UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - FAUMACK

REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO Volia Regina Costa Kato

Arq. Rudolf Olgiatti Disponível em: http://www.ft- immo.ch/immo/olgiati.htm. Acesso em: 20 abr. 2012 São Paulo / 2012

VOLIA REGINA COSTA KATO

REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO

Tese apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de doutor em Arquitetura e Urbanismo.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Righi

São Paulo / 2012

K19r Kato, Volia Regina Costa

Reflexões sobre o fazer arquitetônico. / Volia Regina Costa Kato – 2012.

238 f. : il. ; 30cm.

Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2012.

Bibliografia: f. 230-238.

Aos meus filhos Patrícia Kato e Sergio Luis Kato.

VOLIA REGINA COSTA KATO

REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO

Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor.

Aprovado em

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Roberto Righi – ORIENTADOR Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dra. Maria Isabel Villac Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dra. Leila Maria da Silva Blass Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Prof. Dra. Monica Junqueira Universidade de São Paulo

Prof. Dra. Eunice Helena S. Abascal Universidade Presbiteriana Mackenzie

AGRADECIMENTOS

“É preciso verdadeiramente uma aldeia inteira para se escrever um livro” Remen, 1998, p.276

São tantas as pessoas que contribuíram direta e indiretamente para a realização desta pesquisa que se torna impossível enumerar. Faço gentilmente um agradecimento a todas elas, consciente dos elos de solidariedade que se consolidaram durante este percurso. Seguindo o seu envolvimento no transcurso temporal deste trabalho e ao mesmo tempo por suas contribuições reflexivas, faço algumas menções especiais.

Agradeço a minha amiga de longos anos e colega no Curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Leila Maria da Silva Blass e hoje professora titular na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por seus incentivos insistentes para que eu fizesse o meu trabalho de doutorado, mesmo que tardiamente, como uma decisão de justeza e m relação à minha longa trajetória profissional como professora e pesquisadora. Contribuiu de maneira fundamental para os rumos conceituais e metodológicos desta pesquisa, sempre aberta para atender minhas dúvidas e solicitações bibliográficas.

Agradeço ao meu orientador, Dr. Roberto Righi, por ter acolhido minha decisão de passar pelo processo desta titulação acadêmica, confiando na capacidade de pesquisa e nas minhas reflexões teóricas, decorrentes de nossa convivência em pesquisas anteriores e parcerias de trabalho didático nesta Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

Agradeço de forma carinhosa ao arquiteto e professor Luciano Margotto Soares que gentilmente, por nossa amizade que nascida no âmbito de uma disciplina na qual trabalhos juntos, se disponibilizou para os meus levantamentos empíricos, concedendo-me longas entrevistas e

materiais do seu acervo profissional particular, autorizando sua divulgação. Sem esta contribuição fundamental o trabalho não poderia ser o que é.

Agradeço também aos muitos colegas de trabalho e parceiros de pesquisa nesta Faculdade: Angélica Benatti Alvim, Denise Antonucci, Luiz Guilherme Rivera, Gilda Collet Bruna, Eunice Helena Abascal, que muito me apoiaram nesta tarefa tornando possível que eu me dedicasse à investigação de doutorado, amenizando e conciliando os meus compromissos nas suas diversas pesquisas com as quais ainda me encontro envolvida.

Nesta mesma direção, agradeço especialmente a professora Maria Izabel Villac que embora sendo colega na mesma faculdade, só foi possivel uma aproximação profissional muito recentemente, sendo sua aluna numa das disciplinas do Programa de Pós-graduação dessa Faculdade. A partir das discussões teóricas em sala de aula e mesmo fora dela pôde muito contribuir para o meu trabalho, sinalizando algumas dicas e rumos interpretativos. E, ainda suas contribuições foram fundamentais para descobertas de pesquisa. Ao lado dela, agradeço a outros professores e colegas que se dispuseram a discutir questões vinculadas ao fazer arquitetônico – Lizete Maria Rubano, Ruth Verde Zein, Igor Guatelli, ajudando-me a penetrar no universo complexo da produção arquitetônica.

Agradeço a minha família e os muitos amigos, também de longa data, que acompanharam as aflições e dificuldades pelas quais passei durante este percurso, ofertando um apoio incondicional:- Elenice Valéria Lia, Artur Tufolo, Louris Esper, Conceição Trevisan e Maria Cecília Cominato.

Os agradecimentos finais se revestem para mim, de uma importância especial:

Agradeço a todos os colegas professores, funcionários da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo por facilitarem e apoiarem esta pesquisa. De maneira destacada agradeço o Diretor, Prof. Dr. Valter Luís Caldana Júnior e ao Coordenador Prof, Arq. Silvio Stefanini Sant’Anna que contribuíram de forma direta e indireta nesta pesquisa.

De maneira gentil, agradeço a participação colaborativa de muitos alunos que se engajaram na concretização material da pesquisa: Simone P.C.F. Cardamoni, Izabela Cordeiro e Gustavo Delonero.

A todos, o meu profundo reconhecimento.

RESUMO

Esta tese busca apresentar, de uma perspectiva sociológica, as características singulares do trabalho arquitetônico e, através delas, problematizar simultaneamente a noção moderna de trabalho e as mistificações que circundam as atividades criativas, No confronto com o imaginário social onde trabalho é associado às práticas mecânicas e repetitivas, sujeitas a uma disciplina alheia ao indivíduo e confundidas com emprego, o trabalho no fazer arquitetônico é aqui interpretado em sua dimensão qualitativa como uma modalidade artesanal de criação. Suas caraterísticas artesanais que se expressam nos processos coletivos de elaboração do projeto arquitetônico, perpassam a sociedade moderna, contendo um saber-fazer que articula simultaneamente conhecimento e prática, reflexão e realização. Adotando o viés metodológico de aproximação analítica com o fazer arquitetônico em seu efetivo desenrolar, visando identificar quem faz o trabalho e como o trabalho é feito, três projetos arquitetônicos são apresentados à partir de um regate reflexivo do arquiteto Luciano Margotto Soares. Ainda, ao assinalar que nas práticas de concepção e desenvolvimento do projeto da obra arquitetônica imaginada, os múltiplos atos criativos emergem à partir de movimentos repetitivos que envolvem, disciplina e esforço e, portanto muito labor, traz elementos que desmistificam as idealizações feitas em torno do arquiteto, como sendo portador de atributos ocultos de genialidade.

Palavras chave: processo de projeto; trabalho arquitetônico; trabalho e criação.

ABSTRACT

This thesis seeks to present, from a sociological standpoint, the unique characteristics of architectural work and, through them, to question both the modern notion of work and the mystifications that surround creative activities. In comparison with the social imaginary where work is associated with mechanical, repetitive practices, subject to a discipline distant to the individual and confused with employment, work in architecture is interpreted here in its qualitative dimension as a form of craftsmanship creation. Its craftsmanship characteristics are expressed in the collective processes of preparing an architectural design, passing by the modern society, containing a know-how that articulates both knowledge and practice, reflection and accomplishment. Adopting the methodological point of view of analytical approach to architecture in its actual conduct in order to identify “who does the work” and “ how the work is done” , three architectural projects are presented based on the works of architect Luciano Margotto Soares. Further, indicating that the practices of project design and development of the architectural work imagined several creative acts emerge from repetitive movements that involve discipline and effort, therefore hard work, it brings elements that demystify the idealizations made around the architect, as bearer of hidden genius attributes.

Keywords: design process, architectural work, work and creation.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO 1 Os apelos investigativos da pesquisa 13

CAPÍTULO 2 O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra 31

CAPÍTULO 3 Práticas de trabalho e processos de projeto 52

CAPÍTULO 4 Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares 89

CAPÍTULO 5 Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar 140

CONSIDERAÇÕES FINAIS 224

REFERÊNCIAS 231

INTRODUÇÃO

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É importante destacar de início que esta tese de doutoramento, inserida no programa de Pós-Graduação em perda Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, constitui uma reflexão sociológica sobre o fazer arquitetônico, focada em suas características qualitativas que expressam uma forma singular de trabalho, nascida em período histórico anterior à sociedade moderna e que a ela se inseriu e se ajustou, mantendo seus traços artesanais à margem dos processos produtivos fabris predominantes.

Diferente de outras pesquisas sociológicas onde o trabalho arquitetônico é analisado como profissão ou como uma atividade liberal sujeita às regulações de suas instituições representativas e que, portanto, tem por objeto, as condições de trabalho, esta tese busca analisar as dimensões concretas do fazer arquitetônico em sua materialidade específica e como um saber fazer que se expressa nas práticas de trabalho por conhecimentos técnicos e artísticos incorporados e por suas habilidades manuais voltadas para a criação da obra arquitetônica.

As reflexões sobre este fazer criativo evidencia a coexistência de outras formas de trabalho na sociedade moderna ainda que subordinadas a forma predominante e paradigmática de trabalho na sociedade capitalista moderna – o trabalho assalariado fabril. As crises geradas pelas transformações dos processos de gestão produtiva e outras mudanças no mundo contemporâneo que incidiram na retração do trabalho assalariado e adoção de outras formas de vínculos empregatícios, trazem à tona a crise do emprego em sua manifestação de assalariamento. O resgate da noção de trabalho enquanto energia criativa posta em ação representa um enfoque qualitativo de análise que permite trazer à tona os diversos saberes e fazeres presentes na sociedade contemporânea inseridos na Introdução

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modernidade de forma subordinada e que a ela se ajustaram, como é o caso do fazer arquitetônico. Nesta inserção histórica o fazer arquitetônico se desdobra em diversas atividades ou atribuições no sentido de sua institucionalização como profissão liberal, ao lado de uma separação ambígua e não totalmente completa entre o projeto e a construção da obra criada. Ainda que esta separação incorpore a produção arquitetônica na complexa divisão do trabalho da sociedade capitalista com a exploração de força de trabalho na construção civil, tal como salientado pelo debate crítico no campo da arquitetura no contexto dos anos de 1970 e 1980, este fenômeno não eliminou as característicos artesanais deste fazer no processo de produção do projeto arquitetônico. Na postura analítica aqui adotada considera-se, portanto, a elaboração do projeto como o aspecto central do fazer arquitetônico que, em suas dimensões artesanais se manifesta como ofício.

Trata-se da polêmica marxista sobre o papel da arquitetura como atividade profissional na sociedade capitalista, movida, sobretudo, a partir das análises de Sergio Ferro (1979) e seus seguidores. Paulo Bicca (1984), por exemplo, reafirma as argumentações de Sergio Ferro ao situar a fratura entre a concepção e a construção da obra arquitetônica como decorrência de um processo crescente de divisão social do trabalho inaugurado pela produção fabril, identificando aí as mazelas das determinações do capital sobre a produção arquitetônica que, inserida num circuito de reprodução do capital, resultaria na exploração alienada do trabalho no canteiro de obras. A preocupação teórica, centrada na expressão histórica do trabalho capitalista como mercadoria, esquece que a própria produção do projeto é um processo de trabalho que contém características qualitativas inerentes e específicas, próprias de um fazer artesanal anterior. Por isto mesmo, ao ilustrar alguns elementos que marcaram a da transformação histórica do arquiteto, contribui de forma não intencional e contra os próprios objetivos de sua argumentação para ilustrar a permanência do arquiteto como artesão transformado na sociedade moderna, ou seja, alguém que continua sendo portador de um saber fazer específico. Além de tudo, esses posicionamentos se baseiam na separação equivocada entre trabalho intelectual e trabalho manual e se distanciam, portanto, da fundamentação sobre o conceito de trabalho aqui defendida.

Neste sentido as reflexões contidas nesta pesquisa se confrontam com a noção de trabalho disseminada no imaginário social que confunde trabalho com emprego e que é reforçada pelos próprios arquitetos ao alimentam a ideia de que são portadores de atributos de genialidade criativa que tornam o seu fazer oculto e inacessível.

Assim, os próprios arquitetos não se preocupam ou tem dificuldades em desvendar como surgem e se desenvolvem as idéias criativas e, assim, ao ocultarem nos Introdução

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seus discursos e reflexões o que são os atos criativos, contribuem para reforçar o imaginário social e, portanto, para mistificar o próprio trabalho.

Esta reflexão permite ainda apresentar, como ideia destacada, que as características inerentes ao seu fazer que se insere no processo de elaboração do projeto arquitetônico, mantém suas singularidades inerentes, ainda que se alterem as formas de emprego, ou seja, as relações trabalhistas de engajamento dos indivíduos nos processos de trabalho e que as inovações tecnológicas promovam mudanças significativas em alguns instrumentais de trabalho.

Ao mesmo tempo em que incorpora pesquisas importantes e bem fundamentadas desenvolvidas na área da Arquitetura sobre aspectos parciais deste fazer e a importância do uso de alguns instrumentos de trabalho consagrados, esta pesquisa apresenta uma diferença de abordagem analítica uma vez que o fazer arquitetônico e suas práticas são vistos inseridos num conjunto de relações sociais que se articulam no processo produtivo. Interessa, sobretudo, identificar no processo de trabalho, quem faz o trabalho e como o trabalho é feito.

Os resultados da investigação estão sistematizados em cinco capítulos que articulam conteúdos específicos de caráter analítico e descritivo.

O capítulo um situa o surgimento do interesse temático, contextualizando as discussões e pesquisas sobre a questão do trabalho na sociedade contemporânea, o enfoque teórico adotado e a perspectiva metodológica que subsidiou a coleta e interpretação de dados.

Alguns conceitos instrumentais que se aplicam ao entendimento das características artesanais e criativas do fazer arquitetônico e sua inserção num campo específico de produção cultural, privilegiando algumas contribuições de Hannah Arendt e Pierre Bourdieu, constituem o conteúdo do capítulo dois.

O capítulo três apresenta as várias dimensões do fazer arquitetônico, visto no contexto do seu processo produtivo, envolvendo atividades conceptivas da obra como um artefato único e irreproduzível, o gerenciamento e controle do trabalho de diversos profissionais envolvidos na realização do projeto arquitetônico e a mediação de interlocução com outros agentes intervenientes situados fora do processo produtivo.

Os resultados da aproximação qualitativa com um fazer concreto, acompanhando o desenrolar do processo criativo de realização de três projetos

Introdução

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arquitetônicos através de um resgate intencional feito pelo arquiteto Luciano Margotto Soares, estão amplamente apresentados no capítulo cinco, contendo um grande acervo de croquis e projetos codificados em sua linguagem específica, destacando sobretudo, o fato de que os atos criativos no fazer arquitetônico surgem no âmbito de muito esforço repetitivo e intencional que exige do arquiteto, pesquisa, experimentações e disciplina, portanto, engajamento na busca do melhor resultado possível. Este avaliar qualitativo se remete à idéia de ofício artesanal e desmistifica a aura de genialidade que cercam muitos arquitetos renomados.

O capítulo quatro, que o antecede, contém a contextualização do arquiteto investigado em termos de sua formação profissional e do seu alinhamento com um segmento de arquitetos formados na FAUUSP no período de transição democrática no Brasil. Buscou-se salientar a influência destes fatores sobre suas concepções arquitetônicas e visão de mundo que incidem sobre uma forma singular de organizar o trabalho, ainda que o seu fazer siga os cânones institucionalizados gerais a todos os arquitetos e, justamente por isto, serve como um exemplo expressivo do fazer arquitetônico.

Introdução

CAPÍTULO 1

Os apelos investigativos da pesquisa

“As pessoas que coletam fatos sobre a sociedade e os interpretam não começam do zero a cada relato que fazem. Usam formas, métodos e ideias que algum grupo social, grande ou pequeno, já tem à sua disposição como uma maneira de fazer este trabalho” . (Becker, 2009, p.27).

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Este capítulo tem por objetivo situar as discussões teóricas e a trajetória pessoal reflexiva que deram origem ao tema desta pesquisa, referenciando suas indagações, o enfoque conceitual adotado e o olhar metodológico que orientou os levantamentos de informações e as análises.

1.1 PONTOS DE PARTIDA

O meu interesse sobre o tema do trabalho arquitetônico nasceu no transcorrer de minha trajetória profissional como professora e pesquisadora há longo tempo em cursos de arquitetura e urbanismo, sempre envolvida com reflexões sobre os processos de mudança da sociedade contemporânea em seus múltiplos aspectos. O interesse pelas relações imbricadas dos fenômenos urbanos, sociais e culturais é influenciado pela minha formação acadêmica como socióloga buscando sempre entender as dimensões subjacentes entre estas esferas e sua expressão nos contextos espaciais das experiências de vida individuais e coletivas.

Os apelos investigativos da pesquisa

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Mais especificamente, o envolvimento investigativo com este tema ocorreu à partir da minha participação em duas pesquisas realizadas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie 1 relacionadas ao fazer arquitetônico.

A primeira delas foi realizada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, congregando professores da Graduação e da Pós- Graduação sob a denominação de Análise Crítica da Arquitetura Paulista nas Décadas de 1980 e 1990. Esta pesquisa desenvolvida sob a liderança do Prof. Dr. Roberto Righi, teve como foco uma primeira aproximação de ampla reflexão crítica sobre a produção arquitetônica paulista contemporânea. Buscava-se identificar nesta investigação as implicações das transformações econômicas, tecnológicas e culturais operadas mundialmente que se consolidaram, sobretudo após os anos de 1980 sobre os processos de produção arquitetônica, à partir de levantamentos em 35 escritórios. Esta amostragem intencional visava contemplar o universo heterogêneo da produção arquitetônica mais destacada nesta cidade, num período recente.

Situada numa perspectiva multidisciplinar, o tema do trabalho aparece como um dos aspectos da investigação, entrecruzados com outros focos de análise qualitativa sobre a produção arquitetônica, entre eles, a trajetória de produção profissional dos arquitetos, as formas de utilização de elementos conceituais, estéticos e simbólicos e a inserção social das produções arquitetônicas desses escritórios.

De certa forma influenciada pelo caráter inusitado e incipiente sobre as diversas possibilidades de reflexão sobre as práticas de trabalho na produção do projeto arquitetônico e condicionada pela unidade de análise – os escritórios – a abordagem privilegiou uma perspectiva descritiva de elementos que remetiam às condições de trabalho relacionadas com a composição e transformação funcional de cada escritório em termos de porte, vínculos trabalhistas, remunerações, e alguns outros que se remetiam às formas de organização do trabalho no ambiente físico de produção.

Do ponto de vista da organização funcional e das práticas de trabalho, as hipóteses orientadoras desta investigação supunham a ocorrência de mudanças nas formas

1 Righi, R; Abascal, E., Rivera, L.G; Kato, V.R.C.,. Panorama da Arquitetura Paulista Contemporânea – um estudo sobre 35 escritórios . São Paulo: Fundo Mackenzie de Pesquisa – Mackpesquisa, Relatório de Pesquisa, mimeo, 2003. Esta pesquisa contou com a participação de professores da graduação e pós-graduação da FAUM, desbobrada em dois projetos. A enquete Formação Acadêmica e Atuação Profissional: opiniões e perspectivas de ex-alunos da FAU-Mackenzie, 1994-2005 , realizada no ano de 2006, coordenada por KATO, V. R. C. e ZIONI, S. Sem subsídios de fomento e assumindo um caráter de colaboração voluntária, a sua realização contou com apoios informais da direção e participação de alunos da graduação.

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de produção do projeto e em sua concepção, decorrentes das novas relações entre o profissional e o mercado; a existência de rearticulações das atividades trabalho à partir de controles informatizados; a difusão de relações contratuais de trabalho, frouxas e precárias, no interior dos escritórios, caracterizadas pelo trabalho autônomo e temporário além de rebaixamentos salariais e ampliação das contratações terceirizadas de pequenos escritórios de arquitetura individualizados e empresas de serviços, entre outras.

Buscando consolidar os resultados obtidos, a segunda etapa desta pesquisa, com o mesmo título, finalizada em 2003 ampliou os levantamentos qualitativos destes fenômenos, através de dados primários expressos por entrevistas semi-abertas nestes escritórios, destacando os discursos emitidos pelos atores investigados com opiniões e percepções sobre a sua prática profissional concreta.

Os resultados obtidos destacam algumas especificidades locais na cidade de São Paulo, sobretudo decorrentes das transformações das demandas sociais sobre a produção arquitetônica e de incorporação de tecnologias informatizadas aplicadas ao processo de trabalho que vão se expressar em condições diferenciadas de escritórios, em termos de porte e formas de inserção no mercado.

De uma maneira geral, observa-se que os reflexos das transformações da dinâmica econômica inseridas nos processos contemporâneos de globalizações se traduzem num primeiro momento no Brasil, pela retração do boom imobiliário que acompanha as crises econômico-financeiras desde a década de 1980 e pela diminuição e redefinição das demandas estatais em relação à produção arquitetônica. Ao mesmo tempo, a difusão de tecnologias informatizadas e redefinições das demandas privadas e estatais sobre a arquitetura impulsionam nos escritórios, remodelações produtivas envolvendo incorporação tecnológica com sistemas informatizados e enxugamento funcional, tanto em termos de estrutura física quanto de empregos, ampliando e generalizando modalidades baseadas na terceirização e no trabalho autônomo.

Ainda que estas tendências gerais perpassam todos os escritórios investigados, assumem conotações particulares relacionadas às formas e possibilidades de inserção de cada um deles nas novas condições de mercado. Estas diferenciações permitiram criar uma cartografia de segmentos de escritórios que se evidenciou bastante heterogênea, envolvendo desde o aparecimento de grandes escritórios vinculados à ampliação de demandas privadas de grandes empresas até pequenos escritórios que sofreram enxugamento funcional e se reduziram apenas à figura do sócio e poucos auxiliares. Esta

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cartografia permitiu conhecer um leque amplo de transformações do emprego na produção arquitetônica de São Paulo.

À título de exemplificação, entre outros, um dos segmentos formado por escritórios que haviam atingido uma estrutura funcional relativamente grande e estável num contexto anterior de amplas demandas do mercado imobiliário e outras provenientes do Estado, as práticas de enxugamento, com a redução paulatina de funcionários se traduz no desmanche de equipes técnicas, desarticulação de processos de trabalhos já consolidados onde se configuravam perspectivas de carreira pessoal e melhorias salariais no interior do próprio escritório. Outro segmento desta cartografia e revelando uma resposta diferenciada às condições internacionais e internas vigentes nos anos de 1980 e 1990 é composto por escritórios que sempre mantiveram estruturas funcionais reduzidas. O escritório representa apenas um suporte técnico com poucos funcionários, à arquitetos de autoria renomada na produção arquitetônica paulista desde a década de 1960. A manutenção de um lugar no mercado opera-se, nestes casos, por uma forma específica de distinção onde a autoria do projeto e sua expressão renovada com adoção de novas possibilidades temáticas, estruturais e plásticas, atendem, sobretudo, a um novo tipo de intervenção do Poder Público na cidade em obras culturais, viárias e de requalificação urbana. Identifica-se, ao contrário, como outro segmento, a presença de escritórios de porte funcional em expansão, vinculados ao surgimento de novos nichos de mercado para a arquitetura à partir dos direcionamentos das políticas econômicas após 1990 no Brasil, que no âmbito das privatizações atraíram empresas multinacionais sobretudo ligadas aos ramos eletrônico e comunicação além de escritórios especializados em consultoria técnica e advocacia. Estes são apenas alguns exemplos que se destacam.

As tentativas de categorização apresentadas evidenciam por um lado, um movimento mais amplo de remodelação do mercado de trabalho em arquitetura no Brasil, desde o final dos anos 1980, sinalizando simultaneamente a presença de condições mais precárias e instáveis de trabalho. Mesmo nos poucos escritórios onde circunstâncias pontuais permitem ampliar o trabalho assalariado, já se manifestam políticas de gerenciamento voltadas para a redução de custos operacionais, afetando as possibilidades anteriores de sustentar uma requalificação continuada dos funcionários, aumentando a intensificação e as jornadas de trabalho.

Situada fora dos locais de trabalho, a segunda investigação sob minha coordenação buscava uma aproximação direta com jovens arquitetos-urbanistas formados pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, no

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período de 1994 à 2005. Embora objetivasse primordialmente caracterizar a inserção profissional dos ex-alunos e suas opiniões pessoais sobre as relações entre a qualidade de sua formação acadêmica e as condições e exigências do mercado de trabalho atual, esta pesquisa apresentou resultados surpreendentes em termos dos significados subjetivos que atribuíam ao se fazer.

As hipóteses iniciais remetiam, por um lado, ao fato de que o arquiteto recém- formado atualmente já se insere nas novas condições de mercado, envolvendo, sobretudo, modalidades de trabalho autônomo, informal e temporário, envolvendo um contexto mais amplo de precariedades em termos de remuneração e vínculos trabalhistas que não é exclusivo de seu campo de atuação. Focada nas condições de inserção da arquitetura enquanto atividade profissional remetida necessariamente aos vínculos com a formação acadêmica destes arquitetos foi baseada em questionários com indagações que pudessem sinalizar as compatibilidades e disjunções dos conteúdos didáticos e pedagógicos e as exigências do mercado 2.

Confirmam-se aí a predominância de condições de trabalho instáveis, precárias e mal remuneradas, aspectos enfaticamente mencionados nas entrevistas. No geral, o trabalho atual é recente (70%), marcado por baixas remunerações (cerca de 30% recebe menos que o piso salarial da categoria) e por relações de trabalho autônomas e temporárias ou assalariadas sem registro regular. O emprego assalariado possui pouca representatividade e os que se declaram como proprietários de escritórios também constituem uma categoria não significativa.

Do ponto de vista da atribuição de significados sobre o seu trabalho, as respostas dos entrevistados revelam e ao mesmo tempo ocultam uma compreensão sobre as relações complexas envolvidas no campo de produção da Arquitetura. Nos discursos destes jovens arquitetos existe consciência de que estão em desvantagem competitiva no jogo de prestígio para conseguirem inserções mais favoráveis, ao mesmo tempo em que desejam se adequar a estas exigências através de qualificação continuada. Diante das condições de inserção fragmentada e pontuais nos processos produtivos associadas à baixas remunerações, a valorização subjetiva do trabalho fica comprometida e muitas vezes é vista como resultado da diminuição da importância social do arquiteto enquanto profissional. Ao mesmo tempo, revela-se de forma ambígua o valor pessoal do trabalho

2 A proposta de investigar estas questões nasce justamente no âmbito das discussões pedagógicas da FAUM e assume um caráter de enquete exploratória no sentido de identificar os percursos profissionais dos egressos desta faculdade e suas percepções subjetivas sobre a influência de sua formação acadêmica.

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expressas por insatisfações e engajamento precário na realização do trabalho porque estão apartados das concepções e articulações mais amplas dos processos de produção do projeto e emitem uma percepção conformista em relação ás condições impostas uma vez que não conseguem visualizar possibilidades outras de dar significado às suas tarefas. Nas interfaces ambíguas entre ideais da profissão e impossibilidades reais de sua realização, coloca-se como um desejo manifesto o aperfeiçoamento profissional e de adequação às exigências mutantes do mercado de trabalho. Um exemplo é a percepção de que as relações de trabalho autônomas representam uma tendência definitiva e de que os arquitetos não foram formados e, assim, não estão habilitados para gerenciar suas atividades profissionais sob esta nova condição. Se a avaliação sobre sua formação acadêmica é de distanciamento da prática e do mercado de trabalho , uma vez que os conteúdos referentes a gerenciamento técnico e de mercado, desenvolvimento de projetos, legislação ou práticas e processos de produção estão ausentes dos conteúdos curriculares, revela-se também que a sua prática profissional, tal como realizada, é percebida desfavorável no sentido de ofertar possibilidades de aquisição de novas capacitações ou aperfeiçoamento de um conhecimento adquirido. Ou seja, as formas de engajamento real e significativo com o trabalho são frágeis e esgarçadas.

De um lado, as duas investigações acadêmicas das quais participei foram profícuas no sentido de fornecer algumas informações qualitativas e apontar que também as formas de gestão da produção arquitetônica têm sido atravessadas pelas mudanças atuais da organização do trabalho na sociedade capitalista. Por outro lado, permitiram que eu me defrontasse, ainda que de forma superficial com o fazer arquitetônico em sua dimensão qualitativa de trabalho e com os estigmas tanto acadêmicos e profissionais, onde trabalho e emprego se confudem.

Assim, das informações contidas nestas pesquisas, brotaram interpelações sobre o fazer arquitetônico e suscitaram questionamentos sobre as abordagens sociológicas, cujos referenciais teóricos condicionados pela noção de trabalho assalariado ficam restritas à análise de suas expressões degradadas na sociedade contemporânea.

Os fenômenos contemporâneos que envolvem esta questão sinalizam a importância de se repensar o significado do trabalho na sociedade capitalista e de se voltar para as suas diversas expressões na sociedade. Assim, a partir do reconhecimento desta distinção, abre-se um campo amplo de investigação sociológica, sobre a multiplicidade das formas de trabalho, inclusive nas atividades artísticas, de lazer e muitas outras.

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É neste quadro de reflexões que nascem e se situam os interesses desta pesquisa de doutorado sobre o fazer arquitetônico.

1.2 CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE A NOÇÃO MODERNA DE TRABALHO

A chamada crise do trabalho na sociedade contemporânea surge como uma questão associada às transformações do trabalho assalariado, tal como se configurou historicamente à partir da consolidação do desenvolvimento industrial capitalista desde o século XIX. As alterações na organização dos processos produtivos desde o final da década de 1970 colocam em cheque as pretensas estabilidades introduzidas pelos dos sistemas fordistas de gestão, sobretudo nos países centrais e se repercutem em modificações nas formas de emprego, introduzindo de forma mais generalizada, vínculos trabalhistas mais instáveis e flexíveis, de emprego autônomo, terceirizado, etc. Trata-se de crise de emprego, em sua forma paradigmática e não de uma crise do trabalho.

As transformações do emprego assalariado se apresentam como uma das pontas de um processo mais amplo de mudanças históricas onde se agregam outros desafios postos pelo conjunto das transformações do mundo contemporâneo.

Os paradoxos do mundo contemporâneo sobre o trabalho, têm mobilizado numerosas investigações sociológicas que ao penetrar nos significados das transformações recentes do emprego assalariado decorrentes da adoção de novos sistemas de gestão dos processos produtivos, constatam condições heterogêneas e precárias de inserção dos indivíduos, sobretudo nos processos fabris.

As investigações de HIRATA (1997, p. 24) revelam os rumos assumidos pela acumulação capitalista que trazem como respostas às crises delineadas nos anos de 1970, um novo conceito de produção denominada de especialização produtiva preconizando uma nova divisão do trabalho e uma incorporação inovadora dos indivíduos nas organizações frente a desarticulação do modelo fordista, consolidado no pós-guerra. Os resultados de suas pesquisas comparativas internacionais destacam que a difusão de um modelo de especialização flexível, baseada em mão-de-obra altamente qualificada e polivalente, orientado por um princípio de cooperação entre práticas de trabalho, não ocorre de forma homogênea: “Sua penetração varia significativamente de um setor para outro, em função do

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modo de inserção na economia mundial, e se a mão-de-obra é masculina ou feminina” (Idem: 26)

Outros estudos como os de BEYNON (1995) sobre as transformações produtivas na Inglaterra também problematizam de modo enfático, os resultados das novas transformações, identificando que a acentuada incorporação tecnológica e de novos modelos de gestão nos processos produtivos, tem produzido pouco impacto para a criação de um operário individualizado e polivalente, tal como preconizam os novos modelos de gestão.

Destaca que após o final dos anos 70, as reduções drásticas de empregos industriais nos países centrais se traduzem na Inglaterra pelo fechamento de uma quantidade enorme de empresas consideradas estratégicas no setor siderúrgico, de estaleiros e de extração mineral no período de 1979 e 1992, implicando num patamar de eliminação de cerca de 3 milhões de empregos. Ao mesmo tempo ocorre uma realocação espacial das unidades produtivas, ficando nos países centrais as indústrias de ponta, com alto valor agregado, ao lado dos processos de privatizações e redução dos empregos no setor público que, só naquele país e no mesmo período, eliminou mais de mais de 1 milhão de empregos. Apesar do declínio industrial nesta época, os trabalhadores industriais representavam ainda um contingente considerável de cerca de 5 milhões de pessoas e embora a incorporação técnica tenha sido acelerada na indústria de transformação, os seus impactos sobre as práticas de trabalho foram superficiais no sentido de criar um operário individual e polivalente, tendo como referências princípios de cooperação. Embora tenham existido casos de inovação das práticas de trabalho baseadas na especialização flexível, seus resultados são raros e pouco frequentes. (Ibidem, p. 12).

Os resultados destas redefinições de gerenciamento produtivo incidem, sobretudo, em novas formas de inserção de trabalho caracterizadas pelo emprego em tempo parcial, por conta-própria e subemprego e na intensificação do trabalho, aumento de stress gerado pela constante instabilidade de sua garantia, diante de um mercado de trabalho alargado pelo desemprego.

Ainda, segundo este mesmo autor, as transformações do trabalho ocorridas predominantemente nos anos de 1980 na indústria, se propagam na década seguinte para os outros setores da economia. Porém, seus estudos no setor de serviços, revelam também que a maior parte dos empregos continua sendo manual, não-qualificado e com características fordistas - rigidez tecnológica, homogeneização do trabalho em massa e ênfase no consumidor ao mesmo tempo em que aumenta consideravelmente a incorporação

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feminina através de contratos trabalhistas não padronizados, menor remunerados, por tempo parcial e temporários.

Assim, no plano das condições vigentes nos países centrais, as investigações científicas sobre as novas gestões produtivas e práticas de trabalho a elas associadas, apontam que a assimilação da especialização flexível se traduz em formas heterogêneas e diversificadas de manifestação.

Análises empíricas comparativas envolvendo as condições brasileiras, no âmbito do trabalho fabril, confirmam as manifestações heterogêneas das novas práticas de trabalho, destacando os fatores locais relativos aos aspectos da legislação trabalhista e outros de caráter cultural como o emprego crescente de mão-de-obra feminina em tempo integral e resistências à aceitação das novas gestões flexíveis.

Ao mesmo tempo, evidencia-se, tal como em outros contextos, a presença dos processos de reengenharia implicando na redução do número de funcionários, o aumento crescente do desemprego e das modalidades de trabalho terceirizados e autônomos.

A relevância do consumidor e da imagem do produto num mercado cada vez mais competitivo induz, na verdade, ao enxugamento das empresas, com a redução do número de funcionários eliminando as perspectivas vigentes no modelo anterior, de ascensão num plano de carreira e possibilidade de visualização de um futuro previsível. Além destes aspectos, os processos de enxugamento das empresas constituem pressões para o conformismo no emprego, aumento do sentimento de impotência e insegurança.

Ao discutir a concepção de especialização flexível no bojo das transformações recentes das sociedades modernas, SENNETT (1999a) amplia a análise de suas amplas repercussões tanto sobre as práticas de trabalho, quanto sobre as instituições sociais e, sobretudo a análise dos seus reflexos nas dimensões subjetivas dos indivíduos problematizando os seus valores pessoais sobre a qualidade do trabalho em termos de formação, habilidades e engajamento.

No âmbito das ocupações profissionais e das práticas de trabalho, as análises de Sennett destacam repercussões configuradas em três grandes desafios aos quais os indivíduos são lançados: 1.O desafio relacionado ao tempo: ao se defrontar com a instabilidade de emprego o indivíduo se encontra na contingência de migrar de tarefas e locais devendo o tempo todo improvisar a narrativa de sua vida, com sentimentos oscilantes à respeito de si próprio; 2.O desafio relacionado ao talento: as alterações das exigências da

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realidade impõem o desenvolvimento de novas capacitações e descobertas de capacidades potenciais; 3.O desafio relacionado ao desapego: na medida em que os empregos não são mais garantidos no interior das organizações, o traço de personalidade exigido é a capacidade dos indivíduos abandonarem suas experiências passadas e estarem abertos às novidades SENNNETT, 1999b)

A riqueza das análises de Sennett reside justamente em sua perspectiva de investigar o alcance das mutações do trabalho em relação às suas significações subjetivas e aos universos sociais e familiares, ultrapassando nestes aspectos, o núcleo das análises sociológicas que ao se debruçarem sobre a “crise do emprego” na sociedade contemporânea, circunscreve suas análises dentro dos universos de trabalho reforçando as dicotomias assumidas historicamente que separam o trabalho do viver, do consumo, do lazer, vistos como não-trabalho e, de outras dimensões da vida social. Estas abordagens ficam prisioneiras das imagens sociais gestadas na modernidade ocidental em torno da prevalência do trabalho assalariado fabril, confundindo-se assim, trabalho com emprego.

Precisamente, as mutações do mundo contemporâneo apontam para a centralidade que o trabalho assalariado adquiriu na gestação da modernidade capitalista europeia. As imagens do trabalho no mundo ocidental que influenciam muitas abordagens sociológicas, ao circunscreverem esta noção ao seu ícone – o trabalho assalariado fabril - obscureceram a presença da diversidade de formas de trabalho na sociedade contemporânea e mesmo as suas combinações específicas dependendo dos diversos contextos sociais. O próprio desenvolvimento capitalista sempre ocorreu de forma desigual e combinada, subordinando formas de trabalho não-capitalistas ao processo de produção de riqueza. Como alerta Montes (apud BLASS, 2007, p. 16-17) tais abordagens não questionam o trabalho enquanto

[...] uma forma que assume o trabalho na modernidade capitalista européia, e que uma generalização talvez indevida coloca como parâmetro para a análise de todas as formas de trabalho nas sociedades contemporâneas, independentemente da gênese local da formação capitalista ou da força de trabalho que sustenta o seu desenvolvimento, desigual e combinado, quando situado na periferia do sistema. [...] Dessa perspectiva, no desenvolvimento desigual e combinado que a produção capitalista nos impôs desde o seu princípio, a forma canônica do trabalho assalariado do sistema capitalista, que se confunde com o trabalho fabril e a subordinação real do trabalho ao capital, terá sido, no Brasil, mais uma exceção do que uma regra, sob a qual subsistiu de modo fragmentário uma outra concepção e forma de experiência mais ampla de trabalho, que não o dissocia do seu significado na vivência do trabalhador, nem das redes de sociabilidade dentro das quais é realizado.

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Esta interpelação sinaliza a importância de se repensar o significado do trabalho na sociedade capitalista e de se voltar para as suas diversas expressões. Impõe-se assim, um apelo analítico de resgate da noção de trabalho para que se abra um campo amplo de investigação sobre a multiplicidade das formas de trabalho, inclusive nas atividades artísticas, de lazer e muitas outras, evidenciando a complexidade e heterogeneidade social.

Contudo, mesmo diante das evidências empíricas sobre as transformações do trabalho na sociedade contemporânea existe ainda do ponto de vista analítico, poucas aberturas para o questionamento da noção de trabalho e, no geral, os estudos temáticos permanecem focados, tal como mencionado, nas oscilações do emprego e nas condições de trabalho. Se, por um lado, como afirma BLASS, (2007, p.120).

A temática do trabalho tem indagado cientistas sociais, economistas, pedagogos, empresários, sindicalistas e todos os envolvidos com debate sobre o futuro do trabalho, porém poucos buscam desvendar os paradoxos da aplicação extensiva das modernas tecnologias e a persistência de fazeres e saberes tradicionais nas formas contemporâneas de gestão do trabalho e da produção, bem como a dimensão subjetiva subjacente às práticas de trabalho e emprego.

Por isto mesmo, o reconhecimento de que estas oscilações são manifestações das crises e transformações globalizadas do mundo contemporâneo, reforça a necessidade de uma releitura desta noção enquanto categoria histórica de análise que possa ultrapassar dicotomias constituídas – emprego e trabalho assalariado; trabalho e lazer; ócio e trabalho, entre outras.

Blass (2006, p. 23) enfatiza as análises de Diez, para quem o discurso moderno do trabalho desponta na Europa Ocidental no final do século XVII e se consolida com as relações capitalistas no decorrer do século XIX, num movimento de dessacralização do trabalho e de sua identificação com o trabalho produtivo:

A generalização das várias formas de assalariamento consistiria um dos critérios para classificar e ordenar as diferentes formas de vida societária que passam a ser divididas em modernas, desenvolvidas e em desenvolvimento, contrapostas às sociedades pré-modernas, pré- capitalistas, subdesenvolvidas tradicionais ou primitivas. Mais ainda, a fábrica moderna, na sua universalidade abstrata e o emprego fabril é considerada o paradigma da análise sociológica do trabalho, estabelecendo os fundamentos da chamada “sociedade do trabalho”, única referência para a análise das diferentes formas de organização de trabalho, dos

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rendimentos necessários para manter em funcionamento a acumulação do capital por intermédio do ciclo – produção, distribuição e consumo – e das várias formas de vida societária.

A noção moderna de trabalho, de acordo com esta análise, não contempla outras atividades que fogem aos requisitos de criação de valor nos processos de acumulação de capital, consideradas como não-trabalho, e, assim o emprego fabril se confunde no imaginário social, com trabalho, ainda que esta seja apenas a forma histórica das sociedades modernas. (Ibidem, p.24)

Segundo a autora, estes parâmetros estabelecem dicotomias entre locais de trabalho, atividades domiciliares e moradia; atividades de lazer como não-trabalho, enquadradas no tempo livre como não-trabalho. E ainda, que o ato de trabalhar é assim associado ao esforço e ao labor, à obrigações e punições. Ao se desvincular do sagrado, perde o seu caráter criativo e sua magia, deslocando-se do conjunto das relações sociais.

O desnudamento da noção de trabalho em sua versão histórica, requer, por isto mesmo, outro olhar para o interior dos processos produtivos que explicite os agentes e as práticas de trabalho (quem faz e como faz) e que possa contemplar um universo mais amplo das realizações dos indivíduos nas diferentes atividades da sociedade. Utilizado desta forma, como categoria teórica, o trabalho pode assumir estatuto explicativo dos diversos saberes e fazeres extensivas às atividades consideradas como não-trabalho, as atividades artísticas e outras como o fazer arquitetônico que, por sua natureza criativa, possui enquadramento conflitante na noção moderna de trabalho.

Como bem situa Leila Blass (2006, p.25), “no ato de trabalho, pensado como ato criativo, fica difícil dissociar as práticas de trabalho e de emprego ou trabalho assalariado; sujeito e objeto de produção; trabalho e conhecimento”.

E, ainda, no dizer da mesma autora,

A desmontagem da noção de trabalho, criada e imaginada na modernidade, indaga sobre um dos seus ícones: o emprego ou trabalho assalariado. Urge, portanto, o alargamento da idéia de trabalho, para que um conjunto de práticas sociais de trabalho, porém não necessariamente assalariadas, ganhe estatuto teórico. (Ibidem, p. 29).

Assim, ultrapassar os referenciais teóricos dominantes em relação ao trabalho na sociedade contemporânea e ao trabalho arquitetônico em suas singularidades representa

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a construção de possibilidades de aberturas nas constatações imobilizadoras das imposições sociais que se traduzem em condições cada vez mais perversas e um caminho para a re-significação do trabalho como um fazer ativo e transformador.

Nesta perspectiva já se difundem alguns estudos acadêmicos sobre diversas manifestações de fazeres na sociedade contemporânea que problematizam a generalização do conceito de trabalho tal como foi concebido pela sociedade moderna e com isto, colocam em xeque as dicotomias a ele associadas que separam trabalho e lazer, trabalho e ócio, local de moradia e local de trabalho, entre outras tantas (BLASS, op. cit.; BRANDÃO, 2004).

Desta forma, analisar o trabalho no fazer arquitetônico se confronta simultaneamente com as resistências presentes no imaginário social e com a ausência de contribuições analíticas acumuladas na sociologia, dentro da perspectiva de análise aqui proposta.

No caso da arquitetura as abordagens sociológicas tendem a analisar o trabalho como profissão, como uma categoria desdobrada da engenharia, associada às camadas médias da população, quer apoiadas em aportes conceituais americanos que buscam dar conta dos impasses do profissional liberal e do assalariamento nas mudanças das condições das práticas profissionais quer em algumas vertentes francesas que destacam as contradições entre as formas com que a profissão é regulada sob o prisma de uma visão carismática do arquiteto e sua expressão concreta no mercado de trabalho.

No entanto, observa-se que atualmente as reflexões sobre os processos de projeto arquitetônico tem assumido centralidade crescente na pauta da investigação acadêmica na área da Arquitetura, incluindo um leque temático amplo em torno de muitos aspectos específicos, envolvendo desde questionamentos de cunho pedagógico relacionados à formação profissional do arquiteto à outras indagações particulares que remetem à transformações nas formas de realização do projeto e sua importância enquanto elemento de produção de conhecimento arquitetônico. Este voltar-se para dentro das especificidades do próprio trabalho espelha os desafios postos pelo cenário contemporâneo, marcado por transformações tecnológicas e culturais aceleradas e imprevisíveis. Estas questões temáticas, nas pesquisas desta área acadêmica vêm ocupar, assim, um campo de possibilidades analíticas com outros focos e outros recursos teóricos distantes dos grandes paradigmas de interpretação que em décadas passadas sustentavam o ideário moderno e as polêmicas sobre o papel da arquitetura enquanto agente de transformação histórica.

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1.3 OBJETIVOS E PERSPECTIVAS METODOLÓGICAS

O trabalho tem por objetivo apresentar reflexões sobre o fazer arquitetônico em suas dimensões qualitativas e singulares que se expressam nas próprias práticas de trabalho, sob o olhar analítico da sociologia que busca identificar as relações entre os processos sociais e individuais ou, entre as estruturas sociais e as ações dos indivíduos compreendendo que não são relações mecânicas e que existem nas experiências sociais e nas riquezas da vida cotidiana possibilidades abertas à transformações e mudanças.

As indagações de pesquisa propostas ao tema, ou seja, quem faz o trabalho e como o trabalho é feito se inserem à abordagens metodológicas que problematizam os paradigmas científicos e as matrizes discursivas da modernidade ocidental, inclusas as relativas às interpretações do trabalho e do fazer arquitetônico.

Evidencia-se, sobretudo, que os paradigmas científicos da modernidade e as teorias sociais a eles associados, excluíram em suas formulações outros saberes e outras possibilidades de realização da objetividade científica, revelando-se como uma construção social de um momento histórico determinado.

O contexto contemporâneo de transição de significativas e amplas transformações suscita a relativização das pretensões da racionalidade instrumental do conhecimento, a necessidade de redifinição crítica de conceitos interpretativos da realidade e dos critérios tradicionais de objetividade.

Além disso, como afirmam Almeida e Pinto (2007, p.61):

Se o conhecimento se opera em constante superação de outros conhecimentos, então os exorcismos da ruptura devem deixar de ser exercícios de uma lógica abstracta, para se efetivarem na crítica de todos os níveis e de todos os momentos da pesquisa que tome os processos sociais como horizonte analítico.

Nesta perspectiva o enfoque metodológico adotado nesta pesquisa não se restringe a uma teoria fechada, utilizando-se de conceitos e contribuições analíticas de diversos autores na medida em que contribuíam para interpretar os fenômenos particulares estudados. Assimilando as contribuições desenvolvidas por PAIS (1999; 2003) a metodologia se define por um caráter qualitativo e por um enfoque que prioriza, no trabalho

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de investigação, pressupostos teórico-analíticos de cientificidade orientados pela lógica da descoberta e não da comprovação de hipóteses pré-definidas. Vale dizer que alguns posicionamentos iniciais sobre o tema assumiram o estatuto de pistas iniciais de pesquisa e serviram para orientar os procedimentos de levantamentos de dados.

Este enfoque metodológico estabelece estratégias da pesquisa qualitativa, onde se associam dados resultantes da aproximação com o fenômeno estudado, com outros dados secundários através de bibliografia específica visando captar sua totalidade, em seus múltiplos aspectos e em as suas dimensões - objetivas e subjetivas.

Assim, foi realizada uma ampla pesquisa bibliográfica em livros publicados, trabalhos acadêmicos e revistas especializadas na área de Arquitetura, visando coletar informações históricas sobre as características das transformações da atividade arquitetônica e algumas interpretações conceituais sobre aspectos específicos das práticas de trabalho e ainda alguns discursos de arquitetos que se voltavam reflexivamente para o do seu fazer criativo.

A aproximação empírica com as práticas de trabalho e com as percepções subjetivas e memórias em torno do fazer arquitetônico ocorreram através de vários encontros informais e nove entrevistas abertas, focadas no tema de pesquisa com o arquiteto e professor Luciano Margotto Soares. Por sua postura pessoal e profissional de abertura critica, se disponibilizou aos apelos e interesse de sua amiga socióloga e colega de trabalho para entender como o seu trabalho arquitetônico é feito.

Na sistematização da pesquisa, buscou-se refletir tanto sobre os discursos de vários arquitetos quanto os de Luciano Margotto, privilegiando mostrar as práticas de trabalho através de três projetos no qual o arquiteto participou como co-autor.

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CAPÍTULO 2

O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra

“E assim é para a arquitetura: uma paixão e um prazer. Em uma obra de arquitetura não há mais conclusão do que o próprio resultado final, que o próprio objeto .” (MARGOTTO, Luciano Soares, Poética arquitetônica em seis lições, 2011, p. 06).

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Este capítulo objetiva apresentar algumas ferramentas analíticas que permitem interpretar as características singulares do trabalho arquitetônico. Existe aí uma intenção de análise sob a perspectiva sociológica de realizar a separação necessária entre trabalho e suas imagens sociais. Se, no imaginário social moderno, o trabalho é associado ao esforço repetitivo e rotineiro alheio à vontade do indivíduo, no geral, confundido com emprego e, ao mesmo tempo, tido como uma contingência inevitável de sua subsistência, as atividades criativas, como é o caso do trabalho do arquiteto, são mistificadas no seu oposto. Longe de esforço e disciplina, estas atividades são vistas como decorrentes de atributos pessoais enigmáticos de criatividade e intuição e, portanto, como não trabalho. As mistificações de genialidade em torno da figura do arquiteto são construídas não apenas no imaginário social. Atravessam também o debate dos intelectuais da arquitetura os próprios arquitetos contribuem para o reforço desse imaginário, que se faz presente na crítica e na historiografia da arquitetura moderna brasileira, conforme Aranha (2010), gerando dualidades e polêmicas. Reposicionando o que considera um falso debate – arquitetura nacional versus arquitetura internacional – a autora afirma que o cerne da questão é muito mais entre duas posturas a respeito do fazer arquitetônico: a ideia de gênio versus ofício. Lembrando as colocações de Lucio Costa a respeito de Oscar Niemayer: “Foi nosso gênio nacional que se expressou por meio da personalidade eleita deste artista” a autora afirma que “essa análise de Costa não é gratuita; ao contrário, é respaldada pela própria atitude de Oscar perante a produção da arquitetura: os grandes gestos, o projeto definitivo nos croquis iniciais, a inspiração”. (Ibidem, p. 49-50) A posição oposta que assume a ideia da arquitetura como ofício, ou seja, o trabalho interdisciplinar, o projeto como sendo resultado de um processo de trabalho que envolve e gera conhecimento e na qual se espelham outros arquitetos como Rino Levi, Oswaldo Bratke e os irmãos Roberto, por exemplo. Para ela, e tal como se pretende enfatizar neste capítulo, a localização desta distinção ajuda a situar o fato de que

O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra

REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 32 os arquitetos, de um e de outro lado, possuem ideários e posições diferentes a respeito do que é o seu trabalho.

2.1 O TRABALHO DO ARQUITETO COMO OBRA

Os arquitetos, quando se referem ao seu trabalho, tecem ideias e reflexões pessoais sobre o que fazem, o objeto do seu trabalho – o artefato, a obra de arquitetura – ou a arquitetura enquanto um campo de atuação que transita entre ciência, arte e técnica, exprimindo ideias que qualificam e orientam o seu fazer. Revelam, assim, consciência da materialidade específica e o universo complexo de conhecimentos necessários que a ela se interpõem. Ainda que os argumentos desenvolvidos priorizem um ou mais aspectos destes elementos apontados, existe uma ideia consensual que perpassa por todos eles: o trabalho se define como criação de algo ; um objeto tangível e específico, imaginado.

