sobre a quantidade de testes5.

1.1.2. O currículo e o poder econômico

A inserção da ideologia tecnocrática industrial provinda da economia capitalista na educação não é um fato novo e esteve presente desde a origem da difusão da educação para as massas. Tal mentalidade esteve, por exemplo, na inauguração do estudo sobre o currículo

5 NEW York Council of School Superintendents. The Regents Reform Agenda: Assessing Our Progress. Disponível em https://www.nyscoss.org/img/news/news_3nj8vrxoqa.pdf. Acesso em: 27 abr. 2019.

32

como campo especializado das ciências pedagógicas, formulado pelo educador americano John F. Bobbit na segunda década do século XX, com inspiração no taylorismo (SILVA, 1999):

Bobbit propunha que a escola funcionasse da mesma forma que qualquer outra empresa comercial ou industrial. Tal como uma indústria, Bobbit queria que o sistema educacional fosse capaz de especificar precisamente que resultados pretendia obter, que pudesse estabelecer métodos para obtê-los de forma precisa e formas de mensuração que permitissem saber com precisão se eles foram realmente alcançados. (SILVA, 1999, p. 23) Isto é, a teoria de Bobbit forneceu as bases para as teorias tradicionais do currículo de orientação tecnocrática e comportamentalista que foram continuadas e aprimoradas por teóricos como Tyler, o qual enfatizava o “estabelecimento de padrões e referências” (SILVA, 1999, p. 26) e a difundida “divisão tradicional da atividade educacional: “currículo” (1), “ensino e instrução” (2 e 3) e “avaliação” (4)” (SILVA, 1999, p. 25).

A educação baseada em referências e no desempenho dos estudantes, portanto, continua sendo predominante na educação dos Estados Unidos, e está explícita nos relatórios e documentos oficiais elaborados pelos órgãos estatais. Além da já citada lei NCLB, pode-se destacar o relatório A Nation at Risk (ANAR) feito em 1983 para o Departamento de Educação dos Estados Unidos; nele, encontra-se uma denúncia à mediocridade do desempenho dos estudantes americanos em comparação a outras nações desenvolvidas e também em comparação ao seu próprio sistema educacional de outrora. O relatório demonstra uma preocupação com o risco de uma possível perda da liderança na economia mundial, no comércio, na ciência e na tecnologia, juntamente com um apelo para a necessidade de uma reforma no sistema de ensino, preconizando mudanças no currículo, nas referências, no ensino e na participação democrática de todos os setores da sociedade (THE NATIONAL COMMISSION ON EXCELLENCE IN EDUCATION, 1983).

Outro relatório mais recente, de 2008 – que, inclusive, faz menção direta ao ANAR –, elaborado pela National Governors Association juntamente com o Council of Chief State School Officers e a empresa Achieve, Inc., é o Benchmarking for Success: Ensuring U.S. Students Receive a World-Class Education. A criação do documento, impulsionada pela lei NCLB, levantou a necessidade da criação de referências internacionais para a educação, tendo em vista não só a competição pela liderança econômica mundial, como em ANAR, mas também a competição dos americanos “com estudantes de todas as partes do globo pelos empregos do futuro” (NATIONAL GOVERNORS ASSOCIATION; COUNCIL OF CHIEF 33

STATE SCHOOL OFFICERS; ACHIEVE, INC., 2008, p. 1, tradução nossa). Vale ressaltar que a empresa Achieve, Inc. é uma organização sem fins lucrativos, formada por membros e ex-membros do governo juntamente com executivos da iniciativa privada vindos de empresas como Intel e IBM que tem por objetivo “trabalhar com os Estados para aumentar os padrões acadêmicos e os requisitos para a graduação, melhorar as avaliações e fortalecer a responsabilização”6. Segundo descrito em seu site, para eles a prioridade da educação básica deve ser a preparação para a faculdade e para a carreira.

O relatório traz em sua linguagem o predomínio de um discurso provindo da economia da educação e tem como base a teoria do capital humano, atrelando o desempenho dos estudantes em matemática, ciências e inglês diretamente ao crescimento do Produto Interno Bruto, ou seja, fazendo uma relação direta e necessária da escolarização com a economia: “os Estados Unidos estão perdendo rapidamente a margem de liderança no recurso que mais importa para o sucesso econômico: o capital humano” (NATIONAL GOVERNORS ASSOCIATION; COUNCIL OF CHIEF STATE SCHOOL OFFICERS; ACHIEVE, INC., 2008, p. 11, tradução nossa; SCHULTZ, 1967). Embora haja uma predominância na relação da educação com o crescimento econômico do país, o relatório também menciona o aumento de ganhos individuais atrelado ao desempenho em matemática e a um maior grau de instrução, também inserido na teoria do capital humano, como explica Frigotto (1995, p. 41):

A idéia-chave é de que a um acréscimo marginal de instrução, treinamento e educação, corresponde um acréscimo marginal de capacidade de produção. Ou seja, a idéia de capital humano é uma “quantidade” ou um grau de educação e de qualificação, tomado como indicativo de um determinado volume de conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridas, que funcionam como potencializadoras da capacidade de trabalho e de produção. Desta suposição deriva- se que o investimento em capital humano é um dos mais rentáveis, tanto no plano geral do desenvolvimento das nações, quanto no plano da mobilidade individual. Voltando-se para Detachment, percebe-se que esta última ideia relacionada à mobilidade social de acordo com o nível de instrução também está pressuposta nos discursos dos personagens Dra. Parker (Lucy Liu), a orientadora educacional, e Henry Barthes (Adrien Brody), o professor substituto, representada em duas sequências. No caso da Dra. Parker, em um acesso de raiva ao orientar uma aluna com notas baixas em todas as disciplinas, ela prediz o futuro da adolescente, que se demonstra apática e desinteressada na formação escolar:

Quer saber a verdade? Um, você não vai ter uma banda nem ser modelo, porque você não tem ambição. Sem habilidades, você competirá com 80% da força de trabalho dos EUA por um emprego de salário mínimo onde irá trabalhar pelo resto da vida até ser substituída por um computador. (O substituto, 2011, tradução nossa)

6 ACHIEVE,INC. Who we are. Disponível em https://www.achieve.org/who-we-are. Acesso em 15 mai. 2019. 34

A outra sequência se passa na instituição para idosos onde o avô do protagonista vive. Barthes é chamado pelo motivo de seu avô ter ficado preso no banheiro; ao reclamar sobre a situação com a funcionária, também em um sobressalto de raiva, ele diz: “Eu sei que você é só mais uma preguiçosa7 pouco instruída passando o tempo com esses velhos moribundos” (O substituto, 2007, tradução nossa). Isto é, a situação prevista pela Dra. Parker para o futuro da adolescente é demonstrada na prática, ratificando uma crença na “ascensão social pela meritocracia” (FRIGOTTO, 1999, p. 142).

A maior crítica de Frigotto (1999) à teoria do capital humano está ligada à sua pseudoconcreticidade que produz “um conjunto de conceitos, postulados e técnicas” (FRIGOTTO, 1999, p. 135) com a função de

[...] evadir a gênese real das leis que regem as relações sociais de produção no interior do capitalismo. O mascaramento fundamental decorre da visão burguesa de que cada indivíduo é, de uma forma ou de outra, proprietário e, enquanto tal, depende dele – e não das relações sociais, das relações de poder e dominação – o seu modo de produção da existência. (FRIGOTTO, 1999, p. 135) Ou seja, quando se faz crer que os indivíduos prosperam de acordo com suas escolhas e com seu acúmulo de conhecimento, há um mascaramento da heteronomia imposta pelo modo de produção capitalista, no sentido de os trabalhadores estarem sempre à mercê das demandas do capital.

Quanto à preocupação sobre a mecanização do trabalho, apontada pela fala da orientadora educacional, ela está presente em ambos os documentos mencionados, com maior ênfase no Benchmarking for success:

Um estudo que analisa tarefas típicas no ambiente de trabalho americano descobriu que tarefas manuais e cognitivas rotineiras que seguem uma lista de regras prescritas estão sendo rapidamente substituídas por computadores ou trabalhadores em outros países. Mas tarefas mais sofisticadas estão em ascensão, especificamente aquelas que requerem que os trabalhadores “tragam fatos e relações em soluções de problema, habilidade para julgar quando uma estratégia de resolução de problema não está funcionando e outra deve ser testada, e a habilidade de se engajar em comunicação complexa com outros” juntamente com “habilidades fundamentais” em matemática e leitura. (NATIONAL GOVERNORS ASSOCIATION; COUNCIL OF CHIEF STATE SCHOOL OFFICERS; ACHIEVE, INC., 2008, p. 9, tradução nossa). O documento como um todo é passível de uma extensa análise quanto às suas ideias e contradições, que não estão nos objetivos deste trabalho. Há, porém, três questões latentes nesse trecho que valem o comentário: a primeira é a automatização do trabalho e a

7 A palavra utilizada no original é “drone”, que, segundo o dicionário Oxford pode ser definida como “uma pessoa que é preguiçosa e não dá nada para a sociedade enquanto outros trabalham” (HORNBY, A. S., Oxford Advanced Learner’s Dictionary, Oxford: Oxford University Press, 2000, p. 386, tradução nossa). 35

substituição do ser-humano pelo computador. Embora o problema seja mencionado, não é problematizado, sendo que a solução oferecida é individualizada e depende do desenvolvimento de habilidades para a conquista dos empregos mais qualificados, o que não significa um aumento das oportunidades, mas em uma maior capacidade competitiva. Ou seja, o problema da mecanização é reduzido ao problema da falta de qualificação, da mesma forma como “O problema da desigualdade tende a reduzir-se a um problema de não-qualificação” (FRIGOTTO, 1999, p. 136) dentro da teoria do capital humano.

A segunda tem ligação com a competição no mercado de trabalho em âmbito global e a necessidade de os americanos se sobressaírem aos trabalhadores de nações emergentes, como China e Índia, que têm superado os Estados Unidos em quantidade de concluintes do ensino secundário e superior:

[...] como os Estados Unidos não conseguem mais competir em quantidade de capital humano, eles terão de competir em qualidade provendo aos seus jovens o mais alto nível de habilidades em matemática, ciências, leitura e resolução de problemas do mundo. (NATIONAL GOVERNORS ASSOCIATION; COUNCIL OF CHIEF STATE SCHOOL OFFICERS; ACHIEVE, INC., 2008, p. 11, grifos do autor, tradução nossa) Isto é, a preocupação se volta para a crescente chegada de trabalhadores estrangeiros que outrora costumavam ocupar os subempregos, mas que hoje têm apresentado melhor formação do que os nascidos nos Estados Unidos. A preocupação exposta no documento pode ser relacionada com uma continuidade nos propósitos inicias da teoria do capital humano que foi “produzida inicialmente e preponderantemente no interior da formação social capitalista mais avançada e que chama a si a tarefa e a hegemonia na recomposição do imperialismo capitalista” (FRIGOTTO, 1999, p. 125); isto é, revela-se a necessidade de se manter na liderança do capitalismo mundial. Encaminhando-se para a terceira questão a ressaltar no trecho, verifica-se o enfoque nas habilidades de inglês (leitura) e matemática, disciplinas medidas por parâmetros nacionais e internacionais, como o Programme for International Student Assessment (PISA), o que leva novamente à tendência para uma reforma educacional conservadora, fortemente baseada em parâmetros, referências e resultados.

Porém, até o relatório ANAR, ainda que se deva reconhecer seu caráter conservador, percebia-se um resquício de preocupação com um currículo amplo e multidisciplinar e participação democrática na educação; após a NCLB, o foco das políticas educacionais parece ter se deslocado definitivamente das ciências pedagógicas para a 36

administração e a economia, sendo que os novos gestores educacionais se aproximam mais do perfil de gerentes financeiros:

Poucos atributos são tão centrais no modelo de gestão de portfólio do que a abertura e fechamento das escolas. Assim como um astuto gerente financeiro que vende ações de baixo rendimento, mantém uma variedade de ações continuamente fortes e adiciona prospectos novos e promissores, superintendentes que trabalham em um sistema de portfólio tem o objetivo de fazer o mesmo, porém com escolas. (GYURKO; HENIG, 2010, p. 110, tradução nossa) Isto é, as reformas baseadas em referências e no mercado contam com uma aparente neutralidade devido ao seu alinhamento com o pensamento econômico hegemônico, voltando-se para um enfoque mais organizacional e menos pedagógico (SILVA, 1999). Portanto, seguindo a lógica da já mencionada gestão hands off, a reforma proposta pela NCLB não forneceu as diretrizes nem um currículo em âmbito federal, porém exigiu os resultados que viriam dos exames estaduais. Ou seja, indiretamente havia uma indicação do que deveria ser priorizado, já que os exames testam apenas as habilidades de inglês e matemática dos estudantes, colocando em segundo plano os conhecimentos de outros campos do saber:

O objetivo da testagem era escores mais altos, sem se importar se os estudantes adquiriram qualquer conhecimento de história, ciências, literatura, geografia, artes e outros tópicos que não eram importantes para propósitos de responsabilização. (RAVITCH, 2010, p. 47) Com isto, os Estados lideraram a criação de um currículo em inglês e matemática, sinalizando essa necessidade com o já mencionado relatório Benchmarking for Success e depois elaborando o Common Core, que consiste em um conjunto de conteúdos em inglês e matemática com o objetivo de “garantir que todos os estudantes, independente de onde vivem, concluam o ensino médio preparados para a faculdade, para a carreira e para a vida”8, tendo como seu maior financiador e articulador a Bill and Melinda Gates Foundation que investiu dezenas de milhões de dólares para sua elaboração (LAYTON, 2014). Lançado em 2009, o Common Core está sendo gradualmente adotado pelos Estados e em 2015, com a promulgação da lei Every Student Succeeds Act, que substituiu a NCLB, têm-se a permissão para a sua adoção, ainda que o governo federal se mantenha “neutro” quanto à escolha do currículo pelos sistemas estaduais de ensino.

Segundo Giroux (1986, p. 105), “o que conta como conhecimento, em qualquer sociedade, escola ou espaço social, pressupõe e constitui relações específicas de poder”.

8 COMMON Core. State Standards Initiative. Development Process. Disponível em http://www.corestandards.org/about-the-standards/development-process/. Acesso em: 12 mai. 2019, tradução nossa.

37

Desse modo, as novas formas de gestão educacional e a participação da iniciativa privada com seu dialeto empresarial adotado na elaboração de políticas e documentos como o Benchmarking for Success apontam para o triunfo do poder econômico na elaboração de políticas educacionais e do currículo. Sendo assim, a ênfase dada ao ensino de inglês e matemática como promessa de crescimento econômico e aumento da competitividade, e não como bases para formação do sujeito, reforça uma hierarquia dos saberes em que disciplinas menos “produtivas” e pouco objetivas, como as artes e as ciências humanas, sejam desprestigiadas e reduzidas da grade curricular. Ou seja, “por baixo do compromisso sério para com a objetividade e neutralidade está uma lógica reducionista que não apenas demonstra pouca atenção crítica à fundamentação do conhecimento, mas também suprime noções de ética e o valor da história” (GIROUX, 1986, p. 104). Isto é visível ao se verificar os requisitos para a graduação no ensino médio no Estado de Nova Iorque: os alunos precisam cursar 4 créditos de Inglês, 3 de Matemática, 4 de Estudos Sociais (que inclui História dos Estados Unidos, Economia e Participação no governo), 3 de ciências, 2,5 de Educação Física, 1 de Artes e 1 de Língua Estrangeira9.

Em Detachment há uma abordagem mais subjetiva da questão do desprestígio das artes visuais na representação da personagem Meredith. Ela é caracterizada como uma estudante com interesses artísticos, sendo mostrada fotografando professores e colegas, criando um mural no ateliê da escola e desenhando em seu quarto, cercada de pinturas e outras criações feitas a partir de suas fotos. Nesta última sequência mencionada, as imagens consistem em seus desenhos e fotografias em still intercaladas com um primeiro plano na adolescente, enquanto na trilha de áudio se ouve seu pai, que não é mostrado, desaprovando o interesse de Meredith pela arte e seu comportamento como um todo, com destaque para o seguinte trecho: “Se você tirasse mais As, iria direto para Stanford em algum programa de inclusão. Eu não vou apoiar você e seus hábitos criativos, OK? Eu cansei de seus projetinhos de arte que não levam a nada!” (O substituto, 2011, tradução nossa). Desta fala, pode-se depreender uma ratificação da mentalidade tecnocrática de uma parcela da população, que está convencida de que a educação escolar deve ser baseada em referências e resultados e voltada para a preparação para a faculdade, no que as artes não teriam nenhuma utilidade. O suicídio da jovem ao fim do filme pode ser um sinal de consequência extrema da falta de lugar de uma expressão artística que não tenha um caráter de mercadoria nessa sociedade.

9 EDUCATION Comission of the states. High School Graduation Requirements: New York. Disponível em https://c0arw235.caspio.com/dp/b7f93000decb562863434a56acc6?st=New%20York. Acesso em: 13 mai. 2019. 38

Com respeito à representação do ensino de inglês como língua materna, uma das disciplinas exigidas nas avaliações externas, ela está na atuação do protagonista Henry Barthes em sala de aula. Quando ele se apresenta à escola como professor substituto de inglês, é entrevistado pela diretora Sra. Carol, que afirma que o mais importante é que ele ensine o currículo. Logo em seguida, no início da próxima sequência em que Barthes ministra sua primeira aula, ele indica a série e o módulo, “English 11 A”, que significa o primeiro módulo da terceira série da high school, que é dividida em quatro, da nona à décima segunda10.

Há apenas quatro sequências fílmicas que mostram as aulas de Barthes; no conteúdo ministrado, embora corresponda a somente um mês de trabalho, percebe-se que ele é um professor que conhece e respeita a sequência curricular, por exemplo, quando pergunta sobre a leitura de 1984 de George Orwell no ano anterior. Ao se contrastar, porém, o ensino de inglês voltado para exames estaduais à forma das aulas, percebe-se que a ênfase de Barthes se volta mais para a importância da leitura de obras literárias para a formação da consciência e para a fruição do que para a execução de testes; isto pode ser visto na seguinte fala:

Para nos defendermos e lutarmos contra a assimilação dessa estupidez em nosso pensamento, precisamos aprender a ler para estimular nossa própria imaginação; para cultivar nossa própria consciência, nosso próprio sistema de crenças. Todos precisamos dessas habilidades para nos defendermos e preservarmos nossas mentes. (O substituto, 2011, tradução nossa, grifo nosso) Durante esta aula, o professor discute significados de palavras relacionadas com a obra 1984, sendo elas “Ubiquitous”, “Assimilate” e “Doublethink”, e faz uma crítica aos estereótipos e aos padrões de beleza impostos pela publicidade, levantando a necessidade de se cultivar a consciência por meio da leitura.

Outro exemplo está na sequência final, quando o professor faz a leitura de um trecho do conto A queda da casa de Usher, de Edgar Allan Poe, e convida os alunos a refletirem sobre seu estado emocional: “enquanto lemos podemos ver que ‘A queda da casa de Usher’ não é somente um castelo velho em ruínas. Ele também é um estado de espírito” (O substituto, 2011, tradução nossa). Neste caso, verifica-se a literatura vista como arte, que tem a capacidade de manifestar o “todo no particular” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006, p. 28) e superar os elementos da realidade que ela retém, levando à reflexão (HORKHEIMER; ADORNO, 2006).

10 PUBLIC Consulting Group; ENGAGE. NY NYS Common Core ELA & Literacy Curriculum: Grade 11 Curriculum Map. Disponível em: https://nysed-prod.engageny.org/resource/grade-11-ela-curriculum-map. Acesso em: 15 mai. 2019.

39

Esta oposição entre as políticas educacionais baseadas em padrões, referências e um currículo “útil” à possibilidade de uma educação crítica traz à tona a “natureza contraditória da escolarização” (GIROUX, 1986, p. 157), como discorre Giroux (1986): “embora não haja dúvidas de que as escolas são ligadas à política educacional, interesses e recursos que carregam o peso da lógica e das instituições do capitalismo, elas também propiciam espaço para o ensino, o conhecimento e as práticas sociais emancipatórias” (GIROUX, 1986, p. 157). Isto é, a esfera governamental na qual predominam os interesses econômicos não é a única em exercício dentro do espaço escolar, considerando sua diversidade e suas “pluralidades contraditórias que geram possibilidades tanto para mediação quanto para a contestação das ideologias e práticas dominantes” (GIROUX, 1986, p. 157).

No filme, entretanto, essa possibilidade da educação emancipatória é fragmentada; o professor não assume uma responsabilidade de longo prazo e, segundo sua fala em um de seus depoimentos, diz que como professor substituto “Não há a responsabilidade real de ensinar. A responsabilidade é manter a ordem, assegurar que ninguém mate ninguém na sua sala, e assim eles seguem para o próximo período” (O substituto, 2011, tradução nossa).

O “currículo” de Henry Barthes, portanto, tem semelhanças deficitárias ao padrão verificado por Dalton (1996), sendo que dos valores curriculares de Huebner, que são o “técnico, científico, estético, político e ético” (DALTON, 1996, p. 101), os que estão latentes nas aulas dos filmes são o estético, o político e o ético. Detachment se insere parcialmente nesta tradição: a ênfase à leitura de obras literárias corresponderia ao valor estético do currículo. Porém, embora o discurso de Barthes demonstre potencial para desenvolver o político, no sentido de ter um projeto político como no já citado Escritores da Liberdade, no qual a professora tem a meta de que seus alunos superem os desafios acadêmicos em meio à precariedade social, Barthes não tem tempo de desenvolvê-lo no curto período que dispõe. Quanto ao valor ético, que seria o ensino e a aprendizagem por meio da relação humana entre professores e alunos, o mesmo acontece, com agravante de ele não atender à expectativa dessa relação com a aluna Meredith, que rompe com o professor e acaba se suicidando: isto é, nem a meta exagerada de que ninguém morra é cumprida. Mais adiante, porém, na análise da função do personagem no filme, pode-se verificar que esses valores curriculares não exercidos dentro da escola ocorrem fora dela, na relação de Barthes com a adolescente Erica.

No âmbito das políticas educacionais, há uma fragmentação nas tentativas de uma reforma educacional alternativa às baseadas em referências e no mercado; como exemplo, 40

pode-se citar a tentativa de elaboração de uma base curricular nacional para História liderada por estudiosos da Universidade da Califórnia (UCLA) incentivados e financiados pelo próprio Departamento de Educação dos Estados Unidos nos anos 1990 durante a administração do presidente Bill Clinton, que propôs medidas educacionais por meio do programa Goals 2000 Act (CHENEY, 1994; RAVITCH, 2010; NASH, 1997). O viés multiculturalista da proposta, entretanto, fez com que o documento sofresse duras críticas de grupos conservadores antes mesmo de sua publicação fomentadas pelo artigo The End of History escrito para o The Wall Street Journal por Lynne Cheney, que à época integrava o American Enterprise Institute, uma organização conservadora para pesquisas e estudos sobre políticas públicas11 (RAVITCH, 2010; SILVA, 1999; CHENEY, 1994). Segundo Silva (1999, p. 88),

Nos Estados Unidos, o multiculturalismo originou-se exatamente como uma questão educacional ou curricular. Os grupos culturais subordinados – as mulheres, os negros, as mulheres e os homens homossexuais – iniciaram uma forte crítica àquilo que consideravam como o cânon literário, estético e científico do currículo universitário tradicional. Eles caracterizavam esse cânon como a expressão do privilégio da cultura branca, masculina, européia, heterossexual. O cânon do currículo universitário fazia passar por “cultura comum” uma cultura bastante particular – a cultura do grupo culturalmente e socialmente dominante. Na perspectiva dos grupos culturais dominados, o currículo universitário deveria incluir uma amostra que fosse mais representativa das contribuições das diversas culturas subordinadas. Portanto, seguindo esta tendência voltada para o ensino de história na educação básica, a polêmica sobre as referências foi baseada no que se tornou público a princípio, que foram as críticas divulgadas pelos que tiveram um acesso prévio, como Cheney. Suas críticas se voltaram basicamente à ausência de nomes como Alexander Graham Bell, Thomas Edison, os irmãos Wright, à presença de outros nomes não convencionais, como o do afro-americano Harriet Tubman, ao questionamento da motivação de fatos históricos como a Revolução Americana e à tendência ao que ela chamou de politicamente correto (CHENEY, 1994).

