ESPECIALIZAÇÃO REGIONAL E CONCENTRAÇÃO DE CAPITAL: DINÂMICA DO SETOR EM E REGIÃO (MG)

LUÍS ANGELO DOS SANTOS ARACRI1

Resumo: O objetivo do presente trabalho é analisar a relação entre especialização produtiva regional e processos de concentração espacial do capital. Como estudo de caso, propomos uma investigação sobre o setor de florestas plantadas (silvicultura) na microrregião de Curvelo, situada na região Central Mineira (MG), com destaque para a maior empresa de florestamento instalada na área estudada: a Vallourec Florestal.

Palavras-chave: especialização regional; silvicultura; Curvelo (MG).

Abstract: The object of this paper is to analyze the relationship between regional productive specialization and processes of spatial concentration of the capital. As a case study, we propose an investigation of the planted forests sector (silviculture) in the region of Curvelo, located in the central region of (MG), highlighting the largest afforestation company in the studied area: Vallourec Florestal.

Keywords: regional specialization; silviculture; Curvelo (MG).

Introdução

O objetivo do presente trabalho é analisar a relação entre especialização produtiva regional – questão que trata do modo como o fenômeno da globalização ressignificou a natureza e o papel das regiões – e processos de concentração espacial do capital. Como estudo de caso, propomos uma investigação sobre o setor de florestas plantadas (silvicultura) na microrregião de Curvelo, situada na região Central Mineira (MG), com destaque para a maior empresa de florestamento instalada na área estudada: a Vallourec Florestal. O estudo em tela resulta do projeto de pesquisa intitulado “Especialização produtiva, competitividade e mudança tecnológica: interações entre instituições científico-tecnológicas e o setor produtivo no agronegócio em Minas Gerais”, financiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq), coordenado pelo presente autor e encerrado em 2018. O método de análise empregado na pesquisa se baseia na centralidade do conceito de região – um dos conceitos-chave da Geografia – e de uma categoria de análise dele derivada, a noção especialização produtiva regional, que descreve a natureza e o significado atuais dos espaços regionais face ao fenômeno conhecido como globalização. Para contemplar esse aspecto teórico do presente texto, recorremos a trabalhos de autores como Porter (1990), Egler (1995), Corrêa (1996), Storper (1997), Santos (2002) e Haesbaert (2010). O método de investigação, isto é, o conjunto dos procedimentos e materiais utilizados na pesquisa compreende o uso de dados estatísticos produzidos pela Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

1 Doutor em Geografia. Professor Adjunto do Departamento de Geociências da Universidade Federal de . E-mail: [email protected]

Estatística (IBGE), de material bibliográfico relativo ao setor florestal, além de trabalho de campo realizado no município de Curvelo em 2017. A metodologia empregada no trabalho de campo abrangeu a realização de entrevistas semiestruturadas a sujeitos selecionados com base no criterio de “homogeneidade ampla”, o que possibilitou a delimitação dois conjuntos de informantes: (a) órgãos da administração pública municipal; (b) empresas de florestamento. O método de amostragem escolhido foi o da “amostragem por saturação”, ou seja, a amostra é fechada quando as respostas de novos informantes são consideradas repetitivas na avaliação do pesquisador (PESSÔA e RAMIRES, 2013). O criterio de validação dos dados e informações obtidos em campo foi o da “validação interna”, ou seja, com base no próprio “background do pesquisador na prática de realização de entrevistas” (PESSÔA e RAMIRES, 2013, p. 131). O presente paper está estruturado em tópicos da seguinte forma: a presente Introdução (que apresenta os objetivos do trabalho e a metodologia da pesquisa); Especialização regional e concentração do capital (que versa sobre as questões de ordem teórica); O agronegócio florestal em Curvelo e região (que desenvolve o panorama atual do setor de florestas plantadas na área de estudos considerada); Vallourec Florestal: a grande empresa do setor (que descreve as operações da referida empresa na região); e as Considerações finais.