Lúcio Costa alerta que os arquitetos, ao realizarem o seu trabalho, devem manter, como lembrete permanente, que:

arquitetura é coisa para ser exposta à intempérie e a um determinado ambiente; arquitetura é coisa para ser encarada na medida das ideias e do corpo do homem; arquitetura é coisa para ser concebida como um todo orgânico e funcional; arquitetura é coisa para ser pensada estruturalmente; arquitetura é coisa para ser sentida em termos de espaço e volume; arquitetura é coisa para ser vivida. (COSTA, 2001, p. 56, grifos do autor)

Para Artigas (2004, p. 118), o arquiteto realiza a arte de construir, uma “síntese que só ela é criação”. A obra é arte, porque é fruto de expressividade humana e possui durabilidade e permanência no mundo: “a obra do homem com sua longa vida histórica é uma obra de arte”. E ainda:

Construir foi, para o homem, primeiramente construir sua habitação. Alojar- se no espaço, dominá-lo como parte da natureza. Num belo ensaio sob o título ‘Construir, habitar, pensar’ Heidegger junta elementos para a prova desta afirmação. Na língua alemã, o verbo construir, nas suas formas linguísticas mais antigas, exprimia também ‘habitar’ e ‘ser’. [...] No ensaio de Heidegger, destaca-se a casa como criação [...]. A construção só existe como tal enquanto a humanidade não pode desenvolver plenamente sua criatividade. (ARTIGAS, 2004, p. 121)

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Paulo Mendes da Rocha (2007) também qualifica o trabalho através da obra, pontuando, tal como Lúcio Costa, os atributos de saberes envolvidos na criação:

A questão fundamental que navega entre nós arquitetos é imaginar as coisas que ainda não existem; como esta casa, por exemplo, aqui em Curitiba, que antes saiu inteira na mente de um de nós, o arquiteto Vilanovas Artigas. [...] São aspectos filosóficos, sem dúvida, e antropológicos e geográficos também. [...] Porque tudo isto não é uma questão de quantidade de sabedoria. Se por um lado o arquiteto tem que saber mecânica dos fluidos, dos solos, as técnicas construtivas, a resistência dos materiais, por outro, a única maneira de saber tudo é de forma peculiar, ou seja, a arquitetura é uma forma singular de conhecimento, é algo complexo de definir! Porque você convoca história, ternura, memória, realização e decide: vou fazer então! (ROCHA, 2007, p. 21-22)

As expressões destes arquitetos, que podem ser vistas como exemplos ilustrativos de inúmeras opiniões semelhantes, revelam os elementos inerentes à noção de trabalho, assumida nesta tese como categoria conceitual e interpretativa.

Tal como se refere OSTROWER (1987, p. 31):

A criação se desdobra no trabalho porquanto este traz em si a necessidade que gera as possíveis soluções criativas. Nem na arte existiria criatividade se não pudéssemos encarar o fazer artístico como trabalho, como um fazer intencional produtivo e necessário que amplia em nós a capacidade de viver.

Para ela, ainda que os processos criativos estejam presentes em todos os comportamentos produtivos e atuantes do homem, contendo os mesmos princípios ordenadores entre o fazer e o pensar, as diversas atividades de trabalho apresentam particularidades distintas:

Diferencia-se pelas propostas materiais a serem elaboradas em cada campo de trabalho, de acordo com o caráter da matéria. Diferencia-se, pois, segundo a materialidade em questão. [...] Haveria uma imaginação artística, uma imaginação cientifica, tecnológica, artesanal, e assim por diante. Referida à atividade, a imaginação ocorreria em formas específicas porque adequadas ao caráter da matéria, nas ordenações em que a compreende a mente humana. A imaginação criativa levantaria hipóteses sobre certas configurações viáveis a determinada materialidade. Assim, o imaginar seria um pensamento específico sobre um fazer concreto.. (OSTROWER (1987, p. 31-32)

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O trabalho é esforço intencional de criação e, por isto mesmo, contém uma imaginação criativa de natureza específica que se expressa num fazer específico.

Como sugerem os arquitetos citados, na Arquitetura, o trabalho se condensa no objeto criado – a obra arquitetônica. O artefato material contém em si um modo de fazer – um processo de criação específico que põe em movimento conhecimentos e habilidades, que permanece como um pressuposto, mas que não se revela imediatamente.

Esta perspectiva analítica, colocada objetivamente pelas características próprias do fazer arquitetônico como algo materializado no projeto arquitetônico – na obra criada e que só poder ser desvendado a partir dele -, torna pertinente a definição de trabalho desenvolvida por Hannah Arendt (2000), como sendo a atividade do homo faber, que na sua construção intelectual se distingue de outras, típicas do homo laborans. Com esta distinção, a autora estabelece um ponto de partida analítico que pode ser utilizado na qualificação das especificidades do fazer arquitetônico e abre, ao mesmo tempo, um leque de possibilidades de diálogo e convergência com outros autores.

Através de um quadro teórico articulado em torno da análise de três atividades fundamentais do que denomina como vida ativa – labor, trabalho e ação - o seu interesse é examinar o que é geral e o que é historicamente construído como condição humana na modernidade.

Segundo ela, ao transformar o trabalho em fonte de valor, produtividade e riqueza, a sociedade capitalista ocidental opera uma junção aparente, como se fosse uma mesma coisa, de duas atividades de conteúdo distinto – o trabalho e o labor. A separação destas categorias, no bojo de suas argumentações, se torna uma operação conceitual necessária, não apenas para resgatar os seus significados próprios, mas, sobretudo, para desvendar a feição e o sentido com que o trabalho se reveste na modernidade, especificamente distinto de outros períodos históricos.

Em sua construção analítica, a base da distinção conceitual entre trabalho e labor é dada através das características do que é produzido por cada uma destas atividades.

O trabalho, como atividade criadora realizada pelas mãos do homem, caracteriza-se pela produção de bens, de objetos de uso que possuem durabilidade e se colocam no mundo como expressão da criação humana. Ao responder às necessidades

O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra

REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 35 impostas pelas condições histórias, o homem imprime sua marca e sua interpretação do mundo. Assim,

O trabalho de nossas mãos, em contraposição ao labor do nosso corpo – o homo faber que ‘faz’ e literalmente trabalha sobre os materiais, em oposição ao animal laborans que labora e ‘se mistura com’ eles - fabrica uma variedade de coisas, cuja soma total constitui o artifício humano. Em sua maioria, mas não exclusivamente, estas coisas são objetos destinados ao uso e dotadas de durabilidade [...] Devidamente usadas, elas não desaparecem, e emprestam ao artifício humano a estabilidade e a solidez sem as quais não se poderia esperar que ele servisse de abrigo à criatura mortal e instável que é o homem” (ARENDT, Hannah 2000, p. 149, grifos da autora).

O labor, ao contrário do trabalho, é caracterizado por atividades que buscam suprir as necessidades de consumo inerentes aos processos biológicos, individuais e coletivos da vida humana. Pelas semelhanças que compartilham com os animais, em torno da manutenção e reprodução da vida, as atividades do homem que labora – o homo laborans – produzem objetos que não permanecem do mundo. Os produtos do labor estão voltados para um consumo incessante e garantem os recursos de sobrevivência, produzidos e imediatamente consumidos.

Por outro lado, os produtos do trabalho, enquanto artefatos que se destinam ao uso permanecem, e, ainda que se desgastem à medida em que são usados, sua presença torna o mundo reconhecível. 1

Vistos como parte do mundo, os produtos do trabalho – e não os produtos do labor – garantem a permanência e a durabilidade sem as quais o mundo simplesmente não seria possível. [...] A realidade e a confiabilidade do mundo humano repousam basicamente no fato de que estamos rodeados de coisas mais permanentes que a atividade pela qual foram produzidas, e potencialmente ainda mais permanentes que a vida de seus autores [...] e o grau de mundanidade das coisas produzidas, cuja soma total é o artifício humano, depende de sua maior ou menor permanência neste mundo. (ARENDT, Hannah 2000, p. 105 e 107).

É este caráter das coisas produzidas – os objetos de uso e não de consumo – que respondem às necessidades criativas do homem e define sua atividade como trabalho. É o fabricante de uma variedade de coisas e, como tal, interfere sobre a natureza criando

1 Vide considerações de Lafer, Celso. A política e a condição humana, Posfácio. In: Arendt (op.cit)

O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra

REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 36 solidez e confiança, ao contrário dos frutos do labor, típicos do animal laborans , que desaparecem ao serem consumidos 2.

Neste sentido, o trabalho do homo faber resulta e requer dele uma capacidade de transcender e alienar-se da própria vida, supõe a crença da realidade do mundo, a consciência da permanência das coisas criadas. Como se refere a autora, é no contato com os objetos que não variam (como a mesma cadeira e a mesma mesa) que o homem pode reaver a sua invariabilidade – “[...] contra a subjetividade dos homens, ergue-se a objetividade do mundo” (Ibidem, p.150). Mesmo as ferramentas e instrumentos de trabalho, ainda que sirvam para amenizar o esforço e o labor, pertencem como criação ao trabalho, sendo partes integrantes do universo dos objetos de uso. É justamente nesta dimensão de materialidade durável – de coisificação ou reificação - que os resultados do trabalho assumem uma atribuição de sentido, inserindo-se no mundo criado pelo homem e, por isto mesmo, a força empregada nas atividades de trabalho, ao contrário das atividades de labor, se transmuta em gratificação, pois, como afirma Arendt,

[...] quase todas as descrições sobre a alegria de trabalhar [...] tem a ver com a exultação sentida no exercício violento de uma força com a qual o homem se mede contra as forças devastadoras da natureza [...]. A solidez resulta desta força e não do prazer ou da exaustão que o homem sente quando provê o próprio sustento “com o suor do seu rosto” [...]. (Ibidem p. 153 – grifos da autora).

Com este recurso analítico, a autora busca salientar que a sociedade moderna submete o fazer humano a uma dimensão restrita às imposições de manutenção da vida humana individual, retirando o caráter expressivo do homem que, ao lutar contra as imposições postas pela natureza, cria objetos que, por sua durabilidade, revelam sua presença e sua marca. Neste sentido, o olhar para o objeto produzido seria revelador da forma como as condições históricas modernas transformaram o fazer criativo em esforço repetitivo e alienado.

Em outros contextos históricos, como na antiguidade clássica, assumida por ela como um parâmetro referencial, este recurso analítico de separação não se aplica. Aí,

2 O termo homo faber se refere ao artífice. Analisando as conotações gregas e latinas dos termos artesão, artista, arteiro, artíficie, Rugiu (199, p. 32-33), aponta a presença da mesma raiz “ar” relativa a artus: articulação e “armus”: movimento que no latim medieval equivale a mecanismo. O significado grego “techne” é atribuído à técnica e, num sentido mais preciso, se refere à capacidade teórico-prática de organizar e realizar uma atividade, com base em conhecimentos e práticas, expressando ainda a habilidade do uso de mecanismos adequados. Na raiz original, liber equivalia à liberdade ou ao livro (instrumento para o uso da liberdade). Mesmo considerando as incongruências de uma delimitação separada para as artes mecânicas, no geral, as artes liberais eram as atividades dignas dos homens livres, aqueles seres que se encontravam liberados da necessidade de trabalhar para viver. Segundo ele, o termo artesão é mais recente, pois, até o século XV, a expressão artista era a mais usada e a palavra mestre (na origem latina – mysterium e na grega mistérion) designava aquele que lançava mão de procedimentos secretos relacionados ao cotidiano e ao uso minucioso de determinadas técnicas para formar aprendizes, num determinado ofício. Assim, arte, no emprego mais vulgar, estava relacionada à produção manual ou à produção de algo “artificial”, como algo produzido pelo artífice.

O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra

REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 37 trabalho e labor já se configuram como atividades distintas, tendo-se em conta os critérios políticos determinantes da sociedade, a partir dos quais todas as atividades humanas são classificadas por sua relevância pública, tornando-as explícitas e impondo a elas um lugar social e um espaço físico de realização: as atividades de domínio público e as de domínio privado. O labor, como esforço físico de sobrevivência, era menosprezado frente às atividades de interesse coletivo, público, justamente porque aprisionava o homem na dimensão de sua própria sobrevivência; o que o privava de estar liberado para exercer suas capacidades mais elevadas e de expor sua expressão de criatividade na esfera pública. Por isto mesmo, neste contexto, o labor está associado ao trabalho escravo, à falta de autonomia e à servilidade.

O confinamento das atividades de labor nos espaços privados e, mesmo a desconfiança em relação às outras ocupações braçais, está relacionada a uma contingência que retira do homem a sua natureza especificamente humana de estar no mundo entre outros homens e se ocupar com os interesses comuns. Conforme se refere Arendt, “ao contrário do que ocorreu nos tempos modernos, a instituição da escravidão não foi uma forma de se obter mão-de-obra barata nem instrumentos de exploração para fins de lucro, mas sim uma tentativa de excluir o labor das condições da vida humana”. (ARENDT, Hannah 2000, p. 95).

Qualquer outra distinção fica relativizada, inclusive a separação entre trabalho intelectual e manual 3, uma vez que o critério antigo de distinção entre artes liberais e artes servis não se relaciona ao fato do trabalho se realizar com as mãos e outros com a cabeça, mas por sua relevância pública, incluindo-se nela a arquitetura, medicina e agricultura.

Em contrapartida, a era moderna, ao glorificar o labor como fonte de todos os valores, retira a importância da presença criativa humana e, uma vez que o labor se torna uma contingência de sobrevivência, submete à necessidade toda a raça humana. Para Arendt, as “verdades incômodas da era moderna”, tal como denomina, emergem, fundamentalmente, do fato de ela se encontrar organizada sob a produtividade crescente do trabalho 4, num processo avassalador de consumo e produção de massa, envolvendo tanto

3 Ao se referir às teorias econômicas sobre o trabalho, desqualifica as distinções que muitas delas fazem entre trabalho qualificado e não-qualificado e entre trabalho manual e trabalho intelectual. De todas, a única distinção consistente é a que surgiu primeiro - entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo: ”e não por acaso que os dois teoristas do assunto, Adam Smith e Karl Marx, basearam nela toda a estrutura do seu argumento. O próprio motivo da promoção do labor como trabalho na era moderna foi sua “produtividade” [...]”.(Ibidem, 2000, p. 96) 4 Arendt considera que a grande descoberta de Marx, pressentida pelos economistas clássicos, é a de que a atividade do trabalho, entendido como labor, possui uma produtividade própria e reside na força ou capacidade humana de trabalho que não se esgota e que é capaz de produzir mais do que é necessário à sua reprodução (Ibidem: 99)

O trabalho do arquiteto: o criador e sua obra

REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 38 os produtos de consumo quanto os objetos de uso. Assim, dilui e obscurece a distinção inerente entre atividades distintas - labor e de trabalho.

Em suas palavras, o processo histórico que consolida a sociedade industrial substitui o artesanato pelo labor, produzindo cada vez mais objetos voltados para o consumo em detrimento daqueles destinados ao uso. A organização da divisão do trabalho neste período histórico altera sua natureza, transformando os processos de fabricação em atividades de labor. Por isto mesmo, os ideais do homo faber , que são a permanência, a estabilidade e a durabilidade, teriam sido sacrificados em benefício do animal laborans , nivelando todas as atividades humanas e, assim, “o que quer que façamos, devemos fazê-lo a fim de ganhar o próprio sustento; é este o veredicto da sociedade, e o número de pessoas que poderiam desafiá- lo, especialmente nas profissões liberais, vem diminuindo consideravelmente” (Idem:139). Tal como salienta, a sociedade de consumo, movida por um círculo de desperdício, uma vez que todas as coisas devem ser devoradas e descartadas rapidamente, se torna deslumbrada pela abundância de sua crescente fertilidade e não se dá conta da própria futilidade.

Fica evidente que os objetivos últimos desta construção conceitual são realizar uma análise crítica do pressuposto básico da acumulação capitalista – o trabalho assalariado sob a feição do trabalhador fabril. Ainda que mantenha a denominação de trabalho, esta forma histórica de produção material, que paulatinamente se estende às outras atividades produtivas, deixa de ser trabalho, uma vez que retira o seu pressuposto criativo e transforma todas as atividades em labor. Reconhece que o formato fabril como perfil predominante de trabalho se impõe na sociedade mesmo que algumas atividades escapem deste padrão. Neste caso, faz uma ressalva ao trabalho do artista como o “único ‘trabalhador’ que restou numa sociedade de operários” (ARENDT, Hannah 2000, p. 139). (Idem: 139). Mesmo assim, o que ele realiza, justamente por não se enquadrar nos padrões predominantes, é confinado a um lugar social do não-trabalho – como atividade que supostamente depende de outros atributos.

Assim como em outras atividades, o mesmo pode ser dito em relação ao trabalho arquitetônico. Ainda que sua inserção na sociedade moderna tenha assumido alguns contornos próprios e gerado polêmicas no mundo acadêmico, mantém suas características artesanais inerentes.

Ainda que em Marx (1982), o reconhecimento da expressão histórica do trabalho na modernidade seja referenciado por outras categorias interpretativas, existem entre ele e Arendt ressonâncias e proximidades importantes. Para Marx, independentemente do que se produz, o trabalho é uma energia intencional posta em ação.

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Como capacidade concreta e criativa, o trabalho responde às necessidades humanas em qualquer formação social, criando objetos, através de um confronto intencional com as forças da natureza. Esta capacidade posta em ação expõe a presença de uma energia, que pode ser repetida e utilizada de formas diferentes de acordo com a configuração histórica na qual se insere. São dois aspectos inerentes e indissociáveis do trabalho. Ou seja, o trabalho é criação e gasto de energia que se consubstancia num esforço intencional. Enquanto esforço despendido, é uma energia que pode se renovar inúmeras vezes.

A especificidade histórica do trabalho na sociedade capitalista moderna estaria baseada no fato de que, como todas as coisas produzidas, o trabalho também se transforma em mercadoria, possui valor de troca e, portanto, passível de remuneração. Ao ser usado na sua manifestação de energia, produz riqueza, configurando mais-valia nas mãos dos seus empregadores e sustentando a reprodução do capital. Ainda assim, a capacidade de trabalho, como energia posta em atividade e geradora de riqueza, não pode ser dissociada de um fazer concreto que é a expressão do próprio trabalho, de seu valor de uso 5.

A utilização da força de trabalho é o próprio trabalho. O comprador da força de trabalho consome-a, fazendo o vendedor dela trabalhar. Este, ao trabalhar, torna-se realmente no que antes era apenas potencialmente: força de trabalho em ação, trabalhador. Para o trabalho reaparecer em mercadorias, tem que ser empregado em valores de uso, em coisas que sirvam para satisfazer necessidades de qualquer natureza. [...] Antes de tudo, o trabalho é um processo do qual participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Põe em movimento as forças naturais do seu corpo [...] a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhe forma útil à vida humana. Atuando, assim, sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Não se trata aqui das formas instintivas, animais de trabalho. [...] Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. [...] Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho. E isto é tanto mais necessário quanto menos se sinta o trabalhador atraído pelo conteúdo e pelo método de execução de sua tarefa, que lhe oferece, por isso, menos possibilidade de fruir da aplicação das suas próprias forças física, e espirituais. (MARX, 1982, p. 201-202).

5 Especificamente no Capítulo V – Processo de trabalho e processo de produzir mais valia – ao tratar da especificidade histórica em que o trabalho assume na formação capitalista enquanto mercadoria e valor de troca, Marx alerta para a permanência inerente de sua dimensão enquanto valor de uso, ou seja, a capacidade do homem em realizar trabalhos concretos: “ A produção de valores de uso não muda sua natureza geral por ser levada à cabo em benefício do capitalista ou estar sob o seu controle. Por isso, temos, inicialmente, de considerar o processo de trabalho à parte de qualquer estrutura social determinada”. (MARX, 1982, p. 201-202)

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Por isto mesmo, nesta dimensão: “O que distingue as diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz. Os meios de trabalho servem para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e, além disso, indicam as condições sociais em que se realiza o trabalho”. (Id. Ibidem, p. 204) Nesta perspectiva conceitual, o trabalho não pode ser analisado fora das relações sociais em que ele se realiza, ou seja, deve ser visto enquanto processo de trabalho, onde se combinam indivíduos portadores de conhecimentos e habilidades, práticas de trabalho e seus instrumentos.

Conforme salienta o autor, os elementos componentes do processo de trabalho são: “1) a atividade adequada a um fim, isto é o próprio trabalho; 2) a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho; 3) os meios de trabalho; o instrumental de trabalho” (Idem, p. 201- 202). Esta dimensão do trabalho - embora inserido num quadro conceitual próprio -, se coaduna com as características dos processos de fabricação nos quais se envolve o homo faber , conforme Arendt.

Para ela, o processo de trabalho é a expressão do próprio trabalho e possui uma organização guiada por instrumentalidades de meios e fins. O que se fabrica constitui um fim e organiza o próprio processo de fabricação. No processo de fabricação, a coisa fabricada é um produto final e possui uma dupla significação: contém em si o próprio processo, uma vez que este termina e se dilui naquilo que é fabricado e é um meio para se atingir este fim. Concordando com Marx, os objetivos finais organizam o processo de trabalho, determinando e movimentando toda uma instrumentalidade em relação ao fim almejado. Assim, o processo de fabricação, como atividade própria do homo faber , termina quando algo novo, com suficiente durabilidade, é acrescentado no mundo e, portanto, no que se refere à coisa produzida, não precisaria ser repetido. Tanto no labor quanto no trabalho, a repetição do processo ocorre por motivos alheios a si mesmos. No labor a repetição é compulsória e alimenta um movimento incessante ditado pelas necessidades do homem prover o próprio sustento: comer para trabalhar e trabalhar para comer, revelando, portanto, a dimensão histórica assinalada por Marx. Nas atividades de trabalho, o impulso de repetição ocorre quando os produtos, inseridos no mercado, provêm a subsistência de seu produtor ou quando responde à ampliação das demandas do mercado, fazendo com que, neste caso, o seu trabalho se transforme em labor.

De forma semelhante, Marx afirma que:

No processo de trabalho, a atividade humana opera uma transformação, subordinada a um determinado fim, no objeto sobre o qual atua por meio do instrumental de trabalho. O processo extingue-se ao concluir-se o produto.

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O produto é um valor de uso, um material da natureza adaptado às necessidades humanas através da mudança de forma. O trabalho está incorporado no objeto sobre o qual atuou” (MARX, op. cit., p. 205).

Para a sua realização, a atividade se relaciona com um conjunto de coisas materiais, que adquirem um significado de meios de trabalho uma vez que se interpõem entre o trabalhador e o seu objeto e dirige sua ação intencional. É ainda, nesta concepção, que o processo de trabalho estabelece o intercâmbio entre o homem e a natureza e está presente em todas as formas de organização social.

De outro lado, as características dos meios de trabalho servem para ilustrar formas históricas específicas de organização social e, como afirma, alertarem para a importância de se atentar para os aspectos qualitativos do trabalho, “o que distingue as diferentes épocas econômicas não é o que se faz, mas como, com que meios de trabalho se faz” (Idem: 204).

Ao ilustrar alguns componentes qualitativos do trabalho, Arendt destaca, no processo de fabricação próprio do homo faber , que o pensar ocorre simultaneamente ao fazer e exprime o intercâmbio entre o homem, os materiais e os instrumentos sobre os quais se realiza.

O trabalho de fabricação propriamente dito é orientado por um modelo segundo o qual se constrói o objeto. Este modelo pode ser uma imagem vista pelos olhos da mente ou um esboço desenhado, no qual a imagem já encontrou certa materialização provisória através do trabalho. Em ambos os casos, o que orienta o trabalho de fabricação está fora do fabricante e precede ao processo de trabalho em si [...] – não podemos conceber uma cama sem, antes, ter alguma imagem, alguma ‘idéia’ da cama ante aos olhos de nossa mente, nem podemos imaginar uma cama sem recorrer a uma experiência visual das coisas reais. (ARENDT, 2000, p. 153-154).

O fato de o objeto estar na mente, enquanto imagem traduzida num modelo, faz com que ele assuma qualidade de permanência que permite a multiplicação e não uma mera repetição dos objetos criados.

No processo de trabalho, as ferramentas adquirem o seu verdadeiro teor de instrumentalidade. Em última instância, como criador e fazedor de utensílios, o homo faber é dependente dos instrumentos primordiais que são suas mãos. (Id.Ibdem). É o critério de utilidade e significância do objeto final que organiza o processo de trabalho, determinando

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 42 os instrumentos pertinentes à atividade de trabalho, o grau de necessidade na incorporação de outros saberes e especialistas, auxiliares etc.

A dinâmica de adequação de meios e fins não termina exatamente no produto acabado e sim quando atinge o seu fim último – o seu uso. No entanto, sob o viés do processo de fabricação no qual se envolve o homo faber , para Arendt, o critério de utilidade se impõe ao da significância – em nome do que se faz o trabalho. É uma questão remetida à esfera pública e, portanto, possui determinações historicamente construídas. Não é à toa que no período clássico da sociedade grega se identifica certo desdém em relação aos mestres da escultura e arquitetura por estarem presos ao caráter utilitário de sua fabricação e pela desconfiança de que esta visão utilitária se estendesse ao mundo, como desvalorização de todas as coisas.

Há que se atentar, contudo, para o fato de que alguns artefatos, os que justamente permitem que o homem se reconheça em sua humanidade, serem guiados por valores antropocêntricos e se diferenciarem dos outros na cadeia utilitária infinita das trocas de mercado. E, muitos deles, como a arte, no dizer de Arendt, não têm utilidade nenhuma, senão garantir a existência de uma durabilidade do mundo das coisas, através das quais o homem supera a sua própria mortalidade. Embora a fonte original seja o pensar, na arquitetura, como na arte, o pensamento precede ao artefato criado, mas só se revela através de sua materialização:

O mundo de coisas feito pelo homem, o artifício humano construído pelo homo faber, só se torna uma morada para os homens mortais, um lar cuja estabilidade suportará e sobreviverá ao movimento continuamente mutável de suas vidas e ações, na medida em que transcende a mera funcionalidade das coisas produzidas para o consumo e a mera utilidade dos objetos produzidos para o uso. (ARENDT, 2000, p. 186-187).

Desta forma, as características singulares do objeto arquitetônico, enquanto artifício humano, não responde meramente às necessidades de uso. Ao mesmo tempo em que possui um caráter utilitário relacionado às necessidades sociais de um determinado contexto histórico, responde a elas através de uma reinterpretação pessoal, revestida de uma linguagem estética e sensível e, ao mesmo tempo, técnica.

Tanto em Arendt, ao referenciar o trabalho como atividade do homo faber , quanto em Marx, como capacidade posta em movimento através de processos operativos, o trabalho é simultaneamente esforço intencional orientado por um fim e atividade de criação. Ou seja, o trabalho é dispêndio de energia física (e, nesse sentido, é labor) entrelaçada por inumeráveis atos criativos.

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Considerando estas aproximações que se espelham nos processos de fabricação, a noção de trabalho como obra é pertinente às especificidades do fazer arquitetônico. Como um processo de criação de artefatos que possuem durabilidade no mundo e respondem às necessidades de uso postas pela sociedade, possui as características de trabalho, na acepção de Arendt, e se espelha, portanto, nas atividades do homo faber .

A elaboração de cada projeto está voltada para um fim palpável: a obra arquitetônica posta como demanda de necessidades específicas de um determinado contexto social. Este objetivo, que é inédito a cada projeto arquitetônico, reúne a capacidade de mobilizar o início e determinar o fim das atividades necessárias à sua realização. Conforme Arendt (op. cit., p. 156), ao contrário das atividades de labor, cujos motivos externos exigem uma repetição infindável, o trabalho do homo faber possui um fim palpável “[...] ocorre quando algo inteiramente novo, com suficiente durabilidade para permanecer no mundo como unidade independente, é acrescentado ao artifício humano. “[...] A característica da fabricação é ter um começo definido e um fim definido e previsível, e esta característica é bastante para distingui-la de todas as outras atividades humanas”. (Ibidem, p. 156)

Richard Sennett, em seu livro recente – O artífice (2009) - se autoriza a questionar sua antiga mestra, Hannah Arendt, que previa o desaparecimento do artesão na sociedade moderna. Ao contrário, reafirma a importância de todos os artefatos materiais (quer sirvam para subsistência ou consumo), não apenas porque o pensar e as interlocuções atravessam igualmente todas as atividades de trabalho, mas, sobretudo, porque o processo de feitura de todas as coisas são expressões da cultura e do mundo nas quais elas se inserem.

Para aprender com as coisas, precisamos saber apreciar as qualidades de uma vestimenta ou a maneira certa de escaldar um peixe; uma boa roupa e um alimento bem preparado nos permitem imaginar categorias mais amplas de “bom”. [...] Amigo dos sentidos, o materialista cultural quer saber onde o prazer pode ser encontrado e como se organiza. Curioso das coisas em si mesmas, ele ou ela quer entender como são capazes de gerar valores religiosos, sociais e políticos. (SENNETT, 2009, p. 18).

Nesse sentido, a qualidade do trabalho - enquanto intencionalidade dirigida de um saber específico - se alinha às atividades necessárias e se expressa no próprio fazer – no processo de trabalho.

O arquiteto é portador de um saber fazer de artefatos que possuem um valor social intrínseco, que justifica e confere significado subjetivo ao seu trabalho, e que

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 44 demandam um envolvimento amplo de recursos técnicos e conhecimentos, mobilizados e incrementados pela própria experiência do fazer. Contudo, para a fabricação destes artefatos depende de outros materiais e fabricantes – o que amplia, na esfera da construção da obra arquitetônica, a dimensão coletiva do processo.

A natureza do trabalho arquitetônico, ou o saber criar e desenvolver o projeto de um artefato concreto, algo que ainda não existe, pressupõe conhecimentos e habilidades próprias deste campo de trabalho ou uma matéria, no dizer de Ostrower (1987).

A dimensão criativa se expressa de maneira condensada na obra concebida no projeto arquitetônico, que imprime, simultaneamente, uma expressão estética e técnica particular e vincula ou articula as práticas de trabalho, ou seja, as formas de interlocuções de saberes técnicos e operativos necessários e os instrumentos de trabalho mobilizados para a produção de um resultado concreto – que é o próprio projeto.

Os arquitetos, assim como os artistas, sabem e reconhecem a materialidade especifica do seu trabalho e de que este trabalho não pode ser descolado de um conjunto de relações sociais envolvidas na sua produção e outras determinações que se situam no contexto social mais amplo. Por outro lado, ao mesmo tempo em que seguem imperativos internos que direcionam a sua criação e no que concebe como sendo os meios necessários para realizar um bom trabalho, têm que se defrontar com certas circunstâncias externas de prazos, especificações e exigências que dependem do caráter das demandas sociais.

2.2 A OBRA, O DISCURSO E AS ESFERAS DE INTERLOCUÇÃO PÚBLICA

Se a figura do artesão espelha o fazer arquitetônico, nos moldes anteriormente assinalados, o envolvimento do arquiteto nos processos de trabalho assume a feição de engajamento – a busca de realização de um bom trabalho, onde se pressupõe um envolvimento subjetivo total com os desafios postos pela obra em criação. O processo de trabalho, enquanto instrumentalidade inerente do fazer, mobiliza um conjunto de conhecimentos e habilidades necessárias e, como expressão de um saber incorporado, não se constitui em objeto específico de reflexão. O fazer encontra-se ao mesmo tempo implícito e oculto na obra. Revestido de significância pessoal, o propósito do trabalho articula os conhecimentos técnicos e os recursos materiais necessários. Por isto é tão difícil aos

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 45 arquitetos pontuar como se inicia a criação ou de que maneira se manifestaram os múltiplos atos criativos no decorrer dos processos de trabalho.

Para Arendt (2000), o processo de fabricação, no qual se envolve o artesão, constitui um momento de isolamento e reclusão, não tem visibilidade pública e o trabalho só aparece quando o artefato em sua forma acabada se expõe ao mundo. Se o envolvimento absoluto com o processo de fabricação exige o isolamento em relação ao mundo, o homo faber , pela natureza do seu próprio trabalho, é capaz de ter sua própria esfera pública, embora ela não seja propriamente uma esfera política. “A esfera pública do homo faber é o mercado de trocas, no qual ele pode exibir os produtos de sua mão e receber a estima que merece” (Ibidem, p. 174)

Nesse sentido, a obra criada revela uma interpretação pessoal do criador ela própria contendo sua trajetória de vida, suas opções estéticas e conceituais, indissociáveis do seu percurso profissional, contendo em si um discurso que se apresenta à opinião pública 6.

Como se referem alguns, é este panorama de ideias e posicionamentos, que transparece na obra criada, que situa o arquiteto no campo de sua produção profissional e, ao mesmo tempo, direciona o seu fazer em cada novo projeto arquitetônico:

[...] existe uma matriz teórica que antecede e vai dar características diferentes às singularidades do trabalho arquitetônico de quem, por exemplo, trabalha para o mercado, de quem trabalha mais criticamente, de quem trabalha com a perspectiva de uma proposição mais humanizada, sei lá, vamos dizer assim, para o ambiente construído. Quando o arquiteto vê o projeto apenas como a solução de um problema que lhe foi colocado, isto é um posicionamento [...] ou ele pode ter uma visão crítica como intérprete da realidade sem naturalizar o seu caráter social, como por exemplo, Koolhas, que descobriu coisas interessantíssimas ao re-interpretar Nova Iorque [...]. (RUBANO, 2010) 7

É nesse sentido que os arquitetos, como artesãos, falam muito sobre o resultado do seu trabalho e muito pouco sobre como o trabalho é feito. Segnini (2002), em sua tese de doutoramento, reafirma este fenômeno ao analisar as opiniões e posicionamentos de numerosos arquitetos, emitidos em artigos e publicações especializadas.

6 Ao se referir à produção artística, Sánchez (2010, p. 36) revela a semelhança do que ocorre na arquitetura pelo fato de existir um discurso incorporado à obra: “O processo de criação de uma obra de arte é ao mesmo tempo intelectual e operacional. O artista interioriza os valores visuais de sua sociedade , ou de outras, conforme o grau de contato que existe entre elas e um conjunto de valores alheios à arte que usualmente estão associados ao ‘significado’ das obras”. 7 Entrevista concedida pela arquiteta Lizete Maria Rubano em 20 de novembro de 2010.

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Segundo o autor, através dos discursos afloram as ambiguidades e os impasses de um fazer típico de produção artesanal, fortemente vinculado a um caráter transcendente, desde a antiguidade, e que é incorporado às contingências históricas da modernidade, ou seja, ao mundo utilitário do mercado.

Se, de um lado, os discursos revelam consenso de consciência sobre a complexidade singular do fazer arquitetônico, como criação de artefatos que devem ultrapassar um caráter meramente utilitário, incorporando dimensões complexas de arte e técnica construtiva que expressariam o seu caráter transcendente e simultaneamente histórico de realização humana, de outro lado, desvendam também posicionamentos divergentes de resistência e/ou acomodação às determinações sociais sobre a produção arquitetônica, impostas a ela de uma forma específica, desde os primórdios da modernidade.

É em torno da significância do artefato arquitetônico, que ultrapassa um teor meramente utilitário e pressupõe uma reinterpretação sensível do mundo, que se constroem os discursos e se estabelecem embates acirrados de posicionamentos divergentes.

Se, em alguns deles, como destaca o autor, a dimensão de arte contida na arquitetura é priorizada, como em Lúcio Costa, Rino Levi, Boffil e muitos outros, os posicionamentos oscilam até a negação completa de suas pretensões utópicas e artísticas, tal como aparece em Sergio Ferro, para quem a arquitetura como outras dimensões da realização social na sociedade capitalista espelham suas contradições e desigualdades sociais. As concepções diversas estariam, assim, expondo as tensões e ambiguidades resultantes do confronto entre as características inerentes da arquitetura e as determinações do contexto social na qual se insere.

Arquitetura é a construção utilitária, mas a satisfação de exigências técnicas e funcionais não converte a construção em arquitetura. Para tanto, a construção precisa conceber-se com intenção plástica, de relacionamento expressivo de seus elementos formais. A construção se torna arquitetura quando seus elementos apresentam ordenação formal, com valor estético substantivo, distinto do atrativo superficial da decoração aplicada. (Costa, Lúcio) 8

A arquitetura aparece quando o homem cria monumentos, transforma a construção em signos e símbolos arquitetônicos, quando o homem passa da casa ao templo. O templo é arquitetura, na casa está a construção.

8 COMAS, Carlos Eduardo. Da atualidade do seu pensamento. In: AU, Ano 7 –out-nov de 1991, n.38, p.38 ,( apud SEGNINI, op. cit., p. 48).

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Quando se domina a tecnologia para construir espaços (signos e símbolos), começa a arquitetura. (Boffil) 9

Arquitetura é sempre uma atividade de transformação; não existe arquitetura se não existir transformação. O primeiro ato de arquitetura não é pedra sobre pedra, e sim pedra sobre um lugar, portanto, transformar uma condição de natureza numa condição de cultura. (BOTTA, Mário) 10

Não há condições de se falar em arte na arquitetura se não houver uma modificação nas condições de produção nas obras. Arte é aquele momento do trabalho em que o júbilo, a alegria acontece e é, portanto, uma dimensão do trabalho. Eu gostaria de saber qual é o prazer que sente o operário da construção civil. Talvez, só na hora da pinga, no bar ou quando ouve a música de . (FERRO, Sérgio) 11

Estas dificuldades de consenso sugerem, conforme assinala Segnini (2002), pelo fato de o arquiteto ser “[...] um profissional que vive do seu trabalho, numa sociedade de mercado, necessitando de demandas pelos seus serviços; por outro, revela-se como um artista que pretende fazer do resultado do seu trabalho uma representação do seu tempo [...]” (op. cit, p. 40) Inseridos no cerne destas divergências, “os depoimentos informam a multiplicidade de visões sobre as relações entre arquitetura e arte, mas não oferecem condições para a conclusão que sustente a predominância de certa posição” (Idem, p. 47)

O aspecto relevante das análises realizadas por este autor que interessam à argumentação aqui desenvolvida é o fato de constatar que “os arquitetos, quando falam de arquitetura, falam do resultado do seu trabalho, e quando se referem ao exercício da profissão, referem-se ao que pensam ou ao que desejam sobre as possibilidades inerentes à atividade profissional que exercem” (SEGNINI, 2002). Como artesãos, os arquitetos falam sobre o que fazem e, muito pouco, como fazem o seu trabalho.

Para o artesão, na acepção de Arendt, o mercado aparece como o local de interlocução, sendo o momento em que o discurso contido na materialidade do artefato pode se apresentar aos outros como um posicionamento pessoal diante do mundo. Nesse sentido, “[...] o homo faber é perfeitamente capaz de ter sua própria esfera pública, embora não uma esfera política propriamente dita. A esfera pública do homo faber é o mercado de trocas, no qual ele pode exibir os produtos de sua mão e receber a estima que merece” (Ibdem, p. 173-174).

9 BOFFIL, Ricardo. Entrevista. In: AU, ano 5, dez 1988 – jan 1989, n.21, p.54 (a pud SEGNINI, op.ci., p. 46). 10 BOTTA, MÁRIO. Entrevista concedida a Paulo Faccio e Layla Y, Massuh. In: AU, ano 5, agosto-setembro de 1989, n. 25, p.50 , (apud SEGNINI, op.cit., p.53). 11 FERRO, Sérgio. A geração da ruptura. AU, ano 1, Nov de 1985,n.3, p.56,(a pud SEGNINI, op.cit., p. 48).

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Transposta como analogia para o contexto histórico da sociedade moderna, é necessário considerar que as interlocuções se tornam mais complexas por sua inserção no processo ampliado de divisão social do trabalho . As atividades artísticas e intelectuais, conforme Bourdieu (2007) integram campos específicos de produção cultural, estruturando, através de instituições e agentes, espaços sociais próprios de interlocução pública. O universo simbólico de cada campo intelectual reveste os discursos e as práticas de trabalho em valores e códigos reconhecidos e legitimados e orienta o sentido e o significado da ação dos sujeitos que dele fazem parte. A compreensão da existência e funcionamento de cada um destes campos - e de suas relações com a estrutura de classes e com os mecanismos de poder na sociedade - permite, assim, situar as produções individuais dos artistas e intelectuais - e também dos arquitetos -, para além de seus talentos pessoais de criatividade.

Cada campo intelectual (por maior que seja sua autonomia, ele é determinado em sua estrutura e em sua função pela posição que ocupa no interior do campo de poder) funciona como sistema de posições predeterminadas abrangendo, assim, como postos de um mercado de trabalho, classes de agentes providos de propriedades (socialmente constituídas) de um tipo determinado. Tal passo é necessário para que se possa indagar não como tal escritor chegou a ser o que é, mas o que as diferentes categorias de artistas e escritores de uma determinada época e sociedade deviam ser do ponto de vista do habitus socialmente constituído, para que lhes tivesse sido possível ocupar as posições que lhe eram oferecidas por um determinado estado do campo intelectual e, ao mesmo tempo, adotar as tomadas de posições estéticas e ideológicas objetivamente vinculadas a estas posições” (Ibidem: 190, grifos do autor)

Garry Stevens (2003), ao se debruçar sobre a estrutura conceitual de Bourdieu, salientando a sua aplicabilidade à arquitetura como um dos campos de produção da cultura, detalha a composição e os mecanismos instituídos neste campo, que se apresenta sob a forma de instituições e agentes, como a esfera pública de interlocução privilegiada dos arquitetos, onde os seus discursos são acolhidos e suas obras referendadas. É neste espaço de interlocução que se estabelecem as reafirmações de identidade, as aproximações e confrontos, e é através dele que as hierarquias de prestígio e poder entre os arquitetos são estabelecidas. 12 Considerando as bases weberianas deste enfoque, a

12 Segundo Stevens, o uso dos conceitos de Bourdieu para a análise da dimensão social da arquitetura sofre ainda fortes resistências por parte dos teóricos da arquitetura, não apenas pela complexidade de suas estruturas interpretativas, mas pelo desprezo do autor à aderência a modismos intelectuais em voga, entre eles a ideia de pós-modernismo. Alerta ainda para o fato de que embora o uso do conceito de capital simbólico seja cada vez mais frequente em trabalhos analíticos de arquitetura, são poucos os autores que se debruçam em profundidade sobre a contribuição de Bourdieu. Ressalva, entretanto, alguns trabalhos de significativa importância neste intento, tais como: SNYDER, J.R. Building, Thinking and Politics: Mies, Heidegger, and de Nazis. Journal of Architectural Education 46, n.4 (1993): 260-265;LARSON, M.S. Architectural competitions as discursive events. Theory and Society 23 (1994): 469-504. (apud Stevens, 2003, p. 59)

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 49 estrutura de classes da sociedade moderna, composta por grupos de status associados a recursos econômicos e privilégios diferenciados, possui sustentação política no campo da cultura. “Os grupos que obtiveram êxito em ter seu próprio sistema simbólico [...] são aqueles que dominam a sociedade. As classes lutam, portanto, para impor seus próprios sistemas simbólicos e para impor seus próprios pontos de vista sobre a ordem social que esses sistemas ajudam a criar” (Ibidem: 85). Através de mecanismos simbólicos, as estruturas objetivas da sociedade são internalizadas e o mundo social se realiza e se reproduz através das ações cotidianas dos indivíduos, ou seja, através das práticas e das crenças. Ainda que as estruturas sociais sejam marcadas por seu caráter coercitivo, existe um âmbito de liberdade que permite que a ação dos indivíduos oscile entre liberdade e coerção. Segundo ele, somos agentes com vontade própria, mas não totalmente livres. Fazemos nossa própria história, mas não necessariamente nas condições por nós escolhidas. Os indivíduos aprendem a jogar segundo as regras estabelecidas e desenvolvem estratégias de atuação social a partir de alguns atributos sintetizados naquilo que Bourdieu denomina como habitus . Este conceito, elaborado como um constructo analítico tanto psicológico como social, é definido pelo conjunto de disposições internalizadas que induz as pessoas a agirem de uma determinada forma, considerando os valores e os gostos determinados pela sua posição na estrutura de classes sociais, que se modificam através das experiências sociais adquiridas. A posição de classe constitui um filtro, através do qual os indivíduos interpretam o mundo. Sendo um conjunto ativo disposições, o habitus representa um guia para a ação, fornece o sentido do jogo social no qual se insere, porém, não é uma determinação rígida no sentido de uma ação determinada.

Inserida neste escopo analítico, a noção de campo é concebida como uma arena de luta, um campo de batalha e um campo de força empregada num duplo sentido: primeiro, é um espaço social de luta e competição de recursos e capitais e, segundo, um local onde as relações de poder, em um campo específico, definem de forma relacional as posições dos indivíduos que dele participam, tendo em vista a natureza do capital que o controla. (STEVENS, 2003, p. 91)

A posição de um indivíduo depende da posição dos demais, num mesmo campo, e do quanto é portador de conjunto de atributos (ou de capital simbólico) aí definidos 13 . Neste sentido, é um termo técnico empregado para designar “[...] um

13 Stevens (op.cit: 76) sintetiza o conceito de capital simbólico, tal como estabelecido por Bourdieu em suas diversas obras, como um conjunto de bens culturais que se apresentam sobre quatro formas básicas: capital institucionalizado (qualificações

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 50 conjunto de instituições sociais, indivíduos e discursos que se suportam mutuamente” (Ibidem, p. 90). É nesta arena competitiva que se definem as hierarquias valorativas de prestígio e de poder vinculados a determinados padrões estéticos, comportamentos e práticas de trabalho.

A teoria dos campos possibilita analisar a pluralidade dos mundos e as suas lógicas correspondentes, que expressam, sobretudo:

[...] a ideia de que as lutas pelo reconhecimento são uma dimensão fundamental da vida social e de que nelas está em jogo a acumulação de uma forma particular de capital, a honra, no sentido de reputação, de prestígio, havendo, portanto, uma lógica específica de acumulação de capital simbólico, como capital fundado no conhecimento e no reconhecimento; a ideia de estratégia como orientação da prática, que não é nem consciente e calculada, nem mecanicamente determinada, mas que é produto do senso de honra enquanto senso desse jogo particular que é o jogo da honra [...]. (BOURDIEU, 2004, p. 35-36)

Ao lado de numerosos campos culturais sobrepostos (educação, religião etc), Stevens acredita ser pertinente considerar a arquitetura, ainda que definida de maneira solta, como um campo, composto, numa primeira designação e entre outros elementos, “por arquitetos, críticos, professores de arquitetura, construtores, todo tipo de clientes, a parcela do Estado envolvida com a construção, instituições financeiras e as exigências legais quanto a edificações, entre outras coisas”. (STEVENS, 2003, p. 91).

É este espaço social do campo arquitetônico que constitui a esfera pública de interlocução, onde os arquitetos travam suas lutas simbólicas e atuam, revelando habitus incorporados e adquiridos “[...] como sistemas de percepção e apreciação, como estruturas cognitivas e avaliatórias que eles adquirem através da experiência durável de uma posição do mundo social”. (BOURDIEU, op. cit., p. 158). Ou seja, “o habitus é ao mesmo tempo um sistema de esquemas de produção de práticas e um sistema de esquemas de percepção e apreciação de práticas”. (Idem, p. 158)

acadêmicas); capital objetivado (objetos, bens culturais); capital social (rede de relações sociais de apoio); capital corporificado (comportamentos, gostos, preferências).

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Os discursos dos arquitetos constituem um dos instrumentos de luta simbólica, na medida em que possibilitam expressar simultaneamente sua visão de mundo e o habitus legitimado no campo de sua produção profissional. Os discursos contêm posições avaliativas sobre a importância e o significado daquilo que fazem e demarcam, num balanço relacional com a produção arquitetônica de outros, identidades e divergências. Revelam, no interior desta esfera pública singular, as posições de distinção que ocupam ou que almejam ocupar. Considerando, assim, as lógicas inerentes do campo, não deveria ser inusitada a constatação de Segnini (2002) sobre a inexistência de consenso entre os arquitetos quando se posicionam sobre o que fazem.

Cabe ainda destacar que as práticas de trabalho não constituem nestes discursos objeto de reflexão e designação, justamente porque, ao conter conhecimentos específicos adquiridos e experiências incorporadas, são tidas como evidentes e senso comum na sua esfera pública de interlocução. As práticas de trabalho, ou como o trabalho é feito, exprimem o habitus, enquanto ações valorizadas e prestigiadas neste campo.

Entretanto, a maneira como os arquitetos desenvolvem o seu trabalho é orientada, como pontua Durand, pelo conjunto de ideias – a matriz conceitual na qual se insere o que exprime sua concepção sobre o significado do trabalho contido em seu discurso. Ainda que não se refira necessariamente ao modo como realiza o trabalho, o discurso orienta suas práticas e o conjunto de relações sociais que articulam os processos de trabalho.

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CAPÍTULO 3

Práticas de trabalho e processos de projeto

“Em persa há uma maneira expressiva de se referir a alguém que procura algo de forma intensa: “ele usa os seus dois olhos e mais dois que pediu emprestado”. Esses dois olhos emprestados são os que desejo capturar; os olhos que serão emprestados ao espectador para que enxergue o que está além da cena vista por ele. (Abbas Kiorastami, Guia Mostra BR de Cinema. Folha de São Paulo, 22 de outubro de 2004).

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Ainda que as formas de empreender os processos de elaboração do projeto arquitetônico, sejam, em cada arquiteto, impressas por sua formação acadêmica e por um modo de entender o seu ofício entrelaçado com as questões postas pelo mundo social, e, portanto, tragam as marcas de uma geração em que foram formados e por posicionamentos teóricos e ideológicos sobre o significado e sentido da arquitetura 1, existem elementos do fazer arquitetônico que lhes são próprios e que atravessam as circunstâncias das transformações históricas com as quais tem que se defrontar e responder.

Os atos criativos que permeiam a concepção e o desenvolvimento dos processos de projeto se apresentam como um desafio e uma exigência inerente das próprias práticas de trabalho. Justamente por isto os estudos de Schön (2000), embora destaquem a importância de se desenvolver habilidades criativas na formação profissional em todos os campos de atividades, referenciam como exemplares, as práticas de trabalho na arquitetura. 2 Segundo ele, nos pressupostos epistemológicos da racionalidade técnica os conhecimentos sistemáticos fornecem elementos de solução para os problemas instrumentais em diversas áreas. Quando, porém é necessário se enfrentar decisões do que fazer e como fazer, diante de problemas colocados pelo mundo real, esta racionalidade técnica se confronta com um campo nebuloso e complexo de fatores intervenientes físicos,

1 Para Durand (1974, p. 25) o exercício das atividades do arquiteto em sua inserção profissional, expõe tensões entre um conjunto de valores que orientaram sua formação profissional, o que denomina de meta-teorias e suas atividades concretas. Estes valores traduzem, na sua visão, de forma multidimensional alguns padrões ideais: - arquitetura como arte; - arquitetura como ciência social; - arquitetura como síntese; - arquitetura como prospecção e – arquitetura como técnica. 2 O fato de a arquitetura ter se cristalizado como profissão antes do surgimento da racionalidade técnica, explicaria na visão de Schön (Ibidem, p. 44) a permanência de traços de uma concepção de trabalho profissional anterior: “Por um lado, é uma profissão utilitária ocupada com o design funcional e a construção de ambientes para a atividade humana. Por outro é uma arte que usa as formas das construções e as experiências das passagens através de seus espaços como um meio de expressão estética”. E, esta sua característica bi-modal não se enquadra nos cânones do ensino acadêmico trazendo desconfortos no contexto das universidades, uma vez que “a educação para a arquitetura ainda segue suas tradições de ateliê”.