Em defesa das referências, Gary Nash (1997), que foi um de seus idealizadores, apontou que elas foram elaboradas democraticamente com a participação de fóruns e organizações de historiadores e professores de história de todo o país, em uma proposta de ensino da história que analisa os assuntos sendo que “ao destacar as habilidades de pensamento histórico, as organizações participantes soaram o clarim para uma aprendizagem ativa enquanto desencorajaram o ensino que se apoia em memorização de roteiros de informações divorciadas do contexto da significação histórica” (NASH, 1997, online, tradução nossa). O autor também aponta que a inclusão de personagens históricos comumente

11 AMERICAN Enterprise Institute. About. Disponível em http://www.aei.org/about/. Acesso em: 15 jul. 2019. 41

omitidos como as mulheres e os negros, levando-se em conta os próprios ideais democráticos da nação, não seria possível “sem se reportar a assuntos de conflito, exploração e o comprometimento dos ideais da nação estabelecidos pela geração revolucionária” (NASH, 1997, online, tradução nossa).

A proposta, entretanto, foi abafada por uma grande controvérsia manifestada em debates na grande mídia, sendo que para os grupos conservadores, “o multiculturalismo representa um ataque aos valores da nacionalidade, da família, da herança cultural comum” (SILVA, 1999, p. 89; RAVITCH, 2010). Nesta disputa política e ideológica em torno do currículo de história, em 1995 ele foi derrotado no senado com 99 votos contra um (LOS ANGELES TIMES, 1995). Com a promulgação da NCLB em 2001, deu-se a consolidação do predomínio das reformas baseadas em referências, com a ênfase das politicas educacionais baseadas no modelo de gestão de portfólio oriundas da gestão de empresas (RAVITCH, 2010; BULKLEY, 2010). Segundo Ravitch (2010), o modelo não suscitava polêmicas nem debates, e a proposta de reforma baseada no currículo foi substituída pela “segurança das testagens padronizadas de habilidades básicas” (RAVITCH, 2010, p. 39).

1.1.3. O processo de gentrificação e a escola

A última interface entre o mercado e a escola a ser abordada está ligada à gentrificação, fenômeno que tem crescido nos grandes centros urbanos dos Estados Unidos, sobretudo em Nova Iorque, e se evidencia na fala do Sr. Mathias:

Agora, uma coisa que eu aprendi em todos esses anos no setor privado é que o mercado imobiliário gera receita e os valores de venda das propriedades do entorno serão a salvação para as notas desta escola. Mas a pontuação baixa de sua escola nas provas está fazendo o valor de revenda cair neste bairro enquanto que o mercado já está em declínio. Temos que levantar as notas – novas famílias em nosso distrito e mais crianças motivadas na escola. (O substituto, 2011, tradução nossa) No dado trecho do roteiro enunciado pelo personagem, verifica-se uma sugestão de um possível benefício da interferência do processo de gentrificação na escola pública, bem como a influência das notas da escola nos preços dos imóveis do bairro. De acordo com Keels, Burdick-Will e Keene (2013), a crença da melhora da escola por meio da gentrificação se trata de um

[...] cenário idealizado da gentrificação em que famílias gentrificadas matriculam seus filhos na escola pública local, onde eles interagem com os filhos dos moradores 42

de baixa renda havendo uma aprendizagem mútua. [...] Inclusive, os pais vindos da gentrificação e os originais socializam nas funções da escola e nas reuniões da Associação de Pais e Mestres, levando a uma transferência de informações e ideias. Além disso, os novos moradores usam seus recursos econômicos, políticos e sociais para melhorar a qualidade da educação nas escolas públicas da vizinhança. (KEELS; BURDICK-WILL; KEENE, 2013, p. 240, tradução nossa). Antes de prosseguir, entretanto, é necessária uma compreensão do fenômeno da gentrificação, muito bem resumido na seguinte descrição:

A “Gentrificação” tem se tornado o termo aceito para descrever bairros que inicialmente são ocupados predominantemente por famílias de relativo baixo poder aquisitivo e que experimentam uma entrada de famílias de maior poder aquisitivo. A socióloga Ruth Glass cunhou o termo em 1964 para descrever mudanças que encontrou nos bairros anteriormente ocupados pela classe trabalhadora em Londres, e os sociólogos começaram a aplicá-lo à cidade de Nova Iorque (e a outros lugares) na década de 1970. Desde que entrou no léxico dominante, a palavra “gentrificação” tem uma aplicação ampla e intercambiável para descrever uma gama de mudanças em bairros, incluindo o aumento de renda, mudança na composição racial, alteração na atividade comercial e deslocamento dos moradores originais. (AUSTENENSEN et al., 2015, p. 4, tradução nossa) Isto é, a gentrificação consiste basicamente no fluxo de moradores em bairros onde há uma substituição do “zoneamento do planejador por um zoneamento de mercado baseado na capacidade de pagar” (HARVEY, 2014, p. 78). A pesquisa feita pelo NYU Furman Center12 em 2015 dividiu a cidade de Nova Iorque em cinquenta e cinco sub-regiões, dividindo-as em três categorias: as gentrificadas, as não gentrificadas e as de alta renda. O número de sub-regiões que compreendem ao primeiro caso é de quinze, o segundo, de sete e o terceiro, de trinta e três. No caso das quinze áreas gentrificadas em 2015, em 1990 elas eram consideradas de baixa renda, classificação substituída por “não gentrificadas” no quadro atual (AUSTENENSEN et al., 2015). Portanto, a gentrificação, é a ponta de um processo de transformação urbana de longo prazo, que vem ocorrendo nas últimas décadas, já que muitos bairros considerados de alta renda neste relatório já foram considerados gentrificados.

Nos Estados Unidos, uma das razões alegadas para a gentrificação em cidades como Nova Iorque e Washington D. C. é a “volta” de famílias de classe média e alta de maioria branca aos centros urbanos, que outrora povoavam os subúrbios e nas últimas décadas começaram a ocupar os bairros centrais que tinham originalmente um aluguel mais baixo e maioria de moradores negra (ROSENBLAT; HOWARD, 2015; AUSTENENSEN et al., 2015). Esta foi uma das consequências mais conhecidas na cidade de Nova Iorque, com a mudança no perfil racial de moradores de conjuntos habitacionais como o Brooklyn, o Bronx

12 Entidade ligada à New York University School of Law que elabora pesquisas, relatórios e discussões sobre políticas urbanas e moradia na cidade de Nova Iorque. 43

e o Harlen, bem como de regiões que se caracterizavam como bolsões de pobreza próximos a áreas nobres, como os bairros da parte sul de Manhattan (AUSTENENSEN et al., 2015). De acordo com o relatório dos pesquisadores do NYU Furman Center,

Desde 1990, as parcelas da população identificadas como preta ou branca têm declinado na cidade como um todo, enquanto as parcelas identificadas como asiática ou hispânica têm crescido. A parcela da população identificada como preta também declinou nos bairros gentrificados entre 1990 e 2010 (de 37,9 por cento para 30,9 por cento), mas a parcela da população identificada como branca cresceu (de 18,8 por cento para 20,6 por cento). As parcelas asiática e hispânica também cresceram nos bairros gentrificados, mas mais lentamente do que aconteceu na cidade como um todo. (AUSTENENSEN et al., 2015, p. 12, tradução nossa) Isto é, o relatório confirma um embranquecimento de bairros gentrificados que eram tradicionalmente habitados por maioria negra; ao mesmo tempo, mostra que a cidade não deixa de receber imigrantes, em grande parte vindos de países da América Latina e da Ásia. Há, portanto, uma ironia no filme na figura do personagem Sr. Mathias, representado por um ator negro, sendo que os mais afetados no processo que ele defende é a população negra.

Juntamente com as mudanças demográficas, a gentrificação promove mudanças no cenário urbano, tanto com a melhora dos equipamentos públicos, como pavimentação, policiamento e coleta de lixo, como a transformação de residências simples e baratas em moradias de alto padrão (KEELS; BURDICK-WILL; KEENE, 2013; RAVITCH, 2010). Por exemplo, ao discorrer sobre as iniciativas do Distrito Escolar Comunitário 2, um dentre os 32 da cidade de Nova Iorque (dissolvidos na gestão Bloomberg), Ravitch (2010) descreve as mudanças no cenário da região na década de 1990:

Esse foi um período de crescimento populacional e de rápida revitalização no Distrito 2, quando muitas vizinhanças estavam mudando e prédios abandonados estavam sendo substituídos por prédios de apartamentos de luxo. Seções anteriormente empobrecidas no Chelsea, Soho, Tribeca, o extremo West Side e o Lower East Side se tornaram bairros caros da moda. Até mesmo o Bowery, conhecido por suas casas para indigentes, foi transformado em uma zona de apartamentos de luxo. (RAVITCH, 2010, p. 62) A área descrita compreendia “da ponta sul de Manhattan até o meio da ilha, incluindo o afluente Upper East Side” (RAVITCH, 2010, p. 51) e em 2015 foi demarcada como área predominantemente de alta renda com uma parte gentrificada, de acordo com o relatório do NYU Furman Center (AUSTENENSEN et al., 2015).

A menção a esse fenômeno no filme, todavia, não traz uma precisão quanto ao possível bairro onde a escola representada estaria inserida, seguindo a lógica do caso 44

arbitrário representando a média (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b); porém, quando o personagem diz que o mercado imobiliário está em declínio na região, ele indica que a escola estaria em uma área de Nova Iorque ainda não gentrificada, que são aquelas onde comparativamente o preço dos aluguéis teve menor aumento no período: de 1990 a 2010- 2014, os aluguéis aumentaram 22,1% em uma média geral da cidade, 34,3% nas áreas gentrificadas, 13,2% nas áreas não gentrificadas e 17,8% nas áreas de alta renda (AUSTENENSEN et al., 2015). Entretanto, levando-se em conta a referência fílmica da indicação da melhora das notas das escolas públicas devido à gentrificação, e a tendência em colocar dentro da escola fictícia uma amostragem de vários casos verossímeis, é possível identificar o fenômeno nos estudos que ocorreram no já mencionado Distrito 2 de Nova Iorque.

Entre 1987 a 1998, as escolas do Distrito 2 estiveram em voga devido aos seus resultados em testes, já que subiram “de uma performance intermediária para o segundo lugar entre os 32 distritos comunitários da cidade em testes de leitura e matemática” (RAVITCH, 2010, p. 55). Os resultados do distrito foram divulgados pela pesquisa denominada “High Performance Learning Communities” (HPLC) que atribuiu o sucesso a uma reforma liderada pelo superintendente Anthony Alvarado sucedida por Elaine Fink (RAVITCH, 2010; FINK; RESNICK, 2001; WEINER, 2002). Segundo Ravitch (2010), reformadores de mercado viam nesta reforma um protótipo que fosse possível de ser reproduzido em outros locais.

Porém, outros estudos afirmam que os pesquisadores levaram pouco em consideração a questão demográfica, já que a região não estava somente entre as mais ricas da cidade, mas entre as mais ricas do país (RAVITCH, 2010; WEINER, 2002). A principal contestadora, que publicou seu ponto de vista em artigos que comparam o Distrito 2 a outros da cidade é a professora e mãe ativista Lois Weiner (2002); ela apontou a pouca importância que os pesquisadores deram ao fator demográfico, o qual chamaram de “variabilidade” ou “variação” (FINK; RESNICK, 2001; RAVITCH, 2010), sendo que, para ela, essas palavras eram “na verdade um eufemismo para um fenômeno familiar nas escolas dos Estados Unidos: a segregação racial” (WEINER, 2002, p. 18, tradução nossa). Isto se demonstrou na alta proporção de alunos considerados brancos e asiáticos em comparação com outros distritos da cidade, totalizando 65%, em contraste com 25% na cidade como um todo, o que consequentemente refletiu na baixa porcentagem de alunos carentes e em um aumento das notas em exames, já que, de acordo com relatórios provenientes dos resultados dos exames estaduais, brancos e asiáticos tendem a apresentar melhor desempenho nas provas do que 45

negros e hispânicos (WEINER, 2002; US DEPARTMENT OF EDUCATION, 2004; NATIONAL GOVERNORS ASSOCIATION; COUNCIL OF CHIEF STATE SCHOOL OFFICERS; ACHIEVE, INC., 2008).

No Distrito 2, portanto, as famílias mais abastadas preferiram que seus filhos estudassem nas escolas públicas distritais do bairro, sendo que “Em alguns bairros, as escolas públicas eram tão desejáveis que as famílias se mudavam para sua zona, e as propagandas de imóveis usavam-nas como iscas para inquilinos e compradores” (RAVITCH, 2010, p. 51). Esta, portanto, seria a ideia implicada na fala do personagem em Detachment, sendo que, a exemplo de casos isolados como o do Distrito 2, as escolas poderiam ser um fator de valorização imobiliária. Por outro lado, depreende-se também em sua fala que a gentrificação pode ser um paliativo para o problema da educação, já que, na vinda de famílias mais educadas e abastadas, há uma grande chance de as escolas melhorarem seu desempenho em exames, que têm sido o grande parâmetro de qualidade da educação no país.

Vale ressaltar, porém, que ainda que os moradores do Distrito 2 de renda média e alta mantivessem seus filhos nas escolas públicas, junto com os filhos dos moradores de baixa renda, segundo Weiner (2002) a escola com maior variedade demográfica, a PS 11, tinha

[...] um enorme programa para alunos com “altas habilidades” no qual a maioria dos seus estudantes brancos estava inserida [...]. Consequentemente, a escola de ensino fundamental demograficamente representativa nas matrículas do distrito sedia duas escolas diferentes, uma para seus alunos com “altas habilidades”, e outra para os alunos negros e hispânicos. As notas da escola eram divulgadas em conjunto. (WEINER, 2002, p. 18, tradução nossa) Isto é, a idealização da melhoria das escolas em bairros gentrificados por meio da convivência entre as novas famílias e as famílias originais não aconteceu exatamente, já que houve uma segregação interna e ao mesmo tempo um mascaramento de possíveis baixos resultados nos exames pela diluição dos desempenhos dos alunos.

Contudo, vale mencionar que o caso do Distrito 2, no qual as famílias mais abastadas optaram pelas escolas públicas distritais de bairro, não é uma regra em bairros que apresentam o fenômeno da gentrificação, e a afirmação do Sr. Mathias indicando que a chegada de novas famílias seria a salvação da escola pode apresentar um efeito contrário. Um dos motivos é o fato de grande parte dos novos moradores dos bairros gentrificados não consistirem em famílias com filhos, mas em jovens sozinhos e casais sem filhos (AUSTENENSEN et al., 2015; KEELS; BURDICK-WILL; KEENE, 2013); isto leva a uma baixa nas matrículas e muitas vezes ao fechamento das escolas, como ocorreu em Washington 46

D. C., cidade que também tem se transformado em decorrência da gentrificação; segundo Rosenblat e Howard (2015), o Distrito de Columbia fechou 40 escolas públicas distritais no período de 2008 a 2015, sendo que muitas delas se tornaram charter schools.

Porém, este não seria o único motivo da baixa de matrículas nas escolas públicas de bairro; as políticas de escolha da escola têm feito com que as famílias mais abastadas matriculem seus filhos em escolas alternativas fora de suas vizinhanças, como as charter schools, as magnet schools ou mesmo as escolas privadas. Estas escolas costumam selecionar seus alunos, ao contrário das escolas públicas distritais. O resultado é uma segregação social e consequentemente racial, já que as novas famílias, de maioria branca, tendem a exercer a escolha da escola, e as famílias originais, de maioria negra, permanecem nas escolas distritais da vizinhança, que acabam sendo precarizadas devido à grande quantidade de alunos carentes e de famílias sem condições de se envolverem financeiramente com as escolas (ROSENBLAT; HOWARD, 2015; KEELS; BURDICK-WILL; KEENE, 2013).

Isto ocorreu em Washington D. C. e também em Chicago, como mostra o estudo de Keels, Burdick-Will and Keene (2013) ao verificarem se as melhorias nos equipamentos públicos trazidas pela gentrificação também se aplicavam às escolas públicas; segundo eles

A expansão das políticas da escolha da escola em Chicago e o uso das magnet schools como ancoras da valorização imobiliária nos bairros gentrificados podem levar à diferenciação no acesso a escolas públicas de alta qualidade entre crianças de baixa e alta renda que moram na mesma vizinhança. (KEELS; BURDICK-WILL; KEENE, 2013, p. 242, tradução nossa) Isto é, no caso de Chicago, o exemplo exposto pelo filme de escolas serem atrativos para moradores de maior poder aquisitivo e fatores de valorização imobiliária acontece com as escolas alternativas às escolas públicas distritais de bairro, sendo que os frequentadores dessas escolas, que também podem ser as charter schools e as ability-based choice schools – escolas de agrupamento por “capacidade” e não por idade – não necessariamente residem na mesma vizinhança. Como consequência, a composição social e racial na rede pública de ensino de Chicago chega ao número de “mais de 90 por cento de alunos de baixa renda e menos 10 por cento brancos. Os alunos de renda média e de famílias brancas que permanecem no sistema estão aglomerados em escolas alternativas” (KEELS; BURDICK-WILL; KEENE, 2013, p. 242, tradução nossa).

Em suma, o fenômeno da gentrificação combinado ao novo paradigma mercadológico na educação pública dos Estados Unidos, sobretudo as políticas da escolha da 47

escola, tem levado a uma segregação social indireta, na medida em que as famílias mais abastadas e de maioria branca têm mais chances de exercer a “escolha da escola” e de que seus filhos sejam selecionados para as escolas alternativas ao passo que as famílias de baixa renda, originárias dos bairros gentrificados, permanecem nas escolas públicas distritais. 48

CAPÍTULO 2: A REPRESENTAÇÃO DA PROFISSÃO DOCENTE

O presente capítulo pretende verificar como a forma fílmica, sobretudo a composição dos personagens que representam os professores e suas relações uns com os outros e com a narrativa, revelam o ponto de vista predominante sobre os professores e profissionais da educação.

Em Detachment, a ênfase na representação do professor se manifesta no protagonista, tendo como imagem inicial um primeiríssimo plano de Henry Barthes (Adrien Brody); ainda na sequência inicial, em uma espécie de abertura do filme, há depoimentos de professores sobre como ingressaram na carreira. O filme também conta com os personagens que compõem o corpo docente e a equipe de profissionais da escola que são revelados de acordo com a passagem de Barthes naquele ambiente.

Diante disto, o capítulo será dividido em duas partes: a primeira abordará a importância do protagonista com relação à construção fílmica e à visão da direção do filme sobre a escola pública; a segunda verificará as características dos personagens que representam o corpo docente, sobretudo as precariedades material e de sua saúde mental.

2.1.O protagonista Henry Barthes

A composição do protagonista Henry Barthes, juntamente com sua relação com os espaços e com os outros personagens são elementos centrais na construção do filme. O primeiro traço de sua caracterização a ser ressaltado é sua condição de outsider (DALTON, 1996), indicada em seu papel de professor substituto por opção – característica enfatizada no título em português – e reforçada por outros elementos, como o título original, Detachment, algo que está alheio, e o sobrenome do protagonista, que pode se tratar de uma alusão ao crítico literário francês Roland Barthes. Entretanto, vale ressaltar que tal alusão vem junto com outras referências da cultura de língua francesa, como a citação de Albert Camus que aparece logo no início como uma espécie de epígrafe em diálogo com o título do filme13 e na

13 “And never have I felt so deeply at one and the same time so detached from myself and so present in the world”: E nunca havia me sentido tão profundamente alheio a mim mesmo e ao mesmo tempo tão presente no mundo. 49

última sequência a emulação do cenário do filme A queda da casa de Usher (La chute de la maison Usher, 1928) de Jean Epstein inspirado na obra homônima de Edgar Allan Poe, que será abordada mais adiante. Isto é, essas referências, quando contrastadas com a representação da escola americana, reforçam uma ideia de alheamento.

Todas as referências, a propósito, têm ligação com a literatura, que é a disciplina escolar ministrada por Henry Barthes. Sobre uma possível relação das obras de Roland Barthes (1987) com a construção fílmica, pode-se mencionar o livro O Prazer do Texto, que aborda a fruição (jouissance) por meio da leitura, mas sobretudo por meio da escrita, sendo que tais práticas têm grande destaque no filme. Por exemplo, o protagonista incentiva seus alunos a lerem, seu avô (Louis Zorich) a escrever e presenteia a personagem Erica (Sami Gayle) com um caderno, em que ela aparece escrevendo ao fim do filme. Ele próprio também é retratado em seus momentos de leitura e de escrita, sendo que há duas inserções de seus poemas de forma meta-diegética, isto é, com a voz do protagonista na trilha de som, porém paralelos à cena, em um fenômeno descrito por Candido et al. (2014) da seguinte forma:

Quando a palavra no filme escapou às limitações do seu emprego objetivo em diálogos de cena, rasgaram-se para ela horizontes estéticos muito mais amplos do que a simples narrativa, ou a utilização dramática do monólogo interior. O filme tornou-se campo aberto para o franco exercício de uma literatura falada. (CANDIDO, et al.,2014, p. 110) No caso de Detachment, o fato de o protagonista ser também um poeta adensa a sua condição de alheamento, considerando, por exemplo, a comparação do poeta com o albatroz feita por Charles Baudelaire: “exilado no chão, em meio à turba obscura / as asas de gigante impedem-no de andar” (BAUDELAIRE, 2015, p. 13).

Portanto, das características do “bom professor” indicadas por Dalton (1996), a do outsider descreve bem o protagonista em sua função dentro do espaço escolar, sendo que as outras, exceto a já discutida necessidade de adaptar o currículo aos seus alunos, não coincidem com a caracterização dentro do âmbito da escola. Afastando-se, pois, da fórmula do bom professor e ligando-se a importância do personagem à construção da narrativa, a condição de outsider pode ser relacionada ao uso do recurso da chegada de alguém de fora como pretexto para a representação de um ambiente, muito comum em peças naturalistas do século XIX, em que a

[...] situação, tornada objeto de investigação, é revelada ao espectador a partir da perspectiva do estranho. [...] o público [...] move-se em torno da ação que parece estar em repouso. [...] são introduzidos personagens estranhos ao ambiente para que 50

se justifique a descrição dele. Desta forma, o texto se dissolve, no fundo, numa série de comentários, monólogos e perguntas sem resposta. (ROSENFELD, 2006, p. 95) Esta observação vai ao encontro da estrutura de Detachment enquanto o espaço narrativo é a escola, já que Barthes é o personagem estranho ao ambiente que chega para que o cotidiano escolar seja objeto de representação por meio do seu ponto de vista, já que “é bastante comum que a construção do roteiro obedeça ao ponto de vista da personagem principal” (CANDIDO et al., 2014, p. 108). Há duas cenas, por exemplo, nas quais Barthes, enquanto caminha pelo corredor, “espia” as aulas de seus colegas, sendo o olhar do espectador dentro dos recônditos escolares. Os monólogos e comentários comuns nas peças mencionadas também estão presentes neste filme na forma dos já citados poemas, de depoimentos, de gravações na secretária eletrônica, bem como nas animações que intercalam algumas sequências.

Com esta função, o relacionamento de Barthes com os outros personagens da escola é superficial, e não proporciona nenhuma transformação, mesmo nos dois casos em que o protagonista tem um envolvimento diferenciado, que são com a professora de matemática Sarah Madison (Christina Hendricks) e a aluna Meredith (Betty Kaye). No primeiro, o caso amoroso de Barthes com a professora, apesar de também não promover transformações, permite que a personagem fale de si e seja apresentada ao espectador (ROSENFELD, 2006).

Ao encarnar o papel de outsider, portanto, embora suas possibilidades de interferências transformadoras sejam impedidas, há um aumento na possibilidade de ele enxergar o que já está cauterizado aos olhos dos que estão na inércia do ambiente. A propósito, a perda da capacidade de ver é um tema que se repete dentro do filme. A primeira ocorrência se dá no diálogo entre Barthes e o professor Sr. Wiatt (Tim Blake Nelson), enquanto o último aparece agarrado ao alambrado pela segunda vez (ele aparece da mesma forma no começo do filme, quando é capturado pelas lentes de Meredith):

Barthes: Você está bem? Wiatt: O quê? Você me vê? Você me vê aqui? Barthes: Sim, eu vejo você. Wiatt: Meu Deus, isso é tão implacável. Obrigado. (O substituto, 2011, tradução nossa)

Isto é, o professor se surpreende de ter sido visto e sente com mais intensidade a crueldade de sua invisibilidade. A segunda vez que o tema aparece é na conversa em que Meredith pede a ajuda de Barthes: 51

Meredith: Quando você fala comigo, quando você me olha, é como se você realmente me visse. Barthes: Eu vejo você, Meredith. (O substituto, 2011, tradução nossa)

A incapacidade de olhar generalizada, que se manifesta no filme no contraste com o olhar de Barthes, é assunto dos escritos de Benjamin (1989), que a coloca como uma consequência do declínio da experiência causada pelas transformações trazidas pela modernidade urbana, que é tematizada por Baudelaire em sua obra: “Trata-se da expectativa que se impõe ao olhar humano e que em Baudelaire termina frustrada. Ele descreve olhos que haviam por assim dizer perdido a capacidade de olhar” (BENJAMIN, 1989, p. 141). No caso, considerando que esta crise se deu no fim do século XIX e a perda da capacidade de olhar se tornou a regra, há uma inversão na expectativa, demonstrada na surpresa do Sr. Wiatt.