Especialização regional e concentração de capital

Uma vez que o significado em torno da região sempre esteve associado à noção de "espaço diferenciado", o conceito adquiriu novo fôlego com a revalorização das “singularidades locais” e das diferenças como contraponto à globalização dos mercados e às grandes uniões comerciais (“blocos”) entre Estados nacionais (HAESBAERT, 2010). “A economia mundial e a globalização econômica não geraram a homogeneização global mas ora ratificaram, ora retificaram as diferenças espaciais que já existiam. O capitalismo industrial, em realidade, criou, desfez e refez unidades regionais nos diferentes continentes” (CORRÊA, 1996, p. 189). Cláudio Egler, por sua vez, defende que “uma alternativa para tratar a questão regional é defini-la no quadro da integração territorial, que manifesta a síntese concreta dos processos de divisão técnica e social do trabalho, de concentração produtiva e de centralização financeira no território” (EGLER, 1995, p. 214). A dinâmica regional deve ser entendida, portanto, como “motor" dos processos de integração, questão que perpassa distintos níveis analíticos, como, por exemplo, a relação campo-cidade, o estudo das redes urbanas, a relação entre “centro" e “periferia" e, mais recentemente, o par dialético “globalização/fragmentação”. A lógica da relação entre diferenciação e integração espaciais seria, portanto, inerente ao capitalismo. Quando consideramos o fenômeno da globalização econômica uma etapa superior da espacialidade capitalista, isso significa dizer também que as regiões podem ser entendidas segundo o quadro explicativo construído a partir da dialética entre “globalização X fragmentação”. De acordo com Corrêa (1996), a fragmentação se exprime através de uma divisão territorial do trabalho que se caracteriza por

intermédio de especializações produtivas, além de outras características sociais, culturais e políticas variáveis espacialmente. Entretanto, as diversas regiões, entendidas como “fragmentos do espaço”, seriam articuladas devido aos múltiplos fluxos materiais e imateriais que lhes percorrem, permitindo a integração dos lugares. A dinâmica produtiva de cada região encontra-se intrinsicamente articulada com os processos de fragmentação e segmentação espaciais das diversas cadeias produtivas nacionais e globais. Desse modo, à medida em que os fluxos produzidos no âmbito dessas cadeias se intensificam na escala planetária, é aprofundada, de maneira subjacente, a especialização das economias regionais (STORPER, 1997), ou seja, a concentração de capitais em uma determinada porção do espaço. Para Porter (1990), capitais de um mesmo ramo ou setor tendem, ainda que sejam concorrentes entre si, a se localizar em uma mesma região ou cidade porque a proximidade geográfica cria e fortalece as chamadas “externalidades”, isto é, os ganhos de produtividade atribuídos a “fontes" externas aos estabelecimentos. Tais fatores externos estariam disponíveis, portanto, no “entorno geográfico" em que as empresas operam e englobam o compartilhamento de infraestruturas, redução de custos de acesso à informação ou de recrutamento de mão de obra experimentada, oferta de bens e serviços especializados, tendência à especialização entre os agentes, instituições, acesso à infraestrutura de ciência e tecnologia (universidades e centros de pesquisa) etc. Segundo Santos (2002, p. 248), “os lugares se especializam em função de suas virtualidades naturais, de sua realidade técnica e de suas vantagens de ordem social. Isso responde à exigência de maior segurança e rentabilidade para capitais obrigados a uma competitividade sempre crescente”. Em outras palavras, os lugares se diferenciam, entre outras coisas, por oferecer capacidades distintas de rentabilidade aos diversos investimentos.

O agronegócio florestal em Curvelo e região

De acordo com Relatório Anual de 2017 da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ, 2017), o setor brasileiro de árvores plantadas possui uma área de 7,84 milhões de hectares de reflorestamento, além de ser responsável por 91% de toda a madeira produzida para fins industriais e 6,2% do PIB Industrial no país. Alem disso, a indústria de base florestal fechou 2017 com superávit de US$ 9,0 bilhões, o que representa um avanço de 15% em relação ao ano anterior. Ainda segundo o relatório do IBÁ, as exportações somaram cerca de US$ 9 bilhões, o equivalente a 3,9% das exportações brasileiras. O levantamento de 2017 da Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (PEVS), divulgado pelo IBGE, a área plantada total do Brasil é constituída por 75,2% de produção de eucalipto e 20,6% de pinus. Ainda segundo o PEVS 2017, a concentração da produção está nas regiões Sul e Sudeste, que respondem, respectivamente, por 36,1% e 25,4% do valor da produção total. O líder entre os estados é o Paraná, com R$ 3,7 bilhões de valor de produção, seguido por Minas Gerais, com R$ 3,3 bilhões. Todavia, Minas chegou liderar o ranking nacional de produção de florestas plantadas, chegando a