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 53 econômicos, políticos, ambientais onde a aplicação simplesmente instrumental não é suficiente – impõe-se como questão a construção do problema à partir dos elementos contextuais de uma situação – ou, seja, a necessidade de construção de uma problemática. (Ibidem, p. 16)

Se cada vez mais se amplia em todas as áreas profissionais a consciência de que os enfrentamentos profissionais deste tipo ocorrem ao se defrontarem com problemas singulares e inéditos, enquanto zonas indeterminadas cuja resposta não depende exclusivamente de recursos instrumentais de conhecimentos técnicos – e, portanto, exigem respostas criativas que dependem do desenvolvimento de um talento artístico - no caso da arquitetura, as singularidades contextuais de cada projeto fazem com que as chamadas zonas de incerteza, instabilidade e indeterminação se apresentem como elementos permanentes.

Objetiva-se neste capítulo apresentar as características inerentes ao trabalho do arquiteto inserido no processo de elaboração do projeto arquitetônico como um momento central do seu fazer. Além de portador de um saber-fazer específico, o arquiteto protagoniza um processo de trabalho onde se inserem indivíduos detentores de outros saberes, organizando assim um conjunto de relações sociais. Como se pretende mostrar, os atos criativos de arquitetura representam uma busca intencional que surgem no contexto de disciplina, esforço repetitivo, horas de dedicação e engajamento. Mantendo traços artesanais que se revelam no domínio das ferramentas e do gerenciamento do tempo e dos locais de trabalho, como homo faber , o arquiteto atribui um valor subjetivo ao seu trabalho que se integra à sua própria identidade e, ao mesmo tempo revela e é fonte de um saber singular.

3.1 ATOS CRIATIVOS E ATOS LABORIOSOS

Ao se referir ao artista, Lucio Costa espelha o arquiteto na mesma postura do artesão engajado:

Não cabe indagar, com intenções discriminatórias ‘para quem o artista trabalha’, porque à serviço de uma causa ou de alguém, por ideal ou por interesse, ele trabalha sempre apenas, no fundo – quando verdadeiramente artista – para si mesmo, pois se alimenta da própria criação, muito embora

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anseie pelo estímulo da repercussão e do aplauso como pelo ar que respira”. (COSTA, 2001, p. 36)

Também como os artistas, embora seguindo outras determinações, os arquitetos têm dificuldades de identificar os momentos iniciais de sua criação. Mesmo que se referenciem pela combinação entre ideias e possibilidades técnicas como forma de orientar o desenvolvimento do trabalho, como ainda se refere Lucio Costa, este momento é fonte de ansiedade ou de angústia porque as respostas ainda não estão configuradas e porque “[...] envolve a participação do sentimento no exercício continuado de escolher, entre duas ou mais soluções, de partido geral ou pormenor, igualmente válidas [...] aquela que melhor se ajuste à intenção originalmente visada”. (COSTA, 2001, p. 54)

Para Frank Ghery, os momentos iniciais do trabalho são fontes angústia e, por isto, diz usar mecanismos para adiar o início: “Limpo a mesa de trabalho, faço uma série de tarefas estúpidas e finjo que são importantes. Tenho sempre medo de não saber o que fazer. É um momento aterrorizante. Depois de começar fico sempre surpreendido: ‘afinal, não é tão mal assim’ (GHERY, F. apud POLLACK, S, 2005). Superado este momento, a concepção do projeto vai se configurando aos poucos a partir de alguns esboços, mas, sobretudo através de exercícios experimentais na maquete física confeccionada, com materiais maleáveis que possibilitam rearranjos e alterações. Nas relações sociais envolvidas nos processos de trabalho observa-se que, enquanto seus auxiliares manuseiam a maquete, Gehry analisa os resultados e orienta modificações. Se para ele, a arquitetura é uma forma de expressar sentimentos, os resultados parciais que assumem contornos nos esboços e maquetes, passam pelo crivo do reconhecimento intuitivo da harmonia da composição arquitetônica. Conforme salienta as ideias surgem muitas vezes à partir da memória de associações antigas e circunstâncias diversas. Diz, por exemplo, que estando em uma exposição, ao observar um determinado quadro percebeu nele uma harmonia na composição de formas que veio a utilizar posteriormente em um de seus projetos arquitetônicos. Também para ele, a aproximação e o interesse sobre possibilidades de aplicação de figuras do mundo real ao projeto arquitetônico surgem frequentemente de exercícios anteriores com desenhos não necessariamente voltados para um projeto específico. Relata por exemplo, o fato de que na fase do pós-modernismo dos anos de 1980 quando os arquitetos se voltavam ao passado grego e outros passados históricos, ele imaginou a imagem do peixe como a representação simbólica do período mais ancestral do homem e passou a desenhar avidamente peixes que variaram das formas mais figurativas às mais abstratas e que serviram de inspiração posterior em vários dos seus projetos arquitetônicos. Expressando a complexidade do trabalho arquitetônico, diz também que

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 55 intrinsicamente, as ideias que afloram à mente e se esboçam desde os primeiros traços, já estão associadas aos materiais que lhe conferem concretude.

3.1 : Croquis figurativos de Peixes. . Fonte: Revista Projeto 288, p. 88.

3.2 : Diagrama feito escultura de peixe. Frank Gehry. Fonte: Revista Projeto 288, p. 89.

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Da mesma forma, para , a ideia inicial, surge simultaneamente da invenção de possibilidades espaciais e construtivas, conforme salienta ao explicar os seus projetos para os museus da Universidade de São Paulo. A idéia se apresenta na mente, antes mesmo, de se expressar no desenho e ao ganhar paulatinamente consistência, acaba por se tornar uma imposição do próprio projeto. Ao mesmo tempo em que fala destes projetos específicos, revela os momentos interpretativos iniciais do fazer arquitetônico: se a principal demanda consistia em reunir num mesmo local os Museus da Escola de Antropologia e Etnologia, o Museu de Ciência e o Museu de Zoologia, os desafios iniciais se traduziam justamente em interpelar este programa, considerando as possibilidades do lugar e do significado sensível e social da obra.

Pensei na hipótese seguinte: vamos concentrar os três museus num único recinto, que pode ter um grande

auditório comum, cafeterias e coisas assim. A princípio a universidade não tinha pensado desse modo; agrupar os museus foi uma decisão de projeto. Por enquanto, não existe maquete, não há nada ainda, é pura mente, como se eu fosse escritor, poeta! Não tem nada que ficar rabiscando, porque eu ainda não sei o que vou fazer. Estou levantando o que me parecem ser as justas questões que precisariam ser resolvidas. É nessa medida que você as levanta para transformá-las em problemas. Nós resolvemos problemas, então está feito. Que problemas? (ROCHA, 2007, p. 34)

3. 3: Croqui Praça dos Museus, USP – Paulo Mendes da Rocha. Fonte: ROCHA, Paulo Mendes, 2007, p. 37.

No exemplo, os problemas despontam das particularidades de cada um dos museus; das oportunidades de convivência entre cientistas e público; dos elementos do entorno e do terreno; das dimensões dos edifícios e das possibilidades estruturais, assumindo assim contornos de espacialidades e volumetrias passíveis de se expressar em croquis e desenhos, como recursos de raciocínio, ensaio e experimentação. “Finalmente,

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 57 posso começar a falar do meu primeiro ensaio, para ver o que isto representa em termos de volume, o quanto pode ficar bonito no sentido legítimo da expressão” (Ibidem, p. 36)

Nas singularidades próprias do fazer arquitetônico, o imaginar, a ideia se origina primeiro na mente e vai se materializar no desenho e também na maquete física, que se tornam instrumentos de reflexão e de experimentação:

Não se trata dessa maquete que é feita para ser exibida e, eventualmente, vender ideias. É a maquete como croqui. A maquete em solidão! Não é para ser mostrada a ninguém. A maquete que você faz como um ensaio daquilo que está imaginando. O croqui, o boneco, um conto. Como o poeta quando rabisca, quando toma nota. O croqui que ninguém discute. É a maquete como instrumento de desenho. Em vez de você desenhar, você faz maquete. Não tem nada a ver com as maquetes profissionais, do maquetista que tem a função de mostrar a ideia já pronta. Esse é um objeto que pode se encomendado para ser exibido, e tem seu valor. A maquete aqui é um instrumento que faz parte do processo de trabalho; são pequenos modelos simples. Não é para ninguém ver. A graça disso – eu acho que tem graça, tanto que estou aqui falando – é que existe, nessa extensão do raciocínio, o objeto já é um tanto quanto configurado na nossa mente. Como um sentido de dominar a imaginação para que a coisa seja aquilo que você quer construir. (ROCHA, 2007, p. 22)

Ou ainda,

Antes de fazer essas maquetinhas, você já sabe mais ou menos se a ideia vai ficar bem. Se ela necessita de algumas correções. Nós estamos falando de algo muito particular, que é a materialidade da ideia, o que, no meu entender, é insubstituível. Portanto, para nós arquitetos, ver e tocar já são materializar essas ideias no pequeno modelo. É como um esclarecimento para nós mesmos. É a construção. A verificação dos códigos, da matemática, sobre os momentos da inércia, as fundações [...]. E mesmo que tenha que se submeter às regras, normas, você pode introduzir aspectos daquilo que faz – ainda que como uma concessão de valor -, aquilo que seja capaz de comover o outro. Portanto, a arquitetura é uma atividade crítica e a base para construir. (Ibidem, p. 27-28)

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3. 4: Maquete Praça dos Museus, USP – Paulo Mendes da Rocha. Fonte: ROCHA, Paulo Mendes, 2007, p. 3.2-33

Para alguns, como Álvaro Siza, a concepção inicial requer um afastamento e muitas vezes as soluções, fruto de uma inquietação permanente, surgem de maneira inesperada em locais aparentemente deslocados e, nestes momentos, as ideias que ainda estão só na cabeça, como coisa imaginada ou de forma experimental e preliminar em esboços e croquis, se definem aos poucos como um caminho palpável. “Dicen que proyecto em el café [...]. El café es um lugar, aqui em Oporto, que permite el anonimato y la concentración [...]. Se trata de conquistar las bases para el trabajo”. (MONEO, 2004, p. 205). Em suas ideias, a criação é também recriação ou um ato de renovação resultante da proximidade com o que é dado, com o conhecido, à partir do qual outros elementos se interpõem e se relacionam.

Ao mesmo tempo, embora possa parecer contraditório em relação à afirmação anterior, o trabalho perseguido por Siza envolve também uma proximidade constante do objeto, em diferentes momentos e circunstâncias: – no sítio onde o projeto se realizará, no contado com a cultura e com as pessoas do local e na observação presencial dos seus modos de vida. A busca de soluções arquitetônicas opera-se, não como atos pré- determinados por posicionamentos simplesmente formais, mas se orienta, por uma lógica da descoberta que se faz nos momentos iniciais do projeto e ao longo de sua elaboração. A postura que se movimenta pela lógica da descoberta, assumida por arquitetos e outros artesãos que ainda se inscrevem no mundo contemporâneo, pressupõe abertura às soluções adequadas e sensíveis como manifestação de atos criativos no interior do próprio processo de trabalho.

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Ao fazer uma observação sobre este fenômeno para Juan Luis Trillo, Hélio Piñón diz que as idéias criativas em arquitetura oscilam na imprevisibilidade e que sua forma de lidar com as incertezas na realização do trabalho exige acompanhar o movimento de flexibilidade do próprio processo: “[...] projeto a partir de um sistema sólido, porém flexível que pode parecer previsível para o expectador, mas que na realidade não é tanto assim” e os resultados surpreendem porque, tal como no jazz, a improvisação é inerente ao processo -“ [...] no fundo sou um pianista de jazz. Essa música não só lhe permite ser intérprete, mas também exige que o seja. Os meros executantes, inclusive talentosos, não tem futuro no jazz”. (PFEIFFER, 2010, p. 86-87) São as indagações e as dúvidas constantes que mobilizam os atos criativos: “não pense que meu modo de abordar o projeto busque eliminar a dúvida, muito pelo contrário: eu a considero um momento essencial da concepção que, por definição, deve tender a ser resolvia e não induzir o criador a nela permanecer”. (Ibidem, p. 86).

Estes depoimentos sinalizam as percepções de alguns arquitetos à respeito do seu fazer, enquanto criação e invenção e que já revelam algumas especificidades presentes na elaboração do projeto arquitetonico e que se relacionam às característica da matéria trabalhada. Neste nível se coloca pertinente a distinção fundamental entre criatividade e criação tal como formulada por (1999). Para ela, a criatividade é um potencial de sensibilidade que nasce com todos os seres humanos ligando o sensorial ao intelectual nas vivências e possibilitando a compreensão de relações explícitas ou implícitas das coisas e a percepção de coerência e beleza. “A criatividade é, portanto um potencial em aberto e abrangente vindo a manifestar-se nas pessoas através de certas inclinações, interesses, aptidões. Poderíamos considerá-la também uma espécie de receptividade interior [...] As inclinações surgem espontaneamente”, podendo estar ligada a muitos trabalhos artísticos e à muitos campos da pesquisa científica e tecnologia. (FAYGA OSTROWER (1999), p. 218).

Porém na criação, estas inclinações particulares e individuais não se colocam apenas como potencial e não podem mais se apresentar em termos genéricos, uma vez que a criação se traduz em materialidade e “[...] se dá em atos concretos e específicos”.

A especificidade da ação criativa origina-se nas diversas matérias com que se lida; as "matérias" podendo ser de natureza física ou psíquica: ferro, vidro, cores, sons, gestos, ou também ideias ou relações humanas. Estas matérias vão ser transformadas pela ação do homem. Daí, os processos de criação constituírem essencialmente processos de transformação , cujas formas de desdobramento irão revelar novos aspectos característicos da própria matéria. Assim toda forma artística será forma gerada num processo de transformação”. (Ibidem, p. 219, grifos da autora)

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[...] Quando, no próprio processo de criação, o artista passa da imaginação para a realização da obra, das idéias para a ação, ele não traduz simplesmente as formas imaginadas. A imaginação e a ação, embora entrelaçadas no trabalho artístico, ainda assim representam dois modos de ser distintos, dois âmbitos do ser, cada qual com seus limites, suas possibilidades e impossibilidades. (Ibidem, p. 221)

E, por isto mesmo [...]

Os diálogos do artista com a matéria são, na verdade, diálogos íntimos con- sigo mesmo. Dentro da crescente riqueza formal em que a matéria pode ser compreendida, é o próprio ser que se identifica. Daí também o artista criador não se confundir com a figura do intelectual erudito. No caso, o ser artístico está na frente do intelectual. É um outro saber que está em jogo, outro tipo de compreensão, outras realidades e outra lealdade. (Ibidem, p. 223, grifos da autora)

Para Schon (2000), as manifestações do talento artístico aplicado às atividades profissionais diversas, inclusive à arquitetura, ocorrem em duas dimensões fundamentais, denominadas por ele de conhecer-na-ação e reflexão-na-ação.

O conhecer-na-ação, refere-se a um saber mais do que se pode dizer como algo que se manifesta no próprio fazer, definido por Michael Polanyi como conhecimento tácito 3. Apoiando-se em Polanyi, define este conhecimento como sendo aquele que advém da aprendizagem de uma habilidade através das próprias práticas e, portanto no fazer. Como exemplo, “capacitar-se no uso de uma ferramenta é aprender a apreciar, diretamente e sem raciocínio intermediário, as qualidades dos materiais que aprendemos através de sensações tácitas da ferramenta em nossas mãos”. (SCHON, 2000, p. 30).

Usa a mesma expressão conhecer-na-ação para referir-se a ações inteligentes publicamente observáveis ou ações privadas que expressam capacidades incorporadas e espontâneas de desempenho. Nos dois casos, o ato de conhecer está na própria ação através de construções, o que ocorre pela incapacidade de torná-las explícitas verbalmente. É um conhecimento tácito porque se coloca espontaneamente, sem deliberação consciente e que funciona para os resultados pretendidos, “[...] enquanto a situação estiver dentro dos limites do que aprendemos a tratar como normal”. (Ibidem, p. 33)

A outra dimensão do fazer artístico - reflexão-na-ação – surge também no contexto da ação como uma reflexão sobre os problemas práticos que se interpõem aos

3 O livro referenciado por SCHÖN é : POLANYI, Michel. The Tacit Dimension. Nova York: Doubleday, 1967.

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 61 resultados pretendidos que aparecem como surpresas ou fenômenos inusitados. Possui uma função crítica que interpela o conhecimento tácito e simultaneamente se apresenta com experimentações novas do fazer. Ou seja, a reflexão consciente pode muitas vezes se integrar ao contexto das próprias ações, como improvisações criativas do fazer. Sinaliza através de exemplos de improvisações dos músicos de jazz ou de conversas no dia-a-dia, que o fazer propicia novos conhecimentos e possui também, uma dimensão pedagógica fundamental estabelecida através de relações entre indivíduos que dele fazem parte. Nestes exemplos musicais são performances coletivas que ocorrem na ação, onde existe escuta e surpresa em relação aos atos criativos que surgem e, ao mesmo tempo aprendizagem num processo de desafios e respostas que se alteram em resultados parciais na composição de um todo . (Ibidem, p. 35).

Nos momentos iniciais do trabalho no fazer arquitetônico, os diálogos reflexivos que conduzem às soluções criativas, se manifestam quando o profissional, ao definir o problema – como um ato de designação e concepção - escolhe os aspectos que irá analisar, apreciando a situação de tal forma que se estabeleça, a partir daí, uma coerência e uma direção para a ação. Assumindo posicionamentos de Goodman, (1978) 4, Schön afirma que a definição do problema constitui em sua essência um processo ontológico – uma maneira de apresentar uma visão de mundo – onde se conjugam a história de vida, as experiências profissionais, a posição do indivíduo nas organizações e seu posicionamento em termos de perspectivas econômicas e políticas diante do contexto histórico.

Como sinaliza Foqué (2010), uma vez que a realização criativa não segue um caminho pré-determinado, cria, no fazer, resultados parciais que só podem ser plenamente visualizadas quando o trabalho termina. Referendando a concepção de De Bono 5, afirma que os atos criativos estão associados a um “pensamento lateral” que se manifesta no processo de escolha das alternativas mais apropriadas diante de múltiplas possibilidades. Ou seja, o processo de criação se baseia não só na intuição do sujeito, mas num movimento intrincado onde se aliam reflexão e conhecimento já incorporado. Para De Bono, embora os resultados das escolhas não possam ser garantidos de antemão, “elas devem ser originais e efetivas”. (Ibidem, p. 37)

MAY (1975) analisa alguns aspectos conjugados que cercam os atos criativos. No momento de sua ocorrência, são acompanhados de sensações e percepções, como uma forma de experiência do sujeito, onde se salientam quatro características: primeiro surge um

4 GOODMAN, N. Ways of World Making. Indianápolis: Kackett, 1978. 5 DE BONO, Edward. Lateral Thinking: creativity step by step. London,England: Harper & Row, 1970.

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 62 sentimento de culpa na medida em que a criação supõe necessariamente destruição e transformação, seguida de ansiedade e, mais importante ainda, de uma sensação de gratidão que acontece nos momentos em que enxerga o algo novo criado. Em segundo lugar, a percepção do ato criativo é claridade, como na expressão: “Tudo a meu redor ficou subitamente iluminado”. Esta experiência pode ser definida como um estado de intensificação do consciente que “amplia a capacidade de pensar e o processo sensorial e, sem dúvida, fortalece a memória” (Ibidem, p.61). Ao mesmo tempo, a percepção de claridade nunca vem por acaso. Articula-se a um padrão de comportamento que se define como compromisso do indivíduo com o seu próprio trabalho. “A quarta característica da experiência é que a intuição vem exatamente no momento de transição entre o trabalho e o repouso” (Ibidem). Entretanto, para que isso aconteça é necessário uma postura de abertura e um envolvimento menos rígido com conclusões pré-estabelecidas e a intuição pode se dar nas mais diversas circunstancias de cotidiano, além dos locais e tempos designados ao trabalho. Ou seja, o trabalho, em sua dimensão qualitativa de um fazer concreto escapa às dicotomias, atravessando diversas dimensões sociais do viver. O aspecto que se destaca na análise de MAY é que “não podemos querer a criatividade. Mas podemos usar a vontade para conseguir o encontro, intensificando a dedicação e o compromisso. A ativação dos aspectos mais profundos da percepção relaciona-se diretamente com o grau de compromisso da pessoa com o encontro”. (Ibidem, p. 45).

Além desses aspectos, declarações pontuais de muitos arquitetos sobre as suas experiências de trabalho rompem com outras dicotomias. Revelam, por exemplo, que os atos criativos se agregam a um esforço consciente que é indissolúvel de sua própria experiência de vida; de conhecimentos e repertórios específicos; de um modo de se colocar no mundo e, como tal, atribuem na configuração de um saber fazer, um significado subjetivo que torna problemática as separações entre o sujeito que cria e o objeto de sua criação.

Villac (2004, p. 243-244) reconhece através de uma analise exaustiva da obra de Paulo Mendes da Rocha 6 esta impossibilidade da separação entre o sujeito e sua obra e assim se refere, analisando os diversos depoimentos em suas entrevistas com o arquiteto:

La vida del arquitecto contiene el gérmen de su obra. E su opinión, los fatores heredictarios y las influencias ambientales son el texto que la naturaleza y la historia le han legado, para que él lo decifre. Para el arquitecto, lo que la vida le propone, como libre interpretación de la existencia, es la penetración en el mundo a través de un pensamiento

6 Adotando princípios fenomenológicos sinalizados por Merleau-Ponty sobre o diálogo inerente entre a obra de arte e o sujeito que vive a experiência, como um dos recursos analíticos para o entendimento da produção arquitetônica de Paulo Mendes da Rocha VILLAC (2004) fundamenta e amplia a noção de complexidade que cerca à atividade criativa.

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constructivo que se estructura de forma tectónica, necesaria y escénica, ‘’en un continuo espetáculo de transformación. El arquitecto considera que la “experiência vivida” construye la mirada, como referencia de las relaciones significativas del mundo que habita y enlaz com la objectividade. El conhecimento es un enlace entre la mirada y el mundo y, por tanto, se muestra desde un horizonte de existencia. Es a partir de la consciencia concreta del mundo – la apropriación del pensamiento constructivo -, que el arquitecto concibe el mundo de las ideas. Para Mendes da Rocha, a objetividad no está “en la idea de mundo”, sino que está “en el mundo”. Empreender, engendrar, transformar son acciones constructivas en el tiempo que posuen magnitud existencial. Así pues, considera que el racionalismo se insinúa de forma significativa: la percepción de uma consciencia constructiva intencional se constitue en ciencia y tiene um carácter antiintelectual, cuja “apertura al mundo” constituye una modalidad de manifestación del proprio mundo. La consciencia integrada en la existencia configura que, para el arquitecto, “el cogito es espesura temporal de um contacto intersubjetivo com el mundo.

Ao mesmo tempo, a ideia contida no resultado do trabalho e assumida como invenção, surge e se desenvolve como esforço intencional de possibilidades construtivas, que condensa arte e ciência, mobilizando através de impulsos subjetivos, o que se sabe e o que se quer saber e contém necessariamente uma interpelação crítica das determinações externas que se conjugam no Programa do projeto arquitetônico.

Em nossa profissão, sempre antecedem as nossas atividades, uma solicitação advinda de uma pessoa ou órgão público que anseia um objetivo e, para tal, advoga um “Programa Básico”, pelo qual intenciona proporcionar as condições e funções mínimas para atingi-las. Todavia, nem sempre construído sobre problemáticas verdadeiras e, freqüentemente de forma supérflua poderá atender estas prerrogativas. Cabe, portanto, ao arquiteto com sua formação universalista (realizar) a “Análise Programática”, ponderando e depurando as eventuais alterações que poderão otimizá-lo. O arquiteto, pela sua estrutura abrangente, é usualmente o coordenador das equipes pluridisciplinares, de projetos urbanos e arquitetônicos de maior complexidade e, a reconstrução definitiva do programa, cada vez mais, se constitui em uma de suas maiores atribuições. (PETRACCO, 2004, p. 421, grifos do autor)

Estas considerações denotam algumas singularidades do trabalho que tornam diferentes, por exemplo, o arquiteto do artista plástico. No dizer de (TELLES, 2009), ambos traçam alguns percursos criativos semelhantes, mas com pontos de partida distintos. O artista, segundo ela, assume que tem uma subjetividade e o seu desafio de criação é ultrapassar a si mesmo, no processo de representação. O arquiteto, ao contrário tem um ponto de partida distinto: caminha de uma linguagem codificada e genérica, enquanto portador de um conhecimento técnico para uma expressão sensível que lhe permite expor o

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 64 sentimento do mundo que lhe é subjetivo. É um trabalho permeado por uma questão sensível e estética e por outras questões de ordem social que lhe demandam competências de organizador de uma ganha de atividades.

Caldana (2005, p. 139) retoma nos clássicos da modernidade, Vitruvius e Alberti, as características essenciais do trabalho arquitetônico, algumas das quais, mencionadas anteriormente. Para ele, já se coloca aí a noção de indissolubilidade entre teoria e prática. O trabalho arquitetônico incorpora simultaneamente, “reflexão, sistematização e proposição”, o que exige do arquiteto uma formação multidisciplinar. Considerando estes aspectos, “interessa [...] a forte ligação sistematizada há mais de dois mil anos entre o pensar e o fazer Arquitetura como resposta de conhecimento à superação das necessidades colocadas pelos outro, seja ele individual ou coletivo, imperador ou plebeu” 7.

A ciência do arquiteto é ornada por muitos conhecimentos e saberes variados, pelos critérios da qual são julgadas todas as obras das demais artes. Ela nasce da prática e da teoria. Prática é o exercício constante e frequente da experimentação, realizada com as mãos à partir de materiais de qualquer gênero, necessária à consecução de um plano. Teoria, por outro lado, é o que permite explicar e demonstrar, por meio de relação entre as partes, as coisas realizadas pelo engenho. (VITRUVIUS,1999, p. 49, apud CALDANA, 2005)

Importa ainda, para o autor, reconhecer o fato de existir já em Vitruvius, “a compreensão de que o trabalho artístico é composto pelo resultado e pelo processo, pela obra em si e pela dimensão teórica inerente ao seu fazer”. (Ibidem, p. 140).

No ato de trabalho de criação arquitetônica, parafraseando SENNETT (2009) quando se refere às habilidades do artesanato, a cabeça e as mãos andam juntas ou ainda, como se refere (ROSSI, 2008, p. 98) sobre o desenhar:

[...] a questão mais importante para o entendimento da realização da atividade do desenho, segundo a expressão utilizada por Alonso (1994.: 109) 8 é que perceber e representar andam de mãos dadas”, ou seja, ocorrem concomitantemente. Não há uma seqüência hierárquica do primeiro perceber para depois representar – o ato de representação é imediatamente percepção. Por esta razão o desenho se faz enquanto o

7 O autor relembra que Alberti foi o fundamento da arquitetura do Renascimento sistematizando um método que de certa forma permanece até hoje e que permitiu a elaboração de uma nova linguagem na representação. Entretanto, afirma que este fenômeno não se esgota em suas proposições. “No século XVIII Boullé, Ledoux, Bondel, entre outros avançam na distinção entre o pensar e o fazer, dedicando ao primeiro a composição como instrumento privilegiado de ação. Origem do ensino contemporâneo da Arquitetura, a sistematização da composição possibilitou sua institucionalização, que se deu nas academias do Renascimento e sobretudo na escola de Belas Artes de Paris” (CALDANA, Ibidem, p. 143). 8 Na citação de Rossi, a referência mencionada é: ALONSO, Carlos, E. Percepção tridimensional, representação bidimensional . Tese de Doutorado apresentada na FAU-USP, 1994.

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próprio ato de pensar de quem o realiza. Perceber é uma atividade intencional.

A imaginação sensível se alia a conhecimentos técnicos e habilidades de representações construtivas, como materialidade própria a ser trabalhada, apropriando-se de recursos instrumentais diversos até que o projeto arquitetônico se finalize como um produto completo.

Desta maneira, a idéia do artefato, como algo único, tem sua existência primeira nas imagens mentais e aos poucos assume materialidade no próprio fazer - e este fazer é trabalho no sentido esforço intencional, de energia posta em ação. Nos movimentos infindáveis de esforço e dedicação onde “a cabeça e as mãos andam juntas”, afloram as habilidades, os conhecimentos técnicos e a experiência acumulada do arquiteto, como “saberes não sabidos”, ou seja, como conhecimento tácito.

Ao indagar sobre a produção artística em seus diferentes momentos e fases, BRANDÃO (2006) sugere esta mesma ideia, ao apontar a simultaneidade e articulação entre criatividade e pesquisa, entre saberes inconscientes (como saberes não-sabidos) e saberes racionais e conscientes evidenciando que a construção de conhecimentos também na arte, se realiza no ato de trabalhar, ou nos processos de trabalho. Ao se referir à artista plástica Carmela Gross, afirma que: “Abordando o processo de construção do seu trabalho artístico, fornece pistas sobre a construção do saber-fazer e afirma que não basta conhecer e dominar uma técnica determinada. [...] O próprio artista parece “não saber o sabido” contido no momento inaugural dos processos criativos uma vez que ele sempre apresenta um caráter experimental” (Id. Ibidem: 60). Reafirmando as colocações anteriores sobre conhecimento tácito, para CERTEAU (1996:145), a manifestação do saber não sabido se dá por um saber fazer que não apela ao discurso e se movimenta entre a inconsciência dos praticantes e a reflexão dos não praticantes: - “Trata-se de um saber anônimo e referencial, uma condição de possibilidades das práticas técnicas e eruditas”.

São muitos os depoimentos de arquitetos que traduzem este saber não sabido como uma intuição relacionada a conhecimentos adquiridos a uma experiência acumulada que propicia uma capacidade de equacionar e lidar com dados específicos de um projeto particular. Todos estes aspectos se transferem no dizer de Sylvio Vasconcelos (apud XAVIER, 2003, p. 237), “[...] para o subconsciente os processos mentais que racionalmente se realizam no consciente” ou como afirma Affonso Reidy (apud XAVIER, 2003, p. 212) se expressa no ato de projetar, como uma intuição dirigida (Id. Ibidem), o que significa habilidades que se forjam e se consolidam no próprio trabalho.

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Estas idéias também estão presentes nas análises de Sennett (2009). O autor se utiliza do conceito de conhecimento tácito para se referir às características das atividades artesanais no sentido de que nas práticas de trabalho existe conversão de conhecimentos “não sabidos” e, ao mesmo tempo, estas práticas forjam novos conhecimentos e habilidades, num mesmo movimento simultâneo do fazer e do pensar.

O termo incorporação dá conta aqui de um processo essencial a todas as habilidades artesanais, a conversão da informação e das práticas em conhecimento tácito. Se uma pessoa tivesse de pensar em cada movimento para acordar de manhã, levaria uma hora para sair da cama. Quando falamos de fazer algo “instintivamente”, muitas vezes estamos nos referindo a comportamentos que de tal maneira entraram em nossa rotina que não mais precisamos pensar a respeito. Aprendendo uma capacitação, desenvolvemos um complicado repertório de procedimentos desse tipo. Nas etapas mais avançadas dessa capacitação, verifica-se uma constante interação entre o conhecimento tácito e a consciência presente, funcionando aquele como uma espécie de âncora, esta, como crítica e corretivo. (SENNETT, 2009, p. 62-63).

O ato de projetar, qualificado por PETRACCO (2004, p. 408) como gesto projetual 9, advém, “[...] do conhecimento da história e da ciência; portanto, contém o conjunto de comportamentos e procedimentos que envolvem o profissional no desenvolvimento de uma concepção determinada, desde o primeiro olhar ao derradeiro pormenor”. Na busca de qualificar os seus atributos, coloca como ponto de partida, a presença de dois pressupostos simultâneos:

1. o processo criativo, base da produção cultural, está inserido no método cognitivo e se desenvolve da Observação, que induz a Crítica e anseja à Criação; 2. a arquitetura é uma obra artística, por isso subjetiva, e emerge de uma análise historiográfica e de uma proposta tecnológica, geralmente prospectiva, portanto inserida em método científico. (Ibidem, p. 413).

E ainda,

O Gesto Projetual, como qualquer outro se desenvolve dentro de um emaranhado de circunstâncias e consequentes reações. São fenômenos conjunturais ou condicionantes que irão protagonizar nossas posturas dentro do comportamento ético. Elas estão presentes nos desafios físicos e

9 Dependendo da forma como é utilizada, a expressão “gesto projetural” pode conter mistificações em torno da criação arquitetônica. Este não é o caso de Petracco, pois o gesto criativo para ele não é algo obtido de imediato. Representa uma busca intencional e direcionada tecnicamente, cujas respostas ou encontro de soluções passam por processos reflexivos e materiais próprios que demandam tempo e esforço. Caldana (p.cit) utiliza a expressão “gesto criador” e trabalha com a hipótese de que ele é fruto da capacidade do arquiteto de interpretar criativamente as condições pré-existentes e as condições desejadas.

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morfológicos assim como nos fatores sócio-econômicos e culturais e no conhecimento tecnológico. (Ibidem, p. 413)

Para ele, a dimensão criativa contida no ato de projetar,

[...] é o resultado do domínio de toda “entourage” depois de observada e apuradamente criticada, revertido em ato propositivo, o projetar. O ser humano, insaciável agente de transformações, não se resigna a acomodar- se perante seus diagnósticos. Espontaneamente propõe e, quando necessário derruba e desconstrói. É objetivo específico precípuo, mas não se exaure em si neste momento. Em sua mente investigadora volta a observar-se em sua proposta, reflete, critica-a e a redescobre, reinventando-a, dentro de um processo de aproximação sucessiva e sistemática. E nesse comportamento, “moto contínuo”, que o homem leva e é trazido para as aventuras do processo evolutivo, quando emancipando- se, volta a observar-se reanalisando os conteúdos com crítica consciente e profunda, reinventando descobertas e descobrindo novas invenções. (PETRACCO, 2004, p. 410, grifos do autor)

Por isto mesmo é que CAMPOS e SILVA (2004) consideram o projeto arquitetônico como tendo as mesmas características e elementos do conhecimento e da pesquisa científica, contendo indagações, referências teóricas, hipóteses de trabalho, experimentações. Mas, ao mesmo tempo mantém aspectos diferentes e singularidades próprias na medida em que “a arquitetura possui um enquadramento epistemológico e metodologias próprias”. E ainda, salienta que: “a formulação intelectual na arquitetura é uma apropriação de conhecimento tendo em conta a poesis [...] e, o conceito proposto intelectualmente, deverá ser traduzido em linguagem arquitetônica mediante o conhecimento sensível, visando à forma arquitetônica”.

CALDANA (2005, p. 148) ao se debruçar sobre os processos de projeto arquitetônico problematiza a concepção de que ele é um simples recurso para a resolução de problemas colocados por outros. Considera que este é um paradigma superado na medida em que a atividade de projeto é atravessada por outros fatores intervenientes, inclusive subjetivos. “O estabelecimento de relações e nexos passa [...] por sua natureza social e pelos repertórios de informações e conhecimentos envolvidos no processo”.

Esta mesma perspectiva é reconhecida por Villac (2004, p. 264-265), em Paulo Mendes da Rocha. Para este arquiteto, a arquitetura se articula não apenas como forma de solucionar problemas, mas, sobretudo por lançar problemas, enquanto desafios criativos nas

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 68 relações entre meios e fins, no mesmo sentido apontado por Schön 10 . Nas palavras do próprio arquiteto, ressaltas pela autora:

Eu tenho a impressão de que até hoje faço arquitetura assim: eu acho que é invenção, é a resolução de alguns problemas, cujos problemas não são aqueles contidos estritamente nos programas, mas são os que você transforma como problema, porque quer que aquilo diga aquilo lá. Você quer que este projeto exprima “isto”. Daí nasce o problema: um problema que você cria diante do quadro e você o resolve tecnicamente para que fique assim, no espaço. É uma construção enquanto realização de uma imaginação.

Em Alvaro Siza, conforme já salientado anteriormente, a dimensão da liberdade criativa está presente, mobilizada pelos desafios de enfrentar elementos aparentemente contraditórios e pela capacidade de se articular às circunstâncias ainda que com modos de criação específicos. Para ele, o processo de criação, sobretudo nos desafios iniciais, é sempre uma descoberta, onde a solução dos problemas frequentemente ocorre de maneira inesperada, exigindo a consciência da presença do conflito como reflexo de ambivalências e múltiplas possibilidades de soluções.

Me dicen algunos amigos que no tengo ni una teoría ni un método, que no soy un pedagogo, que soy una nave a merced de las elas. No pongo a prueba la madera de la nave en el mar. Los excesos la destruírian. Estudio las corrientes, los remolinos [...] Puedo ser visto paseando a solas em la cubierta. Pero toda la tripulación y todos o medios están allí. [...] No me atrevo a poner las manos en le timón cuando apenas se ve la Estrella Polar. Y no indico cuál es la via clara. Los caminos no son nunca claros”. (SIZA, apud MONEO, op. cit., p.206)

Por isto mesmo é que, para ele, o movimento criativo supõe, à partir desta consciência, um distanciamento, abrindo espaço para fruição de novas ideias que oscilam entre estranhamento e reconhecimento, consciência do conflito e ambivalências e só termina devido às circunstâncias.

De todo modo, o projeto arquitetônico segue um desenvolvimento em etapas institucionalizadas e referendadas pelos órgãos de representação de classe 11 que à primeira vista pode parecer como uma forma linear de organização do ato de projetar: “Traduzidas

10 Segundo Schön (Idem:17), as zonas indeterminadas da prática que escapam aos cânones da racionalidade técnica envolvem em muitos casos, conflitos de valores e quando isto ocorre, “[...] não há fins claros que sejam consistentes em si e que possam guiar a seleção técnica dos meios”. 11 Existem duas normas da ABNT que tratam do projeto arquitetônico: NBR13531 e NBR13532, com o referendo da ASBEA que ainda formularam diretrizes e normas para a intercambialidade de projetos com representações em CADD. (CALDANA, 2005: 167).

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 69 para o jargão da produção do projeto, estas etapas se caracterizam pelo começo correspondendo à definição do partido, o meio ao desenvolvimento do projeto e o fim à execução do projeto” (CALDANA, 2005, p. 156). Conforme salienta, a complexidade das demandas e a introdução de novos instrumentos de trabalho no processo de projeto acabaram por incidir no aparecimento de etapas intermediárias: definição do partido do projeto; elaboração do estudo preliminar, elaboração do anteprojeto e execução do projeto executivo e, em alguns casos incorporam-se estudos de viabilidade, plantas legais e projeto pré-executivo. (Ibidem, p. 159-160).

Entretanto, em termos de processo de trabalho estas etapas não são lineares. Podem, dependendo do estágio de desenvolvimento do projeto, serem efetuadas simultaneamente, definindo e assimilando modificações necessárias no percurso do seu desenvolvimento. Como já mencionado, fatores intervenientes muitas imprevistos, obrigam um refazer que se repete, cabendo ao arquiteto realizar o trabalho de perícia artesanal, avaliando constantemente e ajustando o trabalho para o fim desejado. No processo do fazer, “surge a possibilidade de que esta idéia original, a proposta de arquitetura, seja ainda passível de re-elaboração durante o processo, sem que isto signifique que se está elaborando outro projeto” (Ibidem, p.174)

Além disso, segundo Caldana (2005, p. 149) existe hoje uma convivência entre diversas abordagens metodológicas em relação ao processo de projeto 12 :

A intensa relação existente entre Arquitetura e seu tempo, se por um lado não prescinde do conhecimento e sua sistematização, por outro tem provocado a crise de identidade que pode ser frequentemente observada. Questões como criatividade, a racionalidade e o controle desse processo em que ambas estão envolvidas buscam respostas neste momento de transição.

Os seus posicionamentos de não-linearidade dos processos de projeto se apoia em estudos sistematizados por Joaquim Guedes e conhecidos como teoria dos sistemas e sub-sistemas, onde existe ênfase num conhecimento aprofundado do lugar e do programa do projeto. Nesta proposição, a arquitetura vai se realizando em partes e “não obrigatoriamente através de um processo linear baseado na definição de uma ideia original ou uma forma pré-concebida que se desenvolve em sua representação” (Ibidem, p. 150).

12 Aponta o crescente interesse investigativos sobre os processos de projeto, destacando as contribuições de pesquisadores renomados como Elvan Silva, Carlos Eduardo Comas e Edson Mafhuz, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e de Carlos Leite Brandão e Silke Kapp (em Minas Gerais), entre outros .

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Do ponto de vista das características das práticas de trabalho, evidencia-se aí uma combinação simultânea de esforço, disciplina, e inúmeros atos criativos que percorre todo o processo de elaboração do projeto arquitetônico, desde sua concepção. No fazer, o arquiteto lança mão dos instrumentos disponíveis e que domina como expressão de suas habilidades manuais, capazes de expressar, nas linguagens gráficas, o artefato concebido. A obra se configura paulatinamente e se expressa como uma narrativa pessoal onde se articulam elementos subjetivos (a fantasia) e materialidade numa linguagem reconhecida. É nesta perspectiva que se pode transpor as analises de Balinisteanu (2008, p. 12) sobre a construção das narrativas literárias ao projeto arquitetônico. Tal como nos textos literários, o arquiteto também, ao construir sua narrativa através do projeto arquitetônico, transita entre fantasia e realidade, se apresenta ao outro, mexe com as identidades dos indivíduos e confirma sua presença social no mundo.

O desenho e as modelagens constituem os instrumentos principais dos processos conceptivos que constituem a primeira fase do projeto ou os momentos inaugurais do fazer arquitetônico permitindo que as ideias que surgem primeiramente na mente se materializem no papel, como criação. GINOULHIAC, (2009) ao discutir as mudanças de paradigmas do projeto arquitetônico desde a modernidade, defende a premissa de que o desenho se mantém e se atualiza até hoje por ser um meio de construção negociada de pensamentos e concepções, não só nos primeiros momentos, mas ao longo de todas as etapas do processo de trabalho.

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3.5 - Processos de criação / Instrumentos de trabalho. Escritório UNStudio, Amsterdam Fonte: GOODMAN, N., 1978, p. 120-122. Para Rozestraten (2006) estes instrumentos se colocam “[...] como meio de diálogo entre as ‘imagens de pensamento’ – formas mentais, internas – e as imagens visuais – formas materiais, externas – que poderiam ser percebidas (vistas, tateadas, percorridas) pelo próprio autor e também por outras pessoas”.

[...] o ato de desenhar ou modelar é indistinto da criação, e como tal é aberto: sujeito a críticas, revisões e alterações. Como já disse Vilanova Artigas: “desenho – designa” [...] É um risco que significa. Desenhar-designar é introduzir uma nova forma simbólica no universo semântico. Todo desenho é, inevitavelmente, a invenção de novos signos que comunicam novos conteúdos artísticos. O croqui é um esboço, um desenho esquemático, sem acabamento. Um desenho que se pretende mais uma forma em construção do que uma forma acabada. Desenho do pensamento em processo, aproximativo, tateante, registro de um traço reflexivo que experimenta possibilidades. O croqui é o desenho que acompanha o pensamento de quem projeta, no diálogo gráfico consigo mesmo, e com os outros. É o desenho que se faz enquanto se fala e se pensa, e o registro plástico de um pensamento em curso.

Como pontua Schenk (2010, p. 109-110), interpretando o papel dos croquis nos processos conceptivos em quatro projetos arquitetônicos 13 através de entrevistas com os seus autores 14 , destaca, entre muitas outras, as seguintes reflexões:

• Os croquis conceptivos são compreendidos enquanto linguagem que expressam formas de estruturação de idéias espaciais; • O partido arquitetônico não poderia ser atingido por um único momento de inspiração ou se conter a ela. “Sua constituição decorre de sucessivos contatos com o fenômeno arquitetônico”. Ou seja, a solução arquitetônica só pode ser pensada como um processo de sucessivas aproximações, rompendo com a idéia de instantaneidade conceptiva; • “A aparente totalidade que se anuncia, imprimindo um sentido ao projeto, vigoraria por ser embrionária. Se um partido arquitetônico se firma é porque ele indicia uma série de possibilidades de articulações espaciais, um caminho a ser per corrido”;

13 Museu de arte de Belo Horizonte MABH de autoria de Givaldo Medeiros e Alexandre Loureiro (1990), projeto vencedor do concurso Nacional de anteprojetos para o MABH – promovido pelo IAB – Minas Gerais; Museu Rodin da Bahia – MRBA , de Francisco Fanucchi e Marcello Ferraz (2001); Grande Museu Egípcio do Cairo – GMEC , de Hector Vigliecca (2003), projeto mencionado como destque no The International Architecture competition for the Grand Eggyptian Museum e Museu de Escultura de São Paulo , de Paulo Mendes da Rocha (1987), projeto vencedor de concurso fechado de arquitetura, promovido pelo IAB, São Paulo. 14 O olhar para as transformações da ideia arquitetônica no contexto do desenvolvimento do projeto à partir da percepção dos próprios autores é, do ponto de vista metodológico a mesma desenvolvida no capítulo 5 desta tese.

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• “o desenvolvimento do projeto faria o partido arquitetônico se reencontrar continuamente. Como um caminho que se trilha na simultaneidade do que é construído, o projeto seria feito na medida em que passa a ser revisto”;

Reafirmando estes aspectos Sennett (2009, p. 55) enfatiza que o desenho, enquanto intermediação no fazer, necessita, sobretudo na Arquitetura, da presença de elementos táteis e relacionais no processo de trabalho.

O tátil, o relacional e o incompleto são experiências físicas que ocorrem no ato de desenhar. O desenho representa aqui um leque mais amplo de experiências, como por exemplo, a maneira de escrever característica da edição e revisão, ou a maneira de tocar música que explora repetidas vezes as qualidades intrigantes de um determinado acorde. Estes aspectos táteis e relacionais como o desenho ou outros meios de experimentação é, sobretudo fundamental na arquitetura porque estabelecem conexões necessárias entre as idéias imaginadas e a realidade real onde serão aplicadas. Para o autor, “os projetos que dispensam o uso da mão também desqualificam um certo tipo de compreensão relacional”. (Ibidem, p. 54) Exemplifica estas idéias com as palavras de 15 : Começamos fazendo esboços, depois traçamos um determinado desenho e em seguida fazemos um modelo, para então chegar à realidade – vamos ao espaço em questão -. Voltamos mais uma vez ao desenho. Estabelecemos uma espécie de circularidade entre o desenho e a concretização e de volta ao desenho. [...] É perfeitamente característico da abordagem do artífice. Ao mesmo tempo, pensar e fazer. Desenhamos e fazemos. O ato de desenhar [...] é revisitado. Fazer, refazer e fazer mais uma vez”. (Ibidem, p. 52).

As preocupações de Sennett, enfatizando os elementos táteis do trabalho arquitetônico, dirigem-se às possibilidades e formas do uso de programas digitais aplicados à arquitetura. A questão para ele é mais complicada do que uma simples oposição entre mão versus máquina. É possível usar o computador como ferramente auxiliar para contornar dificuldades, nos movimentos circulares de trabalho, enfatizados acima por Enzo Piano. “As formas abusivas de utilização do CAD bem demonstram que, quando a cabeça e a mão estão separadas, é a cabeça que sofre”. Ou ainda, “o desenho com ajuda do computador pode servir como símbolo de um amplo desafio enfrentado pela sociedade moderna: como pensar a vida como artífices fazendo bom uso da tecnologia” (Ibidem 56).

15 Refere-se aqui a uma citação de Renzo Piano extraída do livro: ROBBINS, Edward. Why architects Draw. Cambridge, Mass: MIT Press, 1994, p. 126.

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Maria de Jesus Leite (2007) embora tenha o foco de suas análises centrado nas questões de formação do arquiteto, defendendo o propósito de um aprendizado não apenas pragmático, mas também voltado para as possibilidades de criação de utopias - cujas bases estariam numa formação sensível, onde a busca da ampliação dos sentidos significa querer aflorar o que ela denomina por ‘manualidade”.

Entretanto,

Para o desenho ser desígnio nas mãos do aprendiz de Arquitetura é preciso um domínio espacial para o qual ele precisa preparar-se. Com o domínio espacial, o desenho, à medida que vai sendo construído, vai, ele mesmo se transformando em instrumento do pensar, do refletir, porque consciente. E, na “realidade, é a concepção, a consciência da criação” (LEITE, Maria J., 2007, p. 78)16 .

O aspecto mais destacado de suas análises é o fato de conferir à criação, o estatuto de trabalho. Ou seja,

[...] quando se trata de abordar o processo de criação [...] há que buscar entender que dele fazem parte capacidades que são cerebrais (pertencentes ao mundo real) e que exige uma dimensão de trabalho tamanha que a ele se referir como algo livre de esforço é não lhe dar a dimensão devida. (Ibidem, p.85).

Cabe assinar que a importância crescente do desenho, desde os primórdios da modernidade, como o elemento característico do trabalho do arquiteto, fez como que se tornasse um indicador de autoria do projeto e, no geral, os arquitetos são admirados por suas qualidades de desenho. Conforme Lapuerta (1997, p. 20) nos séculos XVIII e XIX existia uma luta obsessiva contra as imperfeições no trabalho e os croquis e desenhos arquitetônicos eram muito bem elaborados e inclusive expostos em prateleiras, expondo-se ao olhar do outro. Ao mesmo tempo em que revelam um saber fazer erudito, servem de patente do produto, uma vez que se espera que cada arquiteto tenha uma reflexão única e uma marca característica de expressão gráfica. O autor refere-se inclusive ao fato de que Le Corbusier assinava a maioria dos seus croquis.

Sobre as características intrínsecas dos croquis, se reporta ao fato de que para o arquiteto eles possuem uma dupla intensão: - comunicar-se consigo mesmo através de

16 Para Lacombe (2007) a idéia do aluno desenhando na prancheta com a supervisão do mestre é uma tradição, com raízes no início do século XIX. Isto supõe que a arquitetura não se ensina este método de transmissão do conhecimento – da arquitetura enquanto construção do espaço – decorre do pensamento que se constrói através de mediações e representações.

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 74 imagens e mostrar aos clientes os resultados parciais ou finais do seu trabalho. Tanto do ponto de vista interno quanto externo, existe um movimento de rapidez que se multiplica em muitos desenhos o que explicaria a aparência tosca e expressiva dos croquis, onde as convenções gráficas são simplificadas. (LAPUERTA, 1997, p. 28).

Além dos autores mencionados, muitos outros (PERRONE, 2005, 2006; ALONSO, 1999; FLORIO, 1998; ROSSI, 2008; SEGNINI, 2002, etc.) têm contribuído de forma substancial para o conhecimento do papel ainda importante dos instrumentos tradicionais no trabalho do arquiteto, em alguns casos movidos pela preocupação com os impactos sobre as formas de se criar em arquitetura, decorrentes de um mundo tecnológico em rápida aceleração.

No caso deste trabalho, o resgate de um fazer concreto através de entrevistas concedidas pelos arquiteto Luciano Margotto Soares, permitiu constatar que, desfazendo as preocupações de Sennett, no trabalho de elaboração dos projetos analisados, os instrumentos tradicionalmente usuais e manuais se combinam com instrumentos tecnológicos digitais num movimento não linear. Os croquis assumem um duplo papel – como um instrumento de criação e como elemento de interlocução interna e externa, como enfatizado por Lapuerta e muitos outros autores. Da mesma forma, a maquete se apresenta em sua dupla expressão – física e eletrônica, também possui funções múltiplas – se insere no processo criativo como instrumento de trabalho (modelagem) e como elemento de intermediação nas relações externas.