Voltando, pois, à composição do personagem, ao lado dos elementos que remetem ao alheamento, está a escolha do ator para o papel; vale lembrar que “Para o cinema é menos importante o ator representar diante do público um outro personagem, que ele representar a si mesmo diante do aparelho” (BENJAMIN, 1987a, p. 179). Trazendo para o caso analisado, é inevitável associar o ator Adrien Brody ao personagem Wladyslaw Szpilman de O Pianista (The Pianist, 2002); não é preciso ter assistido ao filme para tal associação, devido à sua grande projeção e destaque do personagem baseado na biografia de um pianista judeu-polonês sobrevivente do regime nazista. Com isto, é importante se pensar na ambiguidade do personagem cinematográfico:

A personagem de ficção cinematográfica, por mais fortes que sejam suas raízes na realidade ou em ficções pré-existentes, só começa a viver quando encarnada numa pessoa, num ator. Chegados a este ponto, está prestes a revelar-se a profunda ambiguidade da personagem cinematográfica. Se a encarnação se processa através de uma pessoa, de um ator que nos é desconhecido [...], ele fica sendo a personagem e não há maiores problemas. [...] Via de regra, a encarnação se processa através de gente que conhecemos muito bem, em atores que nos são familiares. Aliás, nos casos mais expressivos, tais atores são muito mais do que familiares; já são personagens de ficção para a imaginação coletiva, num contexto quase mitológico. (CANDIDO et al, 2014, p. 114, grifo nosso) Pensando desta forma, é possível que seja proposital a escolha de atores que são conhecidos por personagens que se destacaram do seu mundo diegético e carregam toda uma narrativa para outros papéis. Salvo as diferenças de proporção do drama pessoal de Henry Barthes e Wladyslaw Szpilman, que perdeu toda a sua família no campo de concentração, passou fome, viveu a segregação nos guetos judaicos, o medo de ser encontrado pelo regime nazista e os horrores da destruição de Varsóvia durante a Segunda Guerra Mundial, é possível verificar semelhanças em suas caracterizações. As que mais saltam aos olhos são as cenas de 52

choro em público e a aparência melancólica. Sua feição triste é verbalizada pelas jovens Meredith e Erica; a primeira diz: “Eu te observei pela escola, você parece sempre tão triste. Talvez você tenha passado momentos difíceis e precisa de alguém para conversar” (O substituto, 2011, tradução nossa). A segunda, na sequência em que vê Barthes chorando dentro do ônibus, diz: “entre mim e você, parece que você tem mais problemas do que eu” (O substituto, 2011, tradução nossa). No entanto, o abatimento emocional demonstrado por Barthes, ao contrário do que acontece com outros personagens, não aparece inicialmente vinculado à sua profissão, mas à sua vida pessoal, sobretudo sua infância trágica, demonstrada pelos constantes flashbacks. Vale lembrar que os personagens de cinema são geralmente compostos não somente de atores, como no teatro, e nem somente de texto, como no romance; ele é feito do “registro de suas imagens e vozes” (CANDIDO et al., 2014, p. 113). Eles também possuem “uma indeterminação psicológica” (CANDIDO et al., 2014, p. 112), com uma descrição menor de seus estados de espírito se comparado ao romance, ao passo que impõe ao espectador a caracterização física, ao contrário do romance, que permite uma maior liberdade na imaginação do leitor em suas feições (CANDIDO et al., 2014). Com isto, o filme não se restringe a mostrar Barthes somente no âmbito escolar; ele representa outros papeis sociais: o de neto de um idoso em condições precárias de saúde, que até determinada parte do filme vive em uma instituição igualmente precária, porém vem a falecer, e o de benfeitor, quando acolhe Erica (Sami Gayle) em sua casa, uma adolescente em situação de prostituição e, pensando no foco da representação da escola, a jovem pode ser considerada evadida. Considerando suas diferentes facetas aliadas à escolha do ator e também aos flashbacks de sua infância, incluindo o episódio de ter encontrado sua mãe morta por suicídio, verificam-se nesses elementos recursos de adensamento da caracterização psicológica do personagem.

Quanto às suas diferentes funções sociais dentro e fora da escola, é possível se fazer um paralelo entre sua relação com Meredith e Erica. A primeira, já descrita no capítulo anterior, é o mais complexo dos personagens que representam o corpo discente, se comparada a alguns que aparecem rapidamente em cenas onde o foco está nos professores e outros que nem podem ser considerados personagens e sim figurantes. Ela é focalizada antes da primeira aula do professor substituto, no corredor, e tem destaque na sequência desta aula quando sofre um insulto de um colega e Barthes pede para o adolescente sair da sala. Contraditoriamente ao que Barthes espera como professor substituto, neste momento Meredith cria um vínculo imediato com ele, que pode ser relacionado ao fenômeno da transferência descrito pela 53

psicanálise (GAGLIOTTO et al., 2012; SANTOS; SANTIAGO, 2011). Sobre a relação da transferência com a educação, Gagliotto et al. (2012) afirmam que

[...] encontra-se presente na relação professor-aluno um processo emocional, chamado de transferência, conceituado por Freud como um fenômeno presente em toda situação em que duas pessoas se relacionam frente a frente. Sabe-se que esta relação deriva também das relações afetivo-sexuais anteriores e inconscientes da criança podendo ser positivas ou negativas. Essa transferência influenciará na relação professor-aluno, o que permite entender por que o aluno acredita, ama, aprende e caminha prazerosamente junto, ou não, com o professor na busca pelo conhecimento. Portanto, a transferência é considerada como um forte instrumento que auxilia a relação no processo de ensino aprendizagem; [...]. (GAGLIOTTO et al., 2012, pp. 117-18) Isto é, a dimensão afetiva demonstrada por meio da transferência, que faz parte do processo educativo, é priorizada na representação fílmica, em um caso a princípio positivo do fenômeno. O professor se torna um substituto “dos primeiros objetos e sentimentos amorosos, estes de início endereçados a pais e irmãos” (SANTOS; SANTIAGO, 2011, online) – o que dá outro sentido à sua função de substituto, realçada pelo relacionamento conflituoso de Meredith com seu pai, descrito no capítulo anterior.

Entretanto, a relação de Barthes com Meredith tem seu ponto de tensão na sequência em que a aluna, em um momento fora da aula, procura o professor que está só em sua sala de aula, o presenteia com uma montagem fotográfica e ao mesmo tempo pede sua ajuda. Barthes se dispõe a ouvi-la, fala algumas palavras de ânimo, mas a aluna tenta o abraçar e pede para que ele a abrace e diga a ela “que tudo vai ficar bem” (O substituto, 2007, tradução nossa); o professor tenta se esquivar de tocá-la, porém, enquanto ela insiste em abraçá-lo, a professora Sarah Madison entra na sala e interpreta a cena como um possível assédio, dizendo que é inapropriado o professor ficar a sós com uma jovem. A adolescente sai aos prantos enquanto se intercalam os flashbacks de Barthes quando criança e do suicídio de sua mãe e imagens de seu avô e de Erica, ou seja, as imagens se voltam para os traumas do protagonista, que, furioso e lançando as carteiras e cadeiras da sala, afirma que só queria ajudar a adolescente e que não é um velho doentio, em referência a um abuso de seu avô à sua mãe que fica implícito no filme.

Após o episódio, Meredith deixa de frequentar as aulas de Barthes, o que é sabido no diálogo entre os dois que ocorre na última sequência em que ela é o foco, que culmina em seu suicídio. Isto é, levando-se em conta a frustração da expectativa da aluna em relação ao professor no processo da transferência, há um rompimento entre os dois que corresponde ao “malogro do professor nessa missão de substituição do outro paterno [...]. Se o professor não 54

aceita esse lugar de substituto, não viabilizando o interesse do aluno pelas vivências externas, logo este se mostrará avesso ao professor e ao saber” (SANTOS; SANTIAGO, 2011, online).

O suicídio da aluna ocorre no pátio externo da escola em um estande montado por ela, decorado com um mural de montagens fotográficas e cupcakes para distribuir, sendo que ela ingere um deles que estava envenenado. Antes, ela tem sua última conversa com Barthes (em seu último dia como substituto daquela escola) e quando ela desfalece, o professor tenta reanimá-la sem sucesso, repetindo a frase que Meredith havia pedido que ele dissesse a ela ainda em vida, “vai ficar tudo bem” (O substituto, 2007, tradução nossa). Neste momento, que será abordado de forma mais detalhada no próximo capítulo, a menina sucumbe à sua não adequação e ao sentimento de desamparo, no qual o professor teve participação.

Em contraste com o seu trágico tempo naquela escola, o filme retrata o encontro de Barthes com uma adolescente em situação de rua, Erica. Verifica-se sua primeira aparição em uma sequência que se passa dentro do ônibus em que Barthes está ao voltar de uma visita a seu avô; são intercaladas imagens externas do ônibus, primeiríssimos planos no protagonista, que está a chorar, e planos detalhe nas pernas ajoelhadas de Erica dentro do ônibus, que insinuam uma situação de sexo oral; enquanto se vê o rosto de Barthes, se ouve a menina exigindo o pagamento do homem com quem ela estava, sendo que, além de não pagar, ele a agride. Ela persegue Barthes ao descerem do ônibus e o questiona de não a ter defendido, chegando a se insinuar para ele, porém Barthes a aconselha a mudar de vida e busca ignorá-la.

Em sua segunda aparição, entretanto, ela está o esperando em seu caminho de volta, e pede sua ajuda. Barthes a leva para casa, a alimenta, cuida de seus ferimentos e a deixa dormir. Ela permanece em sua casa deste ponto em diante, sendo que o protagonista a adota temporariamente, inclusive tolerando um episódio em que ela se prostitui dentro de seu apartamento e a levando para fazer exames de sangue, até que ele a entrega à assistência social, e a menina é levada a uma entidade que abriga jovens em situação de vulnerabilidade.

Logo depois da sequência que culmina no suicídio de Meredith, que termina com takes nos corredores vazios da escola, Barthes visita Erica na instituição onde ela está abrigada. Antes da chegada do protagonista, a jovem está na área externa escrevendo no caderno que recebeu de presente de Barthes, e quando ela o vê, corre e se lança em seus braços. A sequência termina com o foco nos dois personagens abraçados em meio primeiro plano, em câmera lenta, contra a luz do sol crepuscular e ao som de pássaros e da canção 55

instrumental Distress, que quer dizer angústia, em cordas e piano que toca durante todo o filme, porém varia seus temas, de acordes com notas tristes e graves que propiciam climas de tensão para, nesta parte, acordes com notas mais alegres e agudas, o que complementa o cenário de esperança dos outros elementos.

O paralelo entre Meredith e Erica, portanto, levando-se em conta a interferência de Barthes na vida de ambas e seus desfechos opostos, propicia alguns pontos de discussão relacionados à redução das possibilidades de ação do protagonista dentro da escola comparada à sua dedicação a Erica fora desse âmbito.

O primeiro, que está nítido na representação fílmica, ligado a uma frieza nas relações no ambiente escolar, é a impossibilidade da expressão do afeto, sobretudo por meio do toque. Ao lidar com Erica, desde que Barthes a acolhe em sua casa, o fato de ele estar a sós com ela e mesmo o de tocá-la, que acontece pela primeira vez quando percebe e cuida de ferimentos em sua coxa, não se torna um problema, ainda que a primeira reação da menina fosse pensar em intenções sexuais, o que é descartado por Barthes imediatamente. Nas sequências em que estão juntos, os personagens não evitam os toques, seja um afago de Barthes no ombro de Erica, seja o reclinar da cabeça da adolescente no ombro do protagonista dentro do ônibus e, para consolidar essa possibilidade, o já mencionado abraço do reencontro em câmera lenta. Um reforço da refutação de qualquer intenção sexual da relação dos dois é dado durante a sequência em que eles estão passeando em uma papelaria, que é intercalada com flashbacks de um passeio de Barthes com sua mãe, atribuindo um aspecto paternal na sua relação com a adolescente. Em contrapartida, o grande obstáculo que faz Meredith romper com seu professor foi a negação do toque. Barthes, dentro do ambiente escolar, está preso às soluções institucionais, o que fica nítido na sugestão de a aluna ir conversar com a orientadora educacional, que não é bem aceita pela jovem.

Uma abordagem possível para esta diferença no tratamento entre Barthes e as personagens está na observação de traços culturais do contexto escolar representado. Olhando para a situação fílmica desde a perspectiva da cultura brasileira, que é uma “cultura de contato” (ARAÚJO, 2012, online), um abraço entre um professor e uma aluna talvez não causassem um transtorno tão grande, nem representassem uma indicação de uma correspondência amorosa ou de abuso. Para a compreensão da cena, portanto, é necessário o entendimento de como a cultura dos Estados Unidos, sobretudo dentro das escolas, lida com o toque físico. Com isto, verifica-se nos ambientes escolares do país o que eles chamam de “no 56

touch policy”, que pode ser traduzido como “política do não toque”, justificada pela prevenção ao abuso sexual (TAIT, 2001).

A política do não toque, de acordo com o artigo de Amy Dickinson intitulado Block That Hug para a revista Time, serve “não somente para proteger as crianças contra o abuso sexual, mas também para protegê-los a eles mesmos [os adultos] de mal-entendidos e acusações” (DICKINSON, 2000, online, tradução nossa). O artigo descreve como deve ser a conduta de adultos para com crianças, e alega que “estamos vivendo em um novo mundo no qual um abraço bem intencionado pode se tornar uma ofensa criminosa” (DICKINSON, 2000, online, tradução nossa).

Entretanto, ao problematizar a política do não toque, Tait (2001) a coloca em uma dimensão histórica, observando que a sexualidade é um objeto de obsessão no ocidente. O autor também aborda a posição de um grupo de educadores, pais e acadêmicos que afirmam que nesta prática, as perdas podem ser maiores do que os ganhos, sobretudo na educação de crianças menores. Para eles, a prevenção ao abuso sexual, que é uma matéria incontestável, tem se transformado em um pânico moral14, e que há uma desproporção na preocupação sobre as escolas e os professores, já que “somente cerca de um por cento dos casos de abuso denunciados nos Estados Unidos acontecem dentro da escola” (TAIT, 2001, online, tradução nossa). Uma evidência disto presente na “cartilha” de Dickinson (2000) está na informação de que a maioria dos casos acontece dentro da família e com conhecidos, o que está implícito na representação fílmica, com as insinuações de um suposto abuso da mãe de Barthes pelo próprio pai.

Tait (2001) afirma que, na dificuldade de identificar um possível professor pedófilo, a política do não toque nas escolas acha por bem “[...] isolar uma categoria inteira de pessoas – nesse caso, os professores homens – e tratá-los como um grupo de ‘alto risco’” (TAIT, 2001, online, tradução nossa), lembrando que, no filme, a mesma professora que acha inapropriado que Barthes esteja sozinho com uma aluna é mostrada em uma aula de reforço onde ela própria está a sós com um menino. Isto é, ao considerar-se que a imagem do professor deve estar excluída “da esfera erótica” (ADORNO, 2010a, p. 108), com uma

14 O termo “pânico moral” é um conceito sociológico que expressa, de acordo com Goode e Bem-Yehuda (1994, p. 150, tradução nossa) “explosões de medo e preocupação em uma determinada época e lugar sobre uma ameaça específica percebida; em cada caso, um agente específico foi amplamente considerado responsável pela ameaça; em cada caso, uma avaliação sóbria da prova, considerando a natureza da suposta ameaça, força o observador à conclusão de que o medo e a preocupação foram, em toda a probabilidade, exagerados ou mal colocados”. 57

“imagem do quase castrado, da pessoa neutralizada ao menos eroticamente” (ADORNO, 2010a, p. 108), a política do não toque onera de forma mais incisiva o professor homem, colocando a professora mulher como se fosse naturalmente desprovida de sexualidade.

O assunto do pânico moral, inclusive, tem sido representado em outras produções cinematográficas, como no filme dinamarquês A caça (Jagten, 2012) e no brasileiro Aos teus olhos (idem, 2017), ambos sobre professores acusados de abusarem de alunos – no primeiro, que se trata de um professor de educação infantil, a acusação é falsa, e no segundo, cujo protagonista é um professor de natação, o julgamento fica por conta do espectador –, e no curta-metragem Touch (idem, 2015), no qual um senhor idoso chinês imigrante nos Estados Unidos é condenado por pedofilia após ter tocado a genitália de um menino em um banheiro público, alegando que esta era uma prática comum em sua terra natal. O seriado Big Little Lies (idem, 2017), por sua vez, mostra um lado inverso do pânico moral, que é a confiança total na aparência de uma família tradicional; no caso, uma criança da pré-escola reclama de estar apanhando de um colega e o menino apontado como culpado e que a trama leva o espectador a crer é o filho de uma mãe solo, cuja gravidez foi resultado de um estupro. Porém, o verdadeiro agressor é o filho de uma família “estruturada”, em que o homem costuma agredir sua mulher e, no fim, é reconhecido como o abusador da mãe solo citada.

A frieza predominante na sociedade, sobretudo dentro do ambiente escolar, pode ser ligada às consequências do esclarecimento nas relações sociais abordadas por Horkheimer e Adorno (2006a; 2006c). Levando-se em conta que a forma escolar é tributária da organização fabril, ambos dominados pela calculabilidade e utilitarismo, há uma tendência para a negação dos impulsos miméticos:

O que repele por sua estranheza é, na verdade, demasiado familiar. São os gestos contagiosos dos contatos diretos reprimidos pela civilização: tocar, aconchegar-se, aplacar, induzir. O escandaloso, hoje, é o caráter extemporâneo desses impulsos. (HORKHEIMER; ADORNO, 2006c, p. 150) Isto é, adaptar-se é aderir a essa forma de pensar forjada pelo esclarecimento; qualquer gesto fora das prescrições, ainda que seja uma expressão de afeto, não é permitida. As relações afetivas entre aqueles que compõem uma escola são ignoradas nos objetivos da educação escolar, sobretudo os impostos pelos padrões e medições.

Voltando-se, portanto, à comparação da atuação de Barthes fora da escola, com sua dedicação à jovem Erica, com sua atuação como professor, verifica-se uma grande diferença nas possibilidades de ações transformadoras. Ele expressa essa crise de sua função 58

docente no depoimento que é diluído em partes durante todo o filme. Em um dos trechos, por exemplo, ele manifesta um sentimento de impotência diante das necessidades dos jovens, sobretudo as emocionais: “Essas crianças precisam de outra coisa. Elas não precisam de mim” (O substituto, 2007, tradução nossa). Em outra parte, ele assume ter uma participação mínima no desenvolvimento dos adolescentes como professor substituto, e que sua função é assegurar que “ninguém mate ninguém na sala de aula” (O substituto, 2007, tradução nossa). Com isto, a relação de Barthes com Meredith é a síntese de seu discurso e ao mesmo tempo o fracasso dele, já que a ajuda que ela busca não condiz com as atribuições que ele acredita ter dentro daquele ambiente. A consciência do fracasso está verbalizada na última frase de seu depoimento, logo depois da sequência da morte da aluna: “Fracassando. Nós estamos fracassando. Fracassamos de um modo que estamos decepcionando a todos. Inclusive a nós mesmos” (O substituto, 2011, tradução nossa). Em outro fragmento, entretanto, Barthes ressalta a necessidade de interferir na vida dos jovens, quando afirma que tem “uma grande responsabilidade de guiar nossos jovens para que eles não acabem desmoronando. Caindo pelas esquinas. Se tornando insignificantes” (O substituto, 2007, tradução nossa).

Isto é, a última fala entraria em contradição com as outras se ela fosse analisada levando-se em conta somente a ação de Barthes dentro da escola; porém, se associada à sua relação com Erica, ela revela um dualismo do personagem. Portanto, é preciso ampliar a perspectiva da análise para uma interpretação da visão do diretor sobre a posição de Barthes e voltar-se à possibilidade que as montagens cinematográficas oferecem de fornecer diferentes graus de narração, como por exemplo, a visual e a vocal:

A narrativa visual nos coloca diante do mais fácil e imediato, do que seria dado a conhecer a todos. O narrador vocal sabe muito mais, na realidade sabe tudo, mas só nos fornece dados para o conhecimento dos fatos, de forma reticente e sutil. (CANDIDO et al., 2014, p. 109) No caso de Detachment, há a existência de diferentes camadas narrativas visuais na construção fílmica; além da primeira camada mais imediata, que conta o dia a dia de Barthes durante o período em que está na escola fictícia, há a que é fornecida pelos flashbacks, que contam a história da infância do personagem e é mais ligada à sua composição, e outra, fornecida pelas animações feitas de desenhos em giz sobre uma lousa, que se intercalam entre as cenas; as animações podem ser vistas como comentários das cenas com as quais elas se intercalam. Quando ligadas à profissão docente, elas são trágicas, como a que aparece em uma sequência em que a orientadora educacional Dra. Parker está ao telefone com um pai que exige atendimento especial ao seu filho. As imagens intercaladas são as do tal 59

filho agredindo um colega dentro da biblioteca e a animação mostra a orientadora ao telefone sendo degolada pelo fio; a animação termina com a lousa pintada de giz vermelho, representando o espalhar do sangue.

Na última sequência, entretanto, esses comentários saem das animações e se manifestam na composição do cenário, com a sala da diretora e as salas de aula mostradas com as carteiras caídas ao chão, ao lado de livros com as páginas arrancadas e folhas de árvores secas, ambas sendo levadas pelo vento; a composição é complementada pela leitura de A queda da casa de Usher, de Edgar Alan Poe15, feita pelo professor Barthes. No início da sequência, a sala está repleta de alunos, porém, no final, há uma fusão do primeiro grau narrativo, com Barthes ainda à frente da sala, com o grau narrativo dos comentários, com a substituição dos alunos por uma sala de aula vazia e devastada, com as cadeiras e carteiras jogadas e páginas de livros arrancadas.

Com isto, os comentários juntamente com a composição e o dualismo do personagem principal levam a uma interpretação possível da visão da direção do filme a respeito da escola pública. Em primeiro lugar, retomando a semelhança da forma fílmica às peças naturalistas com o recurso da chegada do estranho, vale lembrar que essas peças desencadeavam

[...] acontecimentos dramáticos num ambiente de estagnação e modorra. [...] Todavia, quando não há transformações, mas apenas a monotonia cinzenta do tédio, é o próprio tempo vazio que passa a ser focalizado e no mesmo momento o tempo se coagula. (ROSENFELD, 2006, p. 90 e 92) Isto é, o objetivo desta forma era a representação de um lugar estagnado e monótono, o que coincide com a impressão que o filme passa sobre a escola. Isto é reforçado pela escolha de uma fachada de uma escola com características georgianas, pelas tomadas que mostram os corredores vazios ou ainda, fotos em preto e branco do ambiente, que tem demonstrado poucas mudanças em sua estrutura ao longo dos anos. Sobre o passar monótono do tempo, em uma das primeiras animações, há o desenho de uma grade em uma parede, com mãos que se agarram a ela, que se transforma em uma ampulheta. Isto se mostra intercalado aos depoimentos de professores na abertura do filme que, em sua maioria, ingressaram na carreira sem ter planejado, e têm permanecido por décadas.

15 A referência à obra de Poe também é uma referência cinematográfica, já que a obra inspirou, entre outras adaptações, o filme homônimo, La chute de la Maison Usher, de 1928 dirigido por Jean Epstein; na representação fílmica do interior da casa, observa-se o mesmo recurso em algumas sequências, com os corredores da casa sendo invadidos pelo vento que leva folhas secas e páginas de livros que se desmancham.

60

Com isto, seria possível pensar que a direção do filme aponta para a necessidade de reformas na escola pública. Porém, na abordagem das reformas vigentes baseadas no mercado, também se encontram críticas, que ficam nítidas na animação da escola à venda sendo sobrevoada por abutres.

Sendo descartadas as soluções provindas do mercado, vê-se no dualismo de Barthes representações da esfera do Estado, como professor de escola pública e da esfera individual, como benfeitor da jovem Erica. A desesperança em relação à primeira é evidenciada nos elementos já mencionados e tem seu ponto alto em sua relação com Meredith e na morte da jovem. Portanto, a única alternativa possível estaria nas ações individuais.

A propósito, há uma presença constante da bandeira dos Estados Unidos na composição do cenário; ela está em vinte e nove planos de cena, a maior parte deles dentro da escola, hasteada na área externa e nos ambientes internos, como sala de aula, auditório, corredor e quadra, colada em murais e nas portas, e na composição da mesa na área administrativa; aparecem na maioria das vezes em segundo plano, exceto quando é o único objeto da cena, com a focalização em contre-plongeé da bandeira que se encontra hasteada na área externa da escola. Fora do cenário da escola, a bandeira também aparece em segundo plano, em um adesivo na porta de entrada do apartamento do protagonista e na vitrine da loja visitada por Barthes e Erica. Isto é, a bandeira é um elemento que vincula necessariamente a escola e a sociedade do filme à nação estadunidense.

