Territorialidade Católica Na Amazônia: Um Exercício De Periodização
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S TERRITORIALIDADE CATÓLICA NA AMAZÔNIA: UM EXERCÍCIO DE PERIODIZAÇÃO < MÁRCIO FERREIRA NERY CORRÊA* RESUMO PRIVILEGIANDO A RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE ESPAÇO E TEMPO, O PRESENTE ARTIGO PROCURA APRESENTAR O COMPORTAMENTO TERRITORIAL DA IGREJA CATÓLICA NA AMAZÔNIA NO INTERVALO DE TEMPO QUE SE INICIA NO SÉCULO XVI E PERDURA ATÉ OS DIAS ATUAIS, INÍCIO DO SÉCULO XXI. TRATA-SE DE UM EXERCÍCIO DE PERIODIZAÇÃO DA TERRITORIALIDADE DE UMA INSTITUIÇÃO RELIGIOSA CUJA AÇÃO PRECEDE O TEMPO E O ESPAÇO REQUERIDOS NA ATUAL PROPOSTA E CONTINUA PUJANTE NA IMPLEMENTAÇÃO DE SUA ORDEM TERRITORIAL E NA SUA INTERAÇÃO COM O ESPAÇO AMAZÔNICO. PALAVRAS-CHAVE: TERRITORIALIDADE, PERIODIZAÇÃO, AMAZÔNIA. INTRODUÇÃO lógica expansionista do conquistador lusitano não fugiu a esse exemplo de aliança entre Estado e Igreja que deu evando-se em consideração a dimensão política L certo no passado. Foi essa associação que possibilitou a de uma análise espacial, é possível afirmar ser posse da Amazônia pelo Império Português, ao passo que amplamente aceito, tanto nas Ciências Sociais, de modo também consolidou a Religião Católica como sistema particular, quanto nas Ciências Humanas, de modo geral, religioso soberano, único e exclusivo na hiléia do período o fato de a territorialidade ser um atributo colonial. comportamental intrínseco ao indivíduo social e aos seus O Regime de Padroado, que dava sustentabilidade grupos organizados. Robert Sack (1986) foi um dos autores oficial ao “conúbio” político-gestor existente entre Igreja que melhor definiu essa idéia. A Instituição Católica e Estado, não perdurou. As conjunturas política, insere-se nessa verdade e apresenta, tal como todo econômica e social mudaram, assim como também grupamento humano, uma nítida dimensão espacial em mudaram a importância e o grau de interação da suas ações institucionais. Amazônia com o Brasil e com o mundo, exigindo Secularmente, a divulgação da doutrina católica, reestruturação no padrão territorial por parte da Igreja. pautada na manifestação da fé, sempre requereu os Diante dessa problemática e considerando a serviços especializados prestados por profissionais contribuição de Sack (1986) no tocante à necessidade religiosos, isto é, por um corpo sacerdotal capacitado. de uma contextualização e periodização históricas da Esses agentes responsáveis pela difusão da “Santa Fé” ação territorial, o objetivo deste artigo é conduzir o muitas vezes engendraram estratégias de melhor leitor à identificação do comportamento territorial da adaptação ao meio, favorecendo o devido acesso a Igreja Católica na Amazônia, considerando o lapso de apropriação e o controle do espaço previamente tempo que abrange o início do processo colonizador até selecionado. o limiar do século XX e início do XXI. Na observância Na Roma antiga, nos tempos do Imperador desse recorte temporal, esta proposta preza por destacar Constantino, e, mais tarde, do Imperador Teodósio, o o que há de geral e o que há de particular na Estado se associou à Igreja, passando ambos a territorialidade católica na Amazônia, tendo por base a desfrutarem de interesses comuns e a compartilharem difusão de unidades diocesanas e considerando distintos dos mesmos meios para expandir os seus territórios. períodos nos quais se destacam diferentes realidades da Assim, a expansão do território romano muitas vezes se totalidade social que abrange cada etapa do mencionado confundia com a expansão do território diocesano e vice- processo difusor. versa. No Brasil, e mais especificamente na Amazônia, a ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 21, JANEIRO DE 2007 31 Não é intenção do presente artigo dispor-se à espacial parte do pressuposto de que não é a compreensão da territorialidade de cada grupo que problemática que se molda a um recorte pré-concebido, compõe a Igreja (ordens religiosas e/ou representações mas é o próprio recorte, entendido enquanto exercício leigas), mas tão somente dedicar-se à compreensão da de abstração espacial, que se molda à problemática atuação político-estratégica da Igreja na busca de acesso, traçada, no caso, à territorialidade católica. Desta feita, estabelecimento e controle territorial na Amazônia, é clara a liberdade de se trabalhar com tal ou qual recorte mediada pela difusão diocesana ao longo do tempo amazônico. Preferiu-se, neste caso, partir-se da proposto. Ou seja, trata-se de uma proposta desafiadora problemática em si, processada com base nos dados cujo objetivo é elaborar uma seqüência histórico- primários oriundos do Anuário Católico do Brasil (2000). geográfica do processo de gênese e difusão de dioceses A experiência gestora-eclesiástica nacional, e concomitante constituição de um vasto território vivenciada pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos católico na Amazônia. do Brasil), produziu uma divisão regional das atividades Para tal desiderato, faz-se necessário perfilar eclesiástico-pastorais em todo o Brasil. Todavia, nem algumas diretrizes metodológicas que elucidarão a sempre tais regionais, como são chamadas as regiões proposta. Dentre elas, tenciona-se suscitar alguns breves traçadas pela mencionada instituição, compatibilizam- esclarecimentos em torno do recorte espacial escolhido se com as regiões do IBGE ou com qualquer outro tipo de – a Amazônia. Outrossim, busca-se tecer algumas regionalização academicamente reconhecido; assim, reflexões em torno do arcabouço teórico notadamente coube ao recorte espacial aqui adotado moldar-se à lógica empregado neste artigo, no caso, tanto uma breve espacial da territorialidade católica identificada no menção ao fenômeno da difusão de idéias, quanto uma processo de gênese e difusão de unidades diocesanas na ênfase àquilo que os geógrafos denominam Região Amazônica, e não propriamente à lógica regional apropriadamente de análise entre a relação espaço- da Igreja, muito menos à lógica aplicada no recorte da tempo, envolvendo a noção de periodização. Amazônia Legal, que privilegia sobretudo a problemática Após as considerações teórico-metodológicas, do processo de integração regional ao restante do Brasil buscar-se-á a meta do texto, isto é, apresentar-se-á uma e, conseqüentemente, ao capitalismo nas suas formas periodização da territorialidade católica na Amazônia, industrial e financeira. conforme se disse, territorialidade esta mediada pela A lógica do recorte espacial aqui adotada não difusão de unidades diocesanas, no intervalo temporal privilegia outra problemática senão a da territorialidade que vai do século XVI, início do processo colonizador, católica, mas também não negligencia quaisquer relações até os dias atuais, princípio do século XXI. existentes entre a realidade da totalidade social e a territorialidade católica em si, mesmo aquelas que 1 – AMAZÔNIA. QUE AMAZÔNIA? também envolvem o processo integrador da Amazônia Dita de forma tão genérica, a palavra Amazônia ao restante do Brasil. nem sempre elucida muita coisa, sobretudo para nós geógrafos, tão acostumados com Amazônias. A satisfação 2 – BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A RELAÇÃO dada ao leitor no tocante ao recorte amazônico aqui ESPAÇO-TEMPO E A NOÇÃO DE PERIODIZAÇÃO considerado parte do preceito da clareza objetiva que O proposto exercício de periodização aplicado ao se almeja no presente artigo. presente artigo parte do acordo geral existente em torno Entende-se como Amazônia o mesmo espaço da necessidade de se introduzir a dimensão temporal abstrato denominado pelo IBGE de Região Norte, ou seja, aos estudos da organização do espaço (Silva, 1995; é a região que abrange os estados federativos brasileiros Santos, 2003; entre outros). do Acre, do Amapá, do Amazonas, do Pará, de Rondônia, Segundo Silva (1995, p.46), “a única coisa de Roraima e do Tocantins. Apesar de ser passível de constante na história do homem é a mudança. (...) o críticas, sobretudo daqueles estudiosos tão acostumados espaço enquanto produto social deve ser analisado em ao recorte da Amazônia Legal, o presente recorte permanente mutação”. A essa noção, Silva (1995) e 32 ESPAÇO E CULTURA, UERJ, RJ, N. 21, JANEIRO DE 2007 Santos (2003; 2004) entre outros autores, relacionam a tempo específico dentro de uma totalidade que importância dos estudos sobre a difusão de idéias que se apresenta como um mosaico de eras. Nesse envolvem necessariamente a dimensão temporal. Assim, sentido, tornam-se imprescindíveis como se está apresentando neste artigo os meios que periodizações específicas para esses fenômenos caracterizam o fenômeno territorial católico, isto é, a que geram uma diferenciação espaço- difusão da fé católica doutrinária através da difusão de temporal. unidades territoriais diocesanas, cabe agregar a este Daí a noção de que os processos de difusão devem fenômeno espacial a dimensão temporal de análise, posto ser caracterizados por cada momento histórico, pois os que “(...) muitos aspectos geográficos requerem um fatores impulsionadores do fenômeno são particulares a estudo histórico para uma explanação satisfatória de cada fase da difusão. como chegaram a estar onde estão”. (Santos, 2003, p. Quanto a isso, Santos (2003, p.44) aponta que para 42-43). ser efetiva, a geografia deve seguir dois caminhos Nada obstante a importância do fator tempo nas paralelos: análises geográficas, Santos (2003, p.42) afirma que nem Por um lado, ela deve levantar a história da sempre isso é feito de maneira laboriosa. O eminente mudança de um dado lugar ao longo de um geógrafo diz não faltar “à pré-história da Geografia segmento de tempo selecionado; por outro, estudos empíricos sobre a propagação de raças, ela deve acompanhar a disseminação de um linguagens,