Como expressão de um fazer que é geral aos arquitetos, os momentos primeiros da criação pressupõem um conjunto de atos de trabalho que exigem muito esforço e disciplina, envolvendo o resgate de referências próprias em projetos anteriores ou alheios, interlocuções com outros profissionais especializados e investigação sobre possibilidades técnicas, etc, que no geral também ocorrem em diversas circunstâncias e espaços para além do escritório ou atelier, tal como igualmente acontece no fazer artístico, conforme BRANDÃO (op.cit). O arquiteto Toscano, só para citar um exemplo significativo, relata que ao se defrontar com os desafios de projetar a Estação Ferroviária do Largo Treze em aço foi em busca de Amílcar de Castro, artista renomado por suas habilidades com este material, para conhecer suas possibilidades plásticas (RIGHI, 2003).

Por isto mesmo, desde sua fase inicial, no fazer o projeto arquitetônico os atos criativos surgem no contexto de esforço intencional e direcionado a um fim desejado; a articulação dos ritmos e do tempo de trabalho assume feições auto-geridas; o processo de trabalho ocorre em diversos locais, e as possibilidades de ajustes são intermináveis mesmo

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 75 quando o resultado se apresenta em sua forma final. Como um processo paulatino de ajuste em torno das concepções iniciais, como se refere Piñón, o desenvolvimento do projeto arquitetônico é mobilizado por constantes dúvidas e os resultados finais são sempre surpreendentes e imprevisíveis.

3.2 ARTICULAÇÃO DE SABERES E FAZERES E ENGAJAMENTO SIGNIFICATIVO NO TRABALHO

Se, como afirma Paulo Mendes da Rocha (VILLAC, 2004, p. 265) a invenção de uma maneira de fazer é simultânea ao fazer e não reflexo de algo exterior, a criação não se restringe à concepção inicial, mas se realiza em aproximações sucessivas em busca de respostas e ajustes de idéias, durante todo o percurso do processo de trabalho. Estas aproximações revelam tensões entre a concepção estética e suas possibilidades construtivas ou, as tensões entre técnica e arte, num movimento de “sínteses provisórias” (Ibidem, p. 323), que se apresentam como resultados parciais do objeto trabalhado – o projeto arquitetônico.

Ao colocar idéias polêmicas, TELLES (op. cit.) sustenta que, diferente do que ocorre nos países centrais, a expressão arquitetônica brasileira do trabalho na prancheta possui um perfil próprio. A tradição da inexistência de um diálogo declarado a respeito das referências intelectuais no processo de criação liga-se ao fato de que aqui o projeto arquitetônico é assumido como síntese, denominação abstrata como algo que surge e se consolida no próprio processo de representação na prancheta, ou seja, no fazer. Esta ausência de referências conceituais e mesmo históricas no processo de criação teria, segundo ela, raízes na própria tradição da arquitetura brasileira em seus laços originais com a engenharia, assumindo um contorno didático-pedagógico na própria formação acadêmica do arquiteto, onde o conhecimento é transmitido em exercícios projetuais e, portanto, através das práticas.

Na perspectiva de DURAND (op. cit., p. 23) o conceito de síntese assume uma dimensão de meta-teoria ou um padrão de valor sobre arquitetura que se traduz na seguinte idéia: “o projeto arquitetônico resulta não da somatória, mas da síntese de múltiplas determinações da situação a que ele vem responder: necessidades do usuário, recursos

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 76 tecnológicos, disponibilidades financeiras – a serem reunidas num princípio unitário”. Neste sentido, a noção de síntese reveste uma expressão quase que consensual entre os arquitetos brasileiros e que se espelha nas colocações de Paulo Mendes da Rocha: de que as soluções criativas ocorrem de maneira paulatina, não necessariamente linear, no decorrer do processo de projeto.

Há que se adicionar a esta reflexão, que além do caráter não linear do trabalho no processo de projeto, ele se encontra entremeado por outras articulações complexas de caráter social e técnico.

A concepção do partido arquitetônico e a apresentação do artefato criado em etapas subsequentes de detalhamento são sustentados também por conhecimentos técnicos e habilidades instrumentais de outros profissionais que participam de forma pontual ou permanente no decorrer dos processos de trabalho. Significa dizer que o processo de projeto organiza um conjunto de relações sociais e se define por seu caráter coletivo.

Mesmo que as formas de engajamento dos indivíduos neste processo ocorram através do emprego assalariado ou de outras modalidades (temporário, por tarefas ou mesmo sob a forma de prestação de serviços terceirizados), cabe ao arquiteto, como autor (ou arquitetos, numa autoria compartilhada), identificar os conhecimentos necessários e articular um conjunto de trabalhos técnicos específicos que devem se harmonizar e convergir na obra projetada. Como será discutido no próximo ítem 3.3., nesse sentido o arquiteto lida simultaneamente com trabalhos e empregos e é responsável pelos “arranjos de trabalho”.

3.6 - Arquiteta e equipe de trabalho.

Fonte:GOODMAN, N. 1978, p. 20

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3.7: Diagrama SESC Pompéia Arquiteta Lina Bo Bardi Fonte: GOODMAN, N., 1978, p. 27.

Pode-se considerar como dimensão integradora dos diversos saberes e fazeres presentes no processo de projeto as interlocuções e o significado subjetivo que os indivíduos atribuem ao seu trabalho enquanto elemento importante para o projeto do artefato em elaboração.

Nas condições de complexidade do mundo contemporâneo, é importante assinalar, como o faz Caldana (2005, p. 177), que o papel de interlocutor e mediador, exercido pelo arquiteto se acentue, não só porque se ampliam as interferências e agentes externos, mas, ainda porque as tecnologias informatizadas permitem cada vez mais que o trabalho possa ser realizado à distância, fora de sua supervisão física.

Embora, ainda não existam dados estatísticos oficiais e confiáveis nesta área, o que se pode observar empiricamente a partir de levantamentos realizados junto a escritórios situados em várias partes do mundo é o aumento da utilização da grande rede não apenas para troca de informações e mensagens, mas também para o estabelecimento de parcerias técnicas, comerciais e científicas.

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Em relação às interlocuções internas do processo de criação, as contribuições de Schön (2000), ainda que voltadas para aspectos do ensino em Arquitetura, são fundamentais porque conseguem posicionar a sua importância nas relações colaborativas necessárias.

Para além das questões de formação do arquiteto, é importante ressaltar que a dimensão pedagógica é um fenômeno inerente aos processos de trabalho. Se os conhecimentos tácitos e novos conhecimentos são forjados pelas práticas de trabalho, pode-se afirmar que o elemento intermediador da dimensão pedagógica contida no fazer são as interlocuções que se inserem as relações sociais. Quer sejam feitas através de uma busca individual do arquiteto estabelecendo diálogos informais com profissionais muitas vezes de outras áreas de trabalho sobre a sua matéria de criação, quer através de parcerias declaradas com outros arquitetos sob a forma de arranjos de co-autoria ou de colaboração, as interlocuções estão presentes e são estratégicas na concepção do projeto. As discussões voltadas para a busca de melhores alternativas favorecem os ensaios de experimentação de possibilidades técnicas e espaciais e ajuda a definir decisões. Também, consultas ou participação diretas de outros especialistas nas questões técnicas específicas do projeto arquitetônico responsáveis pela elaboração dos projetos complementares dependem do entendimento discursivo das questões arquitetônicas envolvidas.

Se, para Schön (Ibidem) a arquitetura é por excelência uma expressão do talento artístico profissional por lidar com a complexidade, as práticas pedagógicas típicas da formação do profissional é o ateliê de projeto, que representa um protótipo da conversação reflexiva do designer 17 – onde se aprende através do fazer, com apoio da instrução e se prepara os indivíduos para o exercício profissional.

Ao adotar o ateliê de projeto como objeto de análise 18 , discute as relações complexas de criação que envolvem saberes e fazeres diversos e, ainda, competência, prática e talento artístico. No caso das práticas pedagógicas analisadas, as instruções do professor, ao mostrar as competências que gostaria que os alunos adquirissem, são apoios de instrução que acompanham os diálogos de criação, onde progressivamente se configuram aproximações e experimentação 19 : “Desenhar e conversar são formas paralelas

17 Em sua definição, designer é todo aquele que converte situações indeterminadas em determinadas e, como construtor, impõe sua própria coerência à partir de situações incertas, mal definidas, complexas e incoerentes. 18 As origens de suas pesquisas sobre ensino de arquitetura estão baseadas no trabalho dirigido por William Porter, diretor da Escola de Arquitetura e Planejamento do M.I.T. e Dean Maurice Kilbridge, Diretor da Escola de Pós-Graduação em Design de Harward. As descrições das práticas pedagógicas contidas no seu livro são resultados da observação participante em vários ateliês de projetos em diversas universidades americanas. 19 As características dos ateliês, nas universidades pesquisadas assumem o seguinte formato: “[...] em geral são organizados em torno de projetos gerenciáveis de design, assumidos individual ou coletivamente, mais ou menos padronizados de forma similar a projetos tirados da prática real. Com o passar do tempo eles criaram seus próprios rituais, como demonstrações dos coordenadores, sessões de avaliação de projetos e apresentação para bancas, todos ligados a um processo central de aprender através do fazer” (Ibidem, p. 45).

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 79 de construir um projeto e, juntas, elas fazem o que eu chamo de linguagem do projeto” (Ibidem, p. 48). Ao mesmo tempo, existe um caminho de construção e reconstrução da concepção do problema arquitetônico que envolve ações, reflexões e diálogos. E, em algumas situações o arquiteto estabelece um diálogo com a própria situação através de um domínio da linguagem:- “[...] aprecia as consequências de suas ações, as implicações que ele descobre e segue e realiza mudanças de postura em relação com a qual ele conversa” (Ibidem, p. 56).

As interlocuções que permeiam as práticas de trabalho nos processos de criação arquitetônica, quer no ensino acadêmico, quer na vida profissional, desnudam a ausência de dicotomias entre o ensinar e o aprender.

Também na dimensão pedagógica do processo criativo se apresenta outro elemento estratégico: o engajamento- como expressão de envolvimento na busca de realização de um bom trabalho.

3. 8: Arq. Paulo M. da Rocha e alunos em atividades do curso de Maquete em Curitiba.

Fonte: ROCHA, Paulo Mendes, 2007, p. 62.

É possível apontar que as habilidades forjadas no processo de trabalho, inclusive o aperfeiçoamento técnico de um saber ou mesmo, a aprendizagem através da incorporação de novos instrumentos de trabalho, possuem relações com o tipo de engajamento dos indivíduos

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 80 no trabalho, o seu grau de envolvimento e entrega, enquanto uma postura subjetiva de valoração sobre aquilo que faz.

Uma pesquisa coordenada por Perrone (2005) com o objetivo de indagar as funções dos croquis no processo de projeto arquitetônico, consultando diversos arquitetos, exemplifica como a prática profissional, quando se realiza através de um engajamento significativo (no sentido positivo) favorece o aperfeiçoamento de habilidades manuais, ainda que estas exijam esforço repetitivo e muitas horas de dedicação. Grande parte dos arquitetos entrevistados revelou que a prática profissional permitiu ao longo do tempo aprimorar suas capacidades de desenhar e que através de descobertas pessoais estas habilidades se transformaram. Os seus desenhos foram se tornando mais maduros e capazes de adquirir uma linguagem de expressão própria. A capacitação aperfeiçoada é algo que pode ser medida pela quantidade de horas empenhadas neste exercício manual de elaboração de desenho, quer “[...] sejam eles feitos a mão, no computador, ou o cada vez mais frequente através de desenho híbrido em que as plotagens recebem intervenções à mão num constante processo de vai e vem” 20 . (Ibidem, p. 626)

Sennett (2009) salienta a importância subjetiva do engajamento, como elemento substancial que orienta a realização de um bom trabalho. Ao tratar das práticas artesanais, discute o engajamento não em seus aspectos instrumentais, mas em seus patamares mais elevados onde a técnica deixa de ser uma atividade mecânica e as pessoas são capazes de sentir plenamente e pensar profundamente o que estão fazendo quando o fazem bem e esta sensação se traduz em gratificações emocionais – “as pessoas se ligam à realidade tangível e podem orgulhar-se do se seu trabalho” (Ibidem, p. 31). “Fazer um bom trabalho significa ser curioso, investigar e aprender com a incerteza”. (Ibidem, p. 61) Nesta dimensão, as transformações tecnológicas que se interpõe no trabalho não são o problema e sim, a forma com que a tecnologia é utilizada.

Estas questões remetidas à introdução de instrumentos de trabalho informatizados pressupõem forjar habilidades, potencializando os novos recursos, o que por si só não exprime engajamento, gratificações emocionais e vínculos afetivos com o ato de trabalhar. De todo modo, habilidades com as ferramentas informacionais representam saberes novos que vão construindo sendo incorporados e combinados aos já existentes. As preocupações de Sennett, no caso da arquitetura, e já mencionadas anteriormente, é que elas possam afetar e comprometer o fazer artesanal em seus aspectos de contato sensorial com a própria matéria trabalhada.

20 Os processos de projeto apresentados no capítulo 5, exemplificam práticas de trabalho semelhantes.

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No trabalho arquitetônico, o projetista estabelece na tela uma série de pontos; os algoritmos do programa ligam os pontos numa linha, em duas ou três dimensões. A concepção com ajuda do computador tornou-se quase universal nos escritórios de arquitetura, por sua precisão e rapidez. Entre suas virtudes está a capacidade de girar imagens, para que o projetista possa ver a casa ou o prédio de escritórios de vários pontos de vista. Ao contrário do que acontece com um modelo físico, o modelo na tela pode ser rapidamente aumentado, diminuído ou dividido em partes. Certas aplicações sofisticadas do CAD reproduzem os efeitos, numa estrutura, das mudanças de iluminação, direcionamento dos ventos ou temperatura. Tradicionalmente, os arquitetos analisavam os prédios de duas maneiras, pela planta e o corte transversal. O CAD permite muitas outras formas de análise, como, por exemplo, fazer uma viagem mental na tela pelas correntes de ar do prédio.

Como poderia uma ferramenta tão útil ser mal empregada? Quando o CAD foi introduzido no ensino de arquitetura, substituindo o desenho à mão, uma jovem arquiteta do MIT observou que, ‘quando projetamos um espaço, desenhando linhas e árvores, ele fica impregnado em nossa mente. Passamos a conhecê-lo de uma maneira que não é possível com o computador. [...] Ficamos conhecendo um terreno traçando-o e voltando a traçá-lo várias vezes, e não deixando que o computador o ‘corrija’ para nós’. Não é uma questão de nostalgia: a observação leva em conta o que é perdido mentalmente quando o trabalho na tela substitui o traçado à mão. Tal como acontece em outras práticas visuais, os esboços arquitetônicos frequentemente constituem imagens de possibilidade; no processo de cristalização e depuração pela mão, o projetista procede exatamente como o jogador de tênis ou o músico, envolve-se profundamente, amadurece suas idéias a respeito. O espaço, como observa a arquiteta, “fica impregnado na mente” 21 . (SENNETT, 2009, p. 52).

Outras questões significativas dirigem-se às relações efetivas de como nos processos de gestão, a incorporação de tecnologia pode acentuar a fragmentação do trabalho dependendo de como é realizado e produzir um engajamento subjetivo frágil, tal como discutido nas partes iniciais deste capítulo ou forjar outras possibilidades de arranjos de trabalho e interlocução no sentido de angariar formas renovadas de re-significação do trabalho. As habilidades criadas nos processos de trabalho e, sobretudo, o engajamento entendido como a busca de realização de um bom trabalho, se inserem, ao conjunto de relações sociais envolvidas, às formas como se articulam os indivíduos portadores de saberes necessários – aos arranjos produtivos ou formas de gestão do processo de trabalho.

21 Faz referência nesta citação ao autor: TURKLE, Sherry . Life on the Screen: Identity in the Age of the Internet . Nova York: Simon and Schuster, 1995

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Tal como já destacado, as interlocuções entre saberes constituem uma singularidade do fazer arquitetônico, quer entre pares sob a forma de parcerias e outras formas de cooperação, quer como um elemento indispensável no interior do processo produtivo, uma vez que o arquiteto assume a figura de articulador de um conjunto de trabalhos técnicos especializados, inserindo os projetos técnicos complementares à concepção inaugural e de outros profissionais encarregados de execuções gráficas, além de comandar as relações externas com indivíduos ou instituições que representam suas demandas sociais de projeto.

3.3 ARRANJOS DE TRABALHO

O processo de trabalho articula um conjunto de relações sociais, ou um conjunto de saberes técnicos necessários através de arranjos particulares que exprimem a forma como os arquitetos concebem o próprio trabalho e sua inserção no campo da arquitetura.

A autoridade do arquiteto, em seu papel de articulação de múltiplos trabalhos singulares, é legitimada por sua experiência e notoriedade de sua produção, na esfera pública do seu campo profissional. Consideradas as ambivalências dos arranjos produtivos através dos quais se organiza o trabalho, como evidenciam algumas investigações (KATO, 2007; 2009), as relações sociais fundadas por esta autoridade podem se traduzir por obediência passiva ou participação colaborativa.

Neste sentido, a autoria individual e a produção coletiva imprimem outra característica ao trabalho arquitetônico, fazendo com que os processos de trabalhos sejam perpassados por múltiplas tensões. Se as diferentes etapas do processo de projeto exigem do arquiteto soluções criativas diante dos desafios e tensões entre a concepção estética e suas possibilidades construtivas ou, no dizer de Paulo Mendes da Rocha, tensões entre técnica e arte que se desdobram em “sínteses provisórias”, estes ajustes envolvem igualmente o conjunto das relações e são perpassados por tensões e conflitos entre os agentes internos e externos ao processo de trabalho.

Estudos sobre a organização dos arranjos de trabalho em escritórios de arquitetura em São Paulo, num contexto relativamente recente evidenciam composições heterogêneas em termos de porte funcional e número de profissionais envolvidos na produção do projeto arquitetônico. Contata-se a presença desde pequenos escritórios de

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 83 arquitetos renomados e que sempre se pautaram pela escolha de uma estrutura funcional reduzida, até escritórios que promoveram reduções drásticas no quadro de funcionários fixos e outros que surgem e se desenvolvem no contexto recente das novas demandas de mercado e já estruturam com base nos paradigmas de gestão difundidos internacionalmente (RIGHI, 2003). O uso de instrumentos de trabalho digitais com aplicação de programas já amplamente difundidos ou mesmo a geração de plataformas próprias constitui um traço marcante em todos eles e traz resultados muito semelhantes no que se refere à gestão dos processos de trabalho. Embora nos escritórios de maior porte exista uma tendência de estruturação da produção em departamentos ou grupos de trabalho, encarregados por nichos específicos de mercado ou de marketing, a implicação substancial da incorporação tecnológica é o reforço da gestão centralizada do processo de projeto na figura do arquiteto responsável ao lado da fragmentação das etapas que podem agora ser realizadas e supervisionadas à distância, sem a necessidade de grandes equipes de funcionários fixos. Proliferam-se, desta maneira, os locais de trabalho e a coexistência de formas diversas de vínculos trabalhistas. A redução do trabalho assalariado é acompanhada pela difusão de outras formas de inserção produtiva, como o trabalho autônomo, temporário e de serviços terceirizados através de outras empresas especializadas. A aplicação de sistemas digitais no processo de projeto e a flexibilização das inserções trabalhistas favorecem a contratação de estagiários ou arquitetos recém-formados, para execução de tarefas específicas e parceladas.

Como sugerem outras pesquisas (KATO, 2006; 2007) esta maneira de organizar o processo produtivo não significa a ocorrência de modificação substancial nas formas de se conceber o trabalho e muitas vezes acentuam os conflitos entre os agentes envolvidos no processo de projeto. Em contraposição à necessidade cada vez acentuada de jovens profissionais familiarizados com os sistemas digitais, a sua inserção fragmentada, as sobrecargas de trabalho que penetram os espaços e os tempos da vida cotidiana dos indivíduos, aliados às baixas remunerações, tendem a acentuar insatisfações e frissões no interior dos processos de trabalho. Por outro lado, a incorporação tecnologia tem servido como instrumento de agilização da gestão centralizada do processo der projeto, fornecendo, além disso, algumas ferramentas que propiciam modelos de experimentação das ideias conceptivas do projeto ou linguagens gráficas que favorecem a comunicação e interlocução externa, com clientes e outros agentes. Na concepção do partido, os novos instrumentos propiciados pelos diversos programas digitais combinam-se (mas não eliminam) aos instrumentos já consagrados, como desenhos, croquis, e maquetes físicas.

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Desta forma, e considerando os aspectos qualitativos, é cada vez mais impossível dissociar trabalho e emprego, tempo de trabalho e tempo de lazer.

Mesmo que as maneiras de inserção de outros profissionais no interior do processo de projeto ocorram pela presença combinada entre trabalho assalariado e outras formas, o que importa para a realização do trabalho são suas habilidades e conhecimentos que devem ser aplicados e incorporados. Cabe ao arquiteto o domínio da composição do arranjo de trabalho o que exige dele conhecimentos técnicos capazes de definir o lugar que os indivíduos portadores destes conhecimentos, ocupam no conjunto da criação, estabelecendo hierarquias funcionais mais rígidas e, ou frouxas e ainda, capacidade gerencial de intermediação de conflitos latentes e expressos.

No desempenho de seus múltiplos fazeres, o arquiteto precisa de uma autoridade legitimada pelos indivíduos envolvidos nos processos de trabalho. Sennett (2001, p. 29-30), num grande ensaio sobre este tema, exemplifica varias manifestações de autoridade em personagens reais portadores de características próprias – num extremo, a garantia de disciplina através do terror, como era o caso do regente Toscanini e, num outro extremo, a ausência de coerção e ameaça como em Montreaux que levava os músicos ao seu melhor, “[...] tocando como ele queria, pois ele sabia”. Assim, um dos traços marcantes da autoridade se expressa no indivíduo como uma força capaz de guiar os outros “disciplinando-os e modificando seu modo de agir, através da referência a um padrão superior”. Porém para que a autoridade se torne legítima é necessário que seja atravessada pela percepção de diferenças de força: “A autoridade transmite e o subalterno percebe, portanto, a ideia de que há algo de inatingível no caráter dela. Há um poder, uma segurança ou um segredo, possuído pela autoridade, que o subalterno não consegue desvendar. Essa diferença desperta medo e respeito” (Ibidem, p. 206). E acrescenta:- “A autoridade pessoal legítima é percebida como capaz de fazer duas coisas: julgar e tranquilizar. Em virtude de seus poderes internos, ela sabe sobre o subalterno algo que ele mesmo não sabe” (Ibidem).

Tomás Salgado (BAPTISTA; VENTOSA, 2009, p. 49), quando se refere às práticas de trabalho do seu pai, Manuel Salgado, à frente do escritório Risco, é um caso típico de legitimidade da autoridade do arquiteto fundada no reconhecimento de uma experiência consolidada:

O meu pai intervinha em todos os projectos: liderava as discussões iniciais nas quais se definiam as estratégias e se fundavam conceitos e acompanhava o desenvolvimento dos trabalhos através de sessões de trabalho periódicas. Quando percebia que alguma coisa podia estar a seguir um rumo com o qual não concordava, andava mais em cima.

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Neste exemplo, mesmo articulando estratégias de coordenação cooperativa, sua saída, conforme declara Tomás Salgado, deixou um vácuo ainda não totalmente superado: “Já não temos as costas quentes. Já não dá para dizer – ‘discutimos isto com Manoel e ele está de acordo com a solução’ [...] Só daqui a uns anos é que vamos poder fazer um balanço”. 22

Consideradas as ambivalências dos arranjos produtivos através dos quais se organiza o trabalho, como evidenciam as pesquisas mencionadas, as relações sociais fundadas por esta autoridade podem se traduzir por obediência passiva ou participação colaborativa. Por isto mesmo e, antecipando-se aos conflitos, as inserções técnicas tendem a se consolidar por afinidades comprovadas entre os indivíduos, com bem assinalam muitos arquitetos, ao mencionarem a longa permanência de outros profissionais em suas equipes. É o caso, por exemplo, de Niemeyer em seu depoimento elogioso ao engenheiro Joaquim Cardozo, com quem sempre manteve fortes laços de afinidades no trabalho:

Em minha vida profissional, tive o privilégio de encontrar na colaboração amiga e superior de Joaquim Cardozo, esse companheiro essencial. Passo em revista, mentalmente, todos os trabalhos que juntos realizamos, e não me lembro de um único caso em que ele se insurgisse contra o que os meus projetos sugeriam, nenhum caso em que se fizesse cauteloso, propondo alterações de caráter econômico ou de prudência estrutural. Sua atuação se mantém invariavelmente, num alto nível de compreensão e otimismo, interessado em fixar para cada problema a solução justa, a solução que preserve a forma plástica em seus mínimos detalhes [...]. Se lhe proponho solução difícil de realizar, ele a estuda com redobrado carinho, desejoso de não lhe reduzir o que porventura, apresenta de novo e arrojado, mas de adicionar-lhe outros detalhes [...]. E tudo isto acresce o trato ameno e simples do homem inteligente [...] incapaz de impor uma opinião com a intransigência das coisas irrefutáveis, apresentando-as sempre como sugestões pessoais, que julga justas e convenientes. (NIEMEYER, apud XAVIER, 2003, p. 365).

Outras vezes é através das vivências de conflitos que o arquiteto vai aos poucos afinando as relações de compatibilidade com os indivíduos de sua equipe de trabalho. Para Gehry este reconhecimento surgiu como aprendizagem no decorrer de sua trajetória profissional quando passou a valorizar mais o trabalho em equipe. Aprendeu a necessidade de estabelecer proximidades e diálogos para amenizar desentendimentos e a se adaptar às

22 O escritório de arquitetura Risco, sediado em Lisboa, fundado em 1974 por Daciano Costa como um atelier de design, passou a ser coordenado por Manuel Salgado durante a década de 1980 consolidando-se através da realização de projetos de arquitetura e urbanismo em diversas partes do mundo, muitos dos quais, com a colaboração de Vittorio Gregotti. Atualmente coordenado pelos arquitetos Tomás Salgado, Nuno Lourenço, Carlos Cruz e Jorge Estriga o escritório teve seu projeto para o concurso internacional para o Plano Geral e Urbanístico do Parque Olímpico Rio 2016 classificado em 3º lugar.

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 86 características e ritmos dos profissionais com os quais atua desde os momentos iniciais da concepção do projeto. Como modo particular de atuação, permanece junto nos momentos cruciais, dando instruções e verificando os resultados materializados de suas ideias conceptivas. Refere-se, por exemplo, ao arquiteto que trabalha com ele há 15 anos, o “chinesinho” e que, durante os dois anos iniciais nunca abriu a boca. Agora, já familiarizado com suas matrizes conceituais se permite emitir palpites que no geral são acatados. Menciona também outras formas de interlocuções subentendidas no processo de projeto, entre elas, com o engenheiro calculista engajado há tempos em seus projetos e considerado por ele o maior especialista em cálculos estruturais do mundo. Fala também sobre uma relação crucial que define a viabilidade do próprio trabalho – as interlocuções com o cliente, primeiramente ouvindo suas expectativas, seus valores e modo de vida e, a partir das primeiras ideias, realizar o que chama de ensinamento do cliente – um processo de convencimento que deriva do diálogo e de explanações sobre o significado das propostas idealizadas por ele. Em suas palavras, as equipes encarregadas do desenvolvimento do projeto se apresentam como extensão de suas mãos e estas mãos são as que garantem a harmonia da composição até os momentos finais.

Assim, é em torno do traço marcante do processo de trabalho, caracterizado pela autoria individual (ou em parceria) e pela produção coletiva, que emergem possíveis conflitos e que se interpõe a necessidade de ajustes, exigindo que o arquiteto torne a perícia artesanal numa capacidade ampliada de ajustes múltiplos e constantes do trabalho de outros para obter o melhor resultado possível nas condições impostas por prazos e outras variáveis.

Por todos os aspectos assinalados neste capitulo, a perspectiva analítica debruçada na dimensão qualitativa do trabalho do arquiteto como um saber fazer singular que se insere nos processos de trabalho para a elaboração do projeto arquitetônico, permite situar as limitações da noção moderna de trabalho, confundida com emprego e atividades repetitivas e, ao mesmo tempo as mistificações em torno da genialidade do arquiteto.

Como salientado, as práticas de trabalho do arquiteto nos processos de projeto exigem dele um enorme esforço dirigido e engajado, envolvendo disciplina e dedicação que demandam tempo e energia física e intelectual, no âmbito do qual emergem os atos criativos.

Em suas características artesanais, a busca de soluções criativas e singulares em cada projeto rompe com as dicotomias fundadas na modernidade que separam e opõem as esferas da vida social do individuo, na medida em ultrapassa os locais específicos de

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 87 trabalho, captura o arquiteto exigindo dele movimentos reflexivos de aproximação e afastamento em relação aos desafios do projeto e ocupa os seus espaços de vida privada e de lazer.

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CAPÍTULO 4

Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares

“O conhecimento é uma escolha tanto de um modo de vida quanto de uma carreira; quer o saiba ou não, o trabalhador intelectual forma-se a si próprio à medida que trabalha para o aperfeiçoamento do seu ofício.” (C. Wright Mills, em Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios, 2009)

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Partindo-se das ideais que demarcam as discussões conceituais anteriores, ou de seja, de que as singularidades do trabalho no fazer arquitetônico independem das condições trabalhistas ou salariais com que os indivíduos realizam o trabalho e que existem possibilidades múltiplas de arranjos e de gerenciamento destes processos, conforme o porte dos escritórios e do perfil de demandas sociais nos quais se inserem, a análise de um fazer específico – no caso o arquiteto Luciano Margotto Soares – requer ampliar o escopo influências contextuais que lhe imprime uma determinada feição.

A disposição colaborativa do arquiteto permitiu a realização de 9 entrevistas não estruturadas e muitas conversas informais como um resgate reflexivo intencional no qual foi incitado a rememorar o percurso do seu fazer arquitetônico em alguns projetos específicos – CAPES, SEBRAE e Porto Olímpico – cuja escolha só ocorreu ao longo dos contatos pessoais. Como não poderia deixar ser, mantém no seu discurso um vínculo indissociável entre as obras projetadas e seus valores pessoais e posturas profissionais. A partir deste valioso levantamento de dados é possível visualizar um saber fazer que é parte integrante das habilidades de todos os arquitetos na realização do seu ofício e que, ao mesmo tempo, é amalgamado a uma postura profissional e a uma história de vida.

Para além das marcas pessoais incorporadas no próprio processo produtivo e no produto do trabalho, as ideias e posicionamentos que ele carrega em si são também uma expressão social de um segmento de arquitetos de uma geração formada na FAU-USP, no período de transição das décadas de 1980 e 1990. Objetiva-se, neste capítulo apontar algumas das características e influencias deste segmento de arquitetos, na medida em que permitem ampliar a compreensão e contextualizar as posições de Luciano Margotto Soares em torno dos significados subjetivos do seu trabalho e dos aspectos conceituais e

Contexto social e contexto dos indivíduos: o lugar de Luciano Margotto Soares

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valorativos de arquitetura que guiam suas ações no campo profissional e suas praticas de trabalho em cada projeto específico.

4.1 MARCAS DE UMA GERAÇÃO: IDENTIDADES RENOVADAS

Ao iniciar a palestra para os alunos da Facultad de Arquitectura, Arte y Diseño da Universidad Diego Portales y Hunter Douglas, Santiago, Chile, em setembro de 2009, Luciano Margotto Soares apresenta a imagem da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo como a referência inaugural de sua trajetória profissional, associada a outras que destacam a cidade de São Paulo e o Edifício Eiffel, projetado por Niemeyer, onde atualmente habita. Nesta parte inicial de seu depoimento, sob a designação de “O enigma da memória” recorre às raízes de suas opções pela arquitetura, localizadas por ele, no imaginário social de sua infância dos anos de 1960. A elas se misturam e se agregam a vivência de cotidiano posterior em uma metrópole a qual se refere como austera, mas culturalmente rica e, ainda, a ocorrência determinante de sua formação acadêmica ter acontecido na FAU-USP.

Falei que achava que a minha memória ou o que eu trago é um pouco mais mestiço, menos puro, mais misturado... e quando eu era criança, quando eu comecei a pensar em fazer arquitetura, meus tios, que eram engenheiros civis e meus irmãos, gostavam de e era o máximo. Não sabia exatamente o significado desta admiração, mas achava muito impressionante, uma coisa maravilhosa [...]. A imagem do prédio da FAU é uma coisa muito distinta da imagem da cidade, mas tão forte quanto. Estudar arquitetura, estudar aqui, é uma coisa muito forte. Você vive cinco anos aqui intensamente do ponto de vista das relações, da coisa pública, do edifício sem portas, do espaço único, da biblioteca como um grande coração, a fachada desse pátio que é a coisa mais importante, o vazio que é a coisa mais importante e tudo o mais. (MARGOTTO, 21 set.2009)

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4.1: Palácio da Alvorada em Brasília.

Foto de MARGOTTO, L.S. 2010, cedida pelo autor.

4.2: Edificio Fau -Usp.

Foto de MARGOTTO, L.S. 2010, cedida pelo autor.

4.3: Praça da República, São Paulo.

Foto de MARGOTTO, L.S. 2010, cedida pelo autor.

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4.4: Edifício Eiffel , São Paulo, SP

Foto de MARGOTTO, L.S. 2010, cedida pelo autor.

Com efeito, Margotto faz parte de uma geração conhecida como a dos “jovens arquitetos paulistas”, termo que se generalizou para designar os arquitetos formados em sua maioria no final da década de 1980 e inícios de 1990 na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e que paulatinamente f oram se destacando profissionalmente na década posterior através da participação e recorrentes premiações em concursos públicos e pela consolidação de uma produção arquitetôni ca significativa. As afinidades conceituais com o ideário moderno, discurso hegemônico na universidade , sempre acompanhado pelas práticas de debate e intercâmbio de ideias no espaço acadêmico, se desdobram posteriormente em associações e parcerias e na organização de diversos escritórios de arquitetura. Alguns deles se notabiliz aram através de premiações, como Andrade Morettin, MMBB, Núcleo de Arquitetura, Projeto Paulista, Pun toni Arquitetos, SPBR Arquitetos e Una Arquitetos entre tantos outros constituí dos à partir do final dos anos de 1980.

Para Wisnik (2006 a, p. 173), não é à toa que a FAU- USP é o projeto primeiro de referência de identidade para os arquitetos desta geração. O tratamento dado ao programa do edifício contém a genealogia de posturas arquitetônicas valorizada s em comum. A despeito das trajetórias e características individuais , o edifício contém uma materialidade simbólica de identidade coletiva. Ou seja, a “[...] generosidade dos espaços de circulação e congregação, associada à radical recusa de fragmentação e enclausuramento dos

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ambientes, retiram-lhe qualquer atributo doméstico ou privado".1 Os elementos simbólicos das espacialidades contidas no edifício enfatizam o caráter público da arquitetura presente nas relações de abertura espacial ao convívio social e permeabilidade aos contextos urbanos do entorno e da cidade. Os posicionamentos relativos à valorização da dimensão pública da arquitetura – consubstanciado no ideal de que a arquitetura deve sustentar as relações necessárias entre o individual e o coletivo; entre o edifício e a cidade – são marcas presentes na formação acadêmica desta geração e, mesmo interpretadas de forma particular, permitem estabelecer costuras transversais como se refere Wisnik e algumas afinidades comuns.

É possível afirmar que estas identidades e outras características distintivas que marcam a produção arquitetônica destes escritórios se tornam reconhecíveis como pertencentes a um segmento de arquitetos paulistas de uma geração que foi capaz de realizar uma releitura singular e contextual das influências de um modernismo local justamente num momento histórico de grandes transições econômicas e culturais que marcaram a década de 1990.

Quando, por exemplo, no ano de 2000, Ruth Zein analisa criticamente algumas das obras específicas destes escritórios, já se refere aos arquitetos a eles vinculados - como portadores de uma marca geracional passível de ser reconhecida através de suas criações e que revelariam o fato de serem simultaneamente herdeiros e críticos das raízes de uma tendência arquitetônica sedimentada de São Paulo desde meados dos anos de 1950 e consolidada nos anos seguintes – a escola paulista brutalista.

Cabe salientar que ao lado desta herança, todos eles são igualmente frutos de um período de resistência e crítica que atravessa os anos de 1970 e 1980, quando o debate, embora truncado e reprimido pelo regime ditatorial brasileiro, esteve presente na vida universitária demarcando posicionamentos e afinidades ideológicas e formais. Não se pode esquecer que a transição política brasileira da década de 1980, ou período de redemocratização, como passou a ser reconhecido, reacende, com o retorno efêmero de Vilanovas Artigas, o debate crítico em torno da produção arquitetônica de São Paulo germinada e espelhada no projeto arquitetônico e no projeto pedagógico da FAU-USP.

1 Relembra Wisnik (Ibidem) que Álvaro Siza ao ser entrevistado em 1997 pela Revista Caramelo, destaca a qualidade espacial do edifício da FAU-USP e seu caráter simbólico, como expressão de um tratamento muito particular do programa desenvolvido como uma sucessão contínua em torno de uma praça comum de distribuição e convívio.

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O próprio Artigas reconhece, em entrevista à Paulo Markun em 1984 2 a necessidade de uma revisão crítica das relações bi-unívocas – o projeto pedagógico e o projeto arquitetônico da FAU-USP, considerando-se os paradoxos e perplexidades postos pela realidade dos anos de 1980, quando a Universidade, com um número crescente de alunos já assume o contorno de ensino de massa, contrapondo-se às propostas pedagógicas formuladas no início da década de 1960 baseadas na premissa da capacidade articuladora do ateliê de projetos e, ao mesmo tempo numa presença numérica de estudantes mais restrita e adequada à esta formulação de ensino.

Em outros aspectos, os desafios sociais e profissionais da época, entre eles, o aumento desmesurado das cidades e das desigualdades sociais; as relações ambíguas entre o ideário utópico da arquitetura moderna brasileira e a recessão das demandas estatais de arquitetura; diminuição dos empregos nas profissões liberais, incluindo a arquitetura, constituem dimensões da realidade antes impensáveis e que apelam, por isto mesmo, para a imaginação criativa do arquiteto. Sem abrir mãos dos próprios valores, o tom de suas opiniões é menos otimista quanto se trata de identificar caminhos e possibilidades. Como exigência contextual, trata-se, para ele, de lidar com a instabilidade e a falta de perspectiva sólida de futuro enquanto uma premissa a ser incorporada - o que já é uma percepção declarada da impossibilidade de sustentação de alguns paradigmas dogmáticos que antes permearam o debate arquitetônico em São Paulo.

Como ele próprio deixa claro,

Na década de 50, estas definições foram bem mais fáceis. Tínhamos uma visão dualista: o socialismo era a felicidade, o capitalismo era odiado. Uma visão bastante maniqueísta. Hoje temos consciência de que os problemas são mais complexos [...]. Seria maravilhoso se eu pudesse dizer que sei qual a saída [...]. Agora isto me angustia. [...] Como arquiteto, acredito no aperfeiçoamento constante do próprio homem através da técnica. E no avanço do seu domínio sobre a natureza e sobre as relações sociais. É o que guardo do meu passado [...] me reservo o direito de manter minhas utopias. Acho que na hora em que você abrir mão da condição de por a imaginação a serviço da felicidade humana você nega a sua condição de homem mesmo. Podem me chamar de sonhador, mas é isso. Essa posição é a única que pode ser chamada de otimista. [...] Sou de uma geração que procurou solução para todos os problemas [...] foi nisso que gastei os melhores anos de minha vida. [...] (ARTIGAS, 2004, p.171)

2 Sob o título - As ideias do velho mestre -, esta entrevista foi publicada em 19 de janeiro de 1985 na Folha de São Paulo, logo após o falecimento de Vilanova Artigas (ARTIGAS, 2004, p.173)

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A Revista Caramelo pode ser considerada um espelho voltado para o interior do mundo acadêmico, trazendo algumas imagens do cenário cultural e arquitetônico deste contexto de transição democrática e de redefinição de posicionamentos teóricos e políticos. Organizada por alguns alunos recém-ingressos nessa faculdade em 1989, se torna um foco de convergência do debate acadêmico 3. Já no primeiro número (dezembro de 1990), a publicação de entrevista feita pelo corpo editorial com o arquiteto Paulo Mendes da Rocha publicando inclusive o seu projeto do concurso do Centro Georges Pompidou, no qual foi finalista e uma matéria sobre Artigas, também aí inserida, atraíram oposições e críticas. A revista é inclusive acusada, como relembra Fernando Viègas 4, de estar se vinculando a um discurso arquitetônico retrógrado. Com a presença do corpo editorial inicial acrescido de outros integrantes vai aos poucos consolidando uma autonomia editorial e financeira. Os sete primeiros números revisitam a arquitetura moderna paulista, contendo entre outras inúmeras matérias, análises realizadas por Marcos Acayaba (Caramelo n.3, 2º semestre de 1991), Silvia Telles (Idem) ao lado do Dossiê Lina Bo Bardi (Caramelo n.4, 1º semestre de 1992) e outros artigos de arquitetos renomados como Vittorio Gregotti, Álvaro Siza e Giulio Carlos Argan (Caramelo n.5, 2º semestre de 1992). Abrem igualmente um espaço para o debate interno da FAUUSP realizando um balanço histórico dos Fóruns da faculdade (Caramelo n.6, 1º semestre de 1993), passando também a publicar alguns TFGs (Trabalho Final de Graduação) considerados mais representativos da produção discente. Neste percurso amplia paulatinamente o escopo de pauta, abrindo-se para questões culturais e urbanas do momento. A Caramelo n. 7 (2º semestre de 1993), por exemplo, é dedicada especialmente às cidades apresentando temas emergentes reunidos numa perspectiva multidisciplinar com artigos de Ladislau Dowbor; Nelson Brissac Peixoto, Olgária Chain Féres; Marilena Chauí, Vera Pallamin, Anderson Kazuo Nakano, além de entrevistas feitas pelo corpo editorial com , Nicolau Sevcenko e Joaquim Guedes. Ainda que a equipe original se mantenha somente até este último exemplar, a revista continua na mesma intenção de se abrir ao debate proposto por alunos até a n.10.

O modo de Artigas se reposicionar frente ao contexto do seu então presente, reconhecendo a instabilidade dos processos econômicos sociais e a impossibilidade de visualização de um devir histórico palpável, demarca em certo sentido, o traço geracional destes jovens arquitetos que pode ser traduzido pela postura de redefinição de referências de identidade e que se revela, não apenas nas opções estéticas e formais ou nos discursos

3 A Caramelo, organizada através do grêmio da FAU como uma revista que se abre a incorporação livre dos alunos e lançada no segundo semestre de 1990, foi iniciativa de alguns alunos do segundo ano da faculdade: Cristiane Muniz, Fabio Valentim, Fernanda Bárbara, Fernando Felippe Viègas (que se mantém hoje como sócios do escritório UNA Arquitetos), Ana Paula Gonçalves Pontes, Catherine Otondo. 4 Entrevista concedida pelo arquiteto Fernando Felippe Viègas em 08 mai.2012, a autora.

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arquitetônicos contidos em suas produções, como busca salientar Ruth Zein (2000.), mas, também nas maneiras de se engajarem nas demandas de arquitetura e nos arranjos de trabalho voltados aos processos de projeto.

Assim, se do ponto de vista das concepções arquitetônicas, em meados da década de 1980, conforme Zein (Ibidem), o debate parecia tender a uma ruptura em relações as raízes locais do modernismo, os anos seguintes revelariam mais um cenário de redescoberta e reafirmação das tradições da arquitetura paulista de raiz brutalista.

Os jovens arquitetos de São Paulo são herdeiros da escola paulista brutalista, tendência arquitetônica que se estabelece e se caracteriza fortemente a partir de meados dos anos 1950 e tem seu auge na década seguinte. As crises e reviravoltas dos anos 1970/80 legaram a esses jovens um caminho já aberto por uma geração um pouco anterior; e em face dessa peculiar tradição moderna re-elaboram suas afinidades eletivas, seus questionamentos e seus reposicionamentos arquitetônicos. Em meados dos anos 1980, as posições tendiam algumas vezes à ruptura; mas a partir da década de 1990, passou a predominar um clima de re-descoberta e re- afirmação dessa qualidade "paulista" de raiz brutalista, que comparece em algumas características arquitetônicas que seguem presentes em suas obras: a ênfase na elegância das soluções estruturais, o apreço pelo concreto aparente (embora não mais como material exclusivo), a preferência pelo detalhamento empregando uma paleta de criteriosamente mínima. Mas não se trata de mera continuidade já que também há diferenças marcantes entre suas arquiteturas e aquelas dos anos 1960/70.

Apesar das polêmicas ainda hoje em pauta 5, equivale dizer que se trata de posturas de recriação de algo que foi simbolicamente importante num contexto histórico determinado operando redefinições capazes de manter os elementos tradicionais desta arquitetura renovados e atualizados a outro contexto histórico. Carlos Fortuna utiliza a noção de destruição criadora da tradição ou destradicionalização para explicar fenômenos sociais de teor semelhante ao analisado aqui, porém em outras escalas maiores de relações sociais 6. Como afirma: “Entre ‘raizes e opções’, a destradicionalização, ao instigar a recriação das

5 Em posicionamento recente, Ruth Zhein (2012, p. 11) afirma que o brutalismo assim como o pos-modernismo não existem enquanto movimentos autônomos. Segundo ela, brutalismo é um termo “inapropriado e conceitualmente impreciso” para caracterizar coesões e harmonias internas entre as obras arquitetônicas assim denominadas. No entanto, serve, paradoxalmente para aproximar obras com características externas semelhantes, funcionando como “etiqueta”. “En otras palabras, algunos edifícios pueden denominarse brutalistas simplesmente porque parecem selo, ya que lo que determina su inclusión en el grupo no es su naturaleza interna sino sua apariencia [...]”. 6 Apela a esta noção para explicar os processos de redefinição das identidades culturais das cidades portuguesa em especial, da cidade de Évora onde os projetos de renovação urbana na década de 1990 buscam adequar o patrimônio histórico da cidade aos contextos de uso contemporâneo, com destaque para os fluxos turísticos e de estudantes nas redes de cidades médias européias. O que denomina como destradicionalização da imagem da cidade de Évora se expressa pela retenção de alguns elementos simbólicos da tradição e aquisição de outros elementos modernizantes de inovação. É a permeabilidade em relação aos elementos novos (inovação) que permite a manutenção da tradição.

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primeiras, ajusta e reconfigura o significado social do passado e da tradição”. Ou ainda: “[...] o sentido que atribuo à noção de destradicionalização é o de um balanço positivo favorável aos traços inovadores que a tradição pode conter e que, em numerosas circunstâncias, se traduz numa espécie de paradoxal conservação inovadora do tradicional’. (FORTUNA, 1997, p. 231, grifos do autor)

Ainda, segundo Zein (2000), a produção destes arquitetos “[...] tomam como precedentes a melhor arquitetura do brutalismo paulista - mas igualmente incorporam a tradição brasileira/carioca e outras fontes internacionais. Sempre com cautela - mas sem preconceitos”.

Na mesma direção, as análises feitas por Ribeiro e Del Negro (2008, p. 28) sobre o projeto arquitetônico da Escola Jardim Angélica III realizado em 2004 por Luciano Margotto Soares, Marcelo Ursini e Sergio Salles, do então escritório Núcleo de Arquitetura, assinalam a presença de releituras específicas de influências arquitetônicas e de um modo particular de interpretar as relações do projeto com o seu contexto urbano de localização. Assim se referem:

A peça única, quase caixa é conformada por uma série de operações e escolhas de projeto que a afastam de qualquer raciocínio exclusivamente idealizador, contido nas caixas racionalistas paulistanas. As justaposições formais de diversas ordens prevalecem como traços de uma poética encantada com a diferença, com a reconciliação de elementos e raciocínios de origens diversas. A linguagem das aberturas abstratas encontra-se contaminada pelas figurações mais sistêmicas e ritmadas. Nas espacialidades, há tanto continuidades de espaços quanto segmentações imperativas. [...] O objeto que aparentemente se desprende de seu contexto apenas sublinhando sua total autonomia é uma elegante reinterpretação nos padrões contidos num daqueles desertos de água e areia Calvinianos, no caso, a homogeneidade da autoconstrução. O ato estético eleva à condição de figura aquilo que se esconde na informalidade expressiva das moradias de periferia.

Na verdade, a identificação de diferenciais desta geração de arquitetos, especialmente em São Paulo, já moviam desde o início dos anos 1990 especulações e discussões na crítica de arquitetura. Como sugere Maria Cecilia Rodrigues dos Santos (1991, p. 54) ao apresentar uma compilação de projetos de jovens arquitetos brasileiros, como resultado de um trabalho patrocinado e publicado pela Revista Projeto sob o título Novíssimos arquitetos , a retomada dos Concursos Públicos de Arquitetura desde a segunda metade dos anos de 1980 vinha revelando e alimentando um fenômeno inusitado:- as

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sucessivas premiações angariadas por jovens arquitetos ou equipes de jovens arquitetos que muitas vezes neste intento publico superavam outros mais velhos e mais experientes. “O concurso Ópera Prima, patrocinado desde 1989 pela Fademac e Revista Projeto [...] só veio tornar mais patente a qualidade dos projetos apresentados por esta nova geração de arquitetos desde a saída da escola”. A autora referenda algumas análises assinadas por Antônio Carlos Sant’Anna no contexto da mesma matéria da revista para quem o perfil destes arquitetos se torna nítido através de um conjunto de elementos, tais como:- “[...] a abordagem não dogmática das questões de arquitetura; a revalorização do movimento moderno no que ele tem de mais rico; o projeto como resultado de operações intelectuais rigorosas [...]”. (Ibidem) No rol dos projetos aí apresentados, estão numerosos arquitetos de São Paulo, entre eles, por exemplo, Sergio Camargo e Valério Pietraróia, ambos formados pela FAU em 1984 7 que ao lado de Claudia Nucci, Marcelo Consiglio Barbosa e Paulo Fugioka, foram contemplados com o 2º lugar no concurso público para o Terminal Rodoviário e Shopping Center no Bairro do Méier, Rio de Janeiro, entre outros. Álvaro Puntoni, Álvaro Razuk e Angelo Bucci, tecem análises sobre seus projetos premiados até essa data:- a Igreja da Matriz de Cerqueira César, de 1989 e o Pavilhão do Brasil na Expo 92 em Sevilha, Espanha, de 1991. Justificando esta parceria nos concursos assim se refere:

Diante do quadro que configura a Arquitetura Contemporânea, marcado, sobretudo pelo silêncio e pelas experiências isoladas, pelo afastamento das questões primordiais, a constituição de um grupo apresentou-se como a única alternativa para marcar nossa posição, dar corpo e coesão às experiências isoladas. Nossos projetos, suas formas e espaços procuram abarcar as questões do nosso tempo, da nossa realidade. Daí a necessidade de não abandonar (como a tradição antidemocrática nos tem insistentemente colocado) as referências históricas e culturais do país. (Ibidem, p. 68)

O escritório Núcleo de Arquitetura, identificado nesta matéria pela presença dos arquitetos Henrique Fina, Luciano Margotto, Marcelo Luiz Ursini, Sergio Bolivar Gomes e Sérgio Luiz Salles de Souza, já se posicionam no debate em curso da seguinte forma: - “[...] não rejeitamos o legado do movimento moderno. Procuramos reavaliá-lo e entender a manutenção, ainda hoje, de seus valores”. (Ibidem, p. 72)

Mais recentemente, Margotto reafirma a mesma disposição, identificando em sua produção influências de uma tradição paulista de arquitetura que se firmou na FAU- USP:

[...] para nós alunos, ex-alunos da FAU ou da Escola Paulista, a estrutura é importante, é sempre muito importante. Ela assume um protagonismo no

7 Segundo Valério Pietraróia, arquiteto entrevistado em 2002 para a pesquisa sobre escritórios de arquitetura em São Paulo (RIGHI, 2003), ele, Sergio Camargo e Claudia Nucci participaram juntos desde 1985 em concursos públicos, formando posteriormente, em 1991, o escritório NPC- Grupo de Arquitetura. Salienta que os três já trabalhavam em equipe na faculdade, mas foi através dos concursos públicos que conseguiram reafirmar suas afinidades no campo profissional.