Com isto, levando-se em conta primeiramente a relação das representações da identidade nacional com a escola pública, ela se dá desde sua fundação, já que ela se constituiu com as mesmas bases do projeto de nação que se deu a partir dos movimentos de independência, sendo que a educação pública era parte do plano da construção de uma república que proporcionasse igualdade de oportunidade a todos os cidadãos americanos, independente de sua “classe social, religião, credo e descendência” (CREMIN; BORROWMAN, 1956, p. 81, tradução nossa). Os movimentos da sociedade civil que contaram com líderes nos diferentes Estados da nação entre o fim do século XVIII e no decorrer do século XIX impulsionaram a criação de leis estaduais para a regulamentação da instrução pública, o que deu origem às common schools, as escolas padronizadas que permitiriam o acesso de todos a um mesmo tipo de instrução (CREMIN; BORROWMAN, 1956). Isto é, há uma ligação entre a escola e a proposta de uma república liberal e 61

democrática, porém com contradições, já que, a despeito do princípio da igualdade, a segregação oficial da população negra perdurou até meados do século XX.

Voltando-se a Detachment, portanto, a bandeira dos Estados Unidos não está somente dentro da escola, em uma esfera estatal e estagnada, mas também está na porta de entrada da casa do protagonista, em uma esfera individual, em que as possibilidades de ações transformadoras são ampliadas. Isto leva a pensar que o filme, dentro de uma visão liberal conservadora, aponta para um resgate da participação democrática da sociedade civil que se estabeleceu historicamente e está expressa na já citada décima emenda da Constituição, em que “os poderes não delegados aos Estados Unidos pela Constituição, nem proibidos por ela aos Estados, são reservados respectivamente aos Estados ou ao povo” (UNITED STATES OF AMERICA, 2007, p. 14, tradução nossa).

2.2.O corpo docente

Levando-se em conta os outros personagens que formam o corpo docente, pode-se dizer, de acordo com a classificação de personagens como planas e esféricas (CANDIDO et al, 2014), que todos se enquadram como planas. Segundo Candido et al. (2014), elas “são por vezes chamadas tipos, por vezes caricaturas. Na sua forma mais pura, são construídas em torno de uma única idéia ou qualidade” (CANDIDO et al., 2014, p. 62), e no decorrer da narrativa, não apresentam nenhuma transformação.

Na composição desses personagens há um desencantamento da profissão docente no cinema, em comparação às produções que Dalton (2017) considera como “filmes do bom professor” (DALTON, 2017, p. 14), anunciada em seus primeiros minutos, na abertura, em que há depoimentos de cinco pessoas que não são personagens do filme, porém aparentam ser professores reais. Com imagem em preto e branco e trilha sonora da música Distress (angústia), eles dizem as motivações que os levaram à profissão; há os que ingressaram na docência contra as suas vontades, outros por não conseguirem êxito em sua primeira opção de carreira. Isto é, há um afastamento da crença de um heroísmo docente, antes predominante nas representações cinematográficas. 62

Algumas das características dos personagens do corpo docente podem ser ligadas a ideias presentes no senso comum e que correspondem a preconceitos tão arraigados que são dados como fato, ao que Adorno (2010a) chama de “tabus acerca do magistério” (ADORNO, 2010a, p. 97). Para ele, há uma

[...] sedimentação coletiva de representações que [...] em grande parte perderam sua base real [...] conservando-se porém com muita tenacidade como preconceitos psicológicos e sociais, que por sua vez retroagem sobre a realidade convertendo-se em forças reais. (ADORNO, 2010a, p. 98) Isto posto, há três aspectos que se sobressaem na representação dos profissionais da educação: suas condições materiais, que podem ser relacionadas ao que Adorno (2010a) chamou de “imagem do magistério como profissão de fome” (ADORNO, 2010a, p. 98), suas condições psicológicas, ligadas a um mal-estar da profissão docente (GOUVEIA, 2010; PENTEADO; SOUZA NETO, 2019) e o preconceito que se manifesta em suas falas quando se referem aos alunos e suas famílias, que será discutido no próximo capítulo.

Com isto, a respeito da precariedade material, considerando a cultura dos Estados Unidos e sua ideologia do American way of life, em que aqueles que não obtêm sucesso material são considerados os fracassados, os professores do filme são pessoas sem grandes posses, o que é mostrado em dois fatores principais: a moradia e o transporte. Isto pode ser visto primeiramente no contraste dos cenários que constituem as casas da diretora Sra. Carol (Marcia Gay Harden) e do professor Sr. Wiatt (Tim Blake Nelson); há uma sequência que intercala cenas nas duas casas, sendo que a primeira mostra a diretora e seu marido (Bryan Cranston) – um homem que aparenta ser um executivo – na sala de jantar de sua casa com uma decoração extravagante conversando sobre uma viagem para Veneza, e a segunda, mostra a família do professor em um pequeno cômodo que corresponde à sala junto com a cozinha com móveis e decoração simples. O cenário da casa do protagonista, um pequeno apartamento em um conjunto habitacional no bairro do Brooklyn, também é construído com poucos elementos: basicamente um sofá-cama, uma escrivaninha com duas cadeiras, uma estante de livros, um criado mudo e uma luminária.

O fator do transporte também merece ser ressaltado; embora haja professores que são mostrados em seus carros, que é coerente com a cultura do carro presente nos Estados Unidos, Barthes utiliza o transporte público, mais especificamente o ônibus, o que pode ser visto em sete momentos: três em que vai e uma em que volta do trabalho, uma voltando da clínica de seu avô e duas quando regressa de seu passeio com Erica. Juntamente com a raridade da presença do ônibus urbano nas representações cinematográficas, sobretudo 63

aquelas que se passam em Nova Iorque, que privilegiam os taxis amarelos e o metrô, a ênfase na utilização do ônibus, longe de demonstrar que o personagem tenha aderido à onda ecológica de evitar o carro, pode ser vista como uma representação de insucesso material beirando uma degradação moral, lembrando que no filme, o ônibus também serve como espaço de prostituição.

O insucesso material atrelado a uma degradação moral pode ser visto em outras produções. Como exemplo de uma representação que toma o termo “profissão de fome” de forma literal, pode-se citar um episódio de House of Cards (idem, 2013-2018), série sobre a escalada criminosa de um deputado à presidência dos Estados Unidos; no episódio em questão, o deputado Frank Underwood (Kevin Spacey) e sua mulher Claire (Robin Wright) fazem os professores pararem um protesto na porta de um evento filantrópico frequentado por ricos e congressistas os servindo com um pedaço de costela assada. Há outras produções que retratam professores criminosos, como por exemplo, a já mencionada Professora sem classe, em que a protagonista Elizabeth (Cameron Diaz) é capaz de cometer alguns crimes para complementar sua renda com o objetivo de fazer uma cirurgia de implante de próteses de silicone. Como exemplo de seus atos ilícitos, ela furta parte do dinheiro de uma arrecadação para a escola e droga um funcionário do departamento de educação para roubar o gabarito do exame estadual e obter o bônus em dinheiro pelo primeiro lugar. Outro caso é a série (idem, 2008-2013), que mostra Walter White (Bryan Cranston), um professor de química do ensino médio que, ao descobrir um câncer de pulmão e tendo que arcar com os custos do tratamento, começa a produzir e traficar meta-anfetamina, se tornando um narcotraficante internacional. Ou seja, nessas duas produções, a docência tem relação íntima com a marginalidade.

A perpetuação da profissão docente como uma função de baixa remuneração também pode ser observada em estudos, como no de Allegretto e Mishel (2018); segundo os autores, os ganhos de professores americanos comparados a outros profissionais com o mesmo nível de escolaridade foram em média 23 por cento menores em 2017. Os baixos salários e as más condições de trabalho, inclusive, têm sido colocados como razões da diminuição da escolha da carreira docente como profissão pelos jovens (ALLEGRETTO; MISHEL, 2018), isto é, há uma continuidade na “aversão em relação à profissão de professor” (ADORNO, 2010a, p. 97) observada por Adorno (2010a), bem como uma “discrepância entre a posição material do docente e a sua exigência de status e poder, que deveriam lhe corresponder” (ADORNO, 2010a, pp. 100-101). A propósito, a situação da educação pública 64

dos Estados Unidos, incluindo a baixa remuneração, salas de aula lotadas e cortes de verbas pelos governos, levou em 2018 o maior número de trabalhadores a entrarem em greve no país desde 1986, cerca de 500 mil (SAINATO, 2019; DAM, 2019).

Outro traço que está de maneira latente nesta produção é a precariedade da saúde emocional desses personagens, que se manifesta na seguinte fala de Barthes:

Todos temos problemas, todos temos coisas com as quais estamos lidando. E todos nós os levamos conosco para casa à noite, os levamos conosco para o trabalho de manhã. Eu acho que esse desamparo, essa percepção, esse pressentimento de estar à deriva no mar, sem boia, sem segurança, quando você pensa que você seria aquele que jogaria a boia. (O substituto, 2011, tradução nossa) O abatimento psicológico pode ser visto na maioria dos personagens que representam os profissionais da educação, incluindo os professores, os orientadores educacionais, o reitor e a diretora – a última já abordada no capítulo anterior. A começar pelo protagonista, Barthes demonstra não ter superado questões emocionais de sua infância. Uma das formas com que lida com isto é por meio da leitura e da escrita; porém, nas crises de choro, em suas duas explosões de raiva, bem como na última sequência, em que declara sentir a pressão de um peso enquanto anda pelos corredores da escola, ele expressa sintomas de doenças psicológicas.

Já o caso da orientadora educacional16, Dra. Parker (Lucy Liu), difere ao de Barthes com relação às causas de seus problemas emocionais. Remetendo às ideias trazidas pelos personagens que correspondem a tipos, ela representa a ideia do profissional da educação que adoece em decorrência das dificuldades de sua profissão, o que está explícito em seu acesso de raiva ao atender uma aluna e em sua fala diagnosticadora na conversa com o Sr. Seaboldt logo após o ocorrido, em que se autodescreve como uma burnout, se referindo à síndrome de burnout que está diretamente relacionada ao trabalho e de acordo com sua descrição técnica se trata de

[...] uma síndrome multidimensional constituída por três dimensões: 1) Esgotamento Emocional - caracteriza-se pela sensação de exaustão emocional e física, na qual o sujeito constata que não possui energias suficientes para continuar a trabalhar;

16 De acordo o site do Departamento de Educação do Estado de Nova Iorque, “orientadores educacionais apoiam os alunos por meio de aconselhamento individual e em grupo, instruem quanto à escolha da faculdade e da carreira, dão assistência em situações de crise e são referência para assistentes sociais, psicólogos e outros profissionais quando são requeridas intervenções de especialistas para o sucesso dos alunos da escola.” NEW York State Education Department. Memo RE: Amendments to Commissioner's Regulations Related to School Counseling, January 3, 2018, Disponível em http://www.p12.nysed.gov/sss/SchoolCounselingMemo.html. Acesso em: 16 jun. 2019, tradução nossa. 65

2) Despersonalização - representa a dimensão do contexto interpessoal do burnout e refere-se a atitudes de distanciamento emocional direccionadas às pessoas a quem o sujeito deve prestar serviços, bem como aos colegas de trabalho; 3) Falta de Realização - corresponde à dimensão da auto-avaliação do burnout e, tal como o nome indica, refere-se a sentimentos de incompetência e de baixa produtividade no trabalho, bem como de descontentamento a nível pessoal. (GOUVEIA, 2010, pp. 1-2)

Ou seja, a descrição da síndrome é a caracterização da personagem. Vale ressaltar que sua fala diagnosticadora não se restringe só a ela mesma, pois o faz também com respeito aos alunos, por exemplo, na sequência em que ela está ao telefone com um pai que também tem uma atitude parecida quando se refere a seu filho como tendo Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), e diz que “ele não está aprendendo nada e a culpa é sua” (O substituto, 2011, tradução nossa); enquanto se ouve a conversa, a imagem mostrada é de uma briga dentro da biblioteca em que o adolescente está envolvido; a orientadora, por sua vez, diz ao pai que os problemas do jovem são comportamentais e termina a conversa dizendo que havia crianças realmente com dificuldades de aprendizagem, fazendo uso da sigla para learning disabled (LD), que precisam de sua atenção. A frequência com que a personagem se refere a alunos por meio de laudos ressalta o aspecto da despersonalização, colocado como uma das dimensões da síndrome de burnout.

Outro personagem que dá sinais de que adoece em decorrência da profissão é o Reitor Vargas (não creditado), que é o caso raro de um personagem cinematográfico que não aparece em imagem, mas somente em palavras (CANDIDO et al., 2014). A voz do Reitor, que tem a função de orientar disciplinarmente os alunos, aparece em três momentos em gravações na secretária eletrônica, que são uma forma de justificar a inserção de monólogos no filme (ROSENFELD, 2006): na primeira, ele avisa que não irá trabalhar por estar doente; na segunda, ele diz que não aguenta mais e se demite; e na terceira, ele faz um discurso inflamado em que aponta para os motivos de sua demissão, que envolvem todos os aspectos da escola, como ter se cansado de sua função de disciplinar os alunos, os cortes de verbas do governo, as famílias ausentes da comunidade escolar e principalmente os alunos, os chamando de perversos, sem desejos, o terror de sua dor que cospem em sua alma.

Nesta última fala, a trilha de imagem mostra a animação de uma secretária eletrônica intercalada com imagens de crianças conduzindo adultos em coleiras; em seguida há uma transição sonora da fala do Reitor para um discurso de Hitler. Isto é sabido com a posterior transição de imagem, que passa da animação da secretária eletrônica, que no momento é mostrada com sinais de mal funcionamento, para uma aula onde outro professor 66

expõe um vídeo de um discurso do ditador. As características, portanto, que se sobressaem são o absenteísmo, o abandono da profissão e o preconceito em sua fala com relação aos alunos e suas famílias. (LEVER; MATHIS; MAYWORM, 2017; PENTEADO; SOUZA NETO, 2019).

Com relação ao personagem Sr. Seaboldt (James Caan), que atua como substituto do Reitor Vargas e é um professor mais velho, ao orientar a conduta de dois alunos, é hostilizado pelo primeiro e ironiza a situação, repetindo o insulto em vários tons teatrais, e adverte a segunda por frequentar a escola em trajes mínimos também de forma sarcástica. Na cena anterior, ele é mostrado tomando remédios que ele chama de “ajuda feliz”, que mais tarde, em conversa com a Dra. Parker, diz que se não os tomasse ele “estaria cometendo assassinato em massa e a ajudando a jogar essas crianças pela janela” (O substituo, 2011, tradução nossa). Isto é, o Sr. Seaboldt é caracterizado pelo cinismo com que enfrenta a violência que sofre e pelo seu uso de medicamentos para aliviar seu mal-estar (PENTEADO; SOUZA NETO, 2019; LEVER; MATHIS; MAYWORM, 2017).

O personagem Sr. Wiatt (Tim Blake Nelson), como já abordado anteriormente, é o professor “invisível”. Em todas as cenas em que está presente, não há interação dos outros personagens com ele, exceto com Barthes. Na primeira sequência em que a escola é mostrada, há uma cena de uma aula do professor, que fala em frente a sua turma e todos o ignoram. Quando é mostrado em sua casa, sua esposa (Rebeca Ray) está com os olhos fixos na TV e seu filho (Jonathan Hudson), no computador; ele tenta um diálogo sem sucesso, portanto, se põe a corrigir provas, nas quais ele encontra insultos escritos para ele. Wiatt demonstra sempre uma feição triste, abatida e cansada. Ele pode ser visto como a representação da invisibilidade de duas formas: a produzida pela já citada perda generalizada da capacidade de olhar (BENJAMIN, 1989) e a da profissão docente, cuja atividade se torna invisível nas formas de gestão em que se priorizam as medições e sanções (RAVITCH, 2010; PENTEADO; SOUZA NETO, 2019).

A última personagem a ser abordada é Sarah Madison (Christina Hendricks), a professora de matemática. Ela, que está na única cena do filme que mostra uma situação de aprendizagem (ao ensinar um único aluno a fazer um mosaico geométrico em uma aparente aula de reforço), difere dos outros quanto à sua atitude a respeito da profissão, demonstrada na seguinte fala: “Honestamente, eu não sei o que fazer comigo mesma quando eu não estou na sala de aula. Então, nas tardes de sexta-feira, eu tenho medo de ir para casa. Medo de todo 67

aquele tempo sozinha.” (O substituto, 2011, tradução nossa). Isto é, a professora, que durante o filme é hostilizada por uma aluna e por sua mãe, sendo que a primeira cospe em seu rosto, demonstra uma defesa nas adversidades da profissão apoiada em uma crença em sua vocação. Segundo Penteado e Souza Neto (2019), isto se deve à herança de “um passado vocacional e missionário” (PENTEADO; SOUZA NETO, 2019, online) da profissão, que predominou do século XVII ao XIX devido à influência da igreja e tem se perpetuado até os dias de hoje:

Essa visão vocacional impregnou o trabalho e a cultura docente, as práticas de ensino, as interações, os saberes docentes e os processos de formação, socialização e identidade profissional, nos âmbitos das escolas e das comunidades religiosas daqueles tempos. Essa visão passou a ter influência profunda e durável sobre as concepções posteriores da docência e do trabalho docente e perdura até os dias atuais. (PENTEADO; SOUZA NETO, 2019, online) Uma das consequências dessa visão na atitude dos docentes é o “presenteísmo – trabalho exercido pelos professores mediante situações de sofrimento/adoecimento” (PENTEADO; SOUZA NETO, 2019, online) ratificado por “discursos que naturalizam a ideia do trabalho docente como vocação, sacerdócio, doação e sacrifício, constituídos em um ethos pastoral e missionário de salvamento das crianças” (PENTEADO; SOUZA NETO, 2019, online).

A precariedade da saúde emocional dos professores é um assunto em voga não somente no filme e em salas de professores, mas também em publicações nas áreas de educação e psicologia (SOUZA, 2002; GOUVEIA, 2010; SANTOS e SANTIAGO, 2011; AMERICAN FEDERATION OF TEACHERS, 2017; LEVER; MATHIS; MAYWORM, 2017; PENTEADO; SOUZA NETO, 2019). Segundo pesquisa feita pela AFT em 2017 entre professores e profissionais da educação, 21 por cento dos respondentes disseram que não gozavam de saúde mental em 11 ou mais dias dos 30 dias anteriores e 11 por cento responderam entre 7 a 10 dias (AMERICAN FEDERATION OF TEACHERS, 2017). Como consequência das condições precárias de saúde mental, Lever, Mathis e Mayworm (2017) listam uma série de sintomas e comportamentos, muitos deles presentes nos personagens do filme: “Apatia emocional; Abatimento; Perda da satisfação; Falta de Energia; Senso de cinismo ou pessimismo; Mal-estar crescente ou fadiga; Dores; Aumento de absenteísmo [...]; e Dificuldade de tomar decisões ou Tomadas de decisões erradas” (LEVER; MATHIS; MAYWORM, 2017, online, tradução nossa).

Porém, não se encontram nos objetivos deste trabalho fazer a descrição de diagnósticos e patologias, mas sim a discussão sobre o que está implicado na representação 68

generalizada do mal-estar na profissão docente (GOUVEIA, 2010; PENTEADO; SOUZA NETO, 2019). Em primeiro lugar, de acordo com Lever, Mathis e Mayworm (2017) e Gouveia (2010), as patologias psicológicas que se desenvolvem em professores estão ligadas justamente à precariedade das suas condições de trabalho:

[...] a violência na escola, a falta de segurança, a gestão pouco sensível, as questões burocráticas, as transferências involuntárias, as críticas da opinião pública, as classes sobrelotadas, a falta de autonomia, os salários inadequados, a falta de perspectivas de ascensão na carreira, o isolamento em relação a outros e a falta de uma rede social de apoio. (GOUVEIA, 2010, p. 7) Outra questão que se coloca é o “escoamento de sentido da escola” (SOUZA, 2002, online), de onde provém “a depressão difusa na escola de hoje” (SOUZA, 2002, online). Levando-se em conta o sistema educacional dos Estados Unidos, não há consenso quando se aborda o seu propósito; para as administrações federais e estaduais, a finalidade da escola pública é “garantir que todos os estudantes, independente de onde vivem, concluam o ensino médio preparados para a faculdade, para a carreira e para a vida”17. Entretanto, quando se toma a opinião dos cidadãos americanos, de acordo com pesquisa realizada pela associação PDK18 em 2016, 26 por cento dos entrevistados respondeu que o objetivo principal da escola deveria ser formar cidadãos, 25 por cento respondeu formar para o trabalho e 45 por cento acredita que o foco deve estar na formação acadêmica19; isto é, de acordo com esta pesquisa, pouco menos da metade da população concorda que a formação acadêmica deve ser o objetivo principal. Para os membros dos conselhos escolares [school boards], organizações da sociedade que garantem a participação democrática no sistema público de ensino, em pesquisa realizada em 2010, a maioria respondeu que os objetivos prioritários da educação pública são “ajudar os estudantes a atingir seu potencial” e “preparar os alunos para uma vida satisfatória

17 COMMON Core. State Standards Initiative. Development Process. Disponível em http://www.corestandards.org/about-the-standards/development-process/. Acesso em: 12 mai. 2019, tradução nossa.

18 A associação PDK, fundada em 1906, é uma instituição internacional que atua na retaguarda da educação pública, sobretudo nos Estados Unidos. Desde 1969, ela é responsável por realizar anualmente uma pesquisa sobre a opinião da população sobre a educação pública no país.

19 PDK International. The 48th Annual PDK Poll of the Public’s Attitudes Toward the Public Schools. Disponível em http://pdkpoll.org/timeline/2016. Acesso em: 20 abr. 2019.

69

e produtiva” (respectivamente 42,6 por cento e 31,7 por cento), e a minoria respondeu preparar para a faculdade e para a “força de trabalho” (8,1 por cento cada) 20.

Em meio a esta indefinição e na predominância da gestão baseada em medições que impõe punições aos que não atingem as metas, há uma reificação do trabalho do professor, em um sistema em que é tratado como uma peça descartável quando não apresenta os resultados esperados, ou como reprodutores de métodos, muitas vezes impostos pelas administrações (RAVITCH, 2010; GYURKO; HENIG, 2010). No entanto, a complexidade do processo de ensino e aprendizagem não é considerada nesse método de gestão; de acordo com Souza (2002),

[...] o professor tem por missão ensinar, que é meio, para o objetivo de levar o aluno a aprender, que é fim. E esse fim depende do desejo dos alunos. Não se pode exercer a profissão sem o engajamento do outro, sem seu desejo e mobilização, sem um uso em-si e para-si do conhecimento. E tal fato descarta a educação de qualquer possibilidade de controle: a psicanálise ensina que não se pode produzir o desejo. (SOUZA, 2002, online) Isto é, aliadas às condições de trabalho impostas pelas políticas educacionais, o professor ainda precisa lidar diretamente com educandos que muitas vezes se mostram resistentes ao processo de ensino e aprendizagem.

Com isto, fica evidente que o mal-estar docente “encontra-se vinculado aos desinvestimentos sociais e políticos na educação pública e na careira docente” (PENTEADO; SOUZA NETO, 2019) e confirma a afirmação de Marcuse de que “os problemas psicológicos tornam-se problemas políticos: a perturbação particular reflete mais diretamente do que antes a perturbação do todo, e a cura dos distúrbios pessoais depende mais diretamente do que antes da cura de uma desordem geral” (MARCUSE, 1975, p. 25).

20 HESS, F. e MEEKS, O. School Boards Circa 2010: Governance in the accountability era. Disponível em: https://cdn-files.nsba.org/s3fs-public/SBcirca2010_WEB.pdf?Piya0hP.hbJ4QXagUmzbETjNuhDB__kM. Acesso em: 20 abr. 2019. 70

CAPÍTULO 3: A REPRESENTAÇÃO DA VIOLÊNCIA

No período em que o personagem Henry Barthes trabalha como professor substituto na escola fictícia, com a função narrativa de ser o estranho que chega para que o ambiente seja mostrado (ROSENFELD, 2006), há uma série de episódios de violência, o que demonstra uma ênfase neste tema em Detachment. Entre eles, encontram-se discursos preconceituosos dos professores, agressão física entre alunos, insultos de alunos a colegas e a professores, bem como crueldade a animais e suicídio. Com isto, o filme permite uma discussão sobre a representação da violência no espaço escolar. De acordo com Kohatsu e Dias (2009)

A violência escolar é compreendida como ações de elementos externos contra a escola, assim como manifestação dos indivíduos que se encontram em seu interior, seja contra o patrimônio e/ou contra as pessoas. [...], mesmo que os indivíduos inseridos na escola criem novas formas e modalidades de violência que podem ser consideradas típicas desse ambiente, estas ocorrem a partir de processos de formação ocorridos não somente no interior da escola, mas no processo de formação cultural mais amplo e histórico. (KOHATSU; DIAS, 2009, p. 31) Isto é, as formas de violência escolar devem ser vistas ao mesmo tempo como fenômenos específicos, gerados pelas condições deste ambiente, e como um fenômeno mais amplo, que ocorre, por exemplo, em decorrência da frieza das relações produzidas pela ordem social (ADORNO, 2010b).

Com isto, se fará primeiramente uma análise do roteiro, com respeito ao preconceito que se manifesta no discurso dos personagens que representam os professores e os profissionais da educação sobre os alunos e suas famílias; em seguida, serão feitos comentários sobre os episódios de violência no filme, relacionando-os com as teorias sobre a violência na escola e na sociedade.

3.1. O discurso do professor e o preconceito

Como já descrito no capítulo anterior, um traço que caracteriza alguns dos personagens que representam os professores e profissionais da educação do filme analisado é o tom pejorativo em algumas de suas falas quando se referem aos alunos da escola fictícia. Segundo a definição de Crochík (2015, p. 31), 71

O preconceito é uma atitude, e como tal tem três dimensões: uma cognitiva, uma afetiva e uma tendência para a ação. A dimensão cognitiva se refere aos estereótipos, mas também a argumentos bem elaborados que sutilmente o promovam, uns e outros desenvolvidos por meio de uma ideologia que os contém e que justifica o preconceito para quem o desenvolve e para os outros; é necessária uma explicação, ainda que vaga para que haja essa atitude hostil; cabe enfatizar que tal hostilidade em hipótese alguma é provocada pela vítima [...]. Tendo em vista esta definição, pode-se verificar o primeiro caso já nos primeiros minutos do filme, quando a diretora, tendo seu cargo ameaçado por não alcançar resultados satisfatórios nos exames estaduais, classifica os alunos como “as piores crianças do distrito” (O substituto, 2011, tradução nossa). Um sentido parecido pode ser encontrado no discurso inflamado do Reitor Vargas gravado na secretária eletrônica da escola, em que descreve as crianças e suas famílias com características vilanescas; enquanto se ouve esta fala, se vê uma animação com crianças conduzindo adultos em coleiras, e a transição desta cena se faz com a de um discurso de Hitler, primeiro na trilha de som e depois na trilha de imagem:

Os pais ausentes, seus filhos viciados. Eles são o pavor da dor, cuspiram em minha alma. Esta humilhação vai terminar. A disciplina deve ser restaurada, essas crianças estão nos dominando. Nós é que estamos sendo julgados. Esta loucura! Como se toda a criança tivesse valores, fosse consciente e digna de uma educação privada. Malditas crianças sem desejos, sem fogo, sem mentes para ser. (O substituto, 2011, tradução nossa) Com isto, analisando-se o teor dessas falas reforçadas pela montagem fílmica, percebe-se que elas não se tratam de meras descrições, mas de manifestações de preconceitos a respeito do público alvo do sistema público de ensino dos Estados Unidos, na medida em que eles são “descritos” com hostilidade, de maneira estereotipada e com a justificativa de sua origem familiar. Vale lembrar que as escolas públicas são compostas em sua maioria de crianças das classes mais baixas; quanto à composição étnica, de acordo com o Departamento de Educação da Cidade de Nova Iorque, entre os anos de 2015 e 2016, 15,5% dos alunos matriculados na rede municipal eram de origem asiática, 27,1% eram negros, 40,5% hispânicos e 14,8% brancos21. Isto é, a grande maioria dos alunos também é proveniente das chamadas minorias étnicas.

Quanto à justificativa ideológica desta forma de se referir aos alunos, que incluem a responsabilização das famílias e “as deficiências da clientela como a principal causa do fracasso escolar” (PATTO, 1999, p. 74), ela encontra base na teoria da carência cultural que surgiu nos Estados Unidos em meados do século XX (PATTO, 1999). Tal teoria serviu como

21 NEW York City, Department of Education, Data About Schools, Disponível em http://schools.nyc.gov/AboutUs/schools/data/default.htm. Acesso em: 05 jul. 2017.

72

ratificação acadêmica à “crença na incompetência das pessoas pobres” (PATTO, 1999, p. 74). Segundo Patto (1999, p. 72),

Não é difícil localizar passagens, nos milhares de textos que as [teorias ambientalistas] integram, nas quais os adultos das classes subalternas são considerados mais agressivos, relapsos, desinteressados pelos filhos, inconstantes, viciados e imorais do que os das classes dominantes [...]. Tal descrição, portanto, se aproxima do discurso do Reitor Vargas no filme, indicando a permanência de tal pensamento ao ponto de estar presente em uma representação fílmica da escola no começo do século XXI. Na sequência que mostra a reunião de pais, em que nenhum responsável é mostrado e há o relato de que pouquíssimos estiveram presentes, há também uma conversa entre os professores mais velhos, Sr. Seaboldt e Sra. Perkins (Blythe Danner), de que houve um tempo em que a escola recebia muitos pais, mas que esse tempo se foi. Ou seja, no discurso dos professores, e mesmo na montagem fílmica, há uma tendência para a culpabilização das famílias, sem uma reflexão crítica sobre as mudanças no sistema de ensino que propiciam uma segregação social e racial, abordados no capítulo sobre a gentrificação, e os motivos estruturais da sociedade pelos quais os pais dos jovens que são o público alvo da escola pública distrital, em sua maioria provindos da classe trabalhadora, deixam de acompanhar a vida escolar dos filhos (PATTO, 1999).

Vale ressaltar que a teoria da carência cultural está diretamente ligada com a questão racial, sobretudo na tentativa de explicar o baixo desempenho escolar demonstrado historicamente por negros e latinos (PATTO, 1999; RAVITCH, 2010). De acordo com Patto (1999),

Geradas no calor dos movimentos reivindicatórios das minorias latinas e negras norte-americanas, era de esperar que as conclusões das pesquisas produzidas neste país a partir dos anos cinqüenta [sic] fossem expressão, mesmo que sutil, da crença arraigada na inferioridade de negros, índios e mestiços. Não foi por acidente que no auge da teoria da carência cultural o psicólogo norte-americano Arthur Jensen reviveu a tese da inferioridade genética do negro; na verdade, ele estava sendo porta- voz da mensagem muitas vezes implícita nessa nova formulação teórica do problema das desigualdades sociais. (PATTO, 1999, p. 75) Portanto, pode-se dizer que o preconceito racial está embutido nas manifestações de preconceito social. Com isto, a permanência das manifestações de preconceito e da segregação institucionalizada das minorias raciais, sobretudo a negra, demonstrada em políticas e discursos, pode gerar outra forma de violência, no caso, manifestada nas vítimas; no filme, ela está na atitude de dois personagens negros: o aluno Jerry (Tarikk Mudu), que logo no primeiro contato com o professor Barthes o ameaça e lança sua pasta contra a parede, e na figura da mãe de uma aluna (Roslyn Ruff), que acusa de racismo a professora Sarah 73

Madison com gritos e ofensas por ter suspendido sua filha – que havia cuspido e insultado a professora. Porém, para o preconceituoso, estas manifestações de violência provindas das vítimas, bem como o baixo desempenho escolar demonstrado pelas populações mais carentes, não são vistas como consequência de uma sociedade estruturada em classes e na segregação racial (PATTO, 1999), mas sim como uma característica inerente dessas populações, como escreve Crochík (2015, p. 33):

A (falsa) percepção que o preconceituoso tem de seu alvo tende a tornar uma característica ou desejo que imputa a ele como algo natural; em alguns casos, alguns alvos de preconceito foram historicamente submetidos a determinadas situações que os levaram a ter de se adaptar de maneira específica, o preconceituoso transforma comportamentos, pensamentos associados a essa adaptação, que historicamente foram determinados em algo inerente ao alvo. Tais características, a propósito, são reproduzidas e difundidas pela indústria cultural, como acontece na representação do aluno inicialmente como um jovem agressivo e principalmente na da mãe, que reforça o estereótipo da “negra raivosa” [angry black woman] – vale ressaltar que nos créditos, a personagem é denominada Angry Mother –; nesta representação, há uma desconsideração do histórico de dupla submissão da mulher negra em uma sociedade sexista e racista, a primeira por não ser homem e a segunda por não ser branca (COSTA; SOUSA, 2019). Há também um apagamento de suas vozes, já que, o que se sobressai é a forma com que se expressa, e não o conteúdo de sua fala (CHILDS, 2005); se tomada de forma cuidadosa, em sua fala percebe-se a demanda de uma mãe da classe trabalhadora que conta com a escola pública para que a filha esteja em um lugar seguro enquanto trabalha. Isto é, o filme, ao mesmo tempo em que denuncia o preconceito no discurso do professor, reproduz estereótipos preconceituosos na forma do “recalcamento” que, segundo Costa e Sousa (2019), consiste na não apresentação de “aspectos identitários positivos das manifestações simbólicas de origem negra” (COSTA; SOUSA, 2019, p. 11).

Esta, porém, não é a única manifestação de preconceito no discurso dos professores do filme; ela também se encontra na fala diagnosticadora da orientadora educacional, Dra. Parker, quando usa a sigla LD para se referir a alunos, bem como na cena em que a personagem usa estatísticas para advertir um aluno que torturou e matou um gato, quando diz que “crianças propensas a machucar animais em sua infância consequentemente entram em uma alta porcentagem de adultos que podem falhar em desenvolver os sentimentos mais básicos pelas pessoas” (O substituto, 2011, tradução nossa). 74

A razão das falas preconceituosas nas relações entre profissionais da educação e alunos, que não seriam difíceis de ser encontradas na realidade, pode ser entendida à luz do empobrecimento da experiência na perspectiva de Horkheimer e Adorno (2006c, p. 165): “A experiência é substituída pelo clichê e a imaginação ativa na experiência pela recepção ávida”. Ou seja, o discurso de um grupo (os professores e profissionais da educação) se torna o discurso sobre outro grupo (os jovens da escola pública), sem distinção dos indivíduos que o compõe. O primeiro grupo permite que seu próprio julgamento seja substituído por um preconceito: “No mundo da produção em série, a estereotipia – que é seu esquema – substitui o trabalho categorial. O juízo não se apoia mais numa síntese efetivamente realizada, mas numa cega subsunção” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006c, p. 166).

No caso específico das falas diagnosticadoras e do uso de estatísticas para a orientação da conduta do jovem, é possível ligá-los ao predomínio do conceito sobre a natureza:

A ciência é repetição, aprimorada como regularidade observada e conservada em estereótipos [...]. Hoje, a coloração destinada a proteger e a repelir é a dominação cega da natureza, que é idêntica à funcionalidade prognosticadora (HORKHEIMER; ADORNO, 2006c, p. 150). Isto demonstra a substituição da pessoa, do que é vivo, pelo laudo ou dado, inanimado; a pessoa com deficiência representa a natureza que não se pode controlar e que causa medo. Portanto, o laudo se torna a ferramenta do esclarecimento por meio da qual se pode dominar o desconhecido; com isto, o estereótipo substitui a experiência e interrompe o movimento da projeção, fazendo com que as relações não ultrapassem a barreira da falsa mimese (HORKHEIMER; ADORNO, 2006c).

3.2.Episódios de violência na escola

Os episódios de violência escolar em Detachment, entendida como a “manifestação dos indivíduos que se encontram em seu interior, seja contra o patrimônio e/ou contra as pessoas” (KOHATSU; DIAS, 2009, p. 31), se iniciam já na primeira aula de Barthes como professor substituto de literatura. Elas continuam no decorrer do filme, e além dessas manifestações típicas do ambiente escolar, como as brigas e o bullying, há outras não tão comuns, como a crueldade a animais e o suicídio; porém, elas têm figurado como atos 75

praticados por jovens em idade escolar e repercutem na imprensa, a qual aparenta ter sido uma importante fonte de informações para a construção fílmica.

Portanto, em primeiro lugar, embora Detachment faça uma representação superficial do corpo discente e de suas relações, dando mais ênfase na representação dos professores, o filme esboça algumas situações de conflito entre estudantes. Elas se dão na forma de insultos verbais e também da agressão física, ambas durante as aulas do protagonista.

Iniciando-se pela última, ela está em uma sequência que mostra a Dra. Parker em sua sala conversando com o pai do agressor (David Hausen) ao telefone. Na trilha de imagem, se intercalam cenas da orientadora educacional e da biblioteca, com imagens trêmulas de um aluno agredindo um colega, o lançando contra a estante e a mesa, com professores (inclusive Barthes) e seguranças tentando contê-lo; também há uma animação da orientadora, na qual o fio do telefone a degola. Na trilha sonora, há a execução da canção Distress (angústia) em cordas com sons graves e ritmo marcado, propiciando um clima de tensão, e também se ouve a conversa entre a Dra. Parker e o pai, que alega que viu na internet que seu filho tem TDAH e que não tem recebido a atenção necessária, por isso demonstra o comportamento agressivo.

Nesta sequência, portanto, o aluno se manifesta contra um colega e contra o patrimônio, em um exemplo de violência escolar que pode ser descrita como uma briga, uma agressão ou um espancamento (ABRAMOVAY; RUA, 2002), porém não há contextualização do ocorrido, dando a impressão de uma violência gratuita, sem motivos desencadeadores. De acordo com estudo de Abramovay e Rua (2002) em escolas brasileiras, as brigas costumam ser evoluções de agressões verbais e “são consideradas acontecimentos corriqueiros, sugerindo a banalização da violência e sua legitimação como mecanismo de resolução de conflitos” (ABRAMOVAY; RUA, 2002, p. 236). Em Detachment, a banalização parte do pai ao telefone, que justifica a violência com um diagnóstico, e também da orientadora educacional que, ao dizer que há outras crianças na escola com déficit de aprendizagem que precisam de sua atenção, parece naturalizar o ocorrido.

Quanto ao caso de agressão verbal entre alunos, ele ocorre na primeira aula de Barthes logo após ele se apresentar à sala. O aluno Marcus (Aaron Sauter) se dirige ao professor com uma atitude homofóbica; com isto, a aluna Meredith o repreende, e ele a insulta também, se referindo pejorativamente ao seu peso – a personagem é caracterizada como uma 76

adolescente obesa, com compulsão por comida. Após os insultos, a turma reage com risos; o aluno é solicitado a se retirar da sala pelo professor.

A cena descrita, portanto, apresenta características do que tem sido chamado de bullying, fenômeno que está em voga nos debates populares, muitas vezes de forma pouco elaborada. De acordo com sua definição,

O bullying é traduzido como intimidação ou provocação que um indivíduo mais forte ou mais esperto, sozinho ou em grupo, pratique de forma constante e por determinado período contra pessoas que não conseguem reagir a essa hostilidade [...].

Há diversos papéis exercidos no bullying: autor da agressão, apoiador, observador e alvo da agressão [...]. (CROCHÍK, 2015, p. 38) Isto é, o quadro do bullying no filme é quase completo, pois há a provocação, um apoiador, que se trata de um colega que o cumprimenta por ter sido solicitado a sair da sala, e os observadores, que riem, sendo que a vítima não reage. Quanto à constância do acontecimento, ela não é mostrada, mas fica implícita na cena em que o insulto é ecoado em flashback na trilha de som momentos antes do suicídio de Meredith, como que em uma demonstração dos motivos pelos quais a jovem decide tirar sua própria vida.

Outro ponto, de acordo com Crochík (2015), é a observação de que os alvos do bullying possuem traços menos delineados se comparados aos alvos do preconceito, já que o preconceituoso justifica sua agressão pelo estereótipo do alvo e “por argumentos mais bem elaborados” (CROCHÍK, 2015, p. 41); com isto, embora nas palavras do agressor, tanto a voltada para o professor como a voltada para Meredith, se identifiquem demarcações de estereótipos, não há justificativa na perseguição, demonstrando um movimento compulsivo sem uma delimitação do alvo. A propósito, de acordo com pesquisas empíricas, Crochík (2015) verificou o perfil comum às vítimas de bullying, em que a caracterização da personagem Meredith coincide em vários aspectos, sobretudo o primeiro e o último: “gordos, fracos, aluno que tem boas notas, aluno que se sai mal nos esportes e impopular” (CROCHÍK, 2015, p. 39, grifos do autor).

Esta falta de delimitação do alvo manifestado no bullying, também pode ser relacionado com a perda na capacidade de diferenciação na abordagem de Horkheimer e Adorno (2006a; 2006c) às causas do antissemitismo na Alemanha nazista. Em primeiro lugar, nas relações entre os sujeitos onde acontece a projeção completa,

O sujeito recria o mundo fora dele a partir dos vestígios que o mundo deixa em seus sentidos: a unidade da coisa em suas múltiplas propriedades e estados; e constitui 77

desse modo retroativamente o ego, aprendendo a conferir uma unidade sintética, não apenas às impressões externas, mas também às impressões internas que se separam pouco a pouco daquelas. (HORKHEIMER; ADORNO, 2006c, p. 155) As relações mediadas pelo esclarecimento, por sua vez, produzem a falsa mimese na estereotipia e na busca por controlar possíveis padrões, já que “Seu ideal é o sistema do qual se pode deduzir toda e cada coisa” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006a, p. 20). Isto ocorre, pois “No trajeto para a ciência moderna, os homens renunciaram ao sentido e substituíram o conceito pela fórmula, a causa pela regra e pela probabilidade” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006a, p. 18). Com isto, tanto o bullying quanto o preconceito são formas de violência

[...] produzidas pela própria civilização, uma vez que incita a agressão aos mais fracos, por meio da educação, quando traz como um valor importante a vitória, obtida mediante meios grosseiros ou sofisticados; não é a identificação com o perdedor que é incentivada. (CROCHÍK, 2015, p. 41) Ou seja, o bullying, caracterizado como uma forma de violência comum ao ambiente escolar, também pode ser relacionado a aspectos mais estruturais da sociedade.

O filme também mostra uma possível ligação do bullying com o suicídio, principalmente na cena em que Meredith se prepara para o ato cozinhando bolos para os colegas e seu bolo envenenado, e preparando também um mural de colagem de fotos, enquanto se ouve na trilha sonora um flashback do insulto feito pelo colega, bem como as humilhações de seu pai, que não aceita seu jeito de ser e seu interesse pela arte, a redação em que apresenta o desejo de se matar e os conselhos de Barthes; isto é, todos esses eventos que são mostrados apenas uma vez no filme, seriam exemplificações das causas do sofrimento da jovem que decidiu por tirar sua vida, sendo o bullying uma delas.

O comportamento suicida da jovem é apresentado logo no início do filme, na redação solicitada pelo professor, que consistia em escrever o que as pessoas falariam em seu velório. Em sua redação, lida pelo professor para a sala e escrita anonimamente, ela descreve o que seu pai diria, terminando com a frase: “ela nos recompensou por tudo o que fizemos por ela com seu suicídio” (O substituto, 2011, tradução nossa). É também mostrado um vídeo de despedida, intercalado com a cena do ato do suicídio em si.

Isto é, todos esses passos se enquadram no que é chamado comportamento suicida, que se inicia pela “ideação suicida (pensamentos, ideias, planejamento e desejo de se matar)” (ARAÚJO; VIEIRA; COUTINHO, 2010, online) e pode culminar no “suicídio consumado, com a tentativa de suicídio entre eles” (ARAÚJO; VIEIRA; COUTINHO, 2010, 78

online). Outro fator que desempenha um papel importante no desencadeamento deste comportamento é o quadro de depressão (ARAÚJO; VIEIRA; COUTINHO, 2010). Quanto à grande incidência de tal comportamento na adolescência, Araújo, Vieira e Coutinho (2010) verificam que

[...] tem-se observado, nas últimas décadas, que o comportamento suicida tem aumentado entre os jovens, sendo a adolescência uma fase bastante associada à morte por causas violentas. É um período do desenvolvimento marcado por diversas modificações biológicas, psicológicas e sociais; e essas mudanças, geralmente são acompanhadas de conflitos e angústias. Ás vezes, quando expostos às intensas e prolongadas situações de sofrimento, de desorganização, os adolescentes podem desenvolver patologias e tornar-se mais vulneráveis ao suicídio [...]. É, também, nesse período que tanto as ideações quanto às tentativas ganham uma maior proporção, quando associadas ao quadro depressivo, embora essas situação não se restrinja somente à adolescência. (ARAÚJO; VIEIRA; COUTINHO, 2010, online) A aluna Meredith, portanto, representa uma crise mais ampla de saúde coletiva que tem afetado uma grande quantidade de jovens nos Estados Unidos: levando-se em conta uma pesquisa sobre a saúde mental dos adolescentes no ensino médio feita em 2017 pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (HHS)22, 17% do total de entrevistados disse já ter considerado o suicídio, sendo que 22% das meninas responderam afirmativamente e 12% dos meninos. Quando perguntados se já tentaram o suicídio uma ou mais vezes, 7% do total responderam afirmativamente, 9% das meninas e 5% dos meninos. Ou seja, o comportamento suicida tem atingido um número considerável de adolescentes em sua maior parte as meninas.

O ato suicida entre jovens em idade escolar, principalmente os que são vítimas de bullying, tem sido tão frequente que uma palavra foi criada em inglês para designar esses casos: bullycide. A palavra, já inserida em alguns dicionários23, foi usada pela primeira vez em 2001 no livro britânico Bullycide: Death at play time, que traz uma compilação de casos de suicídio de jovens que sofriam bullying (MARR; FIELD, 2001). Ela foi apropriada pela imprensa e pelas organizações da sociedade civil dos Estados Unidos que promovem conscientização para evitar os casos. Embora esta relação direta do bullying com o suicídio seja passível de melhor elaboração científica, o surgimento de um vocábulo e sua popularização se coloca como a representação de uma cristalização e naturalização de um

22 NEW York Adolescent Mental Health Facts. Office of Adolescent Health. U.S. Department of Health & Human Services. Disponível em https://www.hhs.gov/ash/oah/facts-and-stats/national-and-state-data- sheets/adolescent-mental-health-fact-sheets/new-york/index.html. Acesso em: 06 mar. 2019.

23 De acordo com o dicionário Collins online, bullycide é “o ato ou a ocorrência de alguém se matar intencionalmente como resultado de bullying.” COLLINS. Bullyicide. Disponível em https://www.collinsdictionary.com/pt/dictionary/english/bullycide Acesso em: 14 jul. 2019, tradução nossa. 79

fenômeno. Vale mencionar a presença do tema em outras produções da indústria cultural, como a série Thirteen Reasons Why (idem, 2017-2018), em que a protagonista, que cometeu suicídio, deixa gravado em fitas cassete os motivos pelos quais se matou, no que se inclui o bullying, mas também outras situações, como o abuso sexual e o vazamento de fotos íntimas.

No caso da personagem Meredith, as causas de seu sofrimento também são múltiplas, sendo que em sua maioria, como o bullying e a não aceitação do pai (e da sociedade) de seu interesse pelas artes e de sua aparência, passam por questões mais estruturais, como o desprestígio das artes e a imposição de padrões pela indústria cultural, bem como, mais uma vez, pelo declínio da experiência e a não diferenciação dos indivíduos (HORKHEIMER; ADORNO, 2006a; 2006b; 2006c). Isto é, a adolescente sucumbe ao não encontrar lugar nesta sociedade.

Outra forma de se representar a morte na escola nesta produção é na crueldade contra um animal, em uma cena em que Barthes flagra um aluno na quadra torturando e despedaçando um gato com um martelo enquanto outros colegas assistem (há uma insinuação do ato, primeiro ao mostrar o gato, o menino o apanhando e em seguida, na quadra, mostra-se o menino movimentando o martelo dentro da mochila, com as mãos sujas de sangue). Em seguida, há uma cena na sala da orientadora educacional, com Barthes, a diretora, o menino e seu pai, em que a Dra. Parker, como já mencionado, fala para o pai sobre estudos que “mostram que crianças propensas a machucar animais em sua infância consequentemente entram em uma alta porcentagem de adultos que podem falhar em desenvolver os sentimentos mais básicos pelas pessoas” (O substituto, 2011, tradução nossa).