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espaço e vai determinar a própria forma arquitetônica e às vezes não, mas sempre ela é resultado de um raciocínio lógico muito claro - do pessoal da Escola Paulista, vamos chamar assim. Se você olhar outra matriz onde se coloca, por exemplo, o Álvaro Siza, que eu gosto muito, a estrutura entra de outra forma. Ele está preocupado com a espacialidade com uma plasticidade dos planos, dos volumes e a estrutura... (ele não está preocupado com quantos metros de vão ele vai vencer) pode estar escondida. O pessoal do Rio de Janeiro também é um pouco assim, as vezes o Oscar vence um vão enorme mas não está revelando isso, o Paulo já está revelando o que faz. (MARGOTTO, 2010) 8

Para além dos elementos estéticos e formais salientados na análise de Zein e outros autores, é importante destacar que se trata de uma reinterpretação mais ampla de uma tradição arquitetônica, envolvendo inclusive a visualização de possibilidades de inserção profissional num cenário histórico profundamente alterado em termos econômicos e socioculturais.

Aos traços já mencionados como característicos dos anos de 1990 se interpõem movimentos simultâneos de retração das demandas estatais de arquitetura relacionada à situação de endividamento governamental e recuo em relação aos projetos nacionalistas; de evidente proeminência de políticas neoliberais vinculadas a uma importância crescente da dinâmica de mercado cujos elos internacionais são reforçados de forma inusitada pelas tecnologias de comunicação de informação que se agregam aos processos de globalização mais amplos que fortalecem as interações e influências culturais numa escala planetária.

Na reinterpretação particular deste cenário, as possibilidades de inserção e de produção arquitetônica assumem alguns contornos específicos. Tal como evidencia a pesquisa anteriormente mencionada sobre um recorte da produção contemporânea de arquitetura paulista (RIGHI, 2003), jovens arquitetos desta geração se afinam com alguns outros mais velhos e mais renomados compondo um dos 4 segmentos identificados na amostragem. Inserem-se aí escritórios de pequeno porte, alguns poucos que nasceram em épocas bem anteriores e permaneceram nucleados na figura de mestres renomados como, por exemplo, Paulo Mendes da Rocha e Walter Toscado e predominantemente por outros de uma geração bem mais nova de arquitetos que constituem parcerias em escritórios intencionalmente menores, tais como NPC – Grupo de Arquitetura, Brasil Arquitetura, etc, assumindo tanto em seus projetos quanto nas formas de gestão do trabalho no escritório, posturas de abertura crítica á heterogeneidade e flexibilidade de padrões conceituais na arquitetura.

8 Entrevista concedida pelo arquiteto Luciano Margotto Soares em 08 nov.2010 Entrevista concedida pelo arquiteto Fernando Felippe Viègas em 08 mai.2012, a autora.

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Como expressão de contradições renovadas, ao mesmo tempo em que se impõem, nestes escritórios, readequações dos processos produtivos frente à condições objetivas nas quais se encontram, as atribuições de significados do fazer arquitetônico, expresso nos discursos dos arquitetos revelam a permanência de fraturas antigas já há muito assinaladas por Durand (1974) entre as práticas de trabalho e o ideário da profissão, num movimento incessante na busca de reafirmação de formas distintivas de inserção num campo de produção cultural (BOURDIEU, 1989) que envolve agentes diversos e, no caso em questão, vinculado à um mercado cada vez mais competitivo e segmentado. (KATO, 2009).

Segnini (2002) vê os discursos dos arquitetos descendentes da geração pioneira do modernismo identificada com a crença no potencial da arquitetura em promover transformações no sentido de uma sociedade mais justa e menos desigual redefinir a magnitude das aspirações utópicas em prol de valores mais amplos culturais e estéticos, reconhecendo a irrealização histórica das causas sociais adotadas. Sobretudo, se reposicionar na realidade contemporânea, na qual “o mercado e sua lógica racionalizadora assume importância cada vez maior, submetendo as relações sociais às relações econômicas, aprofundando desigualdades em dimensões jamais observadas anteriormente” (Ibidem, p. 58).

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4.2 MOSTRA COLETIVO: 36 PROJETOS DE ARQUITETURA PAULISTA

Um exemplo de visibilidade pública de parcela deste segmento se dá em 2006, com a exposição promovida pelo Centro Cultural Maria Antônia de uma seleção de projetos desenvolvidos por sete escritórios de arquitetura de São Paulo:- Andrade Morettin Arquitetos, MMBB, Núcleo de Arquitetura, Projeto Paulista, Puntoni Arquitetos/SPBR Arquitetos e UNA Arquitetos. Representa uma iniciativa conjunta e um reconhecimento público de uma auto-designação diferenciada que transparece no próprio título da mostra- Coletivo: 36 Projetos de Arquitetura Paulista Contemporânea capaz de denotar afinidades comuns de um legado da arquitetura paulista, um discurso que está embutido nos projetos apresentados, e deslocar o diferencial distintivo do indivíduo para o grupo. A intenção subjacente é apresentar uma produção sequencial de faixas etárias de arquitetos de uma mesma tradição paulistas, formados nos contextos mais recentes. Para Viègas (entrevista de 08.05.2012) considerando-se que a mostra ocorre em 2006, busca-se aí uma seleção simbólica de produções arquitetônicas em intervalos de 10 anos, tempo considerado necessário para que os arquitetos tivessem obras consolidadas e premiações. Na primeira faixa, estariam os formados em 1986 (ou anos sequencialmente próximos), como os arquitetos do MMBB, Nucleo de Arquitetura e Projeto Paulista e Grupo SP (com a presença destacada de Alvaro Puntoni); na segunda, os formados em 1996 (e anos próximos) como os do UNA. Embora sejam poucos os escritórios aí representados, a iniciativa reacende antigas polêmicas e algumas resistências veladas relacionadas aos embates e diferenças internas inerentes ao campo próprio da arquitetura, em torno de concepções e discursos diferenciados. Com isso, a mostra sinaliza simultaneamente, o reconhecimento pelos próprios arquitetos, da existência de uma segmentação da produção arquitetônica paulista num contexto histórico de ascensão das demandas privadas de mercado, e a revelação de posicionamentos que reafirmam a manutenção intencional de valores arquitetônicos e de precisão técnica do projeto, como um modo considerado erudito de realizar o trabalho arquitetônico – o uso de instrumentos tradicionalmente reconhecidos e valorizados, as interlocuções e incorporação de pesquisa, a precisão técnica e outros preceitos – de tal forma que a obra necessariamente contém uma reflexão teórica 9.

Segundo algumas interpretações (NOBRE, 2006, p. 21), ocorre, nestes escritórios, uma transmutação da concepção moderna de autoria, mais individualista, para

9 A ideia de que a “obra edificada e reflexão teórica são inseparáveis” é assumida por Luciano Margotto (2011, p. 6) como uma hipótese geral de sua pesquisa de doutoramento.

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uma valorização do trabalho em equipe, cuja ênfase “[...] por vezes parece recair menos sobre o objeto arquitetônico em si, do que sobre o processo de arquitetura como um todo, da concepção à execução”.

Ainda que a autora não se ocupe de explicitar o que é o processo de trabalho subjacente à ideia de coletivo, o que se revela na aproximação com alguns relatos publicados de arquitetos desta mostra e em especial com as entrevistas realizadas com Luciano Margotto sobre suas práticas de trabalho, é que a ideia de coletivo expressa um modo de gerir as etapas do processo de projeto, alargando uma das maneiras usuais da autoria na produção arquitetônica – o trabalho em parceria - através equipes mais amplas e voláteis. Ao largo desta característica, se mantém um saber-fazer que é generalizado e referendado no campo de produção da arquitetura, incluindo as diversas etapas do processo de projeto e a utilização de instrumentos de trabalho clássicos, desenhos e croquis e outros contemporâneos de caráter digital que se interpõem e se entrelaçam no próprio processo. Aliás, como já anteriormente colocado (vide capítulo terceiro) o processo de projeto sempre se articulou em torno de um conjunto de relações sociais e, neste sentido, assume sempre uma feição coletiva. Nele se estabelece uma dinâmica de trabalho coordenada pelo arquiteto ou arquitetos responsáveis envolvendo diversos agentes portadores de conhecimentos especializados. Se considerado em sua dimensão social, o processo de projeto é uma somatória de competências individuais convergentes sustentando a elaboração do produto final.

Simultaneamente e, na interpretação do mesmo arquiteto 10 , a noção de coletivo tal como veiculada no contexto da mostra de 2006, acoberta uma inquietação teórica e posicionamentos em torno do significado do trabalho e da produção arquitetônica:

[...] A base deste trabalho é constituída, inicialmente, pela inquietação teórica desde a perspectiva do projeto, isto é, desde quem está na posição de, por assim dizer, produzi-la, atendendo à cadeia de decisões e operações que lhe dão origem. [...] apoia-se na certeza de que cada ação e cada expressão do ser humano só faz sentido, só é frutífera quando – além da satisfação pessoal – também possui uma validade objetiva para a coletividade. (MARGOTTO, 2011, p. 2)

Nesse sentido, e no caso específico desta geração, o alargamento da autoria individual reinventa, já no exercício profissional, a tradição do debate e da crítica sobre as relações entre arquitetura e o plano do social e da cultura, tão marcantes no período de suas formações acadêmicas, compondo um determinado discurso arquitetônico. A adesão à

10 Posicionamentos de Luciano Margotto Soares, constantes do seu projeto de seleção de doutoramento, FAUUSP, 2011.

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matriz teórica modernista apela à continuidade de leituras contextuais sobre a realidade brasileira, interrompidas com a repressão do período de ditadura, devendo agora dar conta de um cenário profundamente alterado pelas dinâmicas das globalizações econômicas e culturais que se consolidaram especialmente na década de 1990. Nas circunstâncias que acompanham este período, o debate se arrefece e se ressente da ausência de lideranças intelectuais antes capazes de polarizar posicionamentos e de sustentar divergências conceituais, ao mesmo tempo em que se impõem de maneira irreversível, alterações nas demandas de arquitetura dirigidas agora por um mercado cada vez mais competitivo e mundializado.

Como afirma Margotto,

A arquitetura brasileira foi muito reconhecida lá fora até década de 1960/70, tínhamos publicações, produzíamos arquitetura de primeiríssima, o mundo inteiro amou a arquitetura brasileira. De repente, esse negócio que o Brasil tinha, com a ditadura, ficou absolutamente prejudicado e enfraquecido. Nós tínhamos o nosso sonho, o nosso desejo de que a arquitetura brasileira voltasse a ser reconhecida. Uma das coisas que precisa ser feita é fazer a arquitetura voltar a ser cultura como antes era 11 . Quando o Oscar e o Lucio pensavam a arquitetura moderna brasileira, estavam pensando em trazer aquela arquitetura moderna do ciclo internacional [...] e cruzar isso com a nossa cultura, nosso clima, nosso jeito de ser, sem abrir mão daquelas ideias novas, da vanguarda, mas também sem abrir mão da nossa cultura. O Lucio desenvolveu simultaneamente a noção de patrimônio cultural, fundou o IPHAN, e trouxe o Corbusier para fazer o Ministério da Educação que foi uma obra moderna, um caráter múltiplo, imenso, amplo, que a principio poderia ser tido como visões antagônicas. Então o que a gente queria, era que a arquitetura voltasse a ser tudo isso. Então esse é o debate que a gente faz o tempo todo. Também estávamos perdidos em algum momento, sem grandes pretensões e a coisa cresceu e ganhou força. (MARGOTTO, 2009). 12

Ainda nas colocações do arquiteto, a exposição Coletivo que permanece aberta entre agosto à novembro de 2006, surge mais especificamente de uma idéia proposta pelo

11 Os discursos em torno das imbricações entre arquitetura e cultura assumem conotações diversas. Em , por exemplo, a arquitetura é “influenciada por todos os níveis culturais, seja no nível técnico seja no plano da produção de imagens” (NOUVEL, 1989 apud SEGNINI, 2002, p. 52). Em outros arquitetos, como Mario Botta, a arquitetura “é sempre uma atividade em transformação, não existe arquitetura se não existir transformação. O primeiro ato de arquitetura não é por pedra sobre pedra, e sim pedra sobre um lugar, portanto, transformar uma condição de natureza numa condição de cultura”. (BOTTA, 1989, apud SEGNINI, 2002, p. 53) Na argumentação de Segnini a ideia de que a arquitetura é cultura e revela uma sociedade que é imperfeita e instável, “leva muitos arquitetos a manifestar suas angústias e sonhos por se reconhecerem como intérpretes utópicos desta mesma realidade”. (Idem: 54) Conforme lembra, apelando aos discursos de Anatole Kopp (1990), Demétrio Ribeiro (1989), João B. V. Artigas (1985), Mario Pini (1985) e outros, esta dimensão utópica do movimento moderno transforma a arquitetura em uma causa, na busca por uma sociedade mais justa e menos desigual.

12 Entrevista concedida a autora pelo arquiteto Luciano Margotto Soares em 08 set.2010.

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Escritório UNA, responsável pelo projeto IAC, anexo de reforma de parte das edificações da USP na Rua Maria Antônia. Propõe reunir numa mesma mostra, trabalhos de outros arquitetos com os quais mantinha afinidades geracionais de formação na USP, ligados pelos mesmos princípios de manutenção crítica sobre o lugar social da arquitetura brasileira. Se a marca definida pela ideia de coletivo trouxe repercussões públicas significativas e algumas críticas negativas não previstas, o que se percebe, pelos critérios de escolha dos participantes, é a ambiguidade de intenções nesta iniciativa que oscila entre a busca de corporificar um recorte específico da produção arquitetônica de São Paulo em suas singularidades e valorizar notoriamente produções ainda pouco difundidas de frações deste segmento de arquitetos. O corpo de amigos, em torno do Escritório UNA se assume como curadoria, viabilizando os propósitos deste grupo de amigos, como relembra Margotto:

Não foi isso que a gente pensou no início, e nem nós sabíamos que queríamos dar continuidade. Não é essa a história, mas quando a gente começou a discutir a exposição a gente começou a fazer isso que a gente, você está fazendo: o que que nos une? Quais os critérios? Somos de uma mesma geração e percebemos que tínhamos algo em comum. Inclusive essa filiação, somos de uma geração pós golpe militar. Entrei em 1984 na FAU, foi o ano que o Artigas voltou a dar aulas, voltando do exílio. Alguns escritórios maiores que os nossos como o Brasil Arquitetura e o do Guilherme Paolielo, poderiam entrar perfeitamente no coletivo, mas eles já tinham uma certa notoriedade, têm um trabalho muito mais reconhecido. [...] queriamos um pessoal mais jovem, mas não tão jovem que não tivessem obra construída. Tinha que ter obra construída. E que também tivessem obras relacionadas à cidade, que aí começa a fechar um pouco os princípios que a gente compartilha.

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4.5 e 4.6: Mostra Coletivo no Centro Universitário Maria Antônia – 01 set a 12 nov.2006.

WISNIK, s/d, p. 6

A mostra criou um marco importante de discussão crítica no campo da arquitetura não só em São Paulo. No ano seguinte e já com um livro referencial publicado 13 , é apresentada no Rio de Janeiro, entre 22 de agosto e 5 de outubro de 2007, na PUC-RIO. Praticamente de forma simultânea segue um percurso internacional com montagens em

13 MILHEIRO, Ana Vaz; NOBRE, Ana Luiza; WISNIK, Guilherme. Coletivo – 36 projetos de arquitetura paulista contemporânea. São Paulo: Cosac Naif, 2006. Ed. Bilíngue:português/inglês.

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Portugal, Suíça, Alemanha e Estados Unidos. Em Zurique, como destaca uma das fotos à seguir, a exposição é acolhida no GTA- Institut für Geschichte und Theorie der Architektur, entre 27 de setembro a 25 de outubro de 2007.

4.7 e 4.8: Mostra Coletivo na PUC-RIO – 22 jul.2007.

WISNIK, s/d, p. 9

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4.9 e 4.10: Mostra Coletivo em Zurique 27 set a 25 out.2007.

WISNIK, s/d, p. 12

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Entre as várias referências que foram feitas nos meios de comunicação, voltadas ao grande público, Wisnik, em matéria publicada na Folha de São Paulo reafirma que os sete grupos de arquitetos que compõem a exposição estão ligados por um “fio geracional” e “aqui, mais do que nunca, nota-se a herança formadora da ‘escola paulista’ de Vilanova Artigas e, sobretudo Paulo Mendes da Rocha [...]” e que, por isto mesmo, a produção aí divulgada “[...] atesta a sobrevivência dos princípios modernos no país [...]” e “[...] uma atitude comum perante a cidade: a preocupação de projetar o edifício segundo o um horizonte urbano”. (WISNIK, 2006b)

O traço mencionado por Wisnik transparece no trabalho de curadoria da mostra compondo uma organização dos projetos arquitetônicos segundo as escalas urbanas, num recorte temporal de 1996 à 2006.

Na escala regional estão presentes os “programas que estruturam funções urbanas pelo seu caráter sistêmico, especialização ou porte, influenciando toda a cidade ou vários de seus setores, algumas vezes ultrapassando seus limites”. (WISNIK, s/d, p. 17). Entre eles:- Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo- USP, São Paulo, SP, 1998, do escritório Andrade Morettin e Lua Nitsche e José Alves; Terminal de Ônibus da Lapa, São Paulo, SP, 2002, de Núcleo de Arquitetura; Memorial da República, Piracicaba, SP, 2003, de Ângelo Bucci, Álvaro Puntoni, Paula Zaniscoff, Pablo Hereñu, Eduardo Ferroni e Paula Cardoso; Reurbanização da Mooca|Ipiranga, São Paulo, SP, 2006, do escritório UNA arquitetos, vistos respectivamente nas figuras à seguir.

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4.11 e 4.12 - WISNIK, s/d, p. 18 e 21

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4.13 e 4.14 - WISNIK, s/d, p. 18 e 23

Na escala da cidade destacam-se os “espaços de uso coletivo, públicos ou privados, que servem a uma comunidade, bairro ou região da cidade”. (Ibidem, p. 24). Entre

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os 23 projetos inseridos nesta escala, alguns exemplos podem ser visualizados: Estacionamento Trianon, São Paulo, SP, 1996, de MMBB e Angelo Bucci; EE Jardim Ataliba Leonel, Guarulhos, SP, 2003, de Álvaro Puntoni e Angelo Bucci; Colégio Santa Cruz, Butantã, São Paulo, SP, 2003, de Una Arquitetos; EE Jardim Angélica III, Guarulhos, SP, 2004 de Núcleo de Arquitetura.

4.15 e 4.16 - WISNIK, s/d, p. 27 e 26

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4.17 e 4.18 - WISNIK, s/d, p. 30 e 28

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A escala local é contemplada por programas de “ambientes construídos ligados a vida cotidiana, onde a habitação é o uso predominante, criando um conjunto de atividades e espaços em contato imediato com seus moradores” (Ibidem, p. 31), tais como: Casa em Carapicuíba, Carapicuíba, SP, 1997, do escritório Una Arquitetos e Ana Paula Pontes e Catherine Otondo; Conjunto Comercial e de Serviços, São Paulo, SP, 1998, de Núcleo de Arquitetura; Casa em Aldeia da Serra, Barueri, SP, 2001, de Angelo Bucci e MMBB; Habitação Social no Centro, São Paulo, SP, 2004, de Andrade Morettin Arquitetos.

4.19 - WISNIK, s/d, p. 34

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4.20 e 4.21 - WISNIK, s/d, p. 35 e 36

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Ao mesmo tempo em que rebate as críticas negativas geradas pela mostra, salientando que não houve aí qualquer provocação intencional, Margotto (2010) valoriza os seus resultados na medida em que foi circunstancialmente um elemento catalizador do debate arrefecido sobre a produção arquitetônica em São Paulo. Assim se refere:

Nada disso é uma estratégia de marketing. A gente está mais para abdicar dessa guerra, abrir mão, deixar os outros fazerem, do que partir para uma luta no campo de batalhas. Por sorte essa exposição criou um corpo, uma força que foi reconhecida, que foi falada, foi criticada e aí ela ganhou espaço. Mas não foi uma bandeira, a gente não quis levantar nenhuma bandeira desse modo de fazer, de que somos melhores que os outros. Nada disso.

Ou ainda,

O interesse da gente é levar a arquitetura para o âmbito da cultura como os grandes pensadores da cultura brasileira fizeram, como o Lúcio sempre fez, enfim, e acreditar que isso vai fazer o trabalho melhorar, para todo mundo. Ela não pode ser entendida como um objeto isolado. Ela tem que ser entendida como uma peça nessa discussão inteira, um empenho de tentar colocar a arquitetura no âmbito da cultura [...]. O que a gente queria era fazer uma exposição bem feita, mostrar que é possível fazer uma arquitetura boa, séria, ligada à cultura, à cidade, ao coletivo. E o nome surgiu quase como uma brincadeira. Que nome teria? A discussão foi que coletivo no futebol é aquele treino com bola - ele é um pouco brincadeira, ele antecede o jogo principal, é onde você ensaia as melhores jogadas, ninguém pode chegar pesado, se você entrar pesado no zagueiro você pode machucar o outro [...]. Também tem a ideia do coletivo em português de Portugal que é o ônibus, o transporte coletivo. Então mais do que querer ser a estrela, o grande artista o que a gente queria é contribuir para fazer um trabalho bom. A gente tem ouvido muitas críticas. Pessoas queridas, inclusive, que acham que a gente não tem nada a ver com a escola, com o Artigas, com a FAU, que essa coletividade não existe que a onda do brutalismo parou em algum lugar.

Com efeito, ao se referir a um dos traços de identidade comum entre os escritórios da mostra de 2006, Margotto 14 remete também a concepção de autoria coletiva à importância que as experiências pedagógicas na universidade tiveram em cada um deles. A criação do projeto arquitetônico ocorria ali num ambiente de relações próximas entre mestre e discípulos, quase como uma transposição do modelo original de ateliê de arquitetura para o âmbito do ensino.

14 Arquiteto Luciano S. Margotto concedeu entrevista a autora em 17 mar.2009.

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Segundo ele, o desejo de manter esta tradição na prática profissional vai orientar a criação do Galpão – espaço de reunião de alunos recém-formados pela USP num mesmo local de trabalho, enfrentando de forma associada, os seus primeiros desafios profissionais. A partir deste aglomerado original são criados posteriormente escritórios de arquitetura independentes como o Brasil Arquitetura, e Una Arquitetos, por exemplo.

Por isto mesmo não parece inusitado a continuidade de relações, já no âmbito profissional, entre mestre e discípulos e, ou, na ausência dele, o reforço da relação grupal, em parcerias alargadas. Como bem situa Ana Luiza Nobre (2006, p. 24-25), as relações rotineiras de cunho pedagógico entre os alunos da FAU e professores de projeto como Mendes da Rocha, Eduardo de Almeida, Joaquim Guedes muitas vezes se replicam nos trabalhos profissionais.

Se no ambiente paulistano não é novidade a frutífera relação estabelecida entre um grupo de jovens e um arquiteto já consagrado – e o exemplo mais paradigmático disso talvez seja a relação entre Lina Bo Bardi e os arquitetos que mais tarde viriam a compor o Brasil Arquitetura -, importa como esse tipo de relação veio a se constituir mais recentemente com Paulo Mendes da Rocha, com a particularidade de que os projetos, neste caso, se dão preferencialmente em associação e às vezes até em co-autoria com escritórios autônomos. E de maneira tal, que foi se constituindo, por assim dizer, um processo de reforço mútuo: na medida em que se fortalecia uma determinada genealogia, Mendes da Rocha firmava-se no centro gravitacional de uma produção moça de alta qualidade e como protagonista indiscutível do último decênio”.15

Não é à toa que ampliando as referências de afinidades transversais, Margotto se refere a três elementos distintivos comuns: 1º- o fato de todos os arquitetos serem formados na FAU-USP; 2º- todos já possuírem obras consolidadas e, portanto, inseridos plenamente no campo da arquitetura; 3º- a existência uma partilha de princípios reunidos em torno daquilo que denominam - o caráter público da arquitetura - expresso na concepção programática do projeto que deixa transparecer seus vínculos com a dimensão social da cidade. Neste último aspecto, se refere configuração de um discurso cujos principais fundamentos de sustentação são compartilhados - uma matriz teórica semelhante.

De acordo com dados disponíveis sobre estes sete escritórios, sistematizados na Tabela 4.1, o Núcleo de Arquitetura é o mais antigo, tendo sido constituído em 1988 por

15 Nobre (Ibidem p. 24) considera o escritório MMBB, composto originalmente pelos arquitetos Angelo Bucci, Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton Braga como um dos mais afinados com Paulo Mendes da Rocha e que “[...] desde 2002, desligados de Bucci – vem dando prosseguimento a uma linhagem arquitetônica desencadeada em torno das pranchetas da FAU [...].

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Marcelo Luiz Ursini, Luciano Margotto Soares e Sergio Luiz Salles de Souza, imediatamente após a formatura de Ursini na FAU. Conforme indicado na mesma tabela, todos os arquitetos componentes dos sete escritórios da mostra de 2006 são formados pela FAU- USP, em sua maioria entre os anos de 1986 e 1992, na virada de uma década marcada por processos políticos de consolidação da retomada democrática no Brasil através da institucionalização de importantes marcos regulatórios, como a Constituição Federal. Como exemplos, Milton L. de Almeida Braga, Fernando de Mello Franco, formados em 1986 e Marta Moreira, em 1987, oficializam a criação do MMBB em 1990. Do mesmo modo, Luís Mauro Freire e Maria do Carmo Vilariño se formam também no final da década, respectivamente em 1988 e 1989 e logo a seguir, em 1991, organizam o escritório Projeto Paulista.

Os escritórios constituídos mais tardiamente, na segunda metade da década seguinte - o Una Arquitetos (1996) e o Andrade Morettin (1997) representam a continuidade desta mesma geração. Especialmente os arquitetos componentes do Una – Cristiane Muniz, Fabio Rago Valentim, Fernanda Bárbara e Fernando Felipe Viègas que muito se destacaram no debate acadêmico da virada destas décadas ainda como estudantes da FAUUSP, integrados ao corpo editorial da Revista Caramelo.

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QUADRO 4.1: MOSTRA "COLETIVO", 2006 - SEGUNDO PERFIL DOS ESCRITÓRIOS E ATIVIDADES DOCENTES DOS ARQUITETOS

ESCRITÓRIO ANO DE ORIGEM COMPONENTES GRADUAÇÃO TITULAÇÕES ATIVIDADE DOCENTE - LOCAL

Vinicius Hernandes de Andrade FAU - USP, 1992 Professor na UBC até 1996. Leciona na AEAU-SP desde 2005. ANDRADE MORETTIN ARQUITETOS (1) 1997 Marcelo Henneberg Morettin FAU - USP, 1991 S/D Leciona na AEAU-SP

Professor da USJT desde 2003, foi professor visitante no curso de Pós-Graduação da Fernando de Mello Franco FAU - USP, 1986 Doutorado: FAU-USP, 2005 UPM e Critic Design na GSD-USA.

MMBB (2) 1990 Marta Moreira FAU - USP, 1987 Mestrado: FAU-USP Professora da UBC entre 1992 e 1995, leciona desde 2002 na AEAU.-SP.

Professor da UBC entre 1992 e 1995, da USJT entre 1997 e 2001. Professor visitante da Mestrado: FAU-USP, 1999 Milton Liebentritt de Almeida Braga FAU - USP, 1986 School of Architecture, Univesity of Florida, USA, 2008. Leciona desde 2002 na FAU- Doutorado: FAU-USP, 2002 USP.

Professor da Universidade Bras Cubas de 1994 a 1996, na USJT de 1996 a 2004, desde Luciano Margotto Soares FAU - USP, 1989 Mestrado: FAU-USP, 2001 2002 leciona na UPM e desde 2008 na AEAU-SP.

Leciona desde 1999 na USJT, desde 2010 na FMU-FAAM-FIAM e desde 2011 no NÚCLEO DE ARQUITETURA (3) 1998 Marcelo Luiz Ursini FAU - USP, 1988 Mestrado: FAU-USP, 2005 SENAC.

Sérgio Luiz Salles Souza FAU - USP, 1989 Professor visitante da Ciências e Letras Ensino desde 1989 e da USJT desde 1999.

Professor da Universidade Bráz Cubas entre 1994 e 1996, professor da AEAU-SP entre Luis Mauro Freire FAU - USP, 1988 Mestrado: FAU-USP, 2006 2004 e 2005, desde 2002 leciona na FMU-FAAM-FIAM e desde 2008 na UNIP. PROJETO PAULISTA (4) 1991 Mestrado: FAU-USP, 2000 Maria do Carmo Vilariño FAU - USP, 1989 Professora da UNIP desde 2002 e da UNIB desde 2004. Doutorado: FAU-USP, 2006

Professor do Colégio Santa Cruz entre 1987 e 1990, professor da UNITAU entre 1990 e 1992, professor da UBC entre 1992 e 1996, professor da FAM entre 1997 e 2010, Mestrado: FAU-USP, 1999 Alvaro Luis Puntoni FAU - USP, 1987 professor da FEBASP entre 1998 e 2002, da UNIABC entre 1997 e 2000. Foi professor Doutorado: FAU-USP, 2005 convidado da UPM e do Taller Sudamerica da FADU-UBA. Leciona na AEAU-SP desde 1996 e na FAU-USP desde 2001.

Mestrado: FAU-USP, 2010 João Clark de Abreu Sodré FAU - USP, 2005 Professor na FMU-FAAM-FIAM Centro Universitário, desde 2011. GRUPO SP (5) 2005 Doutorando: FAU-USP João Yamamoto FAU - USP, 2008 Mestrando: FAU-USP

André Nunes FAU - USP, 2010 S/D

Formado pela Faculdade de Desenho Industrial da Alexandre Mendes UPM, 2009. Atualmente cursando a Faculdade de S/D Arquitetura e Urbanismo da AEAU-SP.

Mestrado: FAUUSP, 1998 Professor desde 1990 Angelo Bucci FAU - USP, 1987 Doutorado: FAUUSP, 2005 Leciona na FAUUSP desde 2001

Ciro Miguel FAU - USP, 2004 S/D

João Paulo Meirelles de Faria FAU - USP, 2003 S/D SPBR (6) 2003 Juliana Braga FAU - USP, 2004 S/D

Nilton Suenaga FAU - USP, 2010 S/D

Tatiana Ozzetti FAU - USP, 2009 S/D

Professora convidada do Taller Sudamerica, Universidade de Buenos Aires, Argentina, Cristiane Muniz FAU - USP, 1993 Mestrado : FAU-USP, 2005 desde 2006. Professora convidada na UPM em 2007, professora convidada na Universidade do Texas, em 2009, leciona na AEAU-SP desde 2006.

Fábio Rago Valentim FAU - USP, 1995 Mestrado : FAU-USP, 2003 Leciona na AEAU-SP desde 2003.

UNA ARQUITETOS (7) 1996 Mestrado : FAU-USP, 2004 - Pós-graduação na Fernanda Barbara FAU - USP, 1993 École de Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, Professora FAAP desde 2001, leciona na AEAU-SP desde 2007. França

Professor UAM de 2004 a 2010, professor convidado do Taller Sudamerica, Universidade de Buenos Aires, Argentina, desde 2006, professor convidado na Fernando Felippe Viégas FAU - USP, 1994 Mestrado : FAU-USP, 2004 Universidade do Texas, Austin, em 2009, e na Universidade Mayor do Chile, Santiago, em 2010, leciona na AEAU-SP desde 2005.

(1) Fonte: http://www.andrademorettin.com.br/; Plataforma Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4471812T5; http://www.escoladacidade.edu.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=89&Itemid=215

(2) Fonte: http://www.mmbb.com.br/; Plataforma Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4248010U6, http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4759008Y6

(3) Fonte: xxx; Plataforma Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4428652P9, http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4431402J9 e http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4437178Y9

(4) Fonte: http://www.projetopaulista.com.br/; Plataforma Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4102712P3, http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4240356T9

(5) Fonte: http://www.gruposp.arq.br/; Plataforma Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4735276U6; http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4765705D3; http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4318799H3

(6) Fonte: http://www.spbr.arq.br/; Plataforma Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4735439T1

(7) Fonte: http://www.unaarquitetos.com.br/; http://www.escoladacidade.edu.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=89&Itemid=215 REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 119

Ao identificar os traços comuns entre os arquitetos participantes da mostra de 2006 como um fenômeno tipicamente paulista que se articula com a formação acadêmica na FAU-USP, Luciano Margotto é obrigado a reconhecer a existência de um espectro bem mais amplo de arquitetos e escritórios inseridos neste segmento, muitos dos quais atualmente renomados e muito experientes.

Com efeito, Ruth Zein, ao se referir a esta geração destaca criações arquitetônicas de muitos outros arquitetos que não estavam presentes na mostra de 2006. É o caso, por exemplo, de Marcelo Barbosa e Jupira Corbucci, Lilian e Renato dal Pian, Henrique Reinach, Mauricio Mendonça, Mario Figueroa, Fernando Moyses, Mauro Docchi, Ricardo Buso, Marcio Coelho, Mario Biselli e Arthur Katchborian , etc . Estes dois últimos para ela, “[...] estão entre os mais relevantes arquitetos dessa nova geração. Com um admirável domínio formal e construtivo, Biselli & Katchborian vem realizando obras que incluem de casas a indústrias, revelando uma busca incessante de novas propostas, mas não da inovação a qualquer custo”. (ZEIN, op.cit.),

Coerentes com os traços de afinidades referidos por Margotto, os escritórios da mostra se pautam por arranjos na gestão de trabalho que remetem à idealização do ateliê/estúdio e das possibilidades de diálogos e valorização do grupo em torno da concepção arquitetônica, quase como uma extensão da reflexão e experimentação que ocorre no âmbito do ensino.

Podem também ser entendidos como uma forma de engajamento significativo no trabalho, nos moldes assinalados por Sennett (2009).

A valorização da interlocução e da cooperação, esta última vista como uma somatória de competências se alia à possibilidade do estabelecimento de relações sociais de trabalho que se fazem mais horizontais na etapa de concepção do projeto, ainda que a autoria se mantenha nas mãos de um ou poucos. Ou seja, para ele, o “trabalho coletivo é considerado uma oportunidade de encontro, de manter um diálogo mais livre sobre a arquitetura, sem os constrangimentos de uma empresa que precisa se submeter à contingências para se manter financeiramente”. (MARGOTTO, 2009) 16 . Neste sentido, o discurso apela para o fato de que, ao contrário dos escritórios de arquitetura em geral marcados por uma rotina de serviços, a modalidade de trabalho predominante nos escritórios que participaram da mostra é considerada mais flexível e aberta à parcerias temporárias em função de demandas excepcionais de projeto, como os concursos públicos.

16 Entrevista cedida a autora em 17 abr.2009.

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 120

Referindo-se ao Núcleo de Arquitetura, destaca a liberdade de escolha dos trabalhos neste escritório o que pode incidir inclusive em projetos de caráter mais técnico, como foi o caso da Pró-Mater, mas que se colocam sempre na perspectiva de realização de uma arquitetura íntegra voltada para o questionamento constante do que é arquitetura brasileira considerada em suas relações contextuais com a cidade e com o mundo contemporâneo.

Cabe ressaltar, contudo, que cada um desses escritórios possui uma historia particular e, circunstancialmente portes funcionais diversos em função da variedade e oscilação das demandas de trabalho. E mais, que a viabilidade de realização dos ideais preconizados de criação coletiva ocorre, sobretudo através de uma forte adesão aos concursos públicos, uma modalidade de expressão arquitetônica referendada como prestigiosa. Além dos concursos criarem uma temporalidade própria que exige mobilização de conhecimentos e habilidades em prazos relativamente curtos, a avaliação dos seus resultados é feita no interior do próprio campo profissional por pares notáveis e por rituais institucionalmente legitimados.

A opção pela participação em concursos públicos e as composições variáveis de autoria no horizonte de cada concurso favorecem a reafirmação de identidades comuns na medida em que a concepção e o desenvolvimento do projeto pressupõem intercâmbios de ideias e um trabalho colaborativo, aliado ao fato de que os concursos permitem ampliar o campo de visibilidade pública dos discursos embutidos em cada proposta. Neste sentido, reafirmam uma escolha de inserção profissional. Engendra-se neste processo uma busca constante adequação entre o discurso ou matriz teórico conceitual os arranjos produtivos e uma forma particular de inserção nas demandas de arquitetura.

É possível afirmar ainda, a partir destas colocações que o alargamento ou redução da equipe de autoria, conforme os desafios dos projetos ultrapassa a composição oficial destes escritórios e expressa arranjos possíveis para garantir a permanência e a coerência conceitual de uma mesma raiz, portanto, de certo discurso, além da qualidade da proposta arquitetônica. O alargamento da equipe de autores/colaboradores também ocorre em função da assimilação de ferramentas tecnológicas difundidas e generalizadas no campo da arquitetura através de programas digitais aplicados ao processo de projeto tais como a renderização, perspectivas e modelos eletrônicos e outros recursos. Estas incorporações exigem a presença de outras habilidades que vão estar presentes no interior das equipes, representadas por arquitetos bem mais jovens e recém-formados, porém alinhados aos mesmos princípios conceituais.

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Conforme salienta Fernando Viègas, um dos sócios do escritório UNA Arquitetos (apud SAYEGH: 2009, p. 2),

O projeto de arquitetura é sempre trabalhoso, exige uma equipe afinada muito além dos próprios sócios. Podemos dizer que durante todos esses anos colaboraram conosco profissionais de grande qualidade. Muitos seguiram seus próprios caminhos, porém deixaram suas contribuições e, mais do que isso, ajudaram a construir o cotidiano do escritório. Nessa forma de trabalhar incorporamos as discussões em equipe e acreditamos que o resultado dos projetos, de algum modo, revela esse processo. Tal método permite associar ideias de várias pessoas sem, necessariamente, explicitar uma marca ou assinatura. Esperamos que a qualidade de nosso trabalho se perceba pelo conjunto.

Fica evidente em casos, como o Grupo SP de Álvaro Puntoni e do SBPR de Ângelo Bucci, que a incorporação de arquitetos mais jovens muitas vezes se consolida aparecendo na composição associativa desses mesmos escritórios. (Vide Quadro 4.1)

A noção de coletivo , enquanto autodesignação de identidade imiscui duas faces inerentes e indissolúveis contidas no resultado do trabalho, ou seja, no projeto arquitetônico: um discurso sobre o que é arquitetura e uma autoria de projeto baseada em parcerias alargadas e voláteis, através das quais se faz possível potencializar a interlocução e a cooperação nas etapas conceptivas. Neste caso, o alargamento da autoria está contido no discurso e engendra uma busca constante de coerência com um arranjo específico de trabalho e com uma forma de inserção social destes arquitetos. E é apenas neste âmbito que suas práticas de trabalho tendem a se distinguir das demais 17 .

É principalmente através das duas dimensões que se define, neste discurso, um campo de maior liberdade de escolha e autonomia. Referindo-se à seleção dos projetos da mostra realizada na Maria Antônia, Margotto explica que todos eles se distinguiam pelas premissas de uma arquitetura ética, consistente e coerente com sua dimensão social, apresentando obras de interesse público para a cidade. Ao mesmo tempo, por estas opções, contém um posicionamento crítico em relação à produção arquitetônica voltada para as demandas de mercado muito embora, como afirma, “[...] não se tem nenhuma intenção de demonizar o mercado imobiliário”. O que entra em jogo é outra perspectiva, ou seja, “[...] que a arquitetura seja um bem de interesse publico, não um bem para dar lucro,

17 Cabe aqui novamente retomar a entrevista de Valério Petraróia, participante desta mesma geração de arquitetos quando se refere ao fato de que a criação do seu escritório responde à necessidade de registro oficial para que pudessem se inserir de forma institucionalizada nas demandas de arquitetura. Se, no início conseguiam participar de forma coletiva em todas as etapas do processo de projeto, na medida em que os trabalhos foram surgindo, precisaram incorporar uma equipe fixa de apoio.

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gerar lucro para um grupo de pessoas. Não temos nada contra ninguém, mas é a nossa opção. A gente fica mais feliz quando está fazendo um hospital, quando esta fazendo uma escola do que quando se esta fazendo uma residência luxuosa [...]” (MARGOTTO, 2010).

Com efeito, a retomada dos concursos públicos desde o período de redemocratização brasileira, cria um campo de possibilidades inserção de trabalho para os arquitetos dessa geração. Considerando-se apenas os escritórios da mostra verifica-se um elevado nível de premiações angariadas por todos eles. Segundo dados divulgados nos sites destes escritórios e sistematizados nos Quadros 4.1 a 4.7, onde muitos exemplos se destacam. Entre 1996 e 2010, o escritório Andrade Morettin Arquitetos participou de 20 concursos públicos dos quais apenas um não recebeu alguma premiação 18 ; 7 classificações em 1º lugar, 4 classificações em 2º lugar, destacando-se mais recentemente as vitórias no Concurso Público Nacional de Estudo Preliminar de Arquitetura para a sede do CAPES, Brasília, DF, 2007 e no Concurso Nacional para o Centro de Informações COMPERJ, Itaboraí, Rio de Janeiro, 2008. (Quadro 4.1).

O Núcleo de Arquitetura possui uma quantidade de premiações significativa, desde 1989 destacando-se já com premiação no primeiro ano de funcionamento do escritório (1989)19 e posteriormente com Menção Honrosa em 2006, no Concurso Público para o campus UNIFESP, Diadema, São Paulo, entre muitos. As parcerias entre o Núcleo de Arquitetura e o escritório de Álvaro Puntoni são frequentes, como é o caso dos concursos: Teatro de Londrina, em 2007, quando também participou Amanda Spadotto; SESC de Guarulhos, São Paulo, 2008, tendo sido finalistas e Sede do CREA-PR Curitiba, 2009, com resultado de Menção Honrosa. (Quadro 4.3.) Observam-se igualmente parcerias recorrentes entre Álvaro Puntoni e Angelo Buccci. (Vide Escritório SPBR, Quadro 4.6.)

A disposição na participação constante em concursos públicos também ocorre com o escritório Projeto Paulista, desde 1989 (15 concursos, dos quais três projetos foram premiados com o 1º lugar, havendo ainda muitas premiações com Menções Honrosas). (Vide Quadro 4.4.)

Outros fenômenos recorrentes são a concomitância de premiações em alguns concursos públicos, como é o caso do Concurso Nacional para a Reciclagem da Agência dos Correios em São Paulo, 1997, onde participaram três escritórios da Mostra - UNA

18 Trata-se do Concurso Internacional Asplundt para a nova biblioteca de Estocolmo, Suécia 2006. 19 Concurso Regional para a Matriz de Cerqueira Cesar, São Paulo, SP.

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REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 123

Arquitetos, Projeto Paulista e Andrade Morettin, tendo sido contemplados respectivamente com o 1º Premio, Projeto Finalista e Menção Honrosa.

Um fenômeno destacado nestes escritórios é a valorização da equipe completa da produção do projeto arquitetônico, jovens arquitetos, profissionais mais velhos e especialistas responsáveis por projetos complementares ou consultores, denominados de colaboradores, são reiteradamente mencionados, constando das fichas técnicas de seus projetos. No Andrade Morettin, por exemplo, alguns profissionais, como Marina Mermelstein, participa em 14 concursos; Marcelo Maia Rosa e Marcio Tanaka em 13 concursos e, assim por diante (Quadro 4.1). Esta reincidência é muito clara também no MMBB (Quadro 4.2.) UNA Arquitetos (Quadro 4.7), no Grupo SP (Quadro 4.5.) e outros.