A escolha do diretor por incluir esta forma de violência no filme, embora não esteja entre as mais comuns no ambiente escolar, reflete uma preocupação manifestada na imprensa e no meio acadêmico. Porém, como se pode notar, por exemplo, no artigo The Animal-Cruelty Syndrome publicado no The New York Times e nos estudos nele mencionados, como no artigo A Study of Firesetting and Animal Cruelty in Children: Family Influences and Adolescente Outcomes, a ênfase recai em um mapeamento de tendências individuais e coincide com a fala da orientadora educacional do filme. Isto é, a preocupação maior está em mapear possíveis comportamentos criminosos no futuro (SIEBERT, 2010; BECKER et al. 2004)

Entretanto, é possível se fazer uma abordagem por outro ângulo, como fez Adorno (2010b) no texto Educação Após Auschwitz, em que discorre sobre como deve ser a educação 80

para que a barbárie de Auschwitz não se repita. O autor discorre sobre uma “inclinação arcaica pela violência [...] nas cidades, [...]. Tendências de regressão – ou seja, pessoas com traços sádicos reprimidos – são produzidas por toda parte pela tendência social geral” (ADORNO, 2010b, p. 126). Adorno (2010b) também aborda a frieza dominante, ao passo que “se as pessoas não fossem profundamente indiferentes em relação ao que acontece com todas as outras, [...], então Auschwitz não teria sido possível, as pessoas não o teriam aceito” (ADORNO, 2010b, p. 134).

Com isto, verifica-se no sadismo do adolescente, bem como na abordagem da orientadora educacional, uma representação dessa frieza indicada por Adorno e uma possível consequência da não modificação da “estrutura básica da sociedade” (ADORNO, 2010b, p. 120) sendo a escola, pelo menos a do filme, uma guardiã dessa estrutura, começando pela política educacional. Ou seja, em um sistema em que as administrações se colocam como gestores numéricos de resultados, as discussões no âmbito estatal sobre as questões sociais as quais a escola precisa lidar diretamente, como pobreza, desigualdade e violência, são inexistentes ou descentralizadas e passam a ser responsabilidade das escolas, que acabam reproduzindo esta frieza em suas relações humanas.

A última forma de violência a ser abordada é a voltada contra o professor. Há várias ocorrências durante o filme, muitas delas já mencionadas no decorrer do trabalho e em sua maioria casos de agressão verbal: em primeiro lugar, com relação ao protagonista, há o insulto homofóbico proferido pelo aluno Marcus e a atitude do aluno Jerry, de lançar a pasta do professor substituto contra a parede. Logo depois, há a chegada da mãe de uma aluna expulsa que agride verbalmente a professora Sarah Madison, e em seguida mostra-se o flashback do motivo da punição, com a jovem proferindo ameaças à professora e cuspindo em seu rosto. O personagem Sr. Seaboldt, na função de reitor, também é insultado verbalmente por um aluno, e o professor Sr. Wiatt, embora seja ignorado dentro da sala de aula, encontra um insulto escrito em uma prova que corrigia.

As atitudes hostis contra os professores do filme não são contextualizadas, e quando são, percebe-se que acontecem sem uma justificativa pessoal, como a que sofre Barthes em seu primeiro contato com os alunos daquela escola. Portanto, podem-se verificar na literatura sobre violência escolar três razões possíveis para estas ocorrências. A primeira diz respeito à própria figura de autoridade do professor que é vista com resistência pelos jovens, o que pode ser explicado pela psicanálise com o já mencionado fenômeno da 81

transferência, porém em uma situação negativa, em que as experiências anteriores fizessem com que o aluno criasse resistência ao professor (GAGLIOTTO et al., 2012; SANTOS; SANTIAGO, 2011), bem como com o desprezo social da tarefa do professor como referência civilizacional, que representa o “autoritarismo do mais forte sobre o mais fraco” (KOHATSU e DIAS, 2009, p. 34). Outra razão possível da manifestação da violência é o choque entre as culturas juvenis e a cultura escolar institucional:

[...] a expressão e a cultura infantil e adolescente têm seu lugar assegurado na escola, sem que a escola tenha incorporado, verdadeiramente, essa expressão e essa cultura em suas finalidades pedagógicas. Assim, principalmente quando os valores da cultura jovem excluem a lógica da integração escolar, os alunos demonstram ostensivamente seu desinteresse e hostilidade em passagens ao ato, agredindo a escola e, sobretudo, os professores. (SOUZA, 2002, online) Ou seja, a escola, como um ambiente de contradição, ao mesmo tempo em que acolhe as culturas juvenis, não as integra de fato à cultura institucional, sendo que este embate pode provocar conflitos que podem culminar na violência contra o professor, que é o representante da instituição que exerce o contato mais direto com os jovens. Em Detachment, a discrepância entre as culturas juvenis e a cultura da escola fica visível no registro linguístico utilizado pelos jovens, cheio de gírias e palavras de baixo calão, que fica evidente quando Barthes lê em voz alta uma redação de um aluno nesses termos, e no figurino, no contraste entre o terno completo de Barthes e na roupa mínima da aluna Ellen, que é advertida pelo Sr. Seaboldt justamente pelo seu traje.

O terceiro motivo, ligado ao anterior, é a falta de sentido na educação escolar. É possível que a função da escola, como no episódio da mãe que reclama por não ter tempo de ficar com sua filha em casa, seja descolada de sua função formativa e vista apenas como um lugar seguro para tirar as crianças da rua (SOUZA, 2002, online). Ainda, pode haver uma não relação dos conhecimentos escolares com sua promessa da formação para o trabalho:

A posição de descaso dos alunos em relação ao conteúdo das disciplinas revela a irracionalidade desses conteúdos se pensados como aplicações instrumentalizantes para o trabalho, uma vez que os empregos em sua maioria não fazem uso daquilo que a escola oferece como conteúdo. (KOHATSU; DIAS, 2009, p. 35) No filme isto aparece em várias cenas, porém em forma de apatia e não de violência; ela está no desinteresse dos alunos pela aula do Sr. Wiatt, que é ignorado enquanto fala diante da turma, na cena em que é mostrada uma aula com a projeção de um filme do discurso de Hitler, em que a aluna focalizada em primeiríssimo plano dorme, e na apatia da aluna advertida pela orientadora educacional que não obteve nenhuma nota satisfatória em seu boletim. 82

CAPÍTULO 4: PARA UMA ABORDAGEM CRÍTICA DO CINEMA E DA SOCIEDADE

O estudo do filme Detachment baseou-se principalmente nas teorias do cinema que o consideram como fenômeno social, atrelando-o às condições sociais das quais ele surgiu. Com isto, diante das possibilidades de evolução da utilização do cinematógrafo, a que se configurou e se consolidou até os dias de hoje é sua função de cativar o olhar das massas para a parede onde se projetam histórias inventadas que imitam as histórias reais, ou seja, as ficções. Antonio Candido (2007) afirma que o fundamento da ficção manifestado na forma do romance consiste na [...] realidade elaborada por um processo mental que guarda intacta sua verossimilhança externa, fecundando-a interiormente por um fermento de fantasia, que a situa além do cotidiano – em concorrência com a vida. [...] Os seus melhores momentos são, porém, aqueles em que permanece fiel à vocação de elaborar conscientemente uma realidade humana, que extrai da observação direta, para com ela construir um sistema imaginário e mais durável (CANDIDO, 2007, p. 429, grifo do autor).

A verossimilhança, portanto, é característica inerente à ficção; o cinema, por sua vez, se apropriou da ficção, ao passo que, como arte jovem comparada às artes tradicionais, teve sua evolução “necessariamente inflectida pelo exemplo das artes consagradas” (BAZIN, 1991, p. 84), no que se inclui a pintura, o teatro, a música e a literatura. Ainda que contasse com variadas possibilidades de representações abstratas e distanciadas da realidade, mais comuns em sua fase silenciosa, a tendência do cinema foi perseguir a verossimilhança:

[...] o cinema falado anunciou a morte de uma certa estética da linguagem cinematográfica, mas somente daquela que o distancia mais de sua vocação realista. [...] Renunciou à metáfora e ao símbolo para esforçar-se na ilusão da representação objetiva. (BAZIN, 1991, p. 80, grifo nosso) Contudo, pode-se fazer uma relação da evolução da fotografia e depois do cinema, com sua busca por “ilustrar a vida cotidiana” (BENJAMIN, 1987a, p. 167), com o surgimento do teatro naturalista do século XIX, que tentava “pôr no palco a realidade tal qual ela se nos dá empiricamente” (ROSENFELD, 2006) e das ficções literárias realistas, sobretudo o moderno realismo francês a partir do século XIX; para Auerbach (2007), os romances realistas desta época, inaugurados por Stendhal e Balzac, tinham como característica principal a representação da cotidianidade e surgiram como consequência dos acontecimentos políticos e sociais e seus desdobramentos ocorridos na França no fim do século XVIII e início do século XIX, sobretudo a revolução burguesa: 83

Na medida em que o realismo moderno sério não pode representar o homem a não ser engastado numa realidade político-sócio-econômica de conjunto concreta e em constante evolução – como ocorre agora em qualquer romance ou filme –, Stendhal é o seu fundador. (AUERBACH, 2007, p. 414, grifo nosso) Na relação direta do realismo francês com o cinema, Auerbach (2007), que buscou as origens históricas da representação da realidade na literatura em sua obra Mimesis, coloca as produções cinematográficas como tributárias de um modo de representação em que a cotidianidade tornou-se tema digno. Trazendo para o tema deste trabalho, a escola e seus atores são, respectivamente, tema e personagens comuns e cotidianos que passaram a ser, nas palavras de Auerbach, “objetos da representação literária séria” (AUERBACH, 2007, 424); fazem parte do que o autor denomina “profundezas quotidianas”, (AUERBACH, 2007, p. 395) e passaram a ser representados pela arte imitativa em escritores como Flaubert, o que se verifica nas primeiras páginas de Madame Bovary, na apresentação do personagem Charles Bovary em seu primeiro dia de aula.

Quais seriam, entretanto, as razões para que o cinema perseguisse sua “vocação realista”? Para responder a esta pergunta, dentre as possiblidades de estudos do cinema como fenômeno social das diversas escolas das ciências humanas, este trabalho optou pelo estudo das concepções de cinema formuladas pelos frankfurtianos Walter Benjamin (1987a) e Max Horkheimer e Theodor Adorno (2006b) e que estão nos textos que serão base para a discussão sobre a relação entre o cinema e a sociedade.

No primeiro, A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, o foco do autor se encontra nas transformações sofridas pela arte em decorrência do predomínio da reprodutibilidade técnica; no segundo, A Indústria Cultural: o Esclarecimento como Mistificação das Massas, os autores dedicam-se a expor o sistema que denominam “indústria cultural”, que diz respeito à submissão da cultura ao capital.

Em seguida, será ampliada a discussão sobre o desenvolvimento da sociedade capitalista com base nos mesmos autores; os textos dos frankfurtianos e seus diagnósticos sobre a sociedade, ainda que datem de meados do século XX, são de grande valia, em especial quando discorrem sobre as consequências do progresso e da racionalidade técnica que continuam a existir, como por exemplo, o declínio da experiência.

84

4.1.A reprodutibilidade técnica da obra de arte e a indústria cultural

As razões pelas quais as ficções cinematográficas surgiram e tornaram-se populares – não no sentido de expressão popular, mas de alcance massivo – e hegemônicas em um curto espaço de tempo estão ligadas às condições históricas e sociais das quais emergiram. De acordo com Bazin (1991), o cinema é fruto da “civilização técnica” (BAZIN, 1991, p. 90) e “única arte popular numa época em que o próprio teatro, arte social por excelência, não toca senão uma minoria privilegiada da cultura ou do dinheiro” (BAZIN, 1991, p. 84).

Para Benjamin (1987a), o modo de produção existente produziu mudanças na superestrutura da sociedade em “todos os setores da cultura” (BEJNAMIN, 1987a, p. 165). A possibilidade da reprodução técnica da imagem e do som que, segundo o autor foi um processo histórico longo e contínuo, ao mesmo tempo interferiu nas artes tradicionais e também fez emergir novas formas artísticas, como o cinema: “O filme é uma forma cujo caráter artístico é em grande parte determinado por sua reprodutibilidade” (BENJAMIN, 1987a, p. 175). Isto é, a arte cinematográfica está necessariamente atrelada à reprodutibilidade técnica.

Para pensar, pois, sobre as transformações qualitativas da arte geradas pela transformação quantitativa, isto é, pela reprodutibilidade técnica, Benjamin (1987a) introduz o conceito da arte aurática, contrapondo-o à reprodução técnica. Em suma, ao discorrer sobre as diferentes funções da arte ao longo da história, o autor coloca as artes primitiva e renascentista como necessariamente vinculadas ao ritual: a primeira, por ser “um instrumento de magia, só ocasionalmente exposto aos olhos dos outros homens: no máximo ele deve ser visto pelos espíritos” (BENJAMIN, 1987a, p. 173); a segunda, pois está relacionada ao “culto do Belo” (BENJAMIN, 1987a, p. 171) e à “doutrina da arte pela arte, que é no fundo uma teologia da arte” (BENJAMIN, 1987a, p. 171). Em ambos os exemplos, portanto, as obras de arte possuem o que Benjamin (1987a) chama de aura, criada por um conjunto de características que incluem a existência única, originalidade, autenticidade e tradição, as quais se tornam impossíveis na arte com base na reprodutibilidade técnica:

[...] com a reprodutibilidade técnica, a obra de arte se emancipa, pela primeira vez na história, de sua existência parasitária, destacando-se do ritual. A obra de arte reproduzida é cada vez mais a reprodução de uma obra de arte criada para ser reproduzida. (BENJAMIN, 1987a, p. 171, grifo do autor) 85

Isto é, a arte inicia uma nova fase em que, embora tenha perdido as características auráticas, apresenta outras qualidades, como a aproximação dos indivíduos proporcionada pelo destacamento das obras do “domínio da tradição” (BENJAMIN, 1987a, p. 168), sendo o cinema “seu agente mais poderoso” (BENJAMIN, 1987a, p. 169). A destruição da aura, portanto, apresenta-se como fator da controvérsia a respeito do caráter artístico da fotografia e do cinema, quando se tentava inseri-los no mundo das artes auráticas ao invés de enxergá-los como representações da alteração da “própria natureza da arte” (BENJAMIN, 1987a, p. 176).

Benjamin (1987a) enfatiza a montagem cinematográfica como processo artístico. Bazin (1991) define a montagem como “a criação de um sentido que as imagens não contêm objetivamente e que procede unicamente de suas relações” (BAZIN, 1991, p. 68). Tal definição vai ao encontro do pensamento de Benjamin (1987a): “A obra de arte surge através da montagem, na qual cada fragmento é a reprodução de um acontecimento que nem constitui em si uma obra de arte, nem engendra uma obra de arte, ao ser filmado” (BENJAMIN, 1987a, p. 178). Para ele, portanto, o filme é constituído da montagem de “acontecimentos não- artísticos” (BENJAMIN, 1987a, p. 178), por meio de “um procedimento puramente técnico” (BENJAMIN, 1987a, p. 186, grifo do autor) que fornece a ilusão de uma “realidade imediata” (BENJAMINa, 1987a, p. 186).

Assim sendo, o cinema pode representar a intervenção da ideologia industrial de diferentes maneiras: a primeira diz respeito à sua existência atrelada necessariamente à reprodutibilidade técnica, sendo que a produção da obra de arte deixa de ser única e passa a ter uma “existência serial” (BENJAMIN, 1987a, 168), havendo inclusive uma fragmentação do trabalho do ator, já que não entra em um papel e o interpreta do começo ao fim, mas grava fragmentos aleatórios de cenas; a segunda tem a ver com o conteúdo dos filmes, que na maioria das vezes consistem na representação da cotidianidade que é potencializada com a intervenção da câmera e seus recursos como a ampliação, aproximação, e a câmera lenta; a terceira se refere à mecanização dos momentos de lazer, já que sua recepção se dá diante da imagem projetada pela máquina (BENJAMIN, 1987a). Benjamin (1987a) chega a comparar a produção de um filme com o processo do trabalho em uma fábrica em que o operário é submetido a testes diante da maquinaria:

O intérprete do filme não representa diante de um público, mas de um aparelho. O diretor ocupa o lugar exato que o controlador ocupa em um exame de habilitação profissional. Representar à luz dos refletores e ao mesmo tempo atender às exigências do microfone é uma prova extremamente rigorosa. Ser aprovado nela significa para o ator conservar sua dignidade diante do aparelho. O interesse desse desempenho é imenso. Porque é diante de um aparelho que a esmagadora maioria 86

dos citadinos precisa alienar-se de sua humanidade, nos balcões e nas fábricas, durante o dia de trabalho. À noite, as mesmas massas enchem os cinemas para assistirem à vingança que o intérprete executa em nome delas, na medida em que o ator não afirma diante do aparelho sua humanidade (ou o que aparece como tal aos olhos dos espectadores), como coloca esse aparelho a serviço do seu próprio triunfo. (BENJAMIN, 1987a, p. 179, grifo do autor) Isto é, o aparelho não somente intervém, mas domina todos os aspectos da vida. Quanto aos espectadores das obras cinematográficas, eles correspondem em sua maioria às massas de trabalhadores que prolongam seu tempo diante do aparelho em seu momento de lazer (vale ressaltar que o texto foi publicado em meados da década de 1930, e que a exposição do ser-humano à máquina desde então só fez aumentar). Ao comparar a recepção da pintura à do cinema, Benjamin (1987a) observa que, ao contrário da primeira, que não é uma arte feita para ser contemplada por muitas pessoas ao mesmo tempo, o segundo é “objeto de uma recepção coletiva” (BENJAMIN, 1987a, p. 188). Esta mudança na forma de contemplação da arte, de acordo com o autor, também tem a ver com fatores históricos:

No interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência. O modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente. (BENJAMIN, 1987a, p. 169, grifo do autor) O cinema, portanto, contou com condições históricas favoráveis tanto para seu surgimento, com a possibilidade da reprodutibilidade técnica, como para sua aceitação do público, sendo que este já havia sido transformado pelas mudanças geradas pela urbanização e pelo trabalho na fábrica.

Outro aspecto a se considerar é o das formas de utilização do cinema das quais podem ser ressaltadas três: a que diz respeito à “estetização da vida política” (BENJAMIN, 1987a, p. 195), a que se refere à “politização da arte” (BENJAMIN, 1987a, p. 196) e a “exploração capitalista do cinema” (BENJAMIN, 1987a, p. 184). A primeira corresponde ao uso da técnica cinematográfica e radiofônica pelo político, que, como os atores de cinema e os atletas,

[...] representa a si mesmo diante desses dois veículos de comunicação [...] Seu objetivo é tornar “mostráveis”, sob certas condições sociais, determinadas ações de modo que todos possam controlá-las e compreendê-las [...]. Esse fenômeno determina um novo processo de seleção, uma seleção diante do aparelho, do qual emergem, como vencedores, o campeão, o astro e o ditador. (BENJAMIN, 1987a, p. 183). Considerando o contexto em que Benjamin está inserido, a descrição desse uso da técnica cinematográfica se deu pelos então governantes da Alemanha, do Terceiro Reich. Para 87

o autor, o ápice da estetização da política por meio da técnica é a guerra, já que “a intensificação dos recursos técnicos, dos ritmos e das fontes de energia exige uma utilização antinatural” (BENJAMIN, 1987a, p. 196, grifo do autor).

A segunda utilização, entretanto, se volta para outra forma de uso político a qual Benjamin denomina “politização da arte” (BENJAMIN, 1987a, p. 196, grifo do autor); ela pode ser relacionada com os realizadores cinematográficos da Rússia comunista, como Sergei Eisenstein, os quais veem o cinema com potencial revolucionário em oposição à “exploração capitalista do cinema” (BENJAMIN, 1987a, p. 184).

Esta última consiste na terceira forma de utilização do cinema descrita por Benjamin (1987a), sua exploração comercial, que aparece no contraste de sua utilização revolucionária. Para o autor, o cinema ocidental está submetido ao capital, tendo como evidência seus “valores de mercado intrínsecos” (BENJAMIN, 1987a, p. 191), o “caráter de mercadoria” (BENJAMIN, 1987a, p. 180) do “culto ao estrelato” (BENJAMIN, 1987a, p. 180) dos atores cinematográficos e os vínculos entre a produção cinematográfica com o capital industrial. Horkheimer e Adorno (2006b) abordaram extensamente este uso do cinema que está dentro do sistema que denominam indústria cultural.

Embora em textos mais tardios, como em Notas sobre o filme, Adorno (1986) tenha escrito sobre a possibilidade de um “filme emancipado” (ADORNO, 1986, p. 105) e da expressão artística e crítica na forma cinematográfica em oposição ao “filme comercial” (ADORNO, 1986, p. 105), o texto A Indústria Cultura: O Esclarecimento como Mistificação das Massas aborda exclusivamente o segundo caso, sendo este o maior ponto de divergência entre sua visão do cinema neste texto e a de Benjamin.

O termo indústria cultural, muitas vezes usado sem a referência, ou mesmo pelas próprias produtoras cinematográficas, foi cunhado por Horkheimer e Adorno (2006b). Para eles, ela consiste em um sistema em que, à época da elaboração do conceito – podendo ser atualizado de acordo com as novas mídias –, se incluíam o cinema, o rádio, a televisão e as revistas. Ela absorve os diversos elementos da cultura, da arte e do entretenimento já existentes, que “são tirados do alto e nivelados à altura dos tempos atuais” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b, p. 111), e os transforma em mercadorias. O cinema e o rádio são colocados como carro chefe da indústria cultural:

O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade de que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a 88

legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus produtos. (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b, p. 100)

Ou seja, para eles, o cinema e o rádio não precisam ser denunciados como comerciais, pois eles mesmos se assumem como tal. Eles adquirem as mesmas características de qualquer outra indústria, como submissos e portadores dos mesmos objetivos, com seus produtos de massa fabricados em série: “o sentido de todos os filmes, não importa o plot escolhido em cada caso pela direção de produção” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b, p. 103) está no “triunfo do capital investido” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b, p. 102).

A unidade da indústria cultural com as demais indústrias traz à tona o papel ideológico do cinema. Ele se dá com o aumento do tempo em que o indivíduo se coloca diante da máquina na mecanização dos momentos de lazer, que se assemelham com o trabalho e são derivados dele:

[...] a necessidade de diversão foi em larga escala produzida pela indústria [...]. Divertir-se significa estar de acordo. Isso só é possível se isso se isola do processo social em seu todo, se idiotiza e abandona desde o início a pretensão inescapável de toda obra, mesmo da mais insignificante, de refletir em sua limitação o todo. Divertir significa sempre: não ter que pensar nisso, esquecer o sofrimento até mesmo onde ele é mostrado. A impotência é a sua própria base. É na verdade uma fuga, mas não, como afirma, uma fuga da realidade ruim, mas da última ideia de resistência que essa realidade ainda deixa subsistir. (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b, p. 119) A diversão, portanto, não somente se assemelha ao trabalho, mas faz parte da lógica do todo da sociedade industrial, tornando o escapismo proposto por ela uma alienação de si mesmo:

A fuga do cotidiano, que a indústria cultural promete em todos os seus ramos, se passa do mesmo modo que o rapto da moça numa folha humorística norte- americana: é o próprio pai que está segurando a escada no escuro. A indústria cultural volta a oferecer como paraíso o mesmo quotidiano. Tanto o escape quanto o elopement estão de antemão destinados a reconduzir ao ponto de partida. A diversão favorece a resignação, que nela quer se esquecer. (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b, p. 117) Outra forma, portanto, da retroalimentação do cotidiano nos momentos de diversão se dá pela semelhança com a realidade, sendo que “A vida não deve mais, tendencialmente, deixar-se distinguir do filme sonoro” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b, p. 104). Entretanto, ela não consiste apenas em uma cópia, mas em uma formatação da realidade. Ela se dá por meio de fórmulas e traduções estereotipadas do mundo, já que a 89

padronização faz com que as idiossincrasias se apaguem com a “seleção arbitrária de casos representando a média” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b, p. 121):

Apresar de todo o progresso da técnica de representação, das regras e das especialidades, apesar de toda a atividade trepidante, o pão com que a indústria cultural alimenta os homens continua a ser a pedra da estereotipia. (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b, p. 123) Com isto, a indústria cultural traz os “modelos para as pessoas que devem se transformar naquilo que o sistema, triturando-as, força-as a ser” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b, p. 127). Ou seja, a relação entre os produtos da indústria cultural e os espectadores é mútua, já que enquanto ela produz, dirige e disciplina as necessidades dos consumidores, faz com que eles se enxerguem em seus produtos (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b). Isto leva ao fenômeno da identificação do espectador com os filmes, pois “o filme adestra o espectador entregue a ele para se identificar imediatamente com a realidade” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b, p. 104).

A exposição contínua às produções da indústria cultural também faz com que os espectadores dos filmes e os receptores das canções populares tenham sua imaginação atrofiada e sua atividade intelectual impedida, já que o treino estabelecido pela semelhança dos produtos conduz à satisfação de saber de antemão a próxima sequência de cenas ou de notas (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b). Com isto, pode-se dizer que a ideologia se encontra na forma cinematográfica, e não em seu conteúdo, sendo este apenas “fachada para a sequência automatizada de operações padronizadas” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b, p. 113):

Por enquanto, a técnica da indústria cultural levou apenas à padronização e à produção em série, sacrificando o que fazia a diferença entre a lógica da obra e a do sistema social. Isso, porém, não deve ser atribuído a uma lei evolutiva da técnica enquanto tal, mas à sua função na economia atual. A necessidade que talvez pudesse escapar ao controle central já é recalcada pelo controle da consciência individual. (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b, p. 100) Esse apagamento das diferenças trazido pela padronização, portanto, privilegia o ponto de vista “proveniente da esfera liberal” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b, p. 108), tão difundido pelo cinema hegemônico norte-americano, em detrimento de outros possíveis. Nisto, a técnica apresenta sua função política e econômica.

Embora os textos divirjam na ênfase dada pelos autores, o primeiro na transformação da arte devido às condições sociais e o segundo na submissão total da cultura ao capital, ao se comparar as duas teorias é possível perceber alguns pontos de consonância. 90

Um deles diz respeito ao paralelo que fazem da produção industrial e da cinematográfica, com a consequente geração de produtos culturais em série; no mesmo sentido, ambos os textos discutem o uso da técnica para a reprodução exata do cotidiano, sendo instrumento ideológico de adaptação das massas distraídas às condições produtivas. Há, também, uma concordância de que os recursos de montagem cinematográfica conduzem a recepção do espectador, fazendo com que sua associação de ideias seja “interrompida imediatamente, com a mudança da imagem” (BENJAMIN, 1987a, p. 192) e sua atividade intelectual seja proibida (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b; BENJAMIN, 1987a).

Sobre as divergências, levando-se em consideração o já citado texto em que Adorno (1986) reconhece a possibilidade do uso politizado e artístico do cinema, a que mais se sobressai é a controvérsia de se considerar os filmes comerciais como formas de arte ou não. Ao reconhecer na montagem de fragmentos não artísticos a possibilidade do surgimento de uma obra de arte, Benjamin (1987a) não retira o status de arte dessas produções, embora levante a hipótese das mudanças na sociedade terem alterado a natureza da arte. Horkheimer e Adorno (2006b), por sua vez, têm uma visão inversa, pois consideram que a indústria cultural faz uso da arte a incluindo em seus produtos de forma corrompida quando une cultura e entretenimento, resultando em uma “depravação da cultura” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b, p. 118) e ao mesmo tempo uma “espiritualização forçada da diversão” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006b, p. 118).

Com isto, responder se o cinema como um todo ou o filme em questão é uma obra de arte não se inclui nos objetivos deste trabalho; porém, os elementos discutidos por Benjamin, sobretudo os que dizem respeito à influência da técnica na sociedade, à montagem cinematográfica e seus processos e à representação do cotidiano podem ser tomados de forma independente desta questão, pois estão presentes nas variadas formas de utilização do cinema, inclusive a comercial.

Entretanto, ao contrário da questão em aberto sobre o caráter artístico de filmes hollywoodianos, o presente trabalho reconhece que Detachment é um produto da indústria cultural, propagador de um ponto de vista hegemônico que traz uma representação do cotidiano a qual ao mesmo tempo em que configura uma realidade, faz com que o espectador, ainda que em outro país, se reconheça nela.

91

4.2.A Sociedade Industrial

O cinema é apenas uma das formas de interferência da técnica industrial, que passou a mediar os diversos aspectos da sociedade, como o trabalho, a política e a guerra, sem distinção de suas consequências e visando aos mesmos fins. Com isto, o termo “sociedade industrial” é uma das formas de se denominar a sociedade baseada no capitalismo industrial; autores da Teoria Crítica da Sociedade adotam o termo em sua crítica a esse modo de produção, trazendo menos uma definição do termo, que já está pressuposto na tradição intelectual do materialismo histórico, do que reflexões sobre as consequências da economia burguesa como infraestrutura da sociedade sobre suas outras áreas, como a arte, a política e as relações sociais, sua superestrutura.

De acordo com Hobsbawm (2007), que dedicou um estudo ao período da grande expansão capitalista,

[...] essa sociedade já havia completado seu aparecimento histórico tanto na frente econômica como na frente político-ideológica sessenta anos antes de 1848. Os anos de 1789 a 1848 [...] foram dominados por uma dupla revolução: a transformação industrial, iniciada e largamente confinada à Inglaterra, e a transformação política, associada e largamente confinada à França. (HOBSBAWM, 2007, p. 20) Isto é, embora o aparecimento das indústrias, sobretudo ligadas à produção rural, tenha sido anterior a 1848, o período entre 1848 e 1875 foi o tempo de um crescimento exponencial do capitalismo, o qual se consolidou em sua fase industrial:

A história de nosso período [1848 a 1875] é, portanto, desigual. Ela é basicamente a do maciço avanço do capitalismo industrial em escala mundial, da ordem social que ele representou, das idéias e credos que pareciam legitimá-lo e ratifica-lo: na razão, ciência, progresso e liberalismo. (HOBSBAWM, 2007, p. 21) Considerando que a ascensão do capitalismo se deu como processo histórico, entende-se que uma combinação de fatores, inclusive pensamentos correntes nessa época, contribuiu para seu crescimento: o liberalismo econômico, “doutrina fundadora do capitalismo” (HARVEY, 2014, p. 100), e o pensamento iluminista, no qual se incluem as ideias expostas por Hobsbawm (2007) de razão, ciência e progresso.

Iniciado no século XVIII, o projeto iluminista, ou “projeto da modernidade” (HARVEY, 2014, p. 23, grifo do autor) ou ainda “programa do esclarecimento” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006a, p. 17) consistia no domínio sobre a natureza por meio 92

da ciência e do saber e o abandono do mito e dessacralização do conhecimento (HORKHEIMER; ADORNO, 2006a; HARVEY, 2014). O resultado esperado era a

[...] liberdade da escassez, da necessidade e da arbitrariedade das calamidades naturais. [...] prometia a libertação das irracionalidades do mito, da religião, da superstição, liberação do uso arbitrário do poder, bem como do lado sombrio da nossa própria natureza humana. (HARVEY, 2014, p. 23) Os pensadores iluministas, portanto, acreditavam que o domínio da natureza levaria necessariamente a humanidade ao progresso, conceito este que, segundo Hobsbawm (2007), era predominante no fim do século XIX:

Ninguém duvidava do progresso, tanto material como intelectual, já que parecia óbvio demais para ser negado. Esse era, sem dúvida, o conceito dominante da época, embora houvesse uma divisão fundamental entre aqueles que pensavam que o progresso seria mais ou menos contínuo e aqueles (como Marx) que sabiam que ele precisaria e iria ser descontínuo e contraditório. (HOBSBAWM, 2007, p. 351) Entretanto, o correr da história demonstrou a dupla face do progresso técnico, econômico e científico e esta é justamente a tese de Horkheimer e Adorno (2006a) em Dialética do esclarecimento; para eles, portanto, o progresso propiciado pelo projeto iluminista deve ser analisado em sua totalidade e de forma dialética, já que “não é o malogro do progresso, mas exatamente o progresso bem-sucedido que é culpado de seu próprio oposto. A maldição do progresso irrefreável é a irrefreável regressão” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006a, p. 41). Ou seja, as relações de poder e dominação caminham junto com o esclarecimento, sendo que a técnica, que é sua essência, não está isenta da ideologia dominante, porém ela própria se converte na ideologia em si. Ainda sobre a capacidade devastadora do saber e da técnica, os autores ressaltam:

O saber que é poder não conhece barreira alguma, nem na escravização da criatura, nem na complacência em face dos senhores do mundo. Do mesmo modo que está a serviço de todos os fins da economia burguesa na fábrica e no campo de batalha, assim também está à disposição dos empresários, não importa sua origem. Os reis não controlam a técnica mais diretamente do que os comerciantes: ela é tão democrática quanto o sistema econômico com o qual se desenvolve. A técnica é a essência desse saber, que não visa conceitos e imagens, nem o prazer do discernimento, mas o método, a utilização do trabalho de outros, o capital. (HORKHEIMER; ADORNO, 2006a, p. 18) Com isto, a técnica e o saber têm um grande papel na economia capitalista. Um dos símbolos que pode ser dado como representação concreta do predomínio da técnica é a máquina; onipresente na sociedade industrial, sua utilização ultrapassou as barreiras da fábrica e pode ser vista nas ruas, com os automóveis, nas casas, com os eletrodomésticos, na política, com a divulgação em massa dos discursos dos políticos, na guerra, com os tanques e as machine guns e na diversão, com o cinema. Por outro lado, um símbolo mais abstrato é o 93

método trazido nas fórmulas matemáticas e das descrições esterotipadas de tudo por meio da ciência, que “é repetição, aprimorada como regularidade observada e conservada em estereótipos” (HORHKHEIMER e ADORNO, 2006c, p. 150). Essa mediação entre homem e sociedade pela técnica que já existia há quase oitenta anos e foi discutida pelos frankfurtianos só tem se intensificado no decorrer dos séculos XX e XXI.

Ao analisar o predomínio da técnica sobre a sociedade, Benjamin (1987) a classifica como uma segunda natureza que, embora criada pelo homem, este não a domina e, portanto, precisa aprender a lidar com ela, da mesma forma como aprendeu diante da primeira. É aí que se encontra, para o autor, a função social do cinema:

O filme serve para exercitar o homem nas novas percepções e reações exigidas por um aparelho técnico cujo papel cresce cada vez mais em sua vida cotidiana. Fazer do gigantesco aparelho técnico do nosso tempo o objeto das inervações humanas – é essa a tarefa histórica cuja realização dá ao cinema seu verdadeiro sentido. (BENJAMIN, 1987a, p. 174) Ou seja, o cinema se impõe como um dos fatores de condicionamento do homem às demandas da sociedade industrial. Benjamin traz o cinema e Baudelaire, o poeta contemporâneo das multidões das recém-surgidas massas urbanas, como exemplos de obras que estão de acordo com as “novas percepções” (1987a, p. 174):

A associação de idéias do espectador é interrompida imediatamente, com a mudança da imagem. Nisso se baseia o efeito de choque provocado pelo cinema, que, como qualquer outro choque, precisa ser interceptado por uma atenção aguda. O cinema é a forma de arte correspondente aos perigos existenciais mais intensos com os quais se confronta o homem contemporâneo. Ele corresponde a metamorfoses profundas do aparelho perceptivo, como as que experimenta o passante, numa escala individual, quando enfrenta o tráfico, e como as experimenta, numa escala histórica, todo aquele que combate a ordem social vigente. (BENJAMIN, 1987a, p. 192, grifo do autor) Assim, os sentidos humanos devem ser vistos não apenas sob o ponto de vista fisiológico, já que as formas de percepção humana têm sofrido mudanças conforme as modificações da sociedade. A dicotomia benjaminiana “experiência e vivência” – [erfahrung] e [erlebnis] – é a base para a compreensão de sua tese sobre as transformações da relação do homem com o mundo (BENJAMIN, 1989). O autor a desenvolve em vários de seus escritos, quando contrasta as antigas formas de narração do período pré-capitalista ao que ele chama de “experiência do choque” [chockerlebnis], que é a forma dominante de percepção em decorrência do excesso de estímulos produzidos pela fábrica e pelo funcionamento dos grandes centros urbanos. Segundo ele, “Na substituição da antiga forma narrativa pela 94

informação, e da informação pela sensação reflete-se a crescente atrofia da experiência” (BENJAMIN, 1989, p. 107).

O autor relaciona a narrativa e a experiência ao trabalho artesanal, à tradição e à memória. Para ele, “A narrativa [...] mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso” (BENJAMIN, 1987b, p. 205). Como na comparação da marca no vaso de argila, a experiência permite a incorporação de impressões na memória. Na sociedade industrial, entretanto, a possibilidade da experiência fica prejudicada pela já mencionada “experiência do choque”:

Quanto maior é a participação do fator do choque em cada uma das impressões, tanto mais constante deve ser a presença do consciente no interesse em proteger contra os estímulos; quanto maior for o êxito com que ele operar, tanto menos essas impressões serão incorporadas à experiência, e tanto mais corresponderão ao conceito de vivência. (BENJAMIN, 1989, p. 111) Isto é, os estímulos da vida urbana requerem uma ação maior do consciente que impede que as impressões permaneçam. Vale mencionar que os conceitos desta teoria são oriundos da leitura de Benjamin da psicanálise:

Walter Benjamin se baseia na dicotomia freudiana de memória e consciência e formula uma nova tese estético-social para opor Erfahrung (experiência) e Erlebnis (vivência). De acordo com Benjamin, a memória de que trata Freud, capaz de guardar marcas, está relacionada com a experiência, enquanto a consciência liga-se à vivência, preparada para lidar com os estímulos do mundo moderno. (FREITAS, 2014, p. 73-74) Adorno (1996), traz uma descrição similar da experiência [erfahrung] ligada à tradição, contrastando-a à forma superficial de interação com a realidade predominante na sociedade industrial:

A experiência – a continuidade da consciência em que perdura o ainda não existente e em que o exercício e associação fundamentam uma tradição no indivíduo – fica substituída por um estado informático pontual, desconectado, intercambiável e efêmero, e que se sabe que ficará borrado no próximo instante por outras informações. [...] A semiformação é uma fraqueza em relação ao tempo, à memória, única mediação que realiza na consciência aquela síntese da experiência que caracterizou a formação cultural em outros tempos. Não é por acaso que o semiculto faz alarde de sua má memória, orgulhoso de suas múltiplas ocupações e da conseqüente sobrecarga. (ADORNO, 1996, p. 405-6) De acordo com o trecho, extraído de Teoria da Semicultura, o autor faz uma oposição da formação cultural burguesa de outrora, relacionada à tradição, à experiência e à memória, à semiformação (também traduzida como pseudoformação), ligada aos “sistemas delirantes coletivos da semiformação cultural” (ADORNO, 1996, p. 407) que “pronunciam a 95

alienação e a sancionam como se fosse um obscuro mistério e compõem um substitutivo da experiência, falso e aparentemente próximo, em lugar da experiência destruída” (ADORNO, 1996, p. 407). Ao discorrerem sobre a relação do declínio da experiência com as já mencionadas estereotipias divulgadas pelos produtos da indústria cultural, responsável pelos “conteúdos objetivos, coisificados e com caráter de mercadoria da formação cultural [...]” (ADORNO, 1996, p. 396) e também sua relação com a adesão ao antissemitismo incluído na lista de interesses ideológicos oferecidos em bloco pelo partido nazista, denominada por eles como “mentalidade do ticket”, Horkheimer e Adorno (2006c) apontam para uma substituição da experiência “pelo clichê e a imaginação ativa na experiência pela reação ávida” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006c, p. 165). Ou seja, a interferência da ideologia da sociedade industrial nas subjetividades e na relação com o outro resulta na substituição da projeção reflexiva por uma “falsa projeção” (HORKHEIMER; ADORNO, 2006c, p. 154): O eu que projeta compulsivamente não pode projetar senão a própria infelicidade, cujos motivos se encontram dentro dele mesmo, mas dos quais se encontra separado em sua falta de reflexão. Por isso os produtos da falsa projeção, os esquemas estereotipados do pensamento e da realidade, são os mesmos da desgraça. (HORKHEIMER; ADORNO, 2006c, p. 158) Trazendo a teoria da sociedade industrial para a análise de Detachment, sua predominância pode ser percebida tanto nas relações institucionais como nas subjetividades da representação fílmica. Levando-se em contra as primeiras, os sistemas de ensino dos Estados Unidos têm sido permeados ao longo de sua história pelos ideais da economia de mercado. A propósito, a escola como instituição pode ser considerada, ao lado da indústria cultural e de outras insituições como formas de adaptação ao “regime de acumulação” (HARVEY, 2014, p. 118) imposto pelo modo de produção capitalista o qual cada geração é submetida:

A disciplinação da força de trabalho para os propósitos de acumulação do capital [...] envolve, em primeiro lugar, alguma mistura de repressão, familiarização, cooptação e cooperação, elementos que têm de ser organizados não somente no local de trabalho como na sociedade como um todo. A socialização do trabalhador nas condições de produção capitalista envolve o controle social bem amplo das capacidades físicas e mentais. A educação, o treinamento, a persuasão [...] desempenham um papel e estão claramente presentes na formação de ideologias dominantes cultivadas pelos meios de comunicação de massa, pelas instituições religiosas e educacionais, pelos vários setores do aparelho do Estado, e afirmadas pela simples articulação de sua experiência por parte dos que fazem o trabalho. (HARVEY, 2014, p. 119, grifo nosso) 96

Isto é, para que haja um pleno funcionamento da sociedade, existe um sistema composto por seus vários setores que interfere e modifica o modo de ser. Sobre a interferência do modo de funcionamento da sociedade nos processos psíquicos, Marcuse (1975) afirma que

[...] as categorias psicológicas [...] se converteram em categorias políticas. A fronteira tradicional entre a Psicologia, de uma lado, e a Política e a Filosofia social, do outro, tornou-se obsoleta em virtude da condição do homem na era presente: os processos psíquicos anteriormente autônomos e identificáveis estão sendo absorvidos pela função do indivíduo no Estado – pela sua existência pública. Portanto, os problemas psicológicos tornam-se problemas políticos: a perturbação particular reflete mais diretamente do que antes a perturbação do todo, e a cura dos distúrbios pessoais depende mais diretamente do que antes da cura de uma desordem geral. (MARCUSE, 1975, p. 25) Portanto, embora o filme privilegie a representação do âmbito subjetivo e afetivo, ressaltado, por exemplo, pela grande quantidade de primeiros e primeiríssimos planos dos personagens e pelos flashbacks da infância do protagonista, a presente análise verificou possibilidades mais amplas das consequências das condições sociais às representações individuais.

97

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo de Detachment propiciou a discussão de assuntos relacionados a diferentes aspectos da escola pública dos Estados Unidos que emergem em sua representação da escola. O protagonista, como outsider, isento da naturalização das situações, comum aos que permanecem na inércia do ambiente, guia os olhos do espectador pelas situações apresentadas e presencia uma miscelânea de casos verossímeis incluídos dentro de uma só escola. Muitos dos casos têm um caráter violento e depreciativo, que se sobressaem, por exemplo, a cenas em que se mostre uma situação de aula ou de aprendizagem; mesmo assim, pode-se dizer que, na representação de possiblidades opostas, de violência e de aprendizagem, se manifesta o caráter contraditório do ambiente escolar.

O filme também faz menção às políticas educacionais, sobretudo as implementadas por meio das reformas das últimas décadas. Ao estudá-las, vê-se a manutenção da ideologia industrial, com o predomínio do mercado e, mais do que privatizações, há uma união do poder político e do econômico – personificada nas figuras de políticos como Michael Bloomberg –, que causa uma opacidade nos limites entre o público e o privado. Há uma mudança de paradigma no sistema educacional público dos Estados Unidos, com um acentuado caráter mercadológico dado à gestão das escolas. Nisto se inclui: a entrada de empresas privadas nas escolas, não só como fornecedoras, mas como administradoras de todos os seus aspectos; uma consequente ausência de gestão democrática, com a privatização de informações, a dificultação da atuação de conselhos escolares e a imposição de métodos aos diretores e professores; a responsabilização, que baseia decisões como fechamento de escolas e demissão de profissionais em resultados de testes que privilegiam os conhecimentos em leitura e matemática e ao mesmo tempo deixam de lado outros saberes, como as artes e as humanidades; e a ideologia da escolha da escola que, ao permitir que escolas públicas alternativas, como as charter schools, selecionem seus alunos, faz com que o sistema escolar continue sendo a porta de entrada da segregação social e racial, sobretudo em bairros gentrificados.

Percebe-se uma crítica às reformas educacionais baseadas no mercado, sobretudo na animação que mostra o prédio escolar sendo rondado por abutres. Há, também, no pessimismo manifestado pelo predomínio de situações de violência, uma desesperança no sistema público de ensino, que se evidencia no contraste da atuação de Barthes dentro da 98

escola, com a morte da aluna Meredith, que buscou sua ajuda antes de se suicidar, com sua atuação fora dela, quando ajuda Erica a sair da situação de rua e da prostituição. Isto é, as possibilidades de ações transformadoras na figura do professor se mostram possíveis apenas fora do ambiente escolar, em um enaltecimento de ações individuais e críticas à ação do Estado. Isto leva ao alinhamento do filme com o pensamento daqueles, como Ravitch, que são avessos às reformas de mercado, porém almejam um possível resgate de um ideal de democracia manifestado nas origens da nação, com uma maior valorização da participação da sociedade civil. Ou seja, as críticas tem um caráter conservador, já que não demonstram uma vontade de ruptura do sistema vigente.

Conclui-se, também, que Detachment prioriza as relações afetivas e os estados emocionais dos atores que compõem a escola, sendo possível relacioná-las com as mudanças estruturais no âmbito das políticas. Isto fica nítido nas consequências psicológicas e letais da ordem vigente nas personagens Sra. Carol, a diretora da escola, e na jovem Meredith. A primeira é mostrada em estado crescente de melancolia após ser notificada de sua demissão; ela, que é chamada de “fóssil” pelo personagem representante da iniciativa privada, faz parte de uma forma de gestão educacional que não tem mais lugar nos novos modelos, e seu drama pessoal representa de forma individual as inúmeras demissões de diretores e professores que não se adequam às imposições das administrações dos sistemas de ensino. No caso de Meredith, a jovem, que também não se adequa, seja devido à sua aparência, ou a seu interesse pela expressão por meio da arte visual, que é menosprezado por sua família e pelo sistema escolar (submisso ao poder econômico), se vê em tamanha situação de desamparo que decide por tirar a própria vida. Ou seja, o filme retrata os afetos que, embora sejam parte determinante no processo de escolarização, são invisíveis e negligenciados em uma sociedade em que predomina a frieza da ideologia industrial e que pensa a educação com base na calculabilidade e na medição de desempenhos.

Quanto à representação da profissão docente, são ressaltados seus traços degradantes, que são difundidos pelo senso comum, porém encontram respaldos em publicações jornalísticas e científicas. Eles demonstram o abatimento e o mal-estar que permeiam a vida dos professores, em sua maioria decorrentes das dificuldades de sua profissão.

Entretanto, em oposição a Dalton (2013), que tem como principal preocupação a disseminação de valores negativos pelas produções, com uma consequente formação de uma 99

visão negativa do magistério, o presente trabalho se propôs a fazer uma interpretação possível dos motivos das escolhas formais da direção do filme. Com isto, vale lembrar que Detachment não se enquadra em representações heroicas de professores, que já foram predominantes no cinema, mas também não chega a retratá-los como marginais, como em algumas produções contemporâneas ao filme. Há um deslocamento dessas duas tendências, em uma lógica de uma representação naturalista que tem por objetivo ter a aparência de um cotidiano sem interferências.

Isto é, a imagem de degradação material e psicológica dos professores, que parece uma confirmação de um mal-estar da profissão docente, pode ser um elemento de busca da semelhança com o cotidiano para a identificação do espectador. A grande variedade de casos e as semelhanças guardadas pela forma escolar permitem uma maior possibilidade de identificação no caso de o expectador ser um jovem do ensino médio ou um professor, ou ainda alguém que já passou pela escola, mesmo que oriundos de outros contextos culturais. Entretanto, em alguns casos, a identificação pode alertar um problema, como no discurso preconceituoso presente no roteiro e colocado na voz dos profissionais da educação; o alerta do filme fica nítido na relação direta deste com um discurso de Hitler. Porém, este é um detalhe que pode passar despercebido para um expectador distraído, o que ressalta a importância do estudo de produções cinematográficas.

Quanto às relações interpessoais, a compreensão do declínio da experiência como interferência da ideologia da sociedade industrial na subjetividade baseou a análise das manifestações de violência e de preconceito latentes no filme, bem como da superficialidade das relações e da invisibilidade do outro. Em uma sociedade dominada pela calculabilidade e pelo utilitarismo, a negação dos impulsos miméticos engessados pelo esclarecimento se torna a regra. No ambiente escolar do filme, isto se manifesta no bullying, no preconceito do discurso do professor, nas agressões físicas, na violência contra o professor e na sua invisibilidade.

Dentro da escola do filme também são colocados dois casos de morte, o primeiro na crueldade contra um gato e o segundo no suicídio de Meredith. Porém, vale mencionar que as grandes ocorrências letais dentro da escola nos Estados Unidos estão ligadas aos atentados com armas de fogo, que não foram escolhidos para este filme. Isto é, o filme colocou ocorrências de morte dentro da escola, porém omitiu o fator “arma de fogo”, o que aumenta 100

seu caráter conservador, que opta pela ausência de um gerador de grande debate no país e de grande apreço pela ala conservadora.

Por último, no decorrer da elaboração do presente trabalho, surgiu a seguinte indagação: qual a relevância de um estudo sobre o sistema educacional dos Estados Unidos para uma pesquisa brasileira? Desta reflexão, pode-se levantar assuntos que podem ser investigados posteriormente, relativos à alteridade que se estabelece entre Brasil e Estados Unidos proporcionada pela grande influência deste, que ocorre também por meio dos produtos da indústria cultural. Essa alteridade se manifesta, por exemplo, quando crianças em fase escolar, nas aulas de inglês, perguntam curiosas se nos Estados Unidos os estudantes aprendem português na escola; ou quando os mesmos desejam ter uma escola cheia de armários para os alunos, como nos filmes.