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QUADRO 4.2: MOSTRA "COLETIVO", 2006 - ESCRITÓRIO ANDRADE MORETTIN - PARTICIPAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICOS E PREMIAÇÕES

CONCURSOS PÚBLICOS ARQUITETOS RESPONSÁVEIS COLABORADORES PREMIAÇÕES

Concurso: internacional Service Area for the Logistic Activity Zone of the Porto of Barcelona, S/D S/D Projeto de Desenho Urbano Selecionado XIX Congresso de La Unión Internacional de Arquitetos, UIA Barcelona 96, 1996

Concurso Nacional para a Reciclagem da Agencia Central dos Correios, 1997 S/D S/D Menção Honrosa

Conc. Púb. Nac. para o Plano Diretor da Fac. de Medicina da USP, São Paulo, SP, 1998 Vinicius Andrade, Marcelo Morettin, Lua Nitsche e José Alves Baldomero Navarro, Márcia Terazaki, Marina Mermelstein, Renata Andrulis, Suzana Barbosa 1º Prêmio

Concurso Nacional para o Monumento em Homenagem aos Imigrantes e Migrantes, 2000 S/D S/D Menção Honrosa

Conc. Púb. Nac. promovido pela FAPERGS para a Sede de Fundação de Amparo à S/D S/D 2º Prêmio Pesquisa do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2003

Concurso fechado para a sede do FDE. São Paulo, 2005 Vinicius Andrade e Marcelo Morettin Renata Azevedo, Thiago Natal e Marina Mermelstein 1º Prêmio

Concurso Público Nacional - Habitasampa/ Assembléia, São Paulo, SP, 2004 Vinicius Andrade e Marcelo Morettin Renata Azevedo, Thiago Natal e Marina Mermelstein 1º Prêmio

Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Merten Nefs, Marcela Aleotti, Concurso Internacional e Idéias Zero Latitude - Galápagos, Quito, Equador, 2006 Vinicius Andrade e Marcelo Morettin 1º Prêmio Renata Andrulis e Thiago Natal

Concurso Nacional de Anteprojeto Paço Municipal de Hortolândia, Hortolândia, São Paulo, Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Marcela Aleotti, Renata Andrulis e Vinicius Andrade e Marcelo Morettin 2º Prêmio 2006 Thiago Natal

Concurso Nacional de Anteprojeto UNIFESP Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Merten Nefs, Marcela Aleotti, Vinicius Andrade e Marcelo Morettin 2º Prêmio Diadema, São Paulo, 2006 Renata Andrulis e Thiago Natal

Concurso Internacional 'Asplund' para nova biblioteca de Estocolmo, Estocolmo, Suécia, Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Merten Nefs, Marcela Aleotti, Vinicius Andrade e Marcelo Morettin sem prêmio 2006 Renata Andrulis e Thiago Natal ANDRADE MORETTIN ARQUITETOS ARQUITETOS MORETTIN ANDRADE Antero Lopes, Marina Mermelstein, Thiago Natal, Marcio Tanaka, Merten Nefs e Renata Concurso de Anteprojeto para UNIABC, Santo André, São Paulo, 2006 Vinicius Andrade e Marcelo Morettin 3º Prêmio Andrulis

2º Concurso Internacional Living Steel para Habitação Sustentável, Recife, Pernambuco, Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Merten Nefs, Renata Andrulis e Vinicius Andrade e Marcelo Morettin 1º Prêmio 2007 Thiago Natal

Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Merten Nefs, Renata Andrulis, Concurso Internacional ‘Building a Sustanaible World’, Paranaguá, PR, Brasil, 2007 Vinicius Andrade e Marcelo Morettin Projeto Finalista Thiago Natal e Thomas Kelley

Concurso Internacional 2G – Parque da Laguna de Veneza, Veneza, Itália, 2007 Vinicius Andrade e Marcelo Morettin Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Merten Nefs e Renata Andrulis Projeto Finalista

Concurso Internacional de Idéias para a Revitalização da Frente Ribeirinha, Porto, Portugal, Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Merten Nefs, Renata Andrulis e Vinicius Andrade e Marcelo Morettin Menção Honrosa 2007 Justin Rodrigues Taylor

Concurso Público Nacional de Estudo Preliminar de Arquitetura para a Sede da Capes, Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Merten Nefs, Renata Andrulis e Vinicius Andrade e Marcelo Morettin 1º Prêmio Brasília, DF, 2007 Thiago Natal

Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Natasha Pirondi, Renata Andrulis, Concurso Internacional para a nova sede da CAF, Caracas, Venezuela, 2008 Vinicius Andrade e Marcelo Morettin 2º Prêmio Sonia Gouveia, Florian Schmidt-Hidding

Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Mermelstein, Natasha Pirondi, Renata Andrulis, Concurso Nacional para o Centro de Informações Comperj, Itaboraí, Rio de Janeiro, 2008 Vinicius Andrade e Marcelo Morettin 1º Prêmio Sonia Gouveia, Florian Schmidt-Hidding

Beatriz Vanzolini,Guido Otero, Marcelo Maia Rosa, Marcio Tanaka, Marina Sznelwar, Renata Sede da CNM, Brasília, 2010 Vinicius Andrade e Marcelo Morettin Menção Honrosa Andrulis, Ricardo Gusmão

Fonte: http://www.andrademorettin.com.br/ QUADRO 4.3: MOSTRA "COLETIVO", 2006 - ESCRITÓRIO MMBB - PARTICIPAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICOS E PREMIAÇÕES

PROJETOS ARQUITETOS RESPONSÁVEIS COLABORADORES PREMIAÇÕES

Fernando de Mello Franco, Marta Moreira, Milton Claúdio Diaféria, Miriam Castanho, Vinicius de Andrade e Concurso Nacional: Pavilhão do Brasil na Expo 92, Sevilha, Espanha, 1991 Liebentritt de Almeida Braga e Vinicius Gorgati Premiado Nagaaki Yasumoto

Anna Helena Villela, Eduardo Ferroni, Jorge Zaven Angelo Bucci, Fernando de Mello Franco, Marta Moreira Kurkdjian, José Augusto Nepomuceno, Maria Júlia Sede do Grupo Corpo, Belo Horizonte, MG, 2001 sem prêmio e Milton Liebentritt de Almeida Braga Herklot, Marta Bogéa, Omar Dalank, Sérgio Cançado, Walter de Almeida Braga

Anja Koehler, Flávio Rezende, Jacques Rordorf, Márcia Concurso Público Nacional - Habitasampa/ Assembléia, São Paulo, SP, Fernando de Mello Franco, Marta Moreira, Milton Braga Terazaki, Marina Acayaba, Marina Sabino, Tiago sem prêmio 2004 Rolemberg

Eduardo Ferroni, Márcia Terazaki, Jaques Rordorf, Concurso fechado para a sede do FDE. São Paulo, 2005 Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton Braga Marina Sabino, Paula Cardoso, Renata Vieira e Thiago 1° Prêmio Rolemberg

Concurso Internacional Tecktónica - Continente Móvel, Lisboa, Portugal, Fernando de Mello Franco, Marta Moreira, Milton Ana Carina Costa, Gabriel Manzi, Márcia Terazaki, MMBB 1° Prêmio 2005 Liebentritt de Almeida Braga Marina Sabino, Rodrigo Brancher e Thiago Rolemberg

Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton Anja Kolher, Anna Ferrari, Márcia Terazaki, Flávio Liebentritt de Almeida Braga, em associação com Camila Concurso Bairro Novo, 2006 Rezende, Marina Acayaba, Marina Sabino, Sarah sem prêmio Toledo Fabrini, Guilherme Wisnik, Martin Corullon e Feldman, Thiago Rolemberg Roberto Klein

Alícia Vasquez, Cecilia Góes, Eduardo Pompeo, Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton Concurso Internacional CAF, Caracas, Venezuela, 2008 Giovanni Meirelles, Guilherme Pianca, Luís Pompeo, 6° Lugar Liebentritt de Almeida Braga Marina Sabino e Tiago Oakley

Cecilia Góes, Eduardo Pompeo, Giovanni Meirelles, Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton Concurso SESC Guarulhos, Guarulhos, SP, 2008 Guilherme Pianca, João Yamamoto, Thiago Mendes e 6° Lugar Liebentritt de Almeida Braga Vito Macchione

Fernando de Mello Franco, Marta Moreira e Milton Liebentritt de Almeida Braga, Cecília Góes, Guilherme Concurso Latino-americano para Biblioteca do Rosário, Argentina, 2010 Pianca, José Paulo Gouvêa SEM COLABORADORES sem prêmio immy efrén liendo terán, Pablo Iglesias e Rita Aguiar Rodrigues Fonte: http://www.mmbb.com.br/ QUADRO 4.4: MOSTRA "COLETIVO", 2006 - ESCRITÓRIO NÚCLEO DE ARQUITETURA - PARTICIPAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICOS E PREMIAÇÕES

CONCURSOS PÚBLICOS ARQUITETOS RESPONSÁVEIS COLABORADORES PREMIAÇÕES

Concurso Regional para a Igreja Matriz de Cerqueira César, São Paulo, SP, S/D S/D 2º Prêmio 1989

Concurso Público de anteprojeto para habitação popular, Brás, São Paulo, Luciano Margotto, Marcelo Ursini e Sérgio Salles S/D 2º Prêmio 1989

Concurso Nacional para a Faculdade de Medicina UNESP, Botucatu, SP, S/D S/D 2º Prêmio 1991

Concurso Nacional para a Paço Municipal de Osasco, Osasco, SP, 1991 S/D S/D Menção Honrosa

Concurso Nacional para o Centro Administrativo da UFU, Uberlândia, MG, S/D S/D 3º Prêmio 1995

Concurso Público para a modernização do Conjunto Desportivo do Luciano Margotto, Marcelo Ursini e Sérgio Salles S/D 2º Prêmio Ibirapuera, São Paulo, 2003

Concurso Público Nacional - Habitasampa / Cônego Vicente Marino, São Luciano Margotto, Marcelo Ursini e Sérgio Salles S/D Menção Honrosa Paulo, SP, 2004

NÚCLEO DE ARQUITETURA Concurso fechado para a sede do FDE. Guarulhos, SP, 2005 Luciano Margotto, Marcelo Ursini e Sérgio Salles S/D sem prêmio

Concurso Público de projeto para o campus da UNIFESP, Diadema, São Luciano Margotto, Marcelo Ursini e Sérgio Salles e S/D Menção Honrosa Paulo, 2006 Guilherme Lemke Motta

Concurso Público Nacional de Estudo Preliminar de Arquitetura para a sede S/D S/D Menção Honrosa da Capes, Brasília, DF, 2007

Alvaro Puntoni, Amanda Spadotto , João Sodré, Jonathan Teatro, Londrina, PR, Brasil, 2007 Anita Freire e Walter Diamond Davies, Luciano Margotto, Marcelo Ursini e Sergio Salles

Alvaro Puntoni, João Sodré, Jonathan Davies, Luciano André Nunes, Bruno Gondo, Cadu Murgel, Camila Concurso Nacional: SESC Guarulhos, Guarulhos, SP, 2008 Finalista Margotto, Sergio Salles e Marcelo Ursini Obniski, Fabricius Mastroantonio e Gioavanna Araújo

Alvaro Puntoni, João Sodré, Jonathan Davies, Luciano André Nunes, Bruno Gondo, Cadu Murgel e Fabricius Concurso Nacional: Sede do CREA-PR, Curitiba, PR, Brasil, 2009 Menção Honrosa Margotto, Sergio Salles e Marcelo Ursini Mastroantonio

Fonte: QUADRO 4.5: MOSTRA "COLETIVO", 2006 - ESCRITÓRIO PROJETO PAULISTA - PARTICIPAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICOS E PREMIAÇÕES

CONCURSOS PÚBLICOS ARQUITETOS RESPONSÁVEIS COLABORADORES PREMIAÇÕES

Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño, Fábio Mariz Câmara Legislativa do Distrito Federal, DF, Goiás, 1989 José Mário de Castro Gonçalves e Luiz Oliviera Ramos 1º Prêmio Gonçalves e Zeuler Rocha Melo de Almeida Lima

Concurso Nacional de Idéias para Núcleo Urbano de Campinas, Campinas, Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño, Fábio Mariz SEM COLABORADORES Menção Honrosa SP, 1990. Gonçalves e Zeuler Rocha Melo de Almeida Lima

Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño, Fábio Mariz Parque Guaraciaba, Santo André, SP, 1991 SEM COLABORADORES 1º Prêmio Gonçalves e Zeuler Rocha Melo de Almeida Lima

Concurso Nacional de Anteprojetos para a Sede do Conselho de Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño, Fábio Mariz SEM COLABORADORES Menção Honrosa Contabilidade do Estado de São Paulo, São Paulo, SP, 1991. Gonçalves e Zeuler Rocha Melo de Almeida Lima

Concurso Fechado de Anteprojetos para a construção da Catedral da Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño, Fábio Mariz SEM COLABORADORES 1º Prêmio Sagrada Família, São Paulo, SP, 1991 Gonçalves e Zeuler Rocha Melo de Almeida Lima

Concurso Nacional para a Faculdade de Medicina UNESP, Botucatu, SP, Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño, Fábio Mariz SEM COLABORADORES Menção Honrosa 1991 Gonçalves e Zeuler Rocha Melo de Almeida Lima

Centro Cultural e Educacional Mogi das Cruzes Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño e Fábio SEM COLABORADORES 3º Prêmio São Paulo, 1995 Mariz Gonçalves

Concurso Nacional para a Reciclagem da Agencia Central dos Correios, Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño e Fábio SEM COLABORADORES Projeto Finalista 1997 Mariz Gonçalves PROJETO PAULISTA PROJETO Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño, Henrique Nova Sede da FAPESP, São Paulo, 1998 SEM COLABORADORES sem prêmio Fina e Fábio Mariz Gonçalves

Concurso Nacional para Projeto da Sede do Edifício para o CREA-CE, Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño e Fábio SEM COLABORADORES 2º Prêmio Fortaleza, CE, 2001 Mariz Gonçalves

Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño, Henrique Requalificação do Largo da Batata, São Paulo, SP, 2002 SEM COLABORADORES 2º Prêmio Fina, Luis Oliviera Ramos

Concurso Público Nacional - Habitasampa/ Assembléia, São Paulo, SP, Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño e Henrique Luis Oliviera Ramos e José Mário de Castro Gonçalves Menção Honrosa 2004 Fina

Concurso Público Nacional de Projetos de Arquitetura para Museu da Luis Mauro Freire, Maria do Carmo Vilariño e Henrique Luis Oliviera Ramos Menção Honrosa Tolerância, São Paulo, 2005 Fina

Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009 Luis Mauro Freire e Maria do Carmo Vilariño Luis Mauro Freire e Maria do Carmo Vilariño Menção Honrosa

Sede da CNM em Brasília, 2010 Luis Mauro Freire e Maria do Carmo Vilariño José Mário de Castro Gonçalves 3º Prêmio

Fonte: http://www.projetopaulista.com.br/ QUADRO 4.6: MOSTRA "COLETIVO", 2006 - ESCRITÓRIO GRUPO SP - PARTICIPAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICOS E PREMIAÇÕES

CONCURSOS PÚBLICOS ARQUITETOS RESPONSÁVEIS COLABORADORES PREMIAÇÕES

Geraldo Vespaziano Puntoni, Edgar Dente, Fernanda Barbara Concurso Nacional: Pavilhão do Brasil Na Expo '92, Sevilha, Espanha, 1991 Alvaro Puntoni, Angelo Bucci e José Oswaldo Vilela 1º Lugar Clovis Cunha, Pedro Puntoni (historiador) Apoena Amaral e Almeida, Camila Fabrini, Eduardo Ferroni, Moracy Amaral e Almeida Nova Sede da FAPESP, São Paulo, SP, 1998 Alvaro Puntoni, Angelo Bucci sem prêmio Pablo Hereñu

Edifício para o CONFEA, Brasília, DF, 1999 Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Marcelo Caloi, Maria Isabel Imbronito, Marta Moreira e Omar Dalank Eduardo Ferroni e Moracy Amaral sem prêmio

Concurso Nacional para Projeto da Sede do Edifício para o CREA-CE, Fortaleza, CE, 2001 Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Apoena Amaral, Carlos Ferrata, Eduardo Ferroni, Moracy Amaral e Pablo Hereñu SEM COLABORADORES 3º Lugar

Sede do Grupo Corpo, Belo Horizonte, MG, 2001 Alvaro Puntoni, Priscila Araujo, Ricardo Gomes Lopes, Roberto Fialho e Valéria Fialho Márcio Coelho e Silvio Squizzardi sem prêmio

Concurso Nacional: Memorial da República, Piracicaba, SP, 2002 Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Ciro Miguel, Eduardo Ferroni, Pablo Hereñú e Paula Cardoso SEM COLABORADORES 1º Lugar

Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Geraldo Vespaziano, Maria Isabel Imbronito, Anna Kaiser, Ciro Miguel, Fernando Concurso Público para a modernização do Conjunto Desportivo do Ibirapuera, São Paulo, 2003 SEM COLABORADORES sem prêmio Bizarri, João Sodré, Juliana Braga, Omar Dalank

Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Ciro Miguel, Fernanda Neiva, Maria Isabel Imbronito, José Alves, Juliana Braga e Biblioteca Nacional José Vasconcelos, Cidade do México, México, 2003 SEM COLABORADORES sem prêmio Juliana Corradin

Concurso Internacional: Elemental, Chile, 2003 Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Andre Drummond, Ciro Miguel, João Sodré, Jonathan Davies e Juliana Braga SEM COLABORADORES Finalista

Concurso Público Nacional - Habitasampa / Cônego Vicente Marino, São Paulo, SP, 2004 Alvaro Puntoni, Jonathan Davies e João Sodré Juliana Braga Menção Honrosa

Nossa Caixa: Idéias e Soluções para Habitação Social no Brasil, São Paulo, SP Alvaro Puntoni, João Sodré e Jonathan Davies SEM COLABORADORES sem prêmio

Museu do Ouro, Sabará – MG, 2004 Álvaro Puntoni João Sodré e Juliana Braga 1º Lugar 6º Prêmio Jovens Arquitetos

Alvaro Puntoni, Eduardo Ferroni, Jonathan Davies, Fernanda Costa Neiva Edson Riva, Fabiana Cyon, João Sodré, Juliana Braga, Olivia Pereira Concurso Nacional: Sede da Petrobras, Vitória, ES, 2005 - 2º Lugar 2º Lugar Maria Julia Herklotz e Pablo Hereñú Omar Dalank e Vitor ao Castro

Concurso Nacional: Habitação Social No Amazonas, Manaus – AM, 2005 Alvaro Puntoni, Edson Riva, João Sodré, Jonathan Davies e Mina Warchavchik SEM COLABORADORES Menção Honrosa

Concurso Nacional: Museu da Tolerância, 2005 Alvaro Puntoni, João Sodré e Jonathan Davies Rafael Urano e Tatiana Ozetti sem prêmio GRUPO GRUPO SP

Concurso Nacional: Living Box, 2005 Alvaro Puntoni, João Sodré e Jonathan Davies SEM COLABORADORES sem prêmio

Concurso Nacional: Paço Municipal De Hortolândia Alvaro Puntoni, João Sodré e Jonathan Davies Fernanda Varela e Gabriel Manzi sem prêmio Hortolândia, SP, 2006

Concurso Nacional: Sede do IPHAN, Brasília, DF, 2006 Alvaro Puntoni, João Sodré e Jonathan Davies Rafael Urano e Tatiana Ozetti sem prêmio

Teatro, Londrina, PR, Brasil, 2007 Alvaro Puntoni, Amanda Spadotto , João Sodré, Jonathan Davies, Luciano Margotto, Marcelo Ursini e Sergio Salles Anita Freire e Walter Diamond sem prêmio

André Nunes, Bruno Gondo, Cadu Murgel, Camila Obniski, Fabricius Mastroantonio e Concurso Nacional: SESC Guarulhos, Guarulhos, SP, 2008 Alvaro Puntoni, João Sodré, Jonathan Davies, Luciano Margotto, Sergio Salles e Marcelo Ursini Finalista Gioavanna Araújo

Concurso Público Nacional de Anteprojetos de Arquitetura para a sede do SEBRAE, Brasília, DF, 2008 Alvaro Puntoni, Jonathan Davies, João Sodré e Luciano Margotto André Nunes, Rafael Murollo, Julia Valiengo e Isabel Nassif 1º Lugar

Concurso Nacional: Sede do CREA-PR, Curitiba, PR, Brasil, 2009 Alvaro Puntoni, João Sodré, Jonathan Davies, Luciano Margotto, Sergio Salles e Marcelo Ursini André Nunes, Bruno Gondo, Cadu Murgel e Fabricius Mastroantonio Menção Honrosa

Alvaro Puntoni, João Sodré, Jonathan Davies Concurso Teatro Castro Alves, Salvador, BA, 2009 André Nunes, Julia Caio Siqueira, Fabricius Mastroantonio 5º Lugar Luciano Margotto, Flavio Castro, Luís Cláudio Marques Dias

Alvaro Puntoni, João Sodré, Jonathan Davies, André Nunes (gruposp) Concurso House in Luanda: Patio and Pavillion, Luanda, Angola, 2010 SEM COLABORADORES Finalista Luciano Margotto

Concurso Ponte e Passarela em Blumenau, Blumenau, SC, 2011 Alvaro Puntoni, João Sodré, João Yamamoto, André Nunes, Luciano Margotto, Marcos Acayaba André Procópio sem prêmio

Alvaro Puntoni, João Sodré, João Yamamoto, André Nunes, Luciano Margotto, Marcos Acayaba Concurso Porto Olímpico Gustavo Delonero, Henrique Winkel, Mona Feldman sem prêmio Claudio Libeskind, Sandra Llovet, Marina Rosa, Natalia Leardini, Sabrina Chibani, Andre Procopio

Giovanni Meirelles, Gustavo Delonero, Ana Paula de Castro, Bruno Gondo, Carolina Alvaro Puntoni, João Sodré, João Yamamoto, André Nunes, Luciano Margotto, Cristiane Muniz, Fabio Valentim, Klocker, Eduardo Martorelli, Henrique te Winkel, Igor Cortinove, Mellisa Naranjo, Concurso Parque Olímpico sem prêmio Fernanda Barbara, Fernando Felippe Viégas, Edgar Mazo, Luis Callejas, Sebastian Mejia Dasha Lebedeva, Victor Marechal, Sebastian Vela, Martin Baena, Juan Esteban Giraldo, Maria Jose Arango, Manuela Bonilla

Fonte: http://www.gruposp.arq.br/ QUADRO 4.7: MOSTRA "COLETIVO", 2006 - ESCRITÓRIO SPBR - PARTICIPAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICOS E PREMIAÇÕES

CONCURSOS PÚBLICOS ARQUITETOS RESPONSÁVEIS COLABORADORES PREMIAÇÕES

Vespaziano Puntoni, Edgar Dente, Fernanda Barbara, Clovis Cunha e Concurso Nacional: Pavilhão do Brasil Na Expo 92, Sevilha, Espanha, 1991 Alvaro Puntoni, Angelo Bucci e José Oswaldo Vilela Pedro Puntoni 1º Lugar

Apoena Amaral e Almeida, Camila Fabrini, Eduardo Ferroni, Moracy Nova Sede da FAPESP, São Paulo, 1998 Alvaro Puntoni e Angelo Bucci sem prêmio Amaral e Almeida e Pablo Hereñu

Angelo Bucci, Alvaro Puntoni, Maria Isabel Imbronito, Marta Moreira, Marcelo Caloi e Moracy Amaral e Eduardo Ferroni Edifício Para o CONFEA, Brasília, DF, 1999 sem prêmio Omar Dalank

Angelo Bucci, Milton Braga, Marta Moreira, Fernando de Mello Franco, Marta Bogea, Sede do Grupo Corpo, Belo Horizonte, MG, 2001 SEM COLABORADORES sem prêmio Eduardo Ferroni, Maria Julia Herklotz, Anna Helena Vilella e Omar Dalank

Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Pablo Hereñu, Eduardo Ferroni, Paula Cardoso e Ciro Concurso Nacional: Memorial da República, Piracicaba, SP, 2002 Alexandre Mirandez e Anna Kaiser 1º Lugar Miguel

Concurso Público para a modernização do Conjunto Desportivo do Ibirapuera, São Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Geraldo Vespaziano, Maria Isabel Imbronito SEM COLABORADORES sem prêmio Paulo, 2003 Anna Kaiser, Ciro Miguel, Fernando Bizarri, João Sodré, Juliana Braga e Omar Dalank SPBR

Concurso para Biblioteca Nacional José Vasconcelos, Cidade do México, México, S/D S/D 1º Lugar 2003

Angelo Bucci, Alvaro Puntoni, Andre Drummond, Jonathan Davies, Ciro Miguel, João Concurso Internacional: Elemental, Chile, 2003 SEM COLABORADORES 1º Lugar Sodré e Juliana Braga

Angelo Bucci, Maria Isabel Imbronito, Ciro Miguel, João Sodré, Juliana Braga Centro Cultural Brasil - Espanha, Brasília, DF, 2004 SEM COLABORADORES sem prêmio Jonathan Davies, Carolina Gimenez e Susana Jeque

Concurso Open House, Vitra Design Museum, 2005 Angelo Bucci SEM COLABORADORES S/D

Angelo Bucci, João Paulo Meirelles de Faria, João Paulo Daolio e Thiago Natal Duarte Concurso Internacional para a nova sede da CAF, Caracas, Venezuela, 2008 Juliana Braga e Tatiana Ozzetti sem prêmio

Concurso Igreja da Natividade, Culiacan, Mexico, 2009 Angelo Bucci e João Paulo Meirelles de Faria SEM COLABORADORES S/D

Ciro Miguel, Giovanni Meirelles, Nilton Suenaga, Juliana Braga e Tatiana Concurso por convite Instituto Moreira Salles, 2011 Angelo Bucci Ozzetti

Fonte: http://www.spbr.arq.br/ QUADRO 4.8: MOSTRA "COLETIVO", 2006 - ESCRITÓRIO UNA ARQUITETOS - PARTICIPAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICOS E PREMIAÇÕES

CONCURSOS PÚBLICOS ARQUITETOS RESPONSÁVEIS COLABORADORES PREMIAÇÕES

Concurso Público Nacional de Anteprojetos: SENAR, Ribeirão Preto, SP, 1996 S/D S/D 2º Lugar

César Shundi Iwamizu, Eduardo Chalabi, Gustavo Rosa de Moura, Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas, Concurso Nacional para a Reciclagem da Agencia Central dos Correios, 1997 Mariana Felippe Viégas, Roberto Zocchio Torresan, Paula Zasnicoff 1º Prêmio Ana Paula Gonçalves e Catherine Otondo Cardoso, Marcio Guarnieri

Ana Paula de Castro, Carolina Klocker, Gabriela Gurgel, Fabiana Cyon, Concurso Público Nacional de Idéias- IAB: teatro e faculdade de artes cênicas e corporais da Cristiane Muniz, Fábio Valentim Fernanda Barbara Fernando Viégas e Jimmy Efrén Lliendo Terán, José Carlos Silveira Júnior, Miguel Felipe 1º Lugar unicamp, campinas, 2002 Clóvis Cunha Muralha Sílio Almeida e André Ciampi, Carolina Nobre, Gustavo Pimentel, Márcio Wanderley Ana Paula de Castro, Apoena Amaral e Almeida, César Shundi Iwamizu, Concurso por convite Colégio Santa Cruz, 2003 Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara, Fernando Viégas Clóvis Cunha, felipe noto, Jimmy Efrén Lliendo Terán, José Carlos Silveira 1º Prêmio Júnior, José Paulo Gouvêa, Sabrina Lapyda, Ricardo Barbosa Vicente

Ana Paula de Castro, Apoena Amaral e Almeida, Jimmy Efrén Lliendo Concurso fechado para a sede do FDE. São Paulo, 2005 Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara, Fernando Viégas Terán, José Carlos Silveira Júnior, José Paulo Gouvêa, Ricardo Barbosa 1º Prêmio Vicente, Sabrina Lapyda

Ana Paula de Castro, Apoena Amaral e Almeida, Jimmy Efrén Lliendo Concurso Público Nacional - Habitasampa/ Assembléia, São Paulo, SP, 2004 Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara, Fernando Viégas Terán, José Carlos Silveira Júnior, José Paulo Gouvêa, Ricardo Barbosa 2º Prêmio Vicente, Sabrina Lapyda Ana Paula de Castro, Apoena Amaral e Almeida, Jimmy Efrén Lliendo Concurso Público Nacional - Habitasampa / Cônego Vicente Marino, São Paulo, SP, 2004 Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara, Fernando Viégas Terán, José Carlos Silveira Júnior, José Paulo Gouvêa, Ricardo Barbosa 2º Prêmio Vicente, Sabrina Lapyda

José Carlos Silveira Júnior, Jimmy Liendo, Jörg Spangenberg, Ana Paula Concurso por convite Campus Universitário Nazaré Paulista, 2005 Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara, Fernando Viégas S/D de Castro

Concurso Público Nacional de Estudo Preliminar de Arquitetura para a Sede da Capes, Brasília, Ana Paula de Castro, José Carlos, Jimmy Liendo, Luiz Eduardo Loiola Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas sem prêmio DF, 2007 Menezes, Maria Cristina Motta

Ana Paula de Castro, Carolina Klocker, Gabriela Gurgel, Miguel Felipe Concurso Escola Vera Cruz, 2008 Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara, Fernando Viégas 1º Prêmio Muralha, Ricardo Manton, Sílio Almeida UNA ARQUITETOS

Ana Carolina Neute, Ana Paula de Castro, Carolina Klocker, Fabiana Concurso Internacional Liceu Francês em Brasília, 2009 Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas Cyon, Gabriela Gurgel, Miguel Felipe Muralha, Roberto Galvão Júnior e 1º Prêmio Sílio Almeida

Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas, Ana Paula de Castro, Carolina Klocker, Fabiana Cyon, Gabriela Gurgel, Concurso por convite Museu de Arte Moderna de Medellín, 2009 Carlos Andrés Betancur, Mmanuel José Posada, Carlos David Montoya Silio Almeida, Miguel Felipe Muralha

Ana Paula de Castro, Carolina Klocker, Fabiana Cyon, Gabriela Gurgel, Concurso por convite, Alojamento e Salas de Ensaio em Campos do Jordão, 2009 Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas Projeto Finalista Miguel Felipe Muralha, Sérgio Roberto Zancopé, Sílio Almeida

Ana Paula de Castro, Fabiana Cyon, Gabriela Gurgel, José Carlos Silveira Concurso Sedes Regionais, CIESP, 2010 Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas 1º Prêmio Júnior, Miguel Felipe Muralha

Ana Paula de Castro, Carolina Klocker, Clóvis Cunha, Eduardo Martorelli, Ana Paula de Castro, Bruno Gondo, Carolina Klocker, Eduardo Martorelli, Enk te Winkel, Fabiana Cyon, Fabrice Zaini, Gabriela Gurgel, Hugo Bellini, Concurso por convite Instituto Moreira Salles, 2011 Projeto Finalista Luccas Matos, Roberto Galvão Júnior, Filipe Barrocas Igor Cortinove, Marta Onofre, Miguel Felipe Muralha, Paula Saito, Pedro Saito e Sílio Almeida.

Ana Paula de Castro, Carolina Klocker, Eduardo Martorelli, Enk Te Winkel, Concurso Público Nacional Renova SP, (Oratório 1) 2011 Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas 1º Prêmio Igor Cortinove, Marta Onofre

Ana Paula de Castro, Bruno Gondo, Carolina Klocker, Eduardo Martorelli, Sede da CNM em Brasília, 2010 Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando Viégas sem prêmio Luccas Matos, Roberto Galvão Júnior, Filipe Barrocas

Fonte: http://www.unaarquitetos.com.br/ REFLEXÕES SOBRE O FAZER ARQUITETONICO | 131

Margotto (2009) 20 reconhece que através dos concursos públicos tem sido possível colocar a arquitetura na pauta de debates numa esfera valorizada de interlocução pública.

[...] como a gente quer fazer projetos que pensam a cidade, por trás disso tem um pensamento sobre o coletivo. O que nos unia também era essa prática dos concursos públicos, que são feitos para obras de interesse público. Nós queríamos depois desse momento que houve um desmonte da arquitetura pela ditadura, voltar a discutir a arquitetura no âmbito da cultura [...]. Quando a gente começa a ter um olhar para os aspectos formais do edifício, para a espacialidade interior, a continuidade, a fluidez, a ausência de portas, tudo isso começa a se encaixar com a idéia de fazer um equipamento público para todos- a questão da ética.

O início de sua trajetória profissional desponta pela participação em 1989 de dois destacados concursos públicos na cidade de São Paulo – o Concurso Público Regional de anteprojetos para a Igreja Matriz de Cerqueira César, promovido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil – SP e o Concurso Público Nacional de Anteprojetos para Habitação Popular, no bairro do Brás, promovido pela Prefeitura Municipal de São Paulo, através da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano. Com a parceria originária do escritório Núcleo de Arquitetura, obtém em ambos o 2º e prestigiado lugar.

A atuação como arquiteto, representa em suas memórias, uma continuidade já implícita no final de sua formação acadêmica. Com efeito, estando no último ano do curso de Arquitetura da FAU-USP, Luciano Margotto, Marcelo Ursini e Sergio Salles alugam uma salinha no térreo de um edifício no Caxingui, dando início ao escritório Núcleo de Arquitetura 21 . "Não tínhamos nem telefone", lembra Ursini. Conseguiram umas coisinhas aqui, outras acolá... Até que, logo depois de formados conquistaram o segundo lugar em um concurso público para a criação de moradias populares no Brás. "A partir daí apareceram trabalhos melhores”, diz Salles (2009).

Esta prática constitui um canal de inserção profissional em três dimensões significativas:- é uma forma de minimizar conflitos inerentes nas relações arquiteto/cliente e garantir maior liberdade de escolha dos projetos a serem realizados, para além dos parâmetros das exigências imediatistas e dos modismos embutidos nas demandas de mercado; é um recurso que amplia as possibilidades de satisfação pessoal na medida em que permite realizar um engajamento significativo no trabalho incitando a cooperação

20 Entrevista cedida a autora em 17 abr.2009. 21 O escritório Núcleo de Arquitetura, inaugurado em 1988, funcionou até o final de 2010, realizando projetos arquitetônicos prestigiosos.

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criativa frente aos desafios do projeto; denota, ainda, na valorização da pesquisa e discussões inerentes ao saber acadêmico e na maneira de uso de ferramentas e linguagens notabilizadas neste campo de produção cultural, os ideais eruditos do fazer arquitetônico.

Quando a gente pega um projeto, e é muito comum ao pegar um projeto, que a gente queira estender a reflexão inicial à cidade, ao contexto, olhar a história e daí, acho que você acaba tirando, olhando as premissas do projeto, quase como se fosse uma decorrência. Os outros arquitetos também fazem isso, até os mais velhos, não só os mais jovens “nós não somos feitos de nada mais que dos outros”. Quando você assume que não faz o projeto sozinho, eu não faço projeto nenhum sozinho. Uma condição do nosso tempo, quase que sai naturalmente essas trocas todas. Isso é a maneira coletiva de fazer. [...] Mas eu até brinco que nesta forma de associação de trabalho você não esta muito a fim de enxergar as diferenças [...] você esta a fim de enxergar as afinidades. É gostoso estar junto, fazer um trabalho junto. É uma oportunidade de estar junto. Já em outros lugares isso não acontece. Eu acho que surgiu em São Paulo, eu cito o Paulo Mendes, eu cito o Artigas, eu não copio nada deles, para sair à maneira deles. Mas este modo de associação já existia entre eles e isso foi passando de um para o outro [...] confirma uma vontade de estar aqui, [...] todos esses meus colaboradores são meus ex-alunos 22 . (MARGOTTO, 2010)

Para Zein (2000), analisando a atuação profissional de alguns destes arquitetos, os concursos públicos são práticas comuns de início de carreira, funcionando como verdadeiros ritos de passagem para a maioridade profissional. Permite aos jovens arquitetos canalizar suas energias e idealismo arquitetônico, angariando repercussões e reconhecimento entre seus pares. Conforme exemplifica, “Álvaro Puntoni, juntamente com Ângelo Bucci e José Oswaldo Vilela, iniciaram de maneira marcante sua carreira de arquitetos ao vencer, em 1988, o concurso para o Pavilhão Brasileiro na Expo'92 em Sevilha, Espanha. Desde então, a dupla Bucci, Puntoni realizou outros trabalhos juntos, inclusive concursos - como o do edifício do Confea, Brasilia”.

Por todos os aspectos apontados o apelo à noção de distinção desenvolvida por Bourdieu (2004, p. 35) ajuda a entender a importância do significado simbólico dos concursos públicos no campo da produção arquitetônica. Pode ser considerada uma prática entre outras relacionadas às múltiplas áreas de produção cultural que se orienta por um jogo de honra e de prestígio, não necessariamente consciente ou calculada. Ou seja,

[...] a ideia de que as lutas pelo reconhecimento são uma dimensão fundamental da vida social e de que nelas está em jogo a acumulação de

22 Refere-se aqui ao escritório República fundado em 2011, logo após o término da parceria de longos anos entre Luciano Margotto Soares, Marcelo Ursini e Sergio Salles que sustentava o escritório Núcleo de Arquitetura.

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uma forma particular de capital, a honra, no sentido da reputação, de prestígio, havendo, portanto, uma lógica específica do capital simbólico, como capital fundado no conhecimento e no reconhecimento .

A adesão valorativa na participação em concursos públicos e as diversas composições de autoria no horizonte de cada concurso ao lado de aspectos já mencionados vinculam-se ao fato de que permitem ampliar a visibilidade pública dos discursos embutidos em cada proposta. O trabalho exposto aos olhares críticos passa a fazer parte de outro momento onde adesões e confronto se opera, como uma forma de luta, na esfera pública da arquitetura, e cujos resultados de vitória ou derrota se incorporam à trajetória de experiências de cada arquiteto, tal como já discutido no capítulo 2.

A característica de mobilidade horizontal, ou o trânsito entre os arquitetos deste segmento acaba por se estender às composições bastante voláteis dos escritórios. Margotto (2010) refere-se a este fenômeno como nomadismo entre equipes, citando as seguintes relações: “[...] O Álvaro Puntoni já foi sócio do Ângelo Bucci (escritório SPBR) e o Ângelo já foi sócio do MMBB”, entre muitos outros exemplos 23 .

A este fenômeno, assim se refere Zein (op. cit.):

É comum os arquitetos jovens se associarem com diferentes colegas, em situações e ocasiões distintas, seja para realizarem concursos ou obras de maior porte, seja por circunstâncias pessoais de suas trajetórias. De alguma maneira essas diferentes associações influem distintamente nos resultados formais das obras; mas nem sempre é simples perceber como isso se dá, e talvez não seja nem mesmo importante - principalmente quando há um núcleo comum e entrelaçado de crenças e perspectivas que embasam suas respectivas produções. É o caso, por exemplo, dos arquitetos que hoje compõem o escritório MMBB (ex-Via Arquitetura): todos já trabalharam associados a outros profissionais, inclusive colegas de outras gerações, ao mesmo tempo realizando alguns projetos individualmente.

Outro fenômeno recorrente entre eles é o fato da maioria associar a prática profissional e a atividade acadêmica. Exemplificando dados constantes da Quadro 4.1, nos

23 Conforme declara Puntoni (2012) a primeira parceria foi com os colegas Angelo Bucci e Alvaro Razuk em um escritório do Conjunto Nacional na Avenida Paulista, em que juntamente com Bucci venceu o concurso para o Pavilhão do Brasil na exposição de Sevilha, onde “puderam aplicar livremente suas ideias até então limitadas a projetos residenciais para clientes de recursos limitados”. Formados em 1987, lembra que Angelo e Razuk foram trabalhar no Aflalo e Gasperini e ele buscou trabalho na Fundação Artigas: “A Rosa Artigas disse que não tinha como pagar, mas aceitei, porque o que eu queria era estudar a obra de Artigas, que na época era pouco valorizada”. A associação dos três permaneceu até 1996, quando o Angelo Bucci foi trabalhar no MMBB. Em 2003 retornaram a parceria, formando o escritório SBPR Arquitetos Associados que durou apenas até 2004.. “Comecei então a me organizar com os meus companheiros atuais no GrupoSP. “Ainda trabalho com o Angelo, mas de forma mais esporádica, como no concurso para o Museu da Tolerância, da USP, em 2005”.

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escritórios Andrade Morettin Arquitetos, MMBB, Núcleo de Arquitetura, Projeto Paulista e UNA Arquitetos são professores universitários em faculdades de arquitetura e nos outros dois, um ou dois sócios também são professores universitários.

As opções pela flexibilidade de parcerias e de maior autonomia profissional, aliadas as oportunidades de uma reflexão crítica constante sobre arquitetura se traduz em arranjos de trabalho cuja viabilidade financeira exige que os arquitetos componentes destes escritórios se dediquem a outras atividades remuneradas, preferencialmente as que estabelecem vínculos acadêmicos e titulações progressivas, em diversas faculdades de arquitetura de São Paulo.

Como destacado ainda no Quadro 4.1, os arquitetos dos seis escritórios, além de formados na FAU-USP entre a segunda metade dos anos de 1980 e princípios dos anos de 1990 e se destacarem por participações relevantes em concursos públicos, em sua maioria possui titulações acadêmicas de mestrado e alguns de doutorado, todos na FAU- USP e exercem atividades docentes concomitantemente às atividades projetuais.

Tendo cursado a graduação entre 1984 e 1989, Luciano Margotto Soares inicia suas atividades docentes na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Braz Cubas de Mogi das Cruzes em 1994, dedicando-se as disciplinas de Projeto Arquitetônico e outras a ela vinculadas. No transcurso acadêmico em faculdades de arquitetura, ingressa em 1996 na Faculdade de Lacce- Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu; em 2002, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie e em 2004 na Associação de Ensino de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo – Escola da Cidade. Mantendo-se atuante nestas duas últimas instituições respectivamente nas Atividades do Trabalho Final de Graduação – Exercício Projetual/Orientação Acadêmica e na Disciplina/atividade - Estúdio Vertical, exercendo orientação a equipes compostas por alunos de diferentes anos, vem ao longo deste percurso conciliando profissionalmente o trabalho de professor universitário e o trabalho de arquiteto. Além das exigências de produções acadêmicas correlatas, defende em 2002 sua dissertação de mestrado na FAU-USP, onde discute a arquitetura de Álvaro Siza 24 e ingressa em 2012 como doutorando na mesma universidade.

24 SOARES, Luciano. Margotto. A arquitetura de Álvaro Siza – três estudos de caso. Dissertação de Mestrado apresentada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU-USP, 2002.

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Em todos eles, a atividade docente é também o ponto de partida para a manutenção das valorizadas interlocuções acadêmicas e um campo de experimentação arquitetônica desvinculado das exigências e do pragmatismo do cotidiano dos escritórios.

Eu acho que o grupo da Escola da Cidade, dos professores da escola da cidade, todos os escritórios aqui tem alguém que dá aula lá. Na escola da cidade a gente continua esse diálogo e esse coletivo hoje poderia ser muito maior, com os escritórios mais jovens que eu estou te falando. (MARGOTTO, entrevista de 08 set.2010).

Aliás, a manutenção dos escritórios constitui um grande desafio e pode representar um campo de tensão entre os ideais de realização arquitetônica e o exercício da prática profissional.

Luciano revela no decorrer da trajetória do escritório Núcleo de Arquitetura os embates entre a necessidade de manutenção financeira de sua estrutura física e a organização do trabalho. Mostra as diversas tentativas de divisões de tarefas, inclusive por tipos de clientes, resultando insatisfatórias. A divisão final, vista como sendo uma divisão por competências acabou, na prática por inviabilizar os ideais de criação coletiva – Marcelo Ursini, ligado ao desenvolvimento do projeto executivo, Sergio Salles com busca de novos trabalhos e Luciano Margotto com a concepção dos projetos. Segundo ele, as decisões internas relativas aos projetos acabam ganhando autonomia individual porque o envolvimento do escritório com vários projetos fez com que os sócios se encontrassem cada vez menos e que algumas decisões fossem naturalmente tomadas sem o aval coletivo.(Ibidem).

Mostra neste contexto, a realização de parcerias com outros escritórios, no caso do SESC de Guarulhos, com Álvaro Puntoni (2009) 25 .

No começo, quando nós tínhamos disponibilidade maior, nos primeiros compromissos, quando nós dávamos menos aulas, nos momentos de poucos trabalhos e dificuldade financeira, nós mesmos desenhávamos tudo e isso fazia com que nós tivéssemos sinergia, interlocução e uma elaboração coletiva dos trabalhos. Então esses momentos traziam um benefício muito grande nesse aspecto coletivo. Agora com outros compromissos assumidos, dando mais aulas, filhos, outra idade, é difícil ter tempo da gente desenhar tudo da forma que a gente desenhava antes. Tem sempre os vários colaboradores e naturalmente você acaba assumindo alguns trabalhos como a gente tá fazendo agora, até para tentar uma

25 Entrevista concedida a autora em 08 set. 2009.

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gestão que seja um pouco mais eficiente, competente. Então, a interlocução entre nós também vai diminuindo. (Idem) 25.

Segundo ele, alguns outros arquitetos mais jovens que se colocam dentro desta mesma postura do que ele denomina como engajamento coletivo de trabalho, tem encontrado fórmulas flexíveis para contornar estes problemas. Cita o exemplo dos arquitetos cooperantes:

[...] tem outros escritórios, mais jovens que os nossos, com os cooperantes, que estão trabalhando de forma nova. E existe um coletivo: cada um tem uma empresa, e eles dividem o espaço, dividem os custos fixos, tem essa troca constante de fazer as coisas juntos. Cada um tem o seu trato da coisa e se você entra nessa roda viva de atividades pessoais e clientes, fica refém da estrutura, desaparece a possibilidade de interlocução. Não se pode ficar refém da estrutura. (Idem) 25.

Em relação aos embates com a manutenção das estruturas de trabalho, cita exemplos comparativos com outros escritórios que também passam por contingências semelhantes.

As vinculações com outras atividades de trabalho colocadas além dos compromissos no escritório ainda que sejam maneiras de contornar as dificuldades financeiras e ultrapassar necessidades de ajustes de ganhos individuais diante das oscilações das demandas de projeto arquitetônico, respondem muito mais a uma coerência entre as posturas teóricas, os ideais profissionais e as realizações projetuais. Vale dizer, que os concursos públicos e o ensino de arquitetura se tornam, para muitos arquitetos desta geração, práticas de trabalho necessariamente imbricadas e se manifestam como canais privilegiados de expressão. As possibilidades de realização dos ideais de aprimoramento técnico constante, fundamentado na reflexão crítica da arquitetura e do contexto histórico desde os tempos de graduação, passam assim necessariamente pela academia e pelos concursos públicos, espaços que lhes garantem cabedal reflexivo para a reinvenção interminável de uma mesma tradição.

É neste sentido e pelos aspectos aqui assinalados que Luciano Margotto Soares se insere no contexto de indivíduos específicos que compartilham valores éticos e simbólicos em relação ao seu trabalho ao mesmo tempo em que acolhem os códigos e as normas de condutas próprias do seu campo de atuação (conforme Bourdieu) e que orientam e delimitam o seu fazer arquitetônico.

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Uma vez que o trabalho ocorre nos espaços da vida cotidiana, embora não apenas como movimentos de repetição e rotina, mas também de confronto com o inusitado e o surpreendente, as noções conceituais desenvolvidas por Machado Pais (2003), investigador da Sociologia do Cotidiano se adequam ao fenômeno aqui estudado. Para ele (Ibidem, p. 121) a vida cotidiana, ao envolver um conjunto de ações e experiências vivenciadas pelos indivíduos e grupos sociais no decorrer de suas vidas diárias, constitui uma instância de investigação desafiadora e instigante na medida em que esconde e ao mesmo tempo revela os elementos estruturais da organização da sociedade .

A ideia de contextos, tão cara para a sociologia da vida cotidiana e, tal como posicionada por este autor, possui uma conotação referida ao contexto dos indivíduos , aquele relacionado às situações de vida e aos padrões de comportamentos e práticas no dia a dia. Os indivíduos se inserem num contexto de vida e se movimentam nele, uma vez que conhecem os elementos do meio social e lançam mão de recursos que consideram necessários e importantes para a sua existência.

O contexto dos indivíduos se refere aos conhecimentos comuns e compartilhados nas atividades de cotidiano na qual se inserem as práticas de trabalho. “Em sociologia da vida cotidiana, os contextos dos indivíduos podem (tal como os observamos...) ser tomados como matéria informante dos contextos analíticos, desde que, à partida, se demarquem as suas distintas naturezas”. (Ibidem p.122, grifos do autor). Os contextos dos indivíduos ao expressarem modos específicos de viver contêm normas e referenciais simbólicos apropriados por eles e que servem de orientação de suas condutas, compatíveis com as condições, circunstâncias e momentos de vida. As normas referem-se aos sistemas de significados compartilhados, como regras de um jogo que envolve prêmios e punições. Direcionam maneiras de agir consolidadas pelo uso e costumes e que estão vinculadas aos aparelhos ou instituições prescritivas como a família, escola, religião e outras. O fato de que na vida social esta transmissão contém fluidez e nem sempre é nítida permite uma variedade de movimentação social na incorporação de valores. Assim, as condutas e interações sociais se desenvolvem em torno de alguns códigos compartilhados entre indivíduos e grupos e o grande desafio da pesquisa sociológica é decifrar estes códigos, antes mesmo de interpretar comportamentos.

Vale dizer que, ao se relacionar com os elementos contextuais do meio, os indivíduos reinterpretam ou reelaboram de forma específica as determinações sociais. É nesse sentido que a vida cotidiana se coloca como um elemento mediador entre as grandes estruturas sociais (econômicas, políticas, culturais) e as ações individuais e coletivas. As

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relações e interações entre os indivíduos presentes na vida cotidiana são mais do que simples relações psicológicas. Na perspectiva do autor, as ‘cenas’ do cotidiano nas quais se situam as relações sociais, são construídas num determinado tempo histórico e são afetadas pelas forças influentes da sociedade. Nesse sentido existe um contexto social que funciona como sustentação significativa das interações. Os indivíduos selecionam os elementos do contexto social que consideram relevantes e seus comportamentos informam as posições sociais que ocupam e os valores e identificações simbólicas que portam.

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CAPÍTULO 5

Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho, seus percursos e o seu desenrolar

“O trabalho me inspira e me nutre, assim como o insondável e o etéreo. Não acredito muito na imagem romântica da inspiração que vem de cima, de improviso, e chega passivamente. A Inspiração existe, sim, e é um estado alterado de consciência, o qual se atinge através de muita procura e esforço”. (André Mehmari, Abraçando a canção, FSP, 2012).

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As mesmas posturas de engajamento colaborativo tão enfaticamente defendidas por Luciano Margotto Soares como algo necessário e inerente ao processo de trabalho se revelam presentes nas diversas entrevistas por ele concedidas, quer pela disposição em atender os apelos desta pesquisa e abrir mão de seus compromissos profissionais ou intercalá-los para se disponibilizar em muitas horas de conversas, quer pelo seu empenho em desvendar os interesses analíticos de uma socióloga pelo trabalho arquitetônico, ao longo de contatos não necessariamente sequenciais e próximos.

O apelo a um olhar para os percursos de elaboração dos três projetos – Capes, Sebrae e Porto Olímpico - trouxe revelações exemplares de trabalho tanto no sentido atribuído por Hannah Arendt (2000) ao homo faber quanto de perícia artesanal - atributo de artífices atuantes na sociedade contemporânea, como bem coloca Richard Sennett (2009).

Fragmentos das conversas, já assinaladas no capitulo anterior, confirmam algumas dificuldades típicas do homo faber em se ater reflexivamente sobre suas práticas de trabalho. Isto porque o fazer já contém um saber-fazer incorporado e inerente que se imiscui a um conjunto de concepções arquitetônicas e de visão de mundo que vai se corporificando aos poucos no processo e se apresenta completo nos resultados do trabalho, como um discurso indissociável da obra criada. Ao mesmo tempo, para expressar suas ideias em nossas conversas, Luciano Margotto sempre lançou mão de linguagens e ferramentas próprias do trabalho arquitetônico – imagens e croquis já prontos ou realizados no momento - evidenciando um habitus profissional de tal forma agregado ao arquiteto que se manifesta espontânea e naturalmente em outras relações sociais.

Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar

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Ao ser interpelado sobre o seu trabalho as respostas no geral se remetiam a uma obra já realizada tomada como suporte de argumentação, ilustrando as colocações de Segnini (2002) de que os arquitetos fazem longas digressões sobre suas criações e também sobre os significados da arquitetura, com ênfases diferentes em suas dimensões artísticas, sociais e técnicas, porém falam pouco em como as criações são realizadas. No caso dos projetos em questão e atendendo as solicitações para direcionar o tema sobre as práticas de trabalho, o arquiteto entrevistado disponibilizou um rico acervo de registros pessoais sobre os processos de projeto através dos quais foi desvendando os processos de sua elaboração.

O olhar focado na construção de uma ideia arquitetônica revela um movimento que só aparentemente é linear. A elaboração do projeto arquitetônico, segue as etapas consensuais próprias deste fazer – Estudo Preliminar, Anteprojeto, Projeto Executivo - com maior ou menor desdobramento segundo exigências específicas, através de linguagens gráficas referendadas e difundidas no campo de produção arquitetônica. Ao mesmo tempo vai concretizando produtos parciais que trazem a ideia, mas escondem o processo. Neles se corporificam um trabalho que dependendo dos prazos estipulados são extremamente concentrados, comprimidos em termos de tempo e que exigem esforço, pesquisa e muita disciplina, portanto, muito labor. Com os suportes do empenho na busca de soluções, as ideias criativas surgem concomitantemente e, muitas vezes de forma inesperada fora do local de trabalho e exigem do arquiteto confiança no seu saber-fazer e algumas disposições emocionais próprias. Como lembra Margotto (14.04.2009), “muitas vezes, diante do desafio do projeto, fico com a questão não resolvida, mas crio um distanciamento, vou ler poesia ou outras coisas do tipo...”. Refere-se, ainda, ao fato de adotar alguns preceitos que servem para orientar atitudes de trabalho: a ideia de rapidez num sentido budista (correr vagarosamente) o que significa estar atento, mas não entrar no desespero, e outras atitudes que devem, segundo ele, se manifestar no fazer como posturas (ou concepções) e tornando-se perceptível no produto acabado, no caso, já amarradas a um discurso específico. Entre elas: – precisão, visibilidade, consistência, ou, liberdade, generosidade, austeridade, poesia, enigma 1.

A busca de realização de um bom trabalho ou engajamento significativo transparece ao longo da descrição dos três projetos feitos em parcerias. Como poderá ser

1 Esta conversa inicial não gravada foi realizada num café nas proximidades do então escritório Núcleo de Arquitetura contendo muitos esboços de ideias feitos nas toalhas de papel da mesa. Em outra ocasião (21 set.2009) apresentou-me todo o material utilizado na palestra realizada no Chile contendo uma articulação de projetos arquitetônicos dos quais participou como autor segundo sua representatividade em relação às posturas arquitetônicas aqui assinaladas.

Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar

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visto, a perícia artesanal dos autores se faz presente através de ajustes de ideias e de suas representações de tal forma que os movimentos de trabalho só terminam por contingências externas de prazos e, mesmo assim, cabe a eles reconhecer que o projeto arquitetônico realizado contém de forma consistente as ideias arquitetônicas imaginadas e atende às exigências programáticas das demandas. Estas decisões os aproximam de outros fazeres artesanais na sociedade contemporânea, ainda que trabalhem com materialidades diversas 2.

O ponto final do fazer artístico, assim como em outros fazeres, é decisão exclusiva de quem a imaginou, inicialmente. Contudo, definir o término de uma obra constitui o momento crítico quando é avaliada a sua justeza, isto é, se nada falta. Embora seja impossível prever a chegada de tal momento, o artista deve ser para Ostrower (1998) ‘capaz de reconhecê-lo; De saber que sua obra está terminada’ (Idem, p.58) e expô-la aos olhares e ouvidos externos, configurando-se assim, outro momento do seu fazer. (BLASS, 2009, p. 58).

A escolha dos três projetos arquitetônicos, todos eles vinculados a concursos públicos, se articula a alguns critérios metodológicos que permitem colocar em relevância aspectos específicos e ao mesmo tempo comuns, do fazer arquitetônico.

Os projetos CAPES e SEBRAE foram tomados como exemplo do trânsito de ideias criativas que permitiu a passagem de concepções e partidos de projeto semelhantes de um trabalho para o outro, trazendo à tona o peso da experiência, conhecimento e a importância do acervo de referências pessoais dos arquitetos-autores. Além deste critério, o SEBRAE, pelas características do próprio concurso, exemplifica um processo mais completo e detalhado de projeto, avançando para além da proposta preliminar até o Anteprojeto 3.

No caso do Porto Olímpico, a realização das entrevistas para esta pesquisa ocorreram logo após o término do projeto arquitetônico, o que tornou possível o acesso a uma memória próxima e mais fresca sobre as práticas de trabalho e, com isto, a um detalhamento maior do desenvolvimento do processo produtivo. Há que se ressaltar que

2 Sartre (2012: p. 36-38) ao se referir aos processos de trabalho de Alberto Giacometti diz da atitude de prorrogação infinita do artista em relação ao término de suas obras: “ [...] Giacometti não está satisfeito. Ele poderia ganhar a partida no mesmo instante: bastaria decidir que ganhou [...] adia a decisão hora após hora, dia após dia, às vezes durante uma noite de trabalho está prestes a reconhecer a vitória; de manhã tudo está rompido. [...] A divisibilidade infinita que ele expulsou de sua obra talvez renasça sem cessar entre ele e sua meta. ‘Quando acabar’, diz, ‘vou escrever ou pintar vou me divertir’ . Mas morrerá antes de terminar”. 3 É necessário mencionar que saindo vencedores no concurso, os autores (Alvaro Puntoni , Luciano Margotto, João Sodré e Jonathan Davis) foram contratados pelo SEBRAE, continuando o processo de desenvolvimento do Projeto Executivo e acompanhamento da construção da obra arquitetônica. Neste capítulo a análise do trabalho arquitetônico é considerada nos limites do concurso, ou seja, até o Anteprojeto.

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Luciano Margotto já havia feito um registro pessoal de algumas etapas o que possibilitou a disponibilização dos croquis de Marcos Acayaba e do próprio Luciano.

5.1 PROJETO CAPES – BRASÍLIA

5.1.1 O concurso

A CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação-, junto à entidade organizadora IAB/DF-Instituto dos Arquitetos do Brasil, Departamento do Distrito Federal-, oficializou em 28.11.2006 a divulgação do Edital e deu início às inscrições para o Concurso Público Nacional de Estudo Preliminar de Arquitetura para sua nova Sede em Brasília.

De acordo com a então Diretora de Administração o objetivo do concurso era valorizar a transparência do processo e uma ampla participação dos profissionais da área da arquitetura na efetivação da obra prevista.

A sede, conforme afirmou Jorge Guimarães, então presidente da CAPES, teria sua instalação definitiva e seria um marco e representa o reconhecimento da relevância do papel que a instituição vem desempenhando.

Previa-se que o vencedor daria desenvolvimento ao estudo preliminar em quatro etapas: Revisões do Estudo Preliminar, Projeto Legal, Projeto Básico e Projeto Executivo. A área localizada no Setor de Grandes Áreas Norte - SGAN, quadra 601, Lote “J”, em Brasília – DF, localizada entre a Avenida L-2 Norte e o Setor de Embaixadas Norte, próximo ao MEC. Possuindo 13.100m² o terreno, continha previsão de construção de cerca de 30.000m², dos quais 13.100m² referem-se aos 100% da Taxa Máxima de Construção permitida para o lote e os demais à garagem no subsolo.

O Programa de Necessidades tinha visava subsidiar o dimensionamento e a distribuição dos espaços no Estudo Preliminar de arquitetura, estruturado de forma genérica para que atendesse a quantificação de funcionários projetada para um horizonte de 10 anos. O Estudo Preliminar deveria conter: memorial descritivo, plantas de todos os níveis, planta

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de cobertura e implantação, cortes e elevações de todas as fachadas, em conformidade com as exigências técnicas das Bases do Concurso, das Normas da ABNT, da SGA-Norte PR-177/1, da NGB 01/96, do Código de Edificações do Distrito Federal.

Os critérios básicos de avaliação considerados pela Comissão Julgadora de forma proporcional as escalas avaliadas, tanto em relação aos trabalhos selecionados quanto àqueles laureados com Menções Honrosas foram: objetividade, clareza, atendimento ao programa de necessidades, às normas do Distrito Federal, qualidade estética, inserção urbana, construtibilidade e viabilidade da tecnologia e materiais propostos. Além disso, a forma de apresentação dos trabalhos solicitada pelo edital foi de 4 pranchas A0.

Os arquitetos Tadeu Almeida de Oliveira e Igor Soares Campos como coordenadores do concurso elegeram cinco arquitetos para fazer parte da comissão julgadora: Ciro Felice Pirondi, Denise Barcellos Pinheiro Machado, Gustavo Araújo Penna, Héctor Ernesto Vigliecca Gani e Paulo de Melo Zimbres.

Com um prazo de praticamente dois meses para a realização de propostas no nível de Estudo Preliminar (28.11.2006 a 23.01.2006) o concurso recebeu 64 trabalhos, dos quais 59 puderam participar da seleção, uma vez que os outros estavam em desacordo com as normas previstas no edital.

O julgamento ocorreu em 07.02.2007 na Galeria Athos Bulcão do Teatro Nacional em Brasília. A apreciação dos trabalhos durou dois dias consecutivos e, entre os 20 pré-selecinados, 10 formam referenciados. As cinco primeiras premiações couberam respectivamente às propostas dos seguintes arquitetos: Vinicius Hernandes de Andrade (1º); Paulo Henrique Paranhos (2º); Mário Biselli (3º); Valério Pietraróia (4º); Renato Dal Pian (5º).

Pela competência técnica, acuidade profissional e outras qualidades mencionadas pelo júri, foi atribuída menção honrosa aos trabalhos de cinco arquitetos, a saber: Leonardo Pinto de Oliveira (proposta 03), Marina Milan Acayaba (proposta 05), Cláudio de Sá Ferreira (proposta 39), Marcos Alexandre Jobim (proposta 51) e Álvaro Puntoni (proposta 58).

A divulgação do resultado do concurso, juntamente com a exposição dos trabalhos, aconteceu no dia 09 de fevereiro de 2007.

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5.1.2 Pontos de partida e resultados

A primeira parceria entre Álvaro Puntoni e Luciano Margotto ocorreu neste concurso para a sede do CAPES em Brasilia, no qual foram contemplados com Menção Honrosa. Aos dois integram-se outros arquitetos – Pablo Posasa, Jonathan Davis e João Sodré - compondo assim um conjunto de relações sociais necessárias para a elaboração do Projeto Preliminar previsto em edital. A decisão de participar do concurso, no seu caso, ocorreu em meio a muitos outros trabalhos em execução no então Núcleo de Arquitetura, caracterizando uma opção de trabalho excepcional que impunha sobrecargas de atividades e esforço concentrado. O ponto inicial desta associação ocorreu durante uma festividade de comemoração da exposição da Maria Antônia, em setembro de 2006 e a maior parte do desenvolvimento do trabalho foi realizada no espaço do escritório do arquiteto Álvaro Puntoni.

Os resultados finais contêm uma interpretação particular das especificações programáticas constantes do edital: “A intenção precípua do partido é concentrar em uma única construção as duas estruturas solicitadas – a sede da CAPES e garagem com 800 vagas de estacionamento- reduzindo ao mínimo as ações construtivas e, consequentemente os custos”. (Vide Prancha 1). Do ponto de vista urbanístico, a solução construtiva imaginada permite a criação de um vazio horizontal como espaço de passagem, “uma superfície de convergência que amplia o chão da cidade” ao mesmo tempo em que respeita as feições tipológicas de natureza urbanística preexistentes.

A ideia de construção do vazio se destaca como elemento articulador do conjunto edificado, configurando uma praça interna, “na forma de um pátio por onde desce a luz do céu e localizam-se as atividades mais públicas” (Vide Prancha 1). O partido opta, assim, por criar um nível abaixo da soleira, “integrando verticalmente ao rés do chão, como térreos multiplicados, iluminados e ventilados pelo espaço livre que os circunscrevem, o que lhes concede expressão arquitetônica”(Idem), Para as espacialidades dos escritórios, prevê- se uma flexibilidade tal que possibilita rearranjos de acordo com possíveis alterações no organograma institucional. Esta flexibilidade leva em conta os componentes de instalações prediais e de infra-estrutura. Nos aspectos de sustentabilidade, o projeto contempla planos d’água para amenizar o clima do cerrado e outros aspectos de eco-eficiência (quebra-sol de aço-platinável que protegem as faces do conjunto com a finalidade de sombrear o interior).

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Segundo os autores, existe neste projeto arquitetônico, uma estratégia que transita entre o “abstrato e o figurativo”:

O mote do quebra-sol é o símbolo da Capes, uma figura. A figuração é um tipo de estilização da realidade, uma forma de arte. A estratégia é trabalhar dentro das fronteiras entre o abstrato e o figurativo para obter um novo elemento arquitetônico. Eis que o símbolo se desfigura para converter-se em textura, abandonando sua natureza representativa. A idéia é estabelecer uma continuidade entre as duas formas de operar, alcançando ambivalência entre a linguagem abstrata e figurativa como distinção. A repetição também é técnica compositiva. Ao final, devem prevalecer idéias arquitetônicas simples - das linhas de sombra que vibram dentro da forma geral e produzem uma sensação global de abstração. (Vide Memorial, prancha 1).

A visualização da obra projetada é feita em 4 pranchas através de representações técnicas normatizadas, linguagens usuais, legitimadas no campo da arquitetura. São consideradas “como principais recursos para a apresentação de projetos e, tais recursos, embora tragam uma série de elementos para a leitura do projeto não proporcionam a devida visualização do seu projeto conceptivo” (SCHENK, 2010, p. 24). No desenrolar do fazer, parece existir, conforme o autor, um momento de ruptura onde os desenhos conceptivos são deixados de lado e o projeto passa a ser representado de acordo com as normas de representação técnica.

Nessa fase, os registros são rigorosamente produzidos respeitando conceitos geométricos descritivos de representação, estipulados a partir do regime de projeções ortogonais em épura. Na construção geométrica descritiva, os pontos identificados no espaço são rebatidos de modo perpendicular a planos assim também dispostos. Tal artifício projeta coordenadas de posicionamento do referido ponto –imagens – aos planos horizontal e vertical da épura e, mediante a identificação de vários pontos do espaço, é possível elaborar desenhos do tipo planta, corte e fachada. A atenção que se volta a este tipo de representação concerne ao fato de que, através desses parâmetros, o projeto guarda uma razão proporcional perante a realidade física do objeto, permitindo sua pré-visualização.

Para visualizar os movimentos criativos que vão sendo moldados no processo de trabalho e a atuação dos agentes participantes de um conjunto de relações sociais de trabalho, há que se retornar aos pontos de partida.

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5.1.3 Memórias dos processos de trabalho

Ao se remeter ao Projeto Capes, Luciano Margotto Soares relembra o fato que todo o principio, em qualquer projeto, se estabelece a partir das relações com o edital e o programa de necessidades, como um processo de aproximações sucessivas: “umas serão mais próximas, outras não, e uma hora as coisas se encaixam. Lógico que tem arquiteto que dá mais valor à idéia genial, de inspiração; tem arquiteto que é mais técnico; tem arquiteto que tem certeza do que vai fazer e tem arquitetos que começam sempre angustiados” (MARGOTTO, 2010). Com estas expressões reafirma o fato de que o trabalho aciona energias voltadas para a busca de ideias criativas e se apresenta como esforço intencional através de instrumentos e materialidades próprios. A Ao lado do programa, que por si só exige uma interpretação particular, outros materiais fornecidos como base do edital Capes exigiram cuidados especiais na medida em que instruíam a compreensão do funcionamento da instituição.

Relembra, ainda, que já na primeira reunião ocorrida no escritório de Álvaro Puntoni, levou seus primeiros croquis no seu caderno de desenho. Estava “[...] pensando em dois volumes, uma base e a possibilidade de fazer o programa assim ou assado [...] e aí eu já falei que a gente pode fazer um quadrado e de certa forma eu comecei a imaginar a estrutura já no croqui, “a mesma que eu havia imaginado para o IPHAN e não deu certo” (Idem). Nesta fase inicial, vêm à tona outros projetos já realizados (considerados como pré- existências de trabalho) que de alguma forma trazem ideias e referências para os estudos e experimentações em questão. “O projeto IPHAN estava localizado em Brasília e era um terreno muito parecido. Isso vale a pena porque quando você começa a fazer um projeto, estuda o lugar, as condicionantes, o que é mais forte e diferenciador... No estudo do IPHAN já tinha a ideia do Lúcio Costa do térreo livre [...]” (Idem).. Menções a esse projeto foram reiteradas diversas vezes como referência de conhecimentos próprios adquiridos e incorporados através de outros trabalhos realizados.

Os quatro primeiros croquis apresentados a seguir são considerados por Luciano Margotto como sua primeira contribuição a equipe, contendo esboços das primeiras ideias, com implantação em dois volumes de edificações. Ainda que iniciais, os croquis vão exigindo, como salienta Sckenk (2010, p. 33) esboços sequenciais, “pelo trânsito imposto ao próprio partido arquitetônico, que a cada instante se remete a novos posicionamentos situacionais”. E ainda,

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Os croquis [...] mostram-se e ingressam no espaço em regime de totalidades parciais. Cada croqui pede o seu subsequente: a ideia de espaço que percorre cada um se esboça antes da elaboração do primeiro e não cessará ao lançamento do último. O partido arquitetônico se reencontra entre os croquis, num sentido de tensão e de superação, avançando como um ser que continuamente se desenvolve. Este movimento, de certo modo, não se inicia tampouco se esgota.

5.1 - Croqui 1 - CAPES 5. 2 - Croqui 2 – CAPES

5. 3 - Croqui 3 – CAPES 5. 4 - Croqui 4 - CAPES

Ainda relacionada à ideia inicial do projeto em duas edificações, o Croqui 5 mostra um estudo para estrutura e perspectiva. Conforme Margotto, o edifício já estava em sua cabeça e os croquis ajudaram a concretizar e ver possibilidades.

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5.5 - Croqui 5 – CAPES 5.6 - Croqui 6 - CAPES

As ideias evoluem no sentido de uma única edificação que se esboça ainda em desenho, tal como mostra o croqui 7, considerado como um estudo de implantação de um único volume. Na sequencia, o croqui 8 contém estudo em corte de terreno, com o propósito de organizar uma praça elevada. Como lembra Margotto, o terreno é muito parecido com o do concurso do IPHAN; “o que é muito forte diferenciador, então esses estudos das questões do IPHAN para mim já tinha a idéia do Lúcio Costa do térreo-livre...” (MARGOTTO, 2010) 4

4 Entrevista cedida pelo Arquiteto Luciano Margotto Soares, a autora em 30 nov.2010.

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5.7- Croqui 7 – CAPES 5.8 - Croqui 8 - CAPES

Relembrando o processo inicial em torno do partido do projeto, Margotto (2010) afirma ter sido feito através de muitos outros croquis, “com muita alegria, muito café e vários dias de reunião [...]” e. muito empenho.

Porém, chega uma hora que a gente para de desenhar e começa a mensurar tudo e, aí, entra o computador. Então já tem o começo de discussão de níveis, com dimensões mais mensuráveis: 90,7; 92.103, 105, etc e vamos vendo o que aflora e o que está enterrado. Tem uma cota de nível e aí, o terreno tem uma inclinação em direção ao lago, de tal forma que a gente deixou o edifício que aflora nesta parte e a outra parte esse que é uma espécie de base, uma coisa que está semi-enterrado [...] O térreo é semi-enterrado, mas é aflorante desse lado e depois, tudo é garagem, 4 andares[...] (Idem)

Em linguagem geometrizada o processo se alterna com o uso do computador e de desenhos: “existem requintes de desenho, por exemplo, quando comecei a desenhar este brise que seria uma peça de ferro fundido com o símbolo da CAPES [...] uma sofisticação, criando um certo módulo inicial que repetidos vão fazendo o desenho do brise”. “Existe uma partitura nisso que é feita pelo arquiteto”. (Idem).

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No computador, vários estudos vão sendo feitos através do CAD. No início “começamos a querer lançar a estrutura para ver se as vigas cabiam” num processo que vai caminhando ainda em desenhos leves – no estudo 2 já iniciam os lançamentos de torres de circulação, de serviços [...]”. Acompanhando estas declarações, Luciano reconhece aí um dispêndio de muitas horas de trabalho e uma incorporação de pequenos detalhes já imaginados em projetos anteriores, “como se a gente tivesse fazendo o estudo de um texto e aí a gente começa a trazer coisas prontas de alguns lugares[...]”(Idem)..

O estudo 3 desse projeto já contém o lançamento de auditório e serve como material para longas horas de reuniões de trabalho onde, simultaneamente, ele, Margotto e Álvaro Puntoni resolvem as decisões cruciais do projeto sem passar ainda para o restante da equipe.

Considerando, ainda, que se trata de um trabalho cujo produto final é um Projeto Preliminar, Margotto afirma que, dependendo do caso, os arquitetos (autores) tem condições de conhecimentos para bancar atrevimentos de concepções e cálculos de estruturas, elétrica e hidráulica (preliminares) sem ainda conversar com os responsáveis por estes projetos complementares. “Montamos a estrutura e depois percebemos que era meio maluca ou atrevida demais: com vãos de 22 metros...”.

No caso deste projeto CAPES, os desenhos, Cad e os croquis de concepção, ao lado de outros, já formalmente codificados segundo as especificações do edital, foram evoluindo até o “Estudo 10, onde estava quase tudo pronto, todas as plantas bem organizadas com as hachuras e tudo o mais[...] muito desenho, 10 plantas e 5 cortes [...]” (idem). Neste processo, muito material é descartado na medida em que são superados.

Ao lado do desenvolvimento dos estudos, a modelagem eletrônica foi sendo feita por outro arquiteto da equipe, Jonathas Davis, pelo seu domínio da técnica. O modelo vai servindo para consolidar os estudos. “Só para completar, paralelamente aos desenhos lá em 2D, estes são os desenhos em 3D [...] os modelos vão sendo feitos e a gente vai dialogando [...]” (Idem). Mostra muitos arquivos feitos separadamente como testes para os estudos, contendo, por exemplo, o térreo em 3D, onde pode ser visualizada a profundidade do buraco do subsolo até outros “gerando algumas vistas”.

Com os elementos apresentados, ainda que dentro da excepcionalidade de um Estudo Preliminar para Concurso Público, é possível perceber os movimentos de trabalho no processo de elaboração do projeto arquitetônico como aproximações sucessivas em torno de uma ideia que aos poucos vai assumindo uma forma mais definida, dimensionada e

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representada em linguagens codificadas. Esclarece-se, também, através dessa memória, o significado dado por Luciano Margotto em diversas entrevistas ao termo trabalho coletivo . Ele está se referindo ao processo de trabalho, ou seja, ao conjunto de indivíduos e de relações sociais envolvidas e portadores de competências e habilidades particulares que se somam e se integram no projeto final. No entanto, essas competências agregadas, são coordenadas e constantemente avaliadas através de perícia artesanal, conforme Sennett, pelo(s) autor(es) da criação.

5.2 PROJETO SEBRAE - BRASÍLIA

5.2.1 O Concurso

O SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), juntamente à entidade organizadora IAB/DF (Instituto dos Arquitetos do Brasil, Departamento do Distrito Federal), oficializou em 14.12.2007 a divulgação do Edital para o Concurso Público de Anteprojetos de Arquitetura de seu novo Edifício Sede em Brasília.

O objetivo do SEBRAE com este concurso era de dar transparência ao processo licitatório, além de apresentar melhorias nos espaços públicos pelo somatório de edifícios e parques escolhidos através de critérios qualitativos e técnicos, conforme observação das diretrizes da Unesco e da 3º Conferência Nacional das Cidades.

.A área reservada à construção do edifício proveniente do concurso localiza-se no Setor de Grandes Áreas Sul – SGAS, Quadra 604/605, lotes 30 e 31, em Brasília – DF, é de fácil acesso e privilegiada em vários aspectos. Possui área de 15.000m², das quais 5.000m² deviam ser obrigatoriamente para subsolo, destinadas exclusivamente a estacionamento e prumadas de circulação vertical.

O concurso previu um programa de necessidades organizado em setores, por afinidade e agrupados por: acessos e áreas externas, área administrativa, serviços gerais, restaurantes, centro de formação e treinamento e áreas técnicas. Devendo os concorrentes apresentar Memorial Descritivo, acompanhando plantas, cortes, elevações, maquetes e croquis explicativos, bem como as especificações genéricas dos materiais a empregar e dos serviços a executar.

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Os critérios básicos de avaliação considerados pela Comissão Julgadora nas duas etapas do Concurso de forma proporcional às escalas avaliadas, tanto em relação aos trabalhos selecionados quanto àqueles laureados com Menções Honrosas foram: implantação, programa de necessidades, organização do conjunto, Código de Obras do Distrito Federal e Normas Gerais, acessibilidade, técnica construtiva, conforto ambiental, eco eficiência, harmonia e proporção do conjunto arquitetônico e contribuições à tecnologia e à ecologia.

Definido para se realizar em duas etapas, foi coordenado pelo hoje presidente do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo) arquiteto Haroldo Pinheiro Villar de Queiroz e teve Carlos Abuchaim Weidle como coordenador adjunto, formou uma comissão julgadora composta por cinco renomados arquitetos: Andrey Rosenthal Schlee e José Galbinski indicados pelo SEBRAE e Bruno Ferraz, Sérgio Parada e Tito Livio Frascino indicados pelo IAB 5.

Na primeira etapa os trabalhos deveriam ser entregues entre 01.02.2008 e 06.02.2008, em nível de Estudo Preliminar. 115 concorrentes apresentaram os trabalhos em 6 pranchas formato A3. Após julgamento, o Ato Público com a divulgação dos resultados deu-se em 11 de fevereiro de 2008 apontando como vencedores respectivamente em 1º, 2º e 3º lugares, os trabalho dos arquitetos Alvaro Puntoni (009), Claudio Libeskind (050) e Francisco Spadoni (080), convidados então para continuarem a disputa da 2º Etapa. As Menções Honrosas do concurso ficaram por conta dos trabalhos dos arquitetos Carlos Dias Mario Biselli.

Os pareceres em relação aos três vencedores destacam os seguintes aspectos:

Estudo Preliminar número 009, pela correta implantação do bloco de edificação no terreno proposto; alta flexibilidade da planta-tipo para o atendimento das especificidades programáticas; estacionamento em nível único com clareza dos acessos e facilidade de controle; fluxos internos bem definidos com marcante implantação dos “castelos de serviços”. O partido adotado descortina a paisagem para a cidade, com ampla valorização dos visuais. O sombreamento da área central enriquece a praça de convivência.

5 Com um período de divulgação de um mês e inscrições que deram início em 17 de dezembro de 2007 até 21 de janeiro de 2008, o concurso recebeu 115 trabalhos, 17 unidades da Federação, sendo que cinco foram desclassificados por inconformidade com o edital restando, portanto 100 concorrentes. O concurso contou com ampla representatividade nacional e Estado de São Paulo destacou-se pela quantidade de participações (35 trabalhos) seguido do Distrito Federal (23 trabalhos) e Paraná (14 trabalhos).

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A Comissão Julgadora salienta, ainda, tratar-se de conjunto arquitetônico com forte apelo institucional. (Ver ata da 1ºEtapa)

Estudo Preliminar número 050, pela implantação diferenciada com criativo aproveitamento do desnível do terreno. O conteúdo programático foi resolvido com objetividade permitindo a criação de espaços intermediários inovadores com qualidades reconhecidas pela Comissão Julgadora. Clareza do controle de acessos, e potencialidade de criação de estacionamentos independentes. A valorização dos estacionamentos cobertos sem transforma-los em espaços secundários é uma reinterpretação programática de qualidade. Alta valorização dos visuais do Lago do Paranoá. A proposta contribui para o debate arquitetônico, ao sugerir uma edificação eco eficiente independente da metáfora verde. (Ver ata da 1ºEtapa)

Estudo Preliminar número 080, pelo partido racional de bloco único com locação na parte posterior do terreno gerando um grande vazio frontal definidor do partido, e contribuindo para a sua inserção urbana. Boa solução programática em atendimento às necessidades funcionais. Acessos de veículos em níveis corretamente hierarquizados. Acesso público de pedestre bem definido e transformado em elemento indutor. Sistema estrutural racional e edificação com caráter institucional bem definido. A praça central tem escala gregária, adequada ao convívio, e abrigada dos ventos dominantes. (Ver ata da 1ºEtapa)

Já na segunda etapa, além das 8 pranchas em formato A0 e uma maquete tridimensional em escala 1:200 os três trabalhos finalistas deveriam fazer uma apresentação afim de discorrer mais sobre o partido arquitetônico e retirar as dúvidas da comissão julgadora.

O julgamento para eleger o trabalho finalista deu-se no Salão Buriti do Hotel Mercure, em Brasília – DF em três dias, sendo que no dia 13 de março de 2008 a comissão julgadora reuniu-se em uma sessão única para avaliação e classificação dos trabalhos finalistas. No dia 14 de março de 2008, o julgamento foi dividido em duas sessões: na primeira analisou-se preliminarmente os projetos, e na segunda ouviu-se através de apresentações individuais de cerca de 45 minutos as justificativas dos arquitetos. Por fim, no dia 15 de março de 2008, na primeira sessão para classificação dos trabalhos finalistas, deu-se o resultado do concurso, servindo a segunda sessão apenas para redação da Ata da 2º Etapa de Julgamento.

A divulgação oficial ocorreu em 17 de março de 2008; o trabalho do arquiteto Alvaro Puntoni foi classificado em 1º lugar, e para os demais participantes a classificação foi a mesma da ocorrida na 1ª etapa do concurso. Em relação aos vencedores, a Ata da sessão de divulgação de resultados destaca os seguintes aspectos:

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Em primeiro lugar, o anteprojeto elaborado sob a responsabilidade do Arquiteto Álvaro Puntoni, que estabelece com firmeza e elegância a relação do edifício com o lugar, a correta proporção volumétrica, e reafirma a presença institucional requerida no programa. Em segundo lugar, foi classificado o anteprojeto elaborado sob a responsabilidade do Arquiteto Cláudio Libeskind, que se destacou pela originalidade e atitude diferenciada quando propõe uma nova tipologia para edifícios administrativos, e em especial por sua implantação marcante no contexto urbano. Em terceiro lugar, foi classificado o anteprojeto elaborado sob a responsabilidade do Arquiteto Francisco Spadoni, que se destacou pela correta setorização das atividades principais constantes no Programa de Necessidades, sem segregar funções, e pela elegante horizontalidade de seu edifício principal refletido em amplo espelho d´água . (Disponível em: . Acesso em: 13 nov.2011).

O Ato público de premiação e assinatura do contrato com o vencedor do Concurso para o desenvolvimento do Projeto aconteceu em 28.02.2008 juntamente com a abertura da exposição dos trabalhos concorrentes. Daí até 11 de abril de 2008 houve a exposição dos trabalhos concorrentes.

5.2.2 Pontos de partidas e resultados

O processo conceptivo do Projeto SEBRAE foi realizado através da mesma parceria do Projeto CAPES - os arquitetos Álvaro Puntoni e Luciano Margotto Soares, ao lado dos arquitetos João Sodré e Jonathan Davies. A equipe de apoio foi sendo ampliada ao longo do tempo, em função das necessidades de detalhamento da segunda etapa do concurso em nível de Anteprojeto e, sobretudo pela especificidade deste caso, cujo vencedor foi responsável posteriormente pelo desenvolvimento do Projeto Executivo e acompanhamento das obras 6. Por exigências institucionais só um participante deveria se

6 Sob a denominação de colaboradores constam os seguintes profissionais: Amanda Spadotto, Cristina Tosta, Camila Obniski, Daniela Pocheto, Fabiana Cyon, Flavio Castro, João Carlos Yamamoto, José Paulo Gouveia, Juliana Braga, Luis Claudio Dias, Roberta Cevada, André Nunes, Julia Valiengo, Julia Caio, Isabel Nassif, Rafael Murolo, Rafael Neves e Rafael Souza. Os projetos complementares estiveram à cargo de especialistas conceituados – Jorge Zaven Kurkdijian e Julio Fruchtengarten responsáveis pela engenharia estrutural; Wang Mou Suong, Ulisses Tavano e Roberto Chendes pelas instalações elétrica e hidráulica; e diversos outros relacionados aos projetos de Paisagismo, de Eco-Eficência, Circulação Vertical, Automação e Segurança, além das fotografias de responsabilidade de Leonardo Finotti e Nelson Kon.

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inscrever como arquiteto responsável - no caso Álvaro Puntoni - escondendo assim a presença de uma parceria que se consolidou com este projeto e tem continuado em outros trabalhos. Foi um processo de trabalho de longo prazo que se entendeu até a inauguração da obra e envolveu praticamente dois anos e oito meses.

Desde as primeiras premiações até o termino da obra, foi um projeto bastante referenciado pela imprensa especializada nos últimos anos, nacional e internacional. Por exemplo, em matéria específica, assinada por (F.S.), a Revista Projeto/Design (2011, p. 56- 57, grifos do autor) se refere ao projeto:

A sede do Sebrae em Brasília é um edifício atípico por várias razões. Em primeiro lugar, mesmo sendo a entidade privada, foi selecionado através de concurso público realizado em duas fases [...] Se isto não bastasse, o prédio foi construído com rapidez, a ponto de ser finalizado na mesma gestão que o encomendou. ‘Quando fomos receber o premio, levamos um susto: já havia um contrato para o desenvolvimento do projeto’, lembra Puntoni. Por outro lado, como sinal de potência que os concursos podem ter, antes mesmo de ser publicado o trabalho teve um reconhecimento quase instantâneo da crítica especializada: foi um dos vencedores do prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e escolhido por André Corrêa do Lago como o mais significativo da década em sua categoria [...]. De fato, o projeto é intrigante. Como se fizesse uma homenagem à gênese da capital federal, o desenho parte de elementos francamente modernos, como pilotis, brise soleil e fachadas abertas x empenas [...] 7. (Ibidem, 2011, p. 57).

Na mesma ocasião, Rosso (2011), através da revista AU – Arquitetura e Urbanismo, salienta o fato de que a presença de um térreo multiplicado e a valorização de uma área pública aberta em continuação a cidade, “como referência aos conceitos de superquadras brasilienses”, torna Sebrae um edifício instigante “na cidade projetada por Lucio Costa e Oscar Niemeyer há 51 anos”. Além de mencionar a generosidade do terreno com vista para o Lago Paranoá, a autora se refere à incorporação do vazio através de praça integradora como o coração do conjunto arquitetônico.

Como o pátio que, nas palavras do escritor argentino Jorge Luis Borges em seu poema O Pátio, ‘derrama o céu na casa’. É aqui que se organiza a distribuição do programa, pátio que traz a luz e canaliza o ar. Enquanto isso, os espelhos d’água no térreo superior amenizam o clima seco, mantém o pavimento oxigenado e contribuem para a refrigeração do edifício [...] Entre brise e vidro, um grande avarandado acessado por portas, garante a formação de um colchão de ar que refresca os escritórios [...] A área dos

7 Esta matéria faz referências diretas e complementa opiniões já veiculadas na mesma revista Projeto Design,n. 339, maio de 2008 e Projeto Design, n, 371, janeiro de 2011.

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escritórios é livre, sem pilares no meio dos pavimentos, admitindo alterações de arranjos para os espaços quanto para os componentes de instalações prediais e de infraestrutura, como piso elevado e forro. (Idem, p. 43-45).

A sede do SEBRAE aparece também como um dos projetos de destaque na Revista En Blanco em seu número recente (2012, n.9) dedicado à arquitetura brasileira contemporânea, trazendo à luz fragmentos do texto dos autores, constante do memorial do concurso.

O trecho da poesia de Jorge Luis Borges, mencionada por Rosso (2011), consta como epígrafe do Memorial da 1ª fase do concurso, sinalizando um partido de projeto que se define não por um edifício, mas por um conjunto arquitetônico articulado em torno das seguintes características: “1) ênfase na espacialidade interna, objetivando a integração dos usuários assim como da paisagem construída e natural; 2) máxima flexibilidade para a organização dos escritórios; 3) preocupação em se obter ótimo desempenho ambiental e econômico”. O pátio concebido como espacialidade interior é o vazio de onde brota o conjunto recebendo as atividades mais públicas:- “ao redor desta praça interna, no térreo inferior encontra-se o espaço de formação e treinamento, salas multiuso, auditório, biblioteca e cafeteria, enquanto no térreo superior estão os principais acessos do conjunto, com varandas abertas à cidade de ao lago” (Idem). As considerações sobre a distribuição do programa, feitas pelos autores, destacam justamente o caráter articulador da chamada Praça de Estar, “marcada pela presença do auditório, uma vez que define as espacialidades das peças edificadas: além do térreo inferior e térreo superioras funções administrativas e o corpo diretivo estão concentrados nos pavimentos superiores”, enquanto nos pavimentos inferiores localizam-se a garagem e atividades administrativas de apoio e manutenção predial (Idem). Os chamados dois castelos, como uma estrutura periférica, serve para conectar todos os setores, contendo circulação vertical, infraestruturas e apoios diversos, propiciando múltiplos acessos e percursos: “escadas, varandas e elevadores coletivos ou privativos promovem a comunicação entre os diversos espaços. A “circulação incorpora no desenho do percurso cotidiano o vazio central acentuando sua presença”. (Revista en Blanco, 2012, n.09 p.-)

Para os autores, a expressão arquitetônica do projeto é definida “por uma obra organizada e eficiente com redução estratégica das ações construtivas.” Destacam-se o tratamento das estruturas aparentes “evidenciando-se a plasticidade do aço e concreto” e a presença dos painéis metálicos quebra-sóis “que garantem a integridade do conjunto”. E,

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ainda, como se apresenta “[...] o edifício contrastará a cor natural dos materiais utilizados, o branco da estrutura metálica, o azul do céu e o verde da paisagem envoltória” (Idem). Caracterizam, finalmente, a integração urbana do projeto arquitetônico, nas seguintes palavras:

O conjunto edificado, com o térreo aberto permitirá visuais alongadas, sublinhando a possibilidade de extensão do chão público sem comprometer o gabarito que resguarda o céu de Brasília e que estará presente no grande espaço central conformado. Finalmente, a delicada curva do castelo de serviços na face norte, além de ceder parte do terreno para cidade marca a singularidade desta construção, nem pretensamente palácio nem isolada, mas superfície convergente e multiplicadora da urbe , sua história, sua vida. (Idem).

Considerando as características de desenvolvimento em etapas através de procedimento seletivo progressivo, o processo de trabalho, no caso SEBRAE, possui todos os elementos que caracterizam o fazer arquitetônico: um conjunto amplo de relações sociais envolvendo saberes especializados, cujos produtos específicos são incorporados à obra criada; agentes externos, no caso os componentes da comissão julgadora, que não participam do trabalho, mas possuem autoridade de interferência em aspectos parciais do projeto. Os arquitetos autores são responsáveis não só pela concepção criativa,cabendoa eles a articulação e integração de todos os saberes voltados para um resultado do projeto que em sua justeza deve conter tudo o que é exigido e imaginado.

A compressão de tempo para a realização deste concurso exigiu um aguçamento de perícia artesanal em ajustes pontuais de todo o processo, sobretudo no atendimento dos comentários e exigências dessa Comissão na passagem da primeira para a segunda fase do concurso.

A Comissão Julgadora, como um interlocutor externo e representante dos contratantes do projeto arquitetônico, se insere no processo de projeto, ao exigir aperfeiçoamentos e correções na obra apresentada. No caso, as exigências que constavam na ata, para a segunda etapa do concurso, foram as seguintes:

• Atentar para a eficiência das circulações horizontais e verticais; • Prever hall de controle do acesso público para os elevadores localizados no quadrante sudoeste do edifício, no nível 93,50.; • Atentar para as normas de segurança dos ambientes, particularmente no auditório;

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• Re-estudar a ligação vertical entre os níveis 93,50 e 97,00 , da Praça de Estar, considerada ineficiente; • Integrar de forma adequada e abrigada os diversos ambientes da praça de estar no nível 93,50 • Reavaliar a modulação estrutural visando a redução dos vãos livres; • Aprofundar as especificações dos materiais aplicados; • Definir o sistema de condicionamento de ar e seus ambientes; • Justificar a estrutura sobreposta à cobertura vegetal superior; • Definir o controle de acesso ao estacionamento no subsolo; • Rever tecnicamente os taludes propostos para envolvimento do auditório; • Apresentar cálculo de fluxo dos elevadores.

Relembra Margotto (2010) que dos três selecionados, o deles é o que continha mais itens para serem trabalhados, ou seja, 12 críticas, enquanto em relação aos outros este número era bem menor. Não entanto, em seu olhar, “consideramos todas as críticas pertinenentes” por virem de profissionais da área, o que garantia a legitimidade da Comissão.

Em resposta específica à comissão, os autores detalharam as transformações do projeto em atendimento as recomendações, agrupando questões e soluções. Exemplificando algumas destas respostas, em relação à Sala de Estar, conforme Margotto:

Houve acréscimo de um elevador especial para a Praça de Estar, permitindo acesso desde o subsolo, e as duas escadas anteriores foram alargadas e reposicionadas para aumentar a eficiência da ligação referida. A primeira foi desenhada como um recorte na rua de acesso, próxima ao elevador, de tal modo a permitir que o usuário sempre possa escolher entre uma opção ou outra. A segunda foi definida junto ao foyer, após circulação- passeio sobre o espelho d’água, no eixo de ligação com a cafeteria.

Em relação a estrutura,

A parte da estrutura sobreposta à cobertura vegetal superior foi simplesmente eliminada. Reconheceu-se que era um exagero do estudo preliminar. Quanto à modulação estrutural, foi mantida. Na base do conjunto (subsolo e térreos) não há dúvidas, pois a modulação é usualmente eficiente e econômica com 9 x 7,5 metros. Nos pavimentos superiores a solução foi aprimorada para viabilizar vãos de 18 metros livres e permitir flexibilidade total aos escritórios. Em linhas gerais, adotaram-se treliças em aço com um pavimento de altura nas faces maiores e pórticos no sentido transversal. (Idem).

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Em relação ao Talude do Auditório,

Os taludes foram retirados e a solução adotada prevê que o volume do auditório apareça suavemente sobre o perfil natural do terreno, espécie de afloramento rochoso, uma pedra que vem à tona e oferece ligeiro contraponto a curva do “castelo” de serviço marcando o caráter final da composição. Os esforços para contenção do empuxo de terra foram eliminados. Ao final, houve aprimoramento da solução técnica, que se tornou mais simples, e maior clareza na plástica, com forma mais direta e consoante com o conjunto proposto. (idem).

As oito pranchas apresentadas a seguir, representam o Anteprojeto, já contendo os projetos complementares e as correções em decorrência das observações críticas da fase anterior. Constituem o produto final da segunda etapa da seleção, através das quais, saíram vencedores.

A ênfase na estrutura, como Prancha 1 sinaliza as posturas conceituais, revelando-se o elemento organizador das espacialidade contidas. Para Margotto, foi de certa forma, uma subversão na organização exigida de conteúdo. O posicionamento autoral era justamente considerar a estrutura como arquitetura e, portanto, não tinha porque aparecer como projeto complementar.

Sob o peso do capital simbólico de profissionais como Jorge Zaven Kurkdjian e Julio Fruchtengarten, o projeto estrutural é estrategicamente detalhado em textos, cálculos e ilustrado através de maquetes eletrônicas.

O primeiro elemento de organização do sistema construtivo é a própria estrutura periférica dupla. As duas empenas estruturais que conformam os “castelos de serviços” - com circulação vertical, infra-estruturas e apoios diversos - serão em concreto moldado in loco. Demais elementos da estrutura seguem modulação de 9.00 x 7.50 metros, que rege e organiza todos os espaços. Para o subsolo, térreo inferior e térreo superior optou-se por concreto moldado in loco com lajes protendidas de 25 cm apoiadas diretamente nos pilares providos de capitéis. Para as lajes do pavimento térreo superior serão adotadas vigas de 80 cm de altura. O auditório tem estruturação independente com vigas protendidas espaçadas 2.50 metros, com 16.50 metros de vão e apoiadas nas paredes laterais, sem qualquer interferência com a estrutura do subsolo. Para os dois pavimentos de escritórios optou-se por um sistema de estrutura em aço. Trata-se de duas treliças longitudinais espaçadas 18 metros entre si e solidarizadas por pórticos transversais com modulação de

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7.5 metros. As treliças são apoiadas a cada 15 metros sobre pilares de concreto que advém dos níveis inferiores e são vinculadas às empenas. Os panos de piso foram executados com pré-laje apoiadas em vigas secundárias e nos pórticos principais distanciados 2.5 metros entre si, complementadas por laje moldada sobre pré-lajes, formando sistema misto e solidário. A interligação entre os dois blocos em nível se faz através de passarelas de concreto vinculadas às vigas superiores dos castelos por meio de pendurais. A estrutura da nuvem é resolvida com duas vigas vagão e vigamento secundário em aço. As vigas vagão possuem 3.60 metros de altura que vencem o vão principal de 36 metros e travadas entre si no plano dos montantes. (MARGOTTO, L., 2010. Mimeo).

As demais pranchas vão apresentando a obra em fachadas e elevações de modo que o produto final possa ser visto em todas as suas dimensões .

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5.2.3 Memórias dos processos de trabalho

Na busca dos registros das memórias do projeto SEBRAE muitos cadernos de croquis são revisitados e deles emergem desenhos de outros trabalhos como estudos do projeto da ONG de Paraisópolis e do Teatro de Londrina que foi feito logo após o concurso CAPES, além de “rabiscos” que o próprio Margotto considera irreconhecíveis, mas que vão situando espacialidades convergentes em torno de certas posições arquitetônicas que o lembram um pouco o corte e os espaços da FAUUSP. Reafirma o fato de que suas próprias concepções arquitetônicas (ou a matriz conceitual, de acordo com a interpelação) já se manifestam no primeiro passo de qualquer projeto – a leitura interpretativa do programa de necessidades, ainda que todos os arquitetos tenham que percorrer os mesmos caminhos para chegar às ações conceptivas constantes do Projeto Preliminar: “não vejo muito a arquitetura como problemas a serem resolvidos [...] É uma proposta cultural e a própria proposta é uma provocação, uma contribuição no sentido cultural [...]”. (MARGOTTO, 2010). No caso desse concurso, por exemplo, existiam solicitações de uma guarita com gradil e salinhas fechadas para os escritórios e nada disso foi considerado no projeto.

Se, em várias ocasiões existe em Margotto um reconhecimento declarado sobre a importância do peso da própria experiência e de pesquisa que se tornam conhecimentos incorporados ao arquiteto, o processo conceptivo do SEBRAE pode ser considerado um caso exemplar: “estou sempre pesquisando, olhando outros projetos, os projetos que a gente gosta, ou dos mestres [...] e, de qualquer maneira o projeto sai como algo novo porque nunca ninguém fez [...]” (Idem). No entanto, esse concurso se torna inusitado pelas diversas circunstâncias, inclusive locacionais e geográficas, principalmente pelas possibilidades de transposições de ideias provenientes de outra experiência própria de trabalho. Considerando ainda a análise do Programa de Necessidades e do Organograma Institucional do SEBRAE, as aproximações eram muitas em relação ao projeto CAPES. Já no estudo 1, antevendo estas relações, os autores reuniram um conjunto de croquis do projeto anterior e os cotejaram frente às condições do terreno e outras especificidades do projeto atual. Apesar de pequenas diferenças nas condições do entorno próximo, Margotto relembra a alegria de Puntoni: “já temos o projeto pronto!” E, começaram a trabalhar a partir dos diferenciais – o SEBRAE só tinha uma ocupação vizinha e três frentes livres.

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Nesse caso, o processo conceptivo já estava, nos aspectos centrais, definido:

Então a gente já tinha o partido, porque era muito semelhante em termos de programa: tem uma parte do programa que é publico e uma parte do programa que é administração, escritórios – a empresa. A parte pública, imaginamos colocar na parte do terreno que inclusive tem o mesmo caimento, a mesma geografia. Tudo era muito próximo, e ficamos ajustando apenas as proporções. (Idem, 2010).

5.9 Croqui 1 – SEBRAE

Neste croqui aparece um estudo em corte do terreno com a idéia de se organizar uma praça elevada. Os seguintes são croquis de perspectivas de estudo de implantação, dos volumes, croquis para discutir a chegada e recepção do edifício na cidade.

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5.10 - Croqui 2– SEBRAE

5.11. Croqui 3– SEBRAE

5.12. Croqui 4 – SEBRAE

É importante destacar que o conjunto dos croquis aqui apresentados representa o acervo particular de Luciano Margotto. Considerando-se o processo conceptivo em parceria e uma série de outros elaborados por Álvaro Puntoni eram trazidos às reuniões de

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trabalho. Os croquis de ambos eram balizados à luz das melhores expressões de idéias, decisões e acordos.

5.13. Croqui 5– SEBRAE

O croqui 5 já representa um estudo para estrutura e perspectiva, sempre considerando o partido do projeto da CAPES: “O que a gente chama de castelo de serviços, também tinha naquele projeto só que os dois eram retos. Nele se concentram todos os serviços e a circulação vertical”(Idem). O que o edital denominava de central de treinamento, aparece no térreo rebaixado, imaginando-se os auditórios, salas multiuso, espacialidades articuladas à estruturas aparentes. A ideia do térreo multiplicado “era como se a gente pudesse fazer a cidade se multiplicar”. “Queríamos que tivesse acesso para os dois lados, mas a Comissão Julgadora colocou a existência de empecilhos de legislação urbana e, posteriormente na 2ª fase, excluímos o acesso por baixo e deixamos só o acesso por cima” (idem).

Menciona, ainda, que os croquis do Alvaro Puntoni buscam equacionar os escritórios a partir de vãos de 18 metros livres, pensados para serem feitos em aço por ser um processo construtivo mais rápido e racional e outros croquis que trabalham o pátio aberto.

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5.14. Croqui 6– SEBRAE

5.15. Croqui 7– SEBRAE

5.16. Croqui 8– SEBRAE

Os três croquis anteriores mostram estudos de implantação mais próximo do final, demostrando preocupação com a implantação e visuais assim como com a estrutura principal, definidas pelos castelos laterais. Os croquis sempre pedem outros, como aparecem a seguir.

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5.17. Croqui 9– SEBRAE

5.18. Croqui 10– SEBRAE

Finalmente, o último croqui mostra o estudo da perspectiva do projeto e entorno, evidenciando as relações com a cidade. Como menciona Margotto “existe uma inspiração talvez da ponte [...]”. (idem)

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5.19 Croqui 11– SEBRAE

No processo de trabalho para a elaboração do Estudo Preliminar, correspondente à primeira fase do concurso ocorreram principalmente no espaço do escritório do arquiteto Álvaro Puntoni. Ainda que as principais decisões que acompanharam o desenvolvimento conceptivo estivessem centralizadas nas mãos de Margotto e Puntoni, a presença dos outros dois arquitetos foi fundamental enquanto somatória de competências.

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Como menciona Margotto, tanto ele quanto Puntoni dominam apenas o desenho em computador em 2D.

No caso, o Jonathan Davis ficou encarregado pelo desenvolvimento de outras linguagens digitais, de maquete eletrônica e renderização, o que exige conhecimento especializado e bastante experiência. Estas transições e sobreposições de croquis e desenhos feitos no computador envolvem muitas horas de dedicação, sobretudo nos momentos em que as peças do projeto estão sendo dimensionadas e os estudos de implantação avaliados.

Nesta primeira etapa do concurso foram entregues 6 pranchas A3, tudo em branco, conforme especificações formais. Pode-se considerar esta tarefa de elaboração das pranchas como um momento crucial do trabalho porque devem conter a obra criada em todas as dimensões de sua expressão (planta, corte, fachada, elevação e especificações construtivas, perspectivas, etc). Mesmo que a elaboração das pranchas tenha sido feita apenas por um dos componentes da equipe (no caso o Jonathan Davis), a articulação compositiva de cada uma delas dependeu de decisões conjuntas. Nas memórias desta última fase do processo de trabalho, considerando o projeto em nível de Estudo Preliminar, assim se refere Luciano Margoto: “O concurso era muito organizado, ele já pedia perspectivas interna e externa, elaboradas à mão ou através de qualquer software - que é a maquete eletrônica- mas não definiu quantas. Então resolvemos fazer quatro – duas internas e duas externas”.

5.20 – Maquete SEBRAE

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Tal como ocorre aqui, PERRONE (2005) confirma em sua pesquisa sobre a importância dos croquis nos processos de projeto de numerosos arquitetos em São Paulo, que as praticas de trabalho vão sedimentando habilidades ao longo do tempo e que, nesses arquitetos pesquisados,

[...] houve mudança no modo de se relacionar com o papel. O entendimento dos dados representados de forma codificada e abstrata foi sendo trabalhado como um diálogo com o papel, isto é, o desenho registrado volta à mente que processa a informação e devolve para o papel. Enfim, com a pratica do desenho, o arquiteto ganha mais liberdade no pensar. Com a mudança na forma de pensar, os arquitetos começaram a desenhar menos, mas com maior qualidade. Com o tempo, a agilidade de pensamento e a habilidade no desenho foram gradativamente desenvolvidas. Os desenhos foram sendo realizados com maior facilidade e espontaneidade, tornando-se menores e mais sintéticos e, segundo os entrevistados passaram a ser realizados com maior nível de controle e segurança. (Ibidem, p. 622)

Nos desenrolar dos projeto analisados em sua pesquisa, foi verificado o caráter não linear das aproximações sucessivas na criação do objeto. Os arquitetos em seus testemunhos e em seus desenhos confirmam essa peculiaridade. Nas palavras de Biselli: ‘eu começo a estudar a mão, depois vou para o computador, num zig-zag [...] eu tenho um desenho conversando com a máquina’. Ou ainda como explica Telles: ‘Para mim, cada projeto não tem uma seqüência lógica, ele pula e de repente, pelo fato de você encontrar um determinado elemento, uma parte do projeto você vai buscar outras, e fazer a ligação ’. (Ibidem, p. 625-626)

Os ajustes ou aproximações sucessivas não ocorrem apenas nas concepções iniciais, mas está presente de forma constante no decorrer de todo o processo de projeto. Como já se evidenciou, no caso SEBRAE, a passagem do Projeto Preliminar para o Anteprojeto, exigiu ajustes de concepção em decorrência das observações críticas da Comissão Julgadora e a incorporação dos projetos complementares necessários ao produto desta etapa. As exigências do próprio concurso em termos de padronização dos resultados constituía, segundo Margotto, um esquema mais rígido de trabalho ao qual tinham que se submeter. Nas fases seguintes, com o contrato de execução da obra já estabelecido então diretamente com o SEBRAE, as relações externas foram mais brandas e negociadas, “algumas coisas eles aceitaram, outras não”. (MARGOTTO, L. 2010).

Na fase do Anteprojeto, foram inseridos nos processos de trabalho os projetos complementares realizados por especialistas em cada aspecto técnico do projeto. No caso

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do projeto estrutural, os autores discutiram diretamente com Jorge Zaven “a possibilidade de reduzir o vão de 18 metros para um vão central e dois balanços laterais em razão de 1/5 [...] no interior do escritório haveria uma economia na ordem de 20% do valor desse trecho da estrutura [...]” até encontrarem algumas soluções satisfatórias e assim foi sendo incorporado o trabalho deste calculista (Idem). Muitos outros especialistas foram agregados sob a coordenação dos autores, trabalhando no paisagismo, nos modelos e sistemas de ecoeficiência, nas consultorias de hidráulica e elétrica, etc. ainda que os maiores detalhamentos tenham ocorrido através dos projetos executivos.

5.3 PROJETO PORTO OLÍMPICO

5.3.1 O concurso

O Município do Rio de Janeiro em conjunto com a entidade organizadora IPP (Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos), apoiado pelo Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de 2016, divulgou o Edital para o Concurso Porto Olímpico, visando selecionar a melhor proposta arquitetônica e de urbanização para as instalações olímpicas e de seu respectivo entorno localizadas na Região Portuária da cidade do Rio de Janeiro.

O concurso objetiva simultaneamente orientar o legado do evento esportivo dos Jogos Olímpicos 2016 para o conjunto da cidade, favorecendo a área central da metrópole, e fortalecer a região suburbano-metropolitana, da qual o centro é o núcleo. Inserido no Projeto Porto Maravilha, iniciativa que pretende a reconstrução da antiga Área Portuária carioca, o Porto Olímpico passa a ser importante agente do processo de requalificação urbana.

O desenvolvimento do projeto na etapa de Estudo Preliminar constitui o objeto do concurso. O edital prevê que a proposta vencedora terá assegurado contrato para o desenvolvimento das demais etapas do projeto, previstas com as seguintes denominações: Anteprojeto, Projeto Legal, Projeto Executivo de Arquitetura, Urbanização e Paisagismo, bem como a coordenação dos Projetos Complementares.

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Para a implantação do Concurso Porto Olímpico foram indicadas duas áreas designadas por sua posição em relação à Avenida Francisco Bicalho, Terreno Leste e Terreno Oeste, o primeiro formado por um único lote e conhecido por Praia Formosa e o segundo formado pelos imóveis que compõem uma quadra entre as Avenidas Francisco Bicalho e Pedro II.

Preve-se um programa de necessidades considerando instalações de interesse olímpico como: - Vilas da Mídia onde abrigará jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas de todo o mundo que virão cobrir o evento; - Vila dos Árbitros: residências para árbitros, oficiais técnicos e organizadores do evento, grupo também multinacional responsável pela realização e validação dos resultados das competições e - setores operacionais. Será planejado para, após o compromisso inicial, moradias, comércio e serviços, áreas verdes e de lazer atraírem visitantes e novos habitantes para a Área Central. Reforçará o plano um conjunto turístico com Hotel e Centro de Exposições/ Convenções que deverão abrigar atividades temporárias, tais como setores operacionais e administrativos das entidades organizadoras, o Centro de Mídia Não Cadastrada; o Centro Operacional de Tecnologia/TOC; o Centro Principal de Operações/ MOC; o Centro principal de Credenciamento / MAC; o Centro de Credenciamento e Distribuição de Uniformes/ UAC.