Ampliando esta visão, no âmbito dos debates políticos e ideológicos, encontram- se nos discursos de membros do poder legislativo e executivo do Brasil propostas de implantação de reformas no sistema escolar muito semelhantes às verificadas neste trabalho, provindos de governos de ambos os espectros políticos. Pode-se citar: o ProUni como uma aplicação da política de vouchers, que se trata de financiamento público para estudos em instituições privadas; os Centros de Educação Infantil conveniados da cidade de São Paulo, que funcionam como charter schools, que compreendem a escolas de gestão privada com recursos públicos; os índices aferidos por meio de testes na rede estadual de São Paulo, atrelado à política de bônus aos professores; e a ideia do ensino fundamental à distância, mencionada na campanha presidencial de 2018.

Conclui-se, portanto, que o exercício da reflexão sobre os produtos da indústria cultural e do distanciamento daquilo que é imediato possibilitam uma melhor compreensão do mundo, bem como o entendimento de si mesmo.

101

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMOVAY, M.; RUA, M. G. Violência nas escolas. Brasília: UNESCO,

Coordenação DST/AIDS do Ministério da Saúde, Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, CNPq, Instituto Ayrton Senna, UNAIDS, Banco Mundial, USAID,

Fundação Ford, CONSED, UNDIMF, 2002.

ADORNO, T. W. Notas marginais sobre teoria e práxis. In: Palavras e Sinais:

Modelos Críticos 2. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 202-231.

______Notas sobre o filme. In: COHN, G. (org.) Theodor Adorno:

Sociologia. São Paulo: Editora Ática, 1986, p. 100-107.

______Tabus acerca do magistério. In: ______Educação e

Emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 2010a, p. 97-117.

______Educação após Auschwitz. In: ______Educação e

Emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 2010b, p.119-138.

______Teoria da semicultura. Educação & Sociedade, ano XVII, nº. 56, p. 388-411, 1996.

ALLEGRETTO, S.; MISHEL, L. The teacher pay penalty has hit a new high.

Economic Policy Institute. 5, Set 2018. Disponível em https://www.epi.org/publication/teacher-pay-gap-2018/. Acesso em: 17 jun. 2019.

AMERICAN FEDERATION OF TEACHERS. 2017 Educator Quality of Work

Life Survey. American Federation of Teachers, 2017, Disponível em https://aft.org/sites/default/files/2017_eqwl_survey_web.pdf. Acesso em: 22 jun. 2019.

ARAÚJO, J. P. Dimensões ocultas da cultura brasileira no ensino de português língua estrangeira (PLE). Revista SIPLE, Brasília, ano 3, nº. 1, 2012. Não paginado.

Disponível em http://www.siple.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=240:dimensoes- 102

ocultas-da-cultura-brasileira-no-ensino-de-portugues-lingua-estrangeira-ple&catid=64:edicao-

4&Itemid=109. Acesso em: 14 jul. 2019.

ARAÚJO, L. C.; VIEIRA, K. F. L.; COUTINHO, M. P. L. Ideação suicida na adolescência: um enfoque psicossociológico no contexto do ensino médio. Psico-USF

(Impr.), Itatiba , v. 15, n. 1, p. 47-57, Abr. 2010 . Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-

82712010000100006&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 14 Jul. 2019.

AUERBACH, E. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2007.

AUSTENENSEN, M. et al. State of New York City’s Housing and

Neighborhood in 2015. New York: NYU FURMAN CENTER. 2015. Disponível em http://furmancenter.org/files/sotc/NYUFurmanCenter_SOCin2015_9JUNE2016.pdf. Acesso em: 14 jul. 2019.

BALL, S. J. Educação Global S. A.: novas redes políticas e o imaginário neoliberal. Ponta Grossa: UEPG, 2014.

BARTHES, R. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1987.

BAUDELAIRE, C. As flores do mal. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.

BAZIN, A. O cinema. Ensaios. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.

BECKER, K. D.; STUEWIG, J.; HERRERA, V. M.; MCCLOSKEY, L. A. A study of firesetting and animal cruelty in children: family influences and adolescents outcomes. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry, 47 (7), p. 905-912, jul. 2004. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15213592. Acesso em: 14 jul. 2019.

BENJAMIN, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Primeira versão. In: ______Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas. São Paulo:

Brasiliense, 1987a. p. 165-196. 103

______O narrador: Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In:

______Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense,

1987b. p. 197-221.

______Sobre alguns temas em Baudelaire. In: Obras Escolhidas volume

3. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 103-149.

______The Work of Art in the Age of Its Technological Reproducibility

[First Version]. Grey Room, Massachusetts, nº. 39, p. 11-38, 2010. Disponível em http://www.jstor.org/stable/27809424. Acesso em: 01 Dez. 2017.

BULKLEY, K. E. Introduction: Portfolio Management Models in Urban School

Reform. In: BULKLEY, K. E.; HENIG, J. R.; LEVIN, H. M. (org.) Between Public and

Private: Politics, governance and the new portfolio models for urban school reform.

Cambridge: Harvard Education Press, 2010. p. 3-26.

BURCH, P. Hidden Markets: The new education privatization. New York,

London: Routledge, 2009.

CANDIDO, A. A estrutura da escola: Contribuição sociológica aos cursos de administração escolar. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1953.

______Formação da literatura brasileira: momentos decisivos, 1750 –

1880.11ª. Edição. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2007.

______Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2006.

CANDIDO, A. et al. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2014.

CHENEY, L. V. The end of history. The Wall Street Journal. 20 out. 1994.

A22. Disponível em http://online.wsj.com/media/EndofHistory.pdf. Acesso em: 14 jul. 2019.

CHILDS, E. C. Looking behind the Stereotypes of the “Angry Black Woman”:

An Exploration of Black Women’s Responses to Interracial Relationships. Gender and

Society. Vol. 19 No. 4, p. 544-561, 2005. Disponível em 104

https://www.jstor.org/stable/30044616?read-now=1&seq=1#page_scan_tab_contents. Acesso em: 14 jul. 2019.

CREMIN, L. A.; BORROWMAN, M. L. Public Schools in Our Democracy.

New York: The Macmillan Company, 1956.

COSTA, L.M.; SOUZA, R. L. N. O outro do outro: Serena Williams e a construção da imagem da mulher negra na mídia. Aturá. Revista Pan-Amazônica de

Comunicação. v. 3 no. 1. p. 87-102 , jan-abr 2019. Disponível em https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/atura/article/view/6660/14920. Acesso em: 14

Jul. 2019.

CROCHÍK, J. L. Formas de violência escolar: Preconceito e Bullying.

Movimento Revista de Educação. Ano 2 nº. 3, p.29-56, 2015.

DALTON, M. Bad teacher is bad for teachers. Journal of popular film and television, 42:2, p. 78-87, 2013. Disponível em https://wakespace.lib.wfu.edu/bitstream/handle/10339/38637/Dalton_JPFT_41.2.2013.pdf.

Acesso em: 22 jun. 2019.

______O currículo de Hollywood: quem é o “bom” professor, quem é a

“boa” professora? Educação & Realidade. 21(1), jan/jun 1996, p. 97-122, 1996.

______The Hollywood Curriculum: teachers in the movies. Third

Revised Edition. New York: Peter Lang, 2017.

DAM, A. V. Teacher strikes made 2018 the biggest year for worker protest in a generation. The Washington Post, Washington, 14 Fev 2019. Economic Policy. Disponível em https://www.washingtonpost.com/us-policy/2019/02/14/with-teachers-lead-more-workers- went-strike-than-any-year-since/?utm_term=.bafa1939665c. Acesso em: 22 jun. 2019. 105

DICKINSON, A. Block that hug. Time, 02 abr 2000. Disponível em: http://content.time.com/time/magazine/article/0,9171,42300,00.html. Acesso em: 06 jun.

2019.

FABRIS, E. T. H. Representações de Espaço e Tempo no Olhar de Hollywood sobre a escola. 172 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Rio

Grande do Sul, Porto Alegre, 1999.

FERREIRA, S. C. O professor como personagem e a escola como cenário: escola e sociedade em filmes norte-americanos (1955-1974). 155 f. Tese (Doutorado em

História). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2003.

FINK, E.; RESNICK, L. B. Developing principals as instructional leaders. The

Phi Delta Kappan, vol. 82, no. 8, p. 598–606, 2001. Disponível em https://www.researchgate.net/publication/44839387_Developing_principals_as_instructional_ leaders. Acesso em: 24 mai. 2019.

FREITAS, T. M. G. Erfahrung e Erlebnis em Walter Benjamin. Revista Garrafa,

Rio de Janeiro, nº 33, UFRJ, p. 72-87, 2014. Disponível em https://revistas.ufrj.br/index.php/garrafa/article/view/7918/6380. Acesso em: 07 Abr. 2019.

FRIGOTTO, G. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez,

1995.

______A produtividade da escola improdutiva: um (re) exame das relações entre educação e estrutura econômico-social e capitalista. 5ª. Edição. São Paulo:

Cortez, 1999.

GAGLIOTTO, G. M. et al. Psicanálise e educação ou psicanálise de encontro à educação? Considerações psicanalíticas sobre a sexualidade, a afetividade e o desejo de aprender. Educere et Educare, Revista de Educação. Vol. 7, nº 14, p. 109-125, 2012. 106

Disponível em http://e-revista.unioeste.br/index.php/educereeteducare/article/view/5381/6648

Acesso em: 06 jun. 2019.

GOUVEIA, C. J. B. Burnout, ansiedade e depressão nos professores. (43 f.)

Dissertação (Mestrado em psicologia). Universidade de Lisboa, Lisboa, 2010.

GIROUX, H. Teoria crítica e resistência em educação. Petrópolis: Vozes, 1986.

GOODE, E.; BEN-YEHUDA, N. MORAL PANICS: Culture, Politics and Social

Construction. Annual Review of Sociology. Vol. 20, p. 149-171, 1994.

GYURKO, J.; HENIG, J. R. Strong vision, learning by doing, or the politics of muddling through? New York City. In: BULKLEY, K. E.; HENIG, J. R.; LEVIN, H. M.

(org.) Between Public and Private: Politics, governance and the new portfolio models for urban school reform. Cambridge: Harvard Education Press, 2010, p. 91-126.

GOMES, P. E. S. Crítica de Cinema no Suplemento Literário – Volume II.

Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1981.

HARVEY, D. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2014.

HARVEY, D. The Condition of Postmodernity. Cambridge: Blackwell

Publishers, 1990.

HOBSBAWM, E. A era do capital: 1848-1875. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W. O Conceito de Esclarecimento. In:

______Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Editor, 2006a, p.17-46.

HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W. Indústria Cultural: O esclarecimento como Mistificação das Massas. In: ______Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006b, p. 99-138. 107

HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. W. Elementos do Antissemitismo: Limites do Esclarecimento. In: ______Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006c, p. 139-172.

KEELS, M.; BURDICK-WILL, J.; KEENE, S. The Effects of Gentrification on

Neighborhood Public Schools. City & Community 12:3, Washington, D.C., p. 238-259,

2013.

KOHATSU, L.N.; DIAS, M.A.L. Sociedade e Escola: Produção e resistência à violência. In: PAULA, F. V. de; D’AUREA-TARDELLI, D. (org.) Violência na Escola e da

Escola: desafios contemporâneos à Psicologia da Educação. São Bernardo do Campo:

Universidade Metodista de São Paulo, 2009, p. 25-36.

LAYTON, L. How Bill Gates pulled off the swift Common Core revolution. The

Washington Post. 7 jun. 2014, politics. Disponível em https://www.washingtonpost.com/politics/how-bill-gates-pulled-off-the-swift-common-core- revolution/2014/06/07/a830e32e-ec34-11e3-9f5c-

9075d5508f0a_story.html?utm_term=.590060acc87e. Acesso em 15 mai. 2019.

LEVER, N.; MATHIS, E.; MAYWORM, A. School Mental Health Is Not Just for

Students: Why Teacher and School Staff Wellness Matters. Report on emotional &

Behavioral Disorders in Youth Vol. 17,1, p. 6-12, 2017. Disponível em https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6350815/#!po=5.35714 Acesso em: 22 jun.

2019.

LOUREIRO, Robson. Aversão à teoria e indigência da prática: crítica a partir da filosofia de Adorno. Educ. Soc., Campinas , v. 28, n. 99, p. 522-

541, Aug. 2007. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-

73302007000200012&lng=en&nrm=iso. Accesso em: 15 jul. 2019. 108

MARR, N.; FIELD, T. Bullycide: Death at playtime. Oxfordshire: Success

Unlimited, 2001.

MULTICULTURAL history studies rejected by senate in 99-1. Los Angeles

Times. 19 Jan. 1995. Disponível em https://www.latimes.com/archives/la-xpm-1995-01-19- mn-21834-story.html. Acesso em: 14 jul. 2019.

MARCUSE, H. Eros e civilização: uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.

MORAES, A. C. A escola vista pelo cinema: uma proposta de pesquisa. In:

SETTON, M. G. J. (org.) A cultura da mídia na escola: ensaios sobre cinema e educação.

São Paulo, Annablume, 2004. p. 53-65.

NASH, G. Reflections on the National History Standards. National Forum, 77, p. 14-18, 1997. Disponível em http://www- personal.umich.edu/~mlassite/discussions261/nash.html. Acesso em: 28 mai. 2019.

NATIONAL GOVERNORS ASSOCIATION; COUNCIL OF CHIEF STATE

SCHOOL OFFICERS; ACHIEVE, INC. Benchmarking for Success: Ensuring U.S.

Students Receive a World-Class Education. Washington D.C.: NGA, 2008. Disponível em http://www.corestandards.org/assets/0812BENCHMARKING.pdf. Acesso em: 14 jun. 2019.

PADIAL, M. N. O professor e sua figura no cinema: uma análise da docência e da educação escolar retratada em dois filmes hollywoodianos. 2010. 123 f. Dissertação

(Mestrado em Educação: História, Política e Sociedade). Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, São Paulo, 2010.

PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. 109

PENTEADO, R. Z.; SOUZA NETO, S. Mal-estar, sofrimento e adoecimento do professor: de narrativas do trabalho e da cultura docente à docência como profissão. Saúde e sociedade. V. 28, nº 1, 2019, pp. 135-153.

PINHEIRO, S. R. L. Educação, memória e cinema: um estudo comparativo das representações sociais da escola e “Os incompreendidos” e em “Machuca”. 2010. 145 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo,

São Paulo, 2010.

RAVITCH, D. The death and life of the great American school system: how testing and choice are undermining education. New York: Basic Books, 2010.

______Vida e morte do grande sistema escolar americano: como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação. Porto Alegre: Sulina,

2011.

ROSENBLAT, J.; HOWARD, T. How gentrification is leaving public schools behind. US News, 20 fev. 2015, Disponível em https://www.usnews.com/news/articles/2015/02/20/how-gentrification-is-leaving-public- schools-behind. Acesso em: 27 mai. 2019.

ROSENFELD, A. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 2006.

SAINATO, M. Low pay, large classes, funding cuts: behind new wave of US teachers’ strikes. The Guardian, International Edition, 27 fev 2019. Education. Disponível em https://www.theguardian.com/education/2019/feb/27/low-pay-large-classes-funding-cuts- behind-new-wave-of-us-teachers-strikes. Acesso: em 22 jun. 2019.

SANTOS, J.; SANTIAGO, A. B. A transferência no processo pedagógico.. In: O

DECLINIO DOS SABERES E O MERCADO DO GOZO, 8., 2011, São Paulo. FE/USP,

Disponível em 110

http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000032010000

100030&lng=en&nrm=abn. Acesso em 15 Jul. 2019.

SCHULTZ, T. O valor econômico da educação. Rio de Janeiro: Zahar Editores,

1967.

SIEBERT, C. The animal-cruelty syndrome. The New York Times. 11 jun. 2010,

Magazine. Disponível em https://www.nytimes.com/2010/06/13/magazine/13dogfighting- t.html. Acesso em 14 jul. 2019.

SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

SOUZA, M. C. C. C. de. A psicanálise e a depressão dos professores: notas sobre a psicanálise e a história da profissão docente. In: COLOQUIO DO LEPSI IP/FE-USP, 3.,

2002, São Paulo. Disponível em http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000032001000

300012&lng=en&nrm=abn. Acesso em: 22 jun. 2019.

TAIT, G. “No touch” Policies and the Management of Risk. QUT ePrints,

Queensland Univerity of Technology, paginação irregular. Disponível em https://eprints.qut.edu.au/28824/1/Alison_paper.pdf. Acesso em 06 jun. 2019.

THE NATIONAL COMMISSION ON EXCELLENCE IN EDUCATION. A nation at risk: the imperative for education reform. Washington D.C.: U.S. Department of

Education, 1983. Disponível em https://www.edreform.com/wp- content/uploads/2013/02/A_Nation_At_Risk_1983.pdf. Acesso em 14 jun. 2019.

TILGER, M. A. Já vi esse filme: usos do cinema no trabalho do formador de professores. 2016. 220 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Estudos Pós-

Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, São Paulo, 2016. 111

UNITED STATES OF AMERICA. Constitution of the United States of

America. United States Government Printing Office Washington: 2007. Disponível em https://www.gpo.gov/fdsys/pkg/CDOC-110hdoc50/pdf/CDOC-110hdoc50.pdf, Acesso em:

02 dez. 2017.

UNITED STATES OF AMERICA. DC School Choice Incentive Act of 2003.

Public Law 108-199. 18th Congress, Washington, D.C., 23 Jan. 2004. p. 126-142. Disponível em https://www.congress.gov/108/plaws/publ199/PLAW-108publ199.pdf. Acesso em: 03

Abr. 2019.

U.S. DEPARTMENT OF EDUCATION. A Guide to Education and No Child

Left Behind, Office of the Secretary, Office of Public Affairs, Washington, D.C., 2004.

Disponível em https://www2.ed.gov/nclb/overview/intro/guide/guide.pdf, Acesso em: 24 mar.

2019.

VANOYE, F.; GOLIOT-ETÉ, A. Ensaio sobre a análise fílmica. Campinas:

Papirus, 1994.

VINCENT, G.; LAHIRE, B., THIN, D. Sobre a história e a teoria da forma escolar. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 33, junho/2001, p. 07-47, 2001.

WEINER, L. Construction of District 2’s Exemplary Status: When research and public relations elide. In: ANNUAL CONFERENCE AMERICAN EDUCATIONAL

RESEARCH ASSOCIATION, 2002, New Orleans. Disponível em https://www.academia.edu/34990164/Construction_of_District_2s_Exemplary_Status_When

_Research_and_Public_Relations_Elide. Acesso em: 14 jul. 2019.

ŽIŽEK, S. Lacrimae Rerum: ensaios sobre cinema moderno. São Paulo:

Boitempo, 2009.

112

FILMES E PRODUÇÕES CITADOS

A Caça. Direção: Thomas Vinterberg. Produção: Sisse Graum Jørgensen, Morten Kaufmann e Thomas Vintenberg. Dinamarca: Zentropa Entertainments, 2012. Título Original: Jagten.

AO mestre com carinho. Direção: James Clavell. Produção: John R. Sloan. Reino Unido: Columbia Pictures, 1967. Título original: To sir, with love.

AOS teus olhos. Direção: Carolina Jabor. Produção: Conspiração Filmes. Brasil: Conspiração Filmes, 2016.

A queda da casa de Usher. Direção: Jean Epstein. Produção: Jean Epstein. França: Films Jean Epstein, 1928. Título original: La chute de la Maison Usher.

BIG little lies. Direção: Jean-Marc Vallée e Andrea Arnold. Produção : Barbara A. Hall e David Auge. Estados Unidos: Hello Sinshine, Blosson Films, David E. Kelley Productions e Crazyrose, 2017-2019.

BREAKING Bad. Direção: Vince Gilligan, Michelle MacLaren, Adam Bernstein, Colin Bucksey, Michael Slovis e . Produção: Stewart A. Lyons, , John Shiban, Peter Gould, George Mastras, Thomas Schnauz, Bryan Cranston, Moira Walley- Beckett, Karen Moore e Patty Lin. Estados Unidos: High Bridge Entertainment, Gran Via Productions e Sony Pictures Televison, 2008-2013.

COMO estrelas na terra. Direção: Aamir Khan e Amole Gupte. Produção: Aamir Khan. Índia: PVR Pictures, 2007. Título Original: Taare Zameen Par.

CURTINDO a vida adoidado. Direção: John Hughes. Produção: John Hughes e Tom Jacobson. EUA: Paramount Pictures, 1986. Título original: Ferris Bueller’s Day off.

ESCRITORES da Liberdade. Direção: Richard LaGravenese. Produção: Danny Devito, Michael Shamberg e Stacey Sher. EUA: MTV Films, Jersey Films e 2S Films, 2007. Título original: Freedom Writers.

HOUSE of Cards (Temporada 1, Capítulo 5). Direção: Joel Schumacher. Produção: Karyn McCarthy. EUA: Netflix, 2013. 113

MACHUCA. Direção: Andrés Wood. Produção: Gerardo Herrero, Mamoun Hassan, Andrés Wood. Chile/Espanha/Reino Unido/França: Tornasol Films S.A., Andrés Wood Producciones S.A., 2004.

MERLÍ. Direção: Eduard Cortez. Produção: Héctor Lozano e Aitor Montánchez. Espanha: Netflix, 2015-2018.

O Pianista. Direção: Roman Polanski. Produção: Roman Polanski, Robert Bermussa e Alain Sarde. França/Alemanha/Reino Unido/Polônia: Focus Features, 2002. Título original: The Pianist.

O sorriso de Mona Lisa. Direção: Mike Newell. Produção: Fredward Johanson. EUA: Revolution Studios, 2003. Título original: Mona Lisa Smile.

OS Incompreendidos. Direção: François Truffaut. Produção: François Truffaut. França: Cocinor, 1959. Título original: Les quatre cents coups.

O Substituto. Direção: Tony Kaye. Produção: Greg Shapiro, Carl Lund, Bingo Gubelmann, Austin Stark, Beiji Kohn e Chris Papavasiliou. EUA: Paper Street Films, Kingsgate Films e Appian Way, 2011. Título original: Detachment.

PROFESSORA sem classe. Direção: Jake Kasdan. Produção: Jimmy Miller e David Householter. EUA: Columbia Pictures, 2011. Título original: Bad teacher.

SOCIEDADE dos Poetas Mortos. Direção: Peter Weir. Produção: Steven Haft. EUA: Touchstone Pictures, 1989. Título original: Dead Poets Society.

THIRTEEN reasons why. Direção: Bryan Yorkey. Produção: Joseph Incaprera. EUA: Netflix, 2017-2018.

TOUCH. Direção: Lulu Wang. Produção: Reena Dutt, Angel Kristi Williams. EUA: Project Involve (Independente), 2015.

UMA escola muito doida. Direção: Hart Bochner. Produção: David Zucker, Robert LoCash e Gil Netter. EUA: Tristar Pictures, 1996. 114

Anexos

Anexo 1: Ficha Técnica24

Nome original: Detachment Versão em Português: O substituto Duração: Aproximadamente 97 minutos Direção: Tony Kaye Roteiro: Carl Lund Música: The Newton Brothers Fotografia: Tony Kaye Montagem: Barry Alexander Brown e Geoffrey Richman País: Estados Unidos Estúdios: Paper Street Films em associação com Kingsgate Films e Appian Way Produção: Greg Shapiro, Carl Lund, Bingo Gubelmann, Austin Stark, Beiji Kohn e Chris Papavasiliou. Gênero: Drama Indicação: 16 anos Ano: 2011

Elenco Principal Adrien Brody ……………………….. Henry Barthes Marcia Gay Harden …………………. Principal Carol Dearden James Caan ………………………….. Mr. Charles Seaboldt Christina Hendricks ………………… Ms. Sarah Madison Lucy Liu …………………………….. Dr. Doris Parker Blythe Danner ………………………. Ms. Perkins Tim Blake Nelson Mr. Wiatt Sami Gayle ………………………….. Erica Betty Kaye ………………………….. Meredith

Sinopse Detachment é uma crônica de três semanas na vida de alguns professores do ensino médio, administradores e alunos por meio do olhar de um professor substituto chamado Henry Barthes (Adrien Brody). O método de Barthes de ensinar conhecimentos vitais para seus alunos temporários é interrompido pela chegada de três mulheres em sua vida que se complica mais quando hospeda uma adolescente prostituta chamada Erica.

24 Ficha técnica retirada de capas do DVD em português e em inglês e do site IMDB. Disponível em http://www.imdb.com/title/tt1683526/. Acesso em: 15 out. 2017.