O concurso foi coordenado pela arquiteta Norma Maron Taulois que foi indicada pelo IAB-RJ e teve nove arquitetos como membros da comissão julgadora, sendo quatro deles indicados pela Promotora: Gisele Raymundo, indicação da CDURP; Miriam D’Avila Cavalcanti, indicação do MRJ/IPP; Washington Fajardo, indicação do MRJ/SUB-PC e Gustavo Nascimento, indicação do Comitê Organizador Rio 2016. Além de outros cinco indicados pela entidade Organizadora: Ivan Mizoguchi, Alder Catunda, Marcio Tomassini, Ricardo Villar e Sergio Magalhães.

Na Ata de Julgamento do concurso as seleções foram justificadas pela adoção dos seguintes parâmetros: busca pelas melhores qualidades espaciais, avaliando-se a inserção dos projetos no contexto urbanístico e sua capacidade de influenciar a criação de novas referências para a ocupação urbana, entendendo também que tais qualidades precisam estar em simbiose com a viabilidade construtiva e econômica do conjunto do empreendimento. Especial atenção foi dada à análise dos fundamentos técnicos envolvidos bem como ao atendimento dos requisitos de aproveitamento da área, tais como requeridos pelo Projeto Porto Maravilha. O período de julgamento ocorreu entre 29 de janeiro à 06 de fevereiro de 2010 e a divulgação dos resultados só ocorreu praticamente 4 meses e meio depois em 28.06.2010. Os resultados contemplaram a seguinte classificação: em primeiro

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lugar, a proposta 219, de autoria do arquiteto João Pedro Backheuser, portanto, vencedora do concurso. As propostas de Roberto C. dos Santos Filho (239), Francisco Spadoni (222) e Jorge Jauregui (204) ficaram em 2º, 3º e 4º lugares respectivamente. A comissão julgadora decidiu ainda dar duas menções honrosas aos trabalhos dos arquitetos Daniel de Barros Gusmão e Eduardo Campos da Paz Mondolfo. Conforme Ata disponívem em: http://concursoportoolimpico.com.br/>:

1º Lugar: A proposta estimula o desenvolvimento de novas possibilidades para a área, apresentando alta qualidade nas articulações intra locais e delas com o contexto, contribuindo para a contaminação positiva do ambiente urbano e a promoção de novos elementos espaciais arquitetônicos. O projeto estabelece um marco referencial forte na paisagem em sintonia com a criação de espaço público de grande interesse paisagístico e ambiental. Tem bom aproveitamento do potencial construtivo proposto para o setor. Apresenta grande elegância e beleza plástica, integrando os espaços públicos, à torre do Hotel e aos edifícios corporativos. Destaca-se, também, a boa articulação entre esses elementos e o Centro de Convenções. O setor leste apresenta um conjunto de volumes bem equilibrados, um bom mix de usos, respeito ao traçado viário proposto pelo projeto de alinhamento, e grande facilidade de se ajustar às necessidades do empreendimento. 2º Lugar: O projeto é dotado de grande força espacial no seu lado leste. Destaca- se a tipologia urbana representada pelas torres sobre malha contínua conferindo grande qualidade aos espaços públicos projetados, além da criação de uma centralidade própria. Boa solução para os fundos dos lotes da Rua Pedro Alves evitando áreas de insegurança, e interessante proposta de reutilização de galpão existente. A malha viária proposta apresenta dificuldade de conexão com o entorno, provocando certo isolamento da área. No lado oeste, boa resolução do programa do Centro de Convenções, Hotel e edifícios corporativos criando diversidade de acesso por meio das vias circundantes, embora não apresente elemento marcante que sirva de referência para o conjunto edificado. 3º Lugar: O projeto apresenta solução bastante equilibrada e elegante nos dois setores, contemplando todo o programa. O conjunto Centro de Convenções, Hotel e Torre Corporativa apresenta elemento que funciona como marco significativo na paisagem. A praça de acesso ao conjunto faz cm que ele se afaste do eixo viário da Av. Francisco Bicalho e permite sua melhor fruição por quem atravessa a área. No lado leste, a manutenção da ligação norte sul, confere permeabilidade ao lote, criando uma extensa área verde central de uso público, onde lazer, comércio e habitação interagem, elemento pouco explorado nos outros projetos. Destaca-se a boa solução para as garagens no embasamento, com aproveitamento da área da laje de cobertura como pavimento de uso comum das edificações . 4 Lugar: O trabalho apresenta boa solução de desenho urbano para o terreno Leste, cujas quadras destacam-se pelo equilíbrioharmônico entre continuum edificado, torres de habitação, espaços públicos e espaços intra-quadra. Apresenta interessante eixo visual que evidencia a torre do hotel no terreno Oeste e a praça n interior do terreno. A solução apresentada para o terreno Oeste destaca-se pela força arquitetônica da torre hoteleira, cuja corpo tripartido é boa resposta à inserção na paisagem de edificações em altura, e pela boa distribuição espacial desta com o centro de convenções, configurando o encontro da Francisco Bicalho com a Pedro II como praça pública e área de amortecimento e de

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acolhimento. Destaca-se no centro de convenções o tratamento do auditório como teatro, ampliando possibilidade de usos culturais no conjunto. As soluções das unidades habitacionais são criativas, necessitando, entretando ao uso olímpico e À economicidade.

No entanto, o Ato Público de premiação e assinatura do contrato com o vencedor do Concurso, ainda não pode ser realizado pois os concorrentes entraram com um recurso jurídico questionando a idoneidade ética dos resultados. Assim, aguardam-se as decisões judiciais para continuidade do processo.

5.3.2 Pontos de partidas e resultados

Reafirmando que as associações específicas entre arquitetos constitui uma prática usual nos concursos públicos, os escritórios de arquitetura de Luciano Margotto, Álvaro Puntoni, Marcos Acayaba e Claudio Libeskind 8 se associaram para realizar o Estudo Preliminar proposto em edital para o Porto Olímpico no Rio de Janeiro e trouxeram consigo para compor a equipe alguns outros profissionais desses escritórios. O conjunto de profissionais assim reunidos ajustam competências técnicas que se complementam, circulando nos primeiros passos, em torno de Acayaba, Margotto e Puntoni, ainda que somente este último apareça oficialmente como autor responsável pela proposta 9. O escritório Libeskind contribui em aspectos técnicos fundamentais como a elaboração de diagramas de eficiência e algumas soluções integradas de estacionamentos e outras competências específicas que incorporadas se destacam: consultoria estrutural de Zaven Kurkdjian; perspectivas de André Procópio e maquete física de Gustavo Delonero e Henrique Tewinkel.

Visualiza-se uma configuração coletiva de trabalho ou um conjunto de relações sociais coordenada pela figura do(s) arquiteto(s), aí ajustada às exigências temporais de um concurso público de ideias. A obra concebida e expressa nas linguagens legitimadas e

8 O arquiteto Claudio Libeskind havia sido concorrente de Luciano Margotto e Álvaro Puntoni no Concurso Nacional do SEBRAE. Este fato é um exemplo expressivo da volatilidade das parcerias alargadas, mencionadas no capítulo 4. 9 A equipe composta de 15 elementos reuniu alguns profissionais já afinados como o arquiteto João Sodré e inclusive, um estagiário atualmente funcionário no escritório República e na época, estudante da FAUMACKENZIE - Gustavo Delonero.

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apresentadas em seis pranchas atende às exigências programáticas do concurso e corporificam um discurso arquitetônico sinteticamente reiterado no Memorial da Prancha 1.

Segundo este memorial, a proposta considera o duplo desafio lançado pelo concurso: a proposição de uma “solução urbanística adequada a um programa de caráter internacional” e, concomitantemente, “a estruturação da vida urbana após o evento, privilegiando a população da cidade”. Na conciliação destas duas escalas consideradas pelos autores do projeto como problemas distintos e que se entrosam, propõe-se como ideia principal, ofertar no local onde se implantará o Porto Olímpico, “um espaço generoso e aberto à urbe, facilmente usufruído, articulado tanto com a nova estrutura urbana como com os elementos pré-existentes”. Ou seja, projetar um conjunto não de objetos autônomos, mas articulados entre sí e pensados como elementos que se agregam a uma experiência urbana que por sua natureza é coletiva. Outro fundamento da proposta é que o conjunto projetado não deve fragmentar o tecido urbano. Pelo contrário, “agrega e regenera o espaço da existência coletiva e da urbanidade”, pois que pensado como a construção de uma parte da cidade representa “uma ação fundamental para edificação da sociedade e de sua cultura como um fazer coletivo”. Assim dizendo, a articulação entre o conjunto de edifícios projetados e o tecido da cidade contém a ideia precípua de que existe um elo indissociável “entre a dimensão arquitetônica e o papel social e urbano do patrimônio edificado” ou uma “trama capaz de urdir a urbanidade”. Por isso, ao contrário de se apropriar de lotes dissociados que foram oferecidos e da distribuição sugerida de programa, a proposta se articula em uma área única e inteira, entremeada pelo Canal Mangue:- “os acontecimentos deverão ser homogêneos em ambos os lados – habitação e serviços em toda superfície, como um conjunto íntegro, como uma cidade desejada”. A apreensão do conjunto pelos usuários se abre pelas possibilidades que se oferecem a ele de construir livremente seus percursos, entre espaços e atividades. (Vide Memorial Prancha 1)

Outro preceito aí presente é aquele ao qual Margotto se refere como – generosidade urbana – no caso, a centralidade da habitação circundada de amplos espaços públicos e interligada às atividades e eventos urbanos diversos. Articulado aos edifícios residenciais propõe-se um sistema térreo autônomo de lojas e toda sorte de utilidades, “com passeio coberto em seguimento, [...] mas quebrado por sucessivas mudanças de rumo, criando-se assim pátios, praças, pontos de encontro e áreas de recreio para crianças com o objetivo de proporcionar a confluência em vez da dispersão”. O edifício híbrido oferece destaque para a vida cotidiana; “trata-se de um elemento que marca a paisagem urbana,

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organiza o território, confere caráter ao conjunto, mas que se desfaz pela serenidade que marca sua existência”. (Idem)

Apoiada na opção por estacionamentos subterrâneos, a força do projeto converge para as torres habitacionais que proporcionam uma ocupação adensada, pela permissividade de altos gabaritos na maior parte da área. Existe a oferta de “9 828 unidades de dormitórios em nove torres a serem agregadas às outras 965 unidades do hotel 3 estrelas, do apart-hotel e do hotel temporário”. “A estrutura do edifício é extremamente simples e geométrica, definida pelas paredes estruturais que conformam os módulos espaciais das unidades habitacionais”. Incorpora a ideia de unidades de vizinhança, articuladas verticalmente em cada edificação, com praças intermediárias a cada seis pavimentos contendo amenidades urbanas de cotidiano. “ Trata-se de uma construção austera, marcada pelas ações construtivas que se adicionam e permitem uma execução ágil, e que conferem no final um caráter único e expressivo aos edifícios”.

Como outro elemento articulador do tecido urbano, a proposta contempla alterações nas hierarquias de circulação de tal modo que se possam criar relações mais nítidas com a Quinta da Boa Vista e Cidade do Samba - “por meio de um novo eixo viário a ser agregado ao traçado original do Porto Maravilha” e, ao mesmo tempo, a retirada do viaduto no cruzamento do canal do mangue. “Um novo traçado viário em nível da cidade absorve o trânsito local e resolve sua distribuição sem o esforço de viadutos, promovendo uma espécie de revascularização do tecido envelhecido” (Idem).

Nas seis pranchas do concurso, apresentadas à seguir, revela-se o produto final e fragmentos ou sinais de etapas parciais do processo de trabalho. A Prancha 1, por exemplo, contém um croqui de caráter demonstrativo, feito por Marcos Acayaba a partir de maquete eletrônica, sinalizando a incorporação do desenho, como uma saber fazer e como habitus valorizado no campo da arquitetura. A prancha 3 apresenta fotos em diversos ângulos da maquete física final do projeto, elaborada através de um longo processo. No conjunto, todas elas deixam antever produtos específicos feitos com instrumentos diferentes e combinados. Se as características da obra em todos os seus aspectos estão aí representadas, os movimentos de criação da ideia arquitetônica permanecem ocultos.

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5.3.3 Memórias dos percursos de trabalho

Os momentos iniciais da criação são sempre difíceis de virem na memória. A primeira lembrança de Margotto a respeito do fazer o projeto Porto Olímpico remete mais a um contexto de relação entre os autores ou com o conjunto da equipe do que propriamente a uma ideia: “é um momento muito estimulante, todo mundo junto, ouvindo música, bebendo, ficando aqui no escritório até 10 horas da noite ou até 1 ou 2 horas da madrugada”. (MARGOTTO, 2011)

Ao mesmo tempo, se refere ao fato comum em todos os projetos arquitetônicos, inclusive os projetos anteriores apresentados neste capítulo, de que as primeiras ideias vão ganhando forma através de relações concomitantes entre croquis e desenhos no computador. “A gente não desenha mais nada sozinho, você não faz mais a perspectiva à mão com um ponto de fuga. O sujeito que modela está junto com a gente, é ainda aluno e é ele que vai por assim dizer sendo o veiculo daquela concepção” (Idem). E, ainda, “tem que haver uma comunhão muito grande porque você está pensando e alguém está produzindo o que você está pensando, como se fosse você [...] então no fundo você não está sozinho – a pessoa que manipula a máquina também está pensando”. (Idem)

No âmbito de outro trabalho encaminhado pelos mesmos autores no espaço do escritório República, de Luciano Margotto, despontam inesperadamente as primeiras ideias para o concurso do Porto Olímpico, entremeadas por várias referências de projetos anteriores próprios ou de arquitetos por eles valorizados 10 : “começamos a imaginar um edifício Vila e umas torres que o Oscar Niemayer já fez; o próprio Acayaba já fez [...]”. E, neste processo se lançam mão de recursos improvisados e materiais diversos: “a gente começou a imaginar uma planta circular e as moedinhas que serviram para a gente medir, começar a aproximar a escala do que seriam os edifícios residenciais em relação ao contento urbano” (Idem). As ideias, surgem assim, primeiro na cabeça, antes de serem postas no papel. Falar aqui sobre os projetos referenciais

A foto 1 deixa em evidência, pelos instrumentos de trabalho distribuídos na mesa, o trânsito das ideias iniciais entre desenhos e croquis e, neste caso, o experimento inicial de implantação com uma forma de simulação de maquete improvisada. A foto 3 é um exemplo de diversos croquis iniciais que vão dialogando com as aproximações em maquete.

10 Várias referencias arquitetônicas trouxeram sugestões criativas:

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5.21 – Arquitetos Álvaro Puntoni, Marcos Acayaba e João Sodré: primeiros estudos de implantação na escala 1:5000.

5.22 –Detalhe das experimentações.

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5.23 –Exemplo de croquis iniciais ( Luciano Margotto)

Muitos outros croquis também foram feitos por Álvaro Puntoni, Marcos Acayaba e discutidos em conjunto. Eram tantas ideias e croquis que, em determinado momento, usaram um projetor de slides para que pudessem ser visualizados na parede por todos, em sequencias ou em conjunto de forma a ordenar as discussões e decisões.

Na sequencia do trabalho, a maquete de papel surge como uma evolução quase que obrigatória e é articulada com muita habilidade por Acayaba, denotando um saber fazer acumulado e muita experiência profissional. Revela provavelmente uma forma de expressão de uma geração mais antiga de arquitetos e hoje, praticamente pouco usada nos trabalhos profissionais. Como lembra Paulo Mendes da Rocha (2007, p. 58), a maquete pode ser simples “mas está realizando uma coisa que você quer ver. O diâmetro certo, a altura certa, a escala humana”. E, ainda,

Esses modelinhos tem um sentido muito importante, o de conter uma sabedoria. Tem um sabor extraordinário, essa é a palavra justa. Porque eles prescindem de uma cenografia: arvorezinha, bonequinho, carrinho, uma verdadeira esparrela. O que queremos aqui é a maquete límpida, nua e crua. Aquela que você faz sozinho, como quem toma nota das coisas pensadas. Na confecção dessas maquetes, você vê o tamanho das coisas, a sua proporção, vê as transparências. (Idem, p. 59, grifos do autor)

Margotto relembra o entusiasmo deste momento - “olhando para as moedas a gente pensou: que altura vai ter isto? E no dia seguinte já estávamos cortando papelzinho

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sulfite e o Marcos incentivando: olha, este aqui está bom... aquele alí vai ficar ótimo!” (Margotto, 2011).

Acayaba talvez seja o arquiteto que tenha pontuado de forma mais precisa o significado das maquetes usadas nos processos conceptivos com ideias que se concretizam nas práticas de trabalho, como pode ser visto no projeto em questão. Na entrevista concedida em 2008 à Revista Fresta, ao estabelecer a distinção entre modelo - maquete feita nas fases conceptivas do projeto e maquete de ilustração, adiciona uma reflexão importante. No primeiro sentido, a maquete surge como um instrumento de trabalho que é construído pelo arquiteto no próprio processo de trabalho ou dependendo de sua complexidade, encomendado a outrem. Como afirma, é um modelo que permite avaliar e ajustar o projeto que está na mente ou já em croquis, durante o próprio processo de sua elaboração.

Criar os instrumentos. No nosso caso, a maquete da estrutura de madeira da casa protótipo que fizemos para a Bienal de São Paulo foi muito importante como modelo. O instrumento que nós usamos para aferir e corrigir o projeto é o modelo. É diferente de maquete. Artigas fazia questão de não falar em maquete jamais, de falar sempre modelo. Maquete tem a ver com a aparência externa, é alguma coisa que você vai apresentar para o cliente ver como vai se parecer o edifício. Modelo é um instrumento necessário para ajudar você na concepção e na aferição do projeto. O processo de produção do modelo teve a ver com o sistema de produção da obra, foi uma primeira aferição 11 . Então quando fazemos modelos como instrumento de aferição de projeto eles nem sempre vão ser os mesmos. Você vai adequa-los ao caso que está enfrentando. Acho que é isto que Renzo Piano está querendo dizer. Eu vejo imagens nos livros e publicações de grandes peças feitas no próprio escritório dele, de ensaios de peças pre-moldadas. Elas vão testar as questões para as quais são concebidas, como aqueles brises para galerias de arte em museus que ele tem feito, onde a questão é da reflexão e do controle da luz. Você só faz isso com modelo. Isso é um instrumento que nós temos que ter para a criação. (ACAYABA, 2008, p.5, grifos do autor)

Com sobreposição de representações – o mapa da escala urbana, e a maquete de papel sobre croqui em papel manteiga – as ideias iniciais vão ganhando corpo. A Figura 5.23 ilustra uma primeira possibilidade de aproximação entre volumes e programas. O estudo realizado com as edificações residenciais em apenas uma metade da área apresenta o pavilhão de exposições e o hotel com entrada frontal

11 Refere-se aqui o modelo da Bienal que encomendou para o engenheiro Helio Olga porque exigia instrumentos de corte gabaritados para cortar perfis hexagonais.

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livre de edificações. Pode-se visualizar aí a intenção que acompanha toda a elaboração do projeto, de se conectar os lotes por uma passarela a fim de integrar os programas e usos. As fotos seguintes mostram outras possibilidades de implantação sendo experimentadas:

5.23 – Primeiro estudo -maquete de papel sobre croqui. Escala 1:5000.

5.24 – Outro ângulo do mesmo estudo

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5.25 – Estudo 2 -torre residencial em frente ao pavilhão

5.26 –Estudo 3 - duas torres em frente ao pavilhão e mais área residencial.

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5.27 –Outro ângulo do mesmo estudo

A consolidação paulatina da ideia das torres habitacionais vai exigindo uma sequencia inumerável de estudos com geometrização e cálculos: “então as torres habitacionais que para a gente era a coisa mais importante, ganharam aqui um destaque – são 15º metros de altura e 10.000 unidades, tem a altura do Parque Guinle, tem a altura da superquadra de Brasília a cada seis andares” (MARGOTTO, 2011). Como proposta esta ideia parecia ser bastante inusitada, porém Margotto lembra o fato de que não era nenhuma novidade pois o Oscar Niemayer, o Marcos Acayaba e, mesmo, Álvaro Puntoni, já haviam feito.

Ao lado das modelagens no computador, se articulam novos croquis, com estudo e geometrização da implantação (croqui 2) e, o seguinte (croqui 3) com experimentação entre os volumes e programa, já com cálculo de taxa de ocupação e aproximação das exigências do edital.

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5.28 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.28 – Croqui PORTO OLÍMPICO

Os croquis 5.27 e 5.28 mostram, respectivamente uma experimentação, geometrização e organização das áreas livres em estudo e, aproximação da planta do edifício residencial em forma de “C” com diferentes orientações para a cidade do Rio de Janeiro. Pode-se notar o hotel e o pavilhão trabalhados em diferentes alturas. O croqui 6 destaca o centro do pavilhão de exposições e edifícios residenciais em escala e medidas.

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5.29 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.30 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.31 – Croqui PORTO OLÍMPICO

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O processo conceptivo avança de forma não linear, exigindo instrumentos diversos, inumeráveis croquis, desenhos digitais, etc. e muitas horas de esforço e dedicação. Em certas circunstâncias, o trabalho continua fora do escritório e algumas ideias criativas surgem de forma inesperada, como no evento relatado divertidamente por Margotto (Idem): E aí, um belo dia, a gente foi tomar café, caiu um pé d’água e ficamos presos horas no boteco embaixo do Edifício Itália com o projeto na cabeça e discutindo [...] Na volta ao escritório sentamos em volta da maquete e mudamos a base – é a 3ª fase da maquete e ela foi assumindo mais corpo”. É importante observar, tal como aparece na Figura 5.32, que a maquete avança para o estudo de um volume conector que interliga os dois lotes e abriga diferentes programas e usos ao longo de sua implantação. Embora com a base mudada, pode-se perceber que os mesmos volumes utilizados na maquete anterior continuam a ser utilizados para as experimentações desse momento.

o

5.32 – Maquete de estudo PORTO OLÍMPICO

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Em relação ao detalhamento de estudos da peça que funciona como conector, os croquis 5.32 e 5.33 apresentam este elemento que se estrutura para abrigar programas e organizar a implantação entre os edifícios e áreas verdes. Observa-se a aproximação com o programa e estudos em corte. Para se chegar neste ponto um processo intenso de discussões se realizou. Algumas falas do Luciano, mencionando a equipe, relembram estes momentos: “pintei muito à mão [...] , o Sodré trouxe muitos projetos para a gente ver [...] o Álvaro argumentando e o Acayaba falando sobre a proporção, já estava feliz porque estava saindo uma coisa boa [...]” (MARGOTTO, idem) A ideia de uma plataforma de integração surge a partir das reflexões sobre diversos projetos de Steven Holl trazidos por Alvaro Puntoni “no momento em que estávamos muito angustiados com a resolução do chão” (Idem). Por isto mesmo, como sempre enfatiza Margotto, “eu não gosto do novo, da palavra ‘novo’, porque na verdade existe uma revisitação, resgates de memórias próprias e dos outros”. (idem) A revisitação de projetos referenciais pinça, segundo Puntoni, elementos que fazem parte da identidade profissional do próprio arquiteto. Indagado recentemente sobre o peso da escola paulista em sua formação, assim responde:

Sim, no início vinha mais da obra do Artigas, mas depois fomos conhecendo também outras manifestações, como Reidy, Lelé e o Oscar Niemeyer, que perpassa tudo isso. Queríamos saber como era possível fazer aquele tipo de arquitetura com tão poucos recursos. E entendemos que, para realizar uma obra correta, seria preciso caminhar dentro de um regime de austeridade, usar corretamente os materiais e obter a precisão na construção. Costumamos dizer que nossa arquitetura pressupõe poucas ações construtivas, mas que têm de ser muito precisas. Não podemos errar porque um passo errado - e isso já aconteceu algumas vezes, é óbvio -, pode comprometer toda a obra. Então, esse negócio de sucesso profissional é mais decorrente de um trabalho duro e criterioso do que de um talento excepcional. (PUNTONI, 2012)

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5.32 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.33 – Croqui PORTO OLÍMPICO

De uma numerosa sequência, 13 croquis são apresentados a seguir. Configuram-se diferentes estudos em relação à peça conectora e posicionamento de implantação. Servem para ilustrar, não apenas as possibilidades de transformação de ideias, mas, sobretudo, a quantidade de incorporação de trabalho no sentido de energia posta em movimento, envolvendo aplicações de conhecimentos técnicos incorporados que vão se materializando, às vezes, aceleradamente no processo conceptivo do projeto, como bem situa DAHER (1987, p. 95).

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Sabemos que na cumplicidade da imaginação com a mão que corre no papel manteiga há um momento específico do pensamento. As formas iniciais surgem tateantes, o esboço fica mais forte quando o arquiteto escreve pequenos números, imprime no desenho indicações sobre a escala, as proporções daqueles rabiscos misteriosos. Minto: misteriosos para o leigo, porque para o autor são sinais que estavam apenas adormecidos à espera da sua hora. Assim parece quando o arquiteto consegue retira-los do silêncio, num processo tranquilo, ou sofrido ou prazeroso.

Nas lembranças de Margotto, estes momentos do projeto exigiram esforços concentrados e combinação, num processo de simultaneidade e convergência, de uma enorme quantidade de tarefas diferentes realizadas pelos vários elementos da equipe: “[...] e e aí tem um menino modelando no computador e, ao mesmo tempo, o Acayaba enlouquecendo de resolver a estrutura, que ficou linda, com a questão de como vencer o vão enorme da praça [...]”. (Margotto, Idem).

5.34 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.35 – Croqui PORTO OLÍMPICO

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5.36 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.37 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.38 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.39 – Croqui PORTO OLÍMPICO

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5.40 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.41 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.42 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.43 – Croqui PORTO OLÍMPICO

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5.44 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.45 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.46 – Croqui PORTO OLÍMPICO

Mesmo no âmbito de Projeto Preliminar, vários saberes externos são incorporados ao trabalho, como consultorias específicas. No caso do Projeto Porto Olímpico, como informa Margotto, Jorge Zaven Kurkdjian, foi o único consultor externo. Refere-se às relações satisfatórias entre os três e Zaven sobre questões cruciais de estrutura, cujos posicionamentos mais relevantes e estratégicos foram levados em conta e agregados ao

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projeto. Por exemplo, cada andar das torres habitacionais possui 11 apartamentos de 2 e 3 dormitórios e aberturas com guarda-corpo de 1.30m. “Então ele falava que em relação às esquadrias, era muito importante que ficassem muito íntegras, que elas viessem até o chão e aí ele chamou uns caras de elevadores para calcular os fluxos e quantos elevadores seriam precisos” (Margotto, Idem). A imagem seguinte, uma perspectiva feita por André Procópio, mostra a visualização final destas aberturas.

5.47 – Maquete eletrônica PORTO OLÍMPICO

Na continuidade dos estudos, os croquis e desenhos digitais se mantêm como instrumentos de trabalho principais. Através deles são feitas aproximações em escala para resolver a circulação e as dimensões internas – organizar estrutura, circulação vertical e programa. Como pode ser visto abaixo, foram feitos ainda diversos estudos através de croqui sobre impressão: em relação ao gabarito máximo permitido; implantação dos edifícios residenciais, já com o eixo viário definido e com a peça-conector definitiva e marinas, transportes hidroviários e espelhos d´água.

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5.48 – Corte 2D PORTO OLÍMPICO

5.49 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.50– Croqui PORTO OLÍMPICO

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Na última desta sequencia observa-se a imagem escaneada e redesenho em autocad para aproximação com a estrutura.

5.51 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.52 – Croqui PORTO OLÍMPICO

Os croquis seguintes de Marcos Acayaba, são exemplares enquanto estudos das questões estruturais e de circulação das torres, contendo: planta do edifício de alojamento (e posterior habitação), avaliações da proposta de praça elevada e posicionamento da circulação vertical (Figura 5.48); croqui sobre impressão na escala 1:200 (Figura 5.49); estudo da praça elevada, sem escala (Figura 5.50); desenho da praça elevada e sua relação com os

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programas comuns e estrutura, assim como a circulação vertical, ambos já trabalhados em fase final, ou seja, já não mais alterados (Figura 5.53 a 5.55);

5.53 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.54 – Croqui PORTO OLÍMPICO

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5.55 – Croqui PORTO OLÍMPICO

As preocupações com os elementos técnicos e construtivos são bastante visíveis nos seus croquis 12 . Respondem como um conhecimento tácito que se manifesta e afora na medida das solicitações de encaminhamento do próprio trabalho. Nesse processo contínuo, porém não linear, as ideias criativas são sedimentadas e consolidadas nas linguagens e materialidades próprias do projeto arquitetônico.

Entre outras participações na elaboração deste trabalho, verificam-se a seguir, croqui sobre plantas-tipo e layouts e circulação horizontal e vertical definitiva e croqui da praça elevada e sua amarração estrutural (Figura 5.56); um estudo em planta das estruturas metálicas para as praças elevadas (Figura 5.57), estudos em perspectiva das estruturas metálicas para as praças elevadas (Figuras 5.58 e 5.59) e finalmente um croqui de estudo para definir a estrutura do hotel (Figura 5.60).

12 O arquiteto relembra quando fez concurso para reingresso na FAUUSP, em 1994 e, em resposta às arguições de Joaquim Guedes sobre a geometria muito diferente de dois projetos seus, respondeu da seguinte forma: “Guedes, essa casa que você acha tão solta, é uma coisa modulada: ela tem vãos estruturais que se repetem, [...] ela está numa certa geografia, numa certa implantação que possibilita o resultado mais livre e solto. A outra casa é o que é porque tinha uma condicionante de terreno mais rigorosa, muito estrita. Em cada caso, procuro analisar todas as condicionantes: a geografia, os programas, as técnicas disponíveis. Antes de iniciar o projeto procuro identificar qual é a melhor estratégia para resolver a obra, qual a tecnologia ou técnica construtiva, que vem a ser uma espécie de bússula” . (ACAYABA, 2008, p. 6)

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5.56 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.57 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.58 – Croqui PORTO OLÍMPICO

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5.59 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.60 – Croqui PORTO OLÍMPICO

O acervo de materiais disponibilizados, em sua quantidade e qualidade, permite caracterizar de maneira bem completa o processo de trabalho até a elaboração do produto final. Ainda que se mantenha dentro das características de um Projeto Preliminar, é possível identificar os movimentos de criação que se estendem até a elaboração da maquete final e das pranchas – onde o objeto, a obra criada pode ser vista em sua versão acabada.

Grande parte do trabalho que estava articulado a alguns programas digitais específicos foram feitos no escritório do Claudio Libeskind: “eu tenho ferramentas melhores do que as de vocês três” (MARGOTTO, 2011). Para a elaboração da maquete física, cujas fotos de Nelson Kon são apresentadas a seguir, e etapas finais do processo, todos da equipe se transportaram para o escritório do Cláudio porque dependiam dos recursos instrumentais lá disponíveis. A própria elaboração da maquete final, pelas especificidades

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técnicas de confecção em acrílico, exigiu estudos de concepção e dimensionamento das partes, através de croquis, como pode ser visto logo a seguir, inclusive para organizar as peças em acrílico a serem cortadas por máquinas a lazer.

Por isto mesmo, além da articulação do trabalho em diferentes locais, a necessidade crescente de incorporação de tarefas específicas se repercute na quantidade de pessoas envolvidas no projeto. Conforme Margotto, “os colaboradores deste projeto são todos novos arquitetos. O Claudio trouxe o time dele, uns quatro ou cinco; eu, trouxe dois ou três; o Álvaro dois ou três; e a gente naquele entendimento, Acayaba, Sandra e eu tentando articular os entendimentos [...] (Idem)

5.61 – Croqui PORTO OLÍMPICO

5.62 – Croqui PORTO OLÍMPICO

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5.62 – Maquete física PORTO OLÍMPICO Foto de Nelson Kon

5.63 – Maquete física PORTO OLÍMPICO Foto de Nelson Kon

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5.64 – Maquete física PORTO OLÍMPICO Foto de Nelson Kon

5.65 – Maquete física PORTO OLÍMPICO Foto de Nelson Kon

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5.66 – Maquete física PORTO OLÍMPICO Foto de Nelson Kon

Os desenhos e instrumentos digitais estão ainda presentes até a finalização do Projeto Preliminar, incluindo os estudos de articulação dos conteúdos de cada pranchas que devem conter as representações da obra projetada, em linguagens técnicas conforme especificações (memorial, cortes, plantas, fachadas, perspectivas, diagramação de usos das edificações, etc.). A finalização do projeto exige envolvimento simultâneo de trabalho de toda a equipe e uma série de ajustes, como revelação dos movimentos de perícia artesanal dos autores.

As imagens à seguir mostram, respectivamente, um estudo da perspectiva da maquete eletrônica ainda sendo trabalhada; o estudo para a organização das pranchas finais contendo desenhos técnicos, imagens, textos e memoriais e estudo de diagramação das pranchas finais.

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5.67 – Perspectiva computacional de André Procópio

5.68 – Croqui esquema de organização pranchas concurso

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5.69 – Croqui

Finalmente, a perspectiva à mão feita por Acayaba para ser incluídas nas pranchas do concurso, fala de um elemento demonstrativo de um saber fazer arquitetônico, considerado erudito e respeitado.

5.70 – Perspectiva artística

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5.4 CONVERGÊNCIAS

Os processos de trabalho aqui analisados demonstram, parafraseando Schenk (2010: 25), que o fazer arquitetônico não é um atributo de genialidade ou heroísmo. Mesmo reconhecendo, por exemplo, tal como analisa Telles (1994) que os croquis iniciais de Niemeyer já mostram a forma final de seus projetos, refuta a idealização de que por trás deles não existam processos de reflexão, escolhas e caminhos e, portanto, de trabalho. Como afirma,

Se observarmos com um pouco mais de cuidado os croquis de concepção de Niemeyer, por exemplo, [...] referentes ao Centro Musical do Rio de Janeiro (1974), poderemos flagrar que o projeto em sua concepção passa por um processo que denota incertezas e, tais incertezas, antes de conferir demérito ao arquiteto autor, demostram a riqueza do processo conceptivo, seu envolvimento com o trabalho arquitetônico, seu raciocínio espacial. A qualidade de Niemeyer reside em sua obra e no arquiteto que é, dispensando pressupor qualquer tipo de mistificação de sua produção.

Da mesma forma, os projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico expressam a qualidade de seus autores, a riqueza de conhecimentos teóricos e instrumentais, e, principalmente, o seu envolvimento com o fazer arquitetônico. A ideia de envolvimento, como expressão aqui denominada de ação engajada , possui dimensões subjetivas de valor sobre o próprio trabalho e seus resultados que, ao expressarem os autores, contendo um discurso, ao mesmo tempo, gratificam e incrementam conhecimentos e habilidades. Nas diversas experiências profissionais, como se refere Puntoni e como aparece nos relatos de Margotto sobre os trânsitos entre os projetos do IPHAN, CAPES e SEBRAE, os erros e acertos fazem parte de uma aprendizagem e levam o arquiteto a aperfeiçoar a precisão do seu trabalho.

Ainda que representem processos condensados e, muitas vezes, parciais pelo fato de serem trabalhos específicos relacionados as demandas de concursos públicos, exprimem as características de materialidade do trabalho arquitetônico através do qual se organizam relações sociais, instrumentos e conhecimentos diferenciados.

Embora cada projeto seja único e irreproduzível por suas próprias dimensões artesanais, o resgate dos processos de criação dos três projetos demonstra convergências essenciais: o pensar é simultâneo ao fazer, as habilidades expressam conhecimento tácito,

Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar

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as concepções e soluções criativas surgem e se consolidam através de muito esforço, disciplina e muitas horas de dedicação. Os croquis e desenhos digitais (e as maquetes de concepção), além de aperfeiçoarem as habilidades do arquiteto, são instrumentos de reflexão e de produção do projeto. O arquiteto ou arquitetos em parceria articulam as relações sociais e os saberes envolvidos e são os responsáveis pela criação. Este último aspecto traz à tona o fato de que o processo de trabalho é coletivo, mas a criação é atribuição específica de um ou poucos agentes, mas não da totalidade dos indivíduos. Esta hierarquização interna do processo de trabalho é sempre fonte de conflitos que podem ser amenizados pelo compartilhamento de identidades já comprovadas nas parcerias e ou em parcerias alargadas.

Considerando estas características, os três projetos analisados revelam um fazer que é geral a todos os arquitetos e, ao mesmo tempo, um modo particular de organizar o processo de trabalho. Além das afinidades entre os profissionais mais experientes, no caso Luciano Margotto Soares, Álvaro Puntoni e, também Marcos Acayaba no Projeto Porto Olímpico, a legitimidade da autoridade destes arquitetos, por suas experiências, posicionamentos arquitetônicos e prestígio garantem que a hierarquia possa ser organizada de maneira mais frouxa e colaborativa e as interlocuções internas sejam respeitosas e menos conflituosas. Esta maneira de organizar o processo de trabalho ou a ideia de parcerias alargadas fazem com que os jovens arquitetos participantes se sintam inclusive privilegiados pela aproximação com profissionais experientes e, ainda, por estarem integrados a um contexto onde é possível visualizar todo o processo e a inserção do seu trabalho individual no projeto arquitetônico concebido.

A expressão de engajamento colaborativo ou engajamento significativo no trabalho exige na etapa final, tal como exemplificado neste capítulo, o envolvimento simultâneo de toda a equipe e uma série de ajustes, de forma que os autores reconheçam a justeza do trabalho, como se refere Leila Blass (anteriormente citada), ou seja, se nada falta. E, nesse sentido, que a obra contida no projeto arquitetônico possa ser exposta aos olhares e avaliações externos. No entanto este é, como diz a autora, outro momento do seu fazer.

Projetos Capes, Sebrae e Porto Olímpico: memórias e reflexões do trabalho e seu desenrolar

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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As colocações apresentadas neste trabalho de tese trazem algumas reflexões sobre o fazer arquitetônico, sob um olhar sociológico, e se inserem como resultado de pesquisa acadêmica, no âmbito das aberturas multidisciplinares de análise que hoje se desenvolvem em torno de questões cruciais do mundo contemporâneo.

Enfrentando simultaneamente as mistificações da noção de trabalho que se disseminaram socialmente à partir da forma histórica capitalista – o trabalho assalariado - e as temáticas de pesquisas consolidadas pelos estudos sociológicos que predominantemente sempre privilegiaram as discussões sobre do emprego, este trabalho traz algumas contribuições importantes, tanto para os sociólogos quanto para os arquitetos no sentido de ampliar a compreensão sobre as dimensões criativas do fazer arquitetônico considerando sua materialidade própria e o espectro maior de relações sociais nelas envolvidos.

Inserido também no âmbito das transições paradigmáticas da ciência, não se apoia em uma teoria fechada, mas recorre a conceitos e contribuições analíticas da Sociologia, da Arquitetura e de outras áreas de conhecimento. Utilizam-se estes conceitos como apoio interpretativo sobre o fazer arquitetônico, partindo-se do pressuposto de que ele é uma forma de trabalho de características artesanais forjada historicamente antes da constituição da sociedade moderna e que nela penetra e se ajusta, mantendo seus traços predominantes. Ainda que a inserção da arquitetura na modernidade resulte em alterações em algumas formas operacionais do fazer, através de uma separação ambígua e nunca totalmente completa entre a concepção do artefato e sua construção material ou, entre o projeto e a obra, o fazer arquitetônico é uma forma de trabalho que por característica que não se enquadram nos moldes desta forma paradigmática e predominante – o trabalho assalariado fabril.

Considerações Finais

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Portanto, como muitos outros trabalhos de cunho artesanal e criativo coexistentes na sociedade moderna, o fazer arquitetônico não se ajusta aos cânones presentes no imaginário social, ou seja, a uma atividade submetida a um esforço alienado, repetitivo e disciplinar, separado das relações sociais mais amplas e dos espaços de vida e que se impõe aos indivíduos como necessidade de sobrevivência. Nesta imagem social baseada no modelo fabril, o fazer se coloca à parte da vida, das subjetividades e da criação e se confunde com emprego. Reforçadas por estas noções todas as outras atividades que não se enquadram neste modelo, são vistas como não sendo trabalho. Além disso, a criatividade inerente as atividades artísticas e artesanais como é o caso do trabalho arquitetônico, se revestem no imaginário social de uma aura de genialidade que também mistificam e ocultam o que é o trabalho.

Alinhado com as abordagens sociológicas em especial as de Leila Blass que tem orientado algumas pesquisas recentes dedicadas à caracterização de fazeres criativos diversos, como o trabalho do artista, do escritor, do carnavalesco, do ator, do professor e muitos outros, a perspectiva metodológica adotada, na investigação sobre o fazer arquitetônico não se orientou pela comprovação prévia de hipóteses, mas pela lógica da descoberta e por procedimentos qualitativos de análise.

Com o objetivo centrado na compreensão do fazer arquitetônico em suas características singulares, destaca-se nas análises que este fazer representa um trabalho que envolve criatividade, possui uma materialidade própria e se insere num processo de trabalho cujo objeto é a criação da obra arquitetônica através do desenvolvimento do seu projetar, ou seja, do projeto arquitetônico. Neste sentido, o fazer arquitetônico organiza um conjunto de relações sociais, reunindo indivíduos portadores de habilidades e conhecimentos que se completam e se convergem para a consecução do produto final.

A concepção de trabalho ajustada ao fazer arquitetônico se espelha na concepção de homo faber, desenvolvida por Hannah Arendt e também é entendida como uma capacidade transformadora do homem que, posta em ação se transforma numa energia intencional que responde às diversas necessidades humanas em qualquer formação social. Esta ação pode ser repetida e utilizada de formas diferentes de acordo com a configuração histórica na qual se insere.

A noção de homo faber ilustra alguns componentes qualitativos do trabalho arquitetônico uma vez que no processo de fabricação, o pensar é simultâneo ao fazer, e revela o intercâmbio manual e sensorial do homem com os materiais e instrumentos com os quais realiza o seu artefato. Em outro nível, esta noção também se aproxima do fazer

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arquitetônico na medida em que seu trabalho, realizado com suas mãos está voltado para a produção de bens, de objetos de uso que possuem durabilidade no mundo e, como expressão de criação humana, responde ao mesmo tempo às necessidades históricas do homem e imprime sua marca e sua interpretação do mundo.

Além de conhecimentos e habilidades incorporadas que vão se expressando no próprio fazer, o trabalho enquanto obra exige uma entrega, ou engajamento, e se reveste de significados subjetivos de identificação pessoal, pois requer dele a capacidade de transcender e alienar-se da própria vida acreditando na importância da permanência das coisas criadas no mundo. Nesta perspectiva analítica, os objetivos finais organizam o processo de fabricação característico do homo faber e, só termina quando o algo novo criado pode ser colocado no mundo para ser submetido aos olhares e às críticas dos indivíduos.

Por isto mesmo, a criação do arquiteto condensada na obra e concebida através do projeto arquitetônico, em suas diversas etapas de desenvolvimento e de detalhamento, contém além de um saber-fazer concreto, um discurso e concepções teóricas. O arquiteto se confunde com a obra criada, pois ela contém sua visão de mundo, suas opções técnicas e estéticas e também sua experiência situada em sua trajetória profissional.

Entretanto, como um artesão engajado, o seu fazer não é para ele, objeto de reflexão, uma vez que se encontra envolvido com os desafios da criação e realiza o seu fazer através de conhecimentos e instrumentalidades e habilidades próprias que se manifestam como conhecimentos tácitos. Nesse sentido, o fazer se encontra incorporado e, portanto, oculto na própria obra. Por isto é tão difícil aos arquitetos falarem sobre o seu processo de trabalho. Esta idéia aqui defendida é confirmada por diversos investigadores e, mais especificamente por Segnini (2002) quando constatou através da análise dos discursos dos arquitetos que eles falam muito sobre os resultados do seu trabalho e muito pouco como o trabalho é feito. No geral, os arquitetos falam sobre sua obra revelam concepções divergentes sobre o que é arquitetura e suas expressões concretas. Estes discursos se colocam no campo contencioso da esfera pública específica da arquitetura, consolidando alianças e fomentado divergências.

Somente em situações muito específicas quando são incitados a falar sobre o seu fazer, os discursos contém reflexões que ajudam a pontuar algumas dimensões qualitativas e singulares da criação arquitetônica. Considerando os referenciais teóricos aqui utilizados, alguns trabalhos produzidos na área da arquitetura e alguns depoimentos

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publicados por arquitetos voltados para estas questões específicas, foi possível refletir sobre a materialidade do fazer arquitetônico, expressas nas reflexões contidas no capítulo três.

Conforme declaram diversos arquitetos, no fazer arquitetônico, a ideia inicial surge primeiro na mente e já contém a imaginação de possibilidades espaciais e construtivas e, num movimento simultâneo, se expressa no papel em busca de experimentação e concretude. O desenho através de croquis e as maquetes conceptivas representam os instrumentos fundamentais do fazer onde se pressupõem necessidades de contato sensorial com o objeto de criação e com o local onde a obra criada será implantada..

De acordo com os diversos autores analisados, os croquis assumem na fase conceptiva duplas funções – como um instrumento de diálogo do arquiteto consigo mesmo ou com os arquitetos que repartem a autoria do trabalho, e como instrumento de interlocução externa com os clientes ou representantes das demandas de arquitetura. De forma semelhante a maquete se apresenta em sua dupla expressão – física e eletrônica, possui múltiplas funções e se insere no processo criativo como instrumento de trabalho (modelagem) e como elemento de intermediação nas relações externas.

Este pesquisa de doutorado também se alinha com ideias defendidas por muitos arquitetos que investigam metodologia dos processos de projeto ou analisam as obras de alguns arquitetos renomados, que questionam a concepção do projeto arquitetônico como sendo uma simples resolução de problemas demandados socialmente. Conceber e realizar o projeto arquitetônico são atividades atravessadas por muitas circunstancias e fatores externos e, ao mesmo tempo representa uma interpretação e uma visão pessoal de mundo do próprio autor. Nesse sentido, longe de dicotomias, trabalho e vida estão indissoluvelmente interconectados.

O fazer arquitetônico desenvolvido através dos processos de elaboração do projeto arquitetônico, segue uma sistematização racional e uma linguagem codificada, através de etapas institucionalizadas – definição do partido do projeto, estudo preliminar, anteprojeto e projeto executivo – que podem variar dependendo das solicitações externas e das complexidades do próprio projeto. O fazer criar, inserido neste processo, ao contrario do que formalmente possa parecer, não segue uma dinâmica linear. Envolve esforços repetitivos nos atos de fazer, experimentar e refazer o trabalho em desenvolvimento, ampliando as ideias concebidas inicialmente e ajustando a ela todos os saberes técnicos necessários para que a obra imaginada possa ser viabilizada e construída.

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Considerado na perspectiva sociológica de análise, o fazer arquitetônico é dispêndio de energia física e nesse sentido também é labor, onde se entrelaçam numerosos atos criativos. A característica artesanal do fazer arquitetônico e, semelhante a muitos outros artesãos contemporâneos, se expressa também por sua capacidade de realizar a perícia artesanal, avaliando constantemente os resultados parciais do trabalho que exigem do arquiteto correções e ajustes frequentes até que a obra concebida seja considerada pronta. Esta decisão sobre o término do trabalho, ou seja sobre a justeza do trabalho é um traço de todo fazer criativo e supõe a avaliação subjetiva do próprio criador. Esta decisão deve se ajustar em muitas circunstâncias às exigências de prazos impostas externamente.

Ainda de uma perspectiva sociológica, o trabalho arquitetônico inserido no processo do fazer, organiza um conjunto de relações sociais onde se inserem outros saberes técnicos e habilidades instrumentais e, portanto um conjunto de indivíduos e, é nesta perspectiva o processo de projeto assume uma feição coletiva. Nesta composição, o arquiteto ou arquitetos responsáveis pela criação da obra, uma vez que as parcerias sempre foram frequentes na arquitetura, articulam um conjunto de atividades específicas convergentes e mantém um domínio sobre o desenvolvimento do trabalho. Tendo em vista estes aspectos, o processo trabalho se define pela autoria individual ou em parceria e pela produção coletiva. Este caráter coletivo sofre também interferências de outros agentes que se colocam externamente ao processo do fazer, é fonte de tensões e conflitos. Neste sentido, os arquitetos tendem a se antecipar ou amenizar a ocorrência de conflitos, consolidando parcerias por afinidades de concepções arquitetônicas e de bom relacionamento, e, ainda, agregando outros profissionais envolvidos com a execução do projeto sob critérios de competência de afinidades.

Ao mesmo tempo, no seu papel de articulação de múltiplos trabalhos singulares, a autoridade do arquiteto é legitimada por sua experiência comprovada e pela notoriedade de sua produção, na esfera pública do seu campo profissional.

Por todos aspectos salientados na pesquisa, o fazer arquitetônico é perpassado por múltiplas atividades, que de todo modo são cercadas pelas características artesanais da criação.

Estas reflexões baseadas em bibliografias e documentos disponíveis fundamentaram e ao mesmo tempo foram referendas pela aproximação com o fazer concreto do arquiteto de Luciano Margotto Soares que revelou habilidades e saberes que são comuns a todos os arquitetos e ao mesmo tempo sinalizam uma forma particular de organizar o arranjo de trabalho baseado na valorização do engajamento significativo e numa

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maneira própria de sustentar a legitimidade de sua autoridade. Cabe lembrar que os três projetos aqui analisados – CAPES, SEBRAE E PORTO OLÍMPICO - foram feitos em parcerias e o resgate intencional sobre os seus processos de realização permitiu visualizar quem faz e como o trabalho é feito.

Reafirmam-se aí algumas constatações parciais de outras pesquisas importantes, por exemplo, sobre o papel dos croquis e das interlocuções no processo conceptivo; sobre o uso combinado dos instrumentos consagrados e outros tecnologicamente desenvolvidos mais recentemente, agregando, com isto contribuições nos estudos qualitativos sobre o fazer arquitetônico.

A contextualização do arquiteto no âmbito do local e tempo histórico de sua formação acadêmica, identificando-se num segmento geracional de arquitetos formados na FAU, permitiu penetrar no universo de valores arquitetônicos e em concepções que se expressam nos projetos criados, e que consolidam as bases das parcerias e as formas de envolvimento dos indivíduos nos processos de trabalho.

Esta aproximação empírica permitiu ainda observar a manifestação do talento artístico na arquitetura. Observa-se nos relatos concedidos, como o talento se apresenta num movimento indissociável entre o pensar e o fazer e, ao mobilizar os conhecimentos sistemáticos e específicos para a elaboração arquitetônica, afloram nas práticas de trabalho como habilidades incorporadas e incrementadas pelo próprio trabalho e exigem do arquiteto, um enorme esforço dirigido e engajado, envolvendo muita disciplina, dedicação que demandam tempo e energia física e intelectual.

Como pode ser observado na descrição dos três projetos arquitetônicos através do seu desenrolar, ficam evidentes as características artesanais do fazer arquitetônico onde se rompem as dicotomias construídas em relação ao trabalho na sociedade moderna. A busca de soluções criativas e singulares a cada projeto extravasa os locais específicos de trabalho, captura movimentos reflexivos de aproximação e afastamento do arquiteto em relação aos desafios do projeto e ocupa os seus espaços de vida e de lazer.

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