concentrar, em 2014 (segundo dados do IBÁ), 20,6% do total produzido no país. Até o ano de 2013, a microrregião de Curvelo se destacava no cenário estadual em quantidade de lenha de eucalipto produzida por m3, sendo seguida, respectivamente, pelas microrregiões de Juiz de Fora e , de acordo com levantamentos da PEVS. Entretanto, no período 2013-2017 a região de Curvelo sofreu uma queda de 42,3% o que permitiu que a região de Juiz de Fora assumisse a liderança (embora também tivesse registrado queda na produção). O aumento no custo da produção, que saltou de R$ 500 / ha para R$ 1,5 mil / ha, a queda no preço do m3 de lenha de eucalipto e as dificuldades atravessadas pelo setor siderúrgico estariam entre as causas principais da mudança. Entretanto, Curvelo e região ainda se destacam pela concentração de capitais relacionados ao setor, o que inclui fazendas, empresas florestais, empresas prestadoras de serviços de apoio, produtores de mudas, comércio e manutenção de implementos, escritórios de representação de fabricantes de máquinas agrícolas etc. A maior parte das empresas do setor florestal se instalou em Curvelo a partir da década de 1990. As únicas exceções foram a Vallourec (que chegou ao Brasil em 1969, mas iniciou suas operações na região de estudo ao longo da década seguinte) e a Companhia Setelagoana de Siderurgia (COSSISA), que não possui unidades na região (além da sede em a empresa possui uma filial em ), mas que possui operações no recorte espacial analisado, dentre elas algumas fazendas de eucalipto. Na década de 1970 o Governo Federal incentivou a expansão da silvicultura como atividade de suporte à indústria siderúrgica de Belo Horizonte em direção às regiões Central, Norte e Noroeste de Minas. O antigo povoado de Santo Antônio da Estrada, atual Curvelo, teve como atividade tradicional a pecuária trazida por seus fundadores. A percepção do povoado como propício à criação de gado se deu pelo solo pouco fértil e desfavorável para a cultura da cana. É só no início da década de 1970 que outra atividade do setor agropecuário passa a ganhar destaque. Instala-se na região importantes reflorestadoras e subsidiárias das siderúrgicas com o intuito de formar florestas de eucalipto para atender a produção de ferro gusa (SOFISTE, 2018). Nos anos 1990, as empresas que se estabeleceram na região a partir do processo de abertura e desregulamentação da economia tiraram proveito da inviabilização da produção entre pequenos produtores de leite, que diante de tal situação tornaram-se propensos à venda de suas terras para a silvicultura ou a se transferirem para essa atividade. Originalmente, Curvelo e região estavam situados em uma bacia leiteira forte, até que a reestruturação do setor, que passou a ser marcado por altas exigências técnicas (modernização) e de mercado (mudanças nos padrões de qualidade do leite) inviabilizou a produção para os pequenos produtores. O processo de modernização, por exemplo, levou ao fim do “caminhão leiteiro”, cujo frete o produtor negociava em mercadoria (o leite era trocado por produtos vendidos nas cidades próximas); com a substituição do caminhão leiteiro pelo caminhão tanque, rompeu-se uma relação entre o pequeno produtor e a cidade, além de obrigá-lo a ter tanques nas fazendas também. Incapazes de prosseguir na atividade, esses produtores tiveram duas saídas: assinaram contratos com as empresas florestais ou venderam suas terras para elas.

O baixo preço das terras foi um dos fatores que atraíram o setor para a região. A ocupação agrícola não é intensa, nem diversificada, pois está limitada, em grande parte, pela criação de gado, o que acarreta em uma baixa disputa por espaço e, consequentemente, em fraco impacto sobre o preço do solo. Todavia, é importante ressaltar outros fatores de atração, como os incentivos governamentais concedidos a partir da década de 1970, a proximidade com os principais mercados consumidores (indústrias siderúrgicas), acesso a vias de transporte (dentre elas a BR-040 e a BR-135) e condições climáticas favoráveis. O suporte dado pelo poder público local tem sido um fator-chave adicional. tem havido parcerias entre a prefeitura e as empresas florestais, sobretudo em dois segmentos de atuação: (a) manutenção de estradas e (b) preocupação com as famílias que vivem no entorno das fazendas. Com relação às parcerias para manutenção de estradas, elas são muito frequentes, sobretudo no que diz respeito ao patrolamento e cascalhamento, com a prefeitura participando, por exemplo, com máquinas, enquanto que as empresas fornecem caminhões e/ou óleo diesel. Um caso de parceria desse tipo foi o de melhoramento de uma estrada de grande extensão em direação à região de Canabrava, no Noroeste de Minas. No que tange à preocupação social com as famílias do entorno das fazendas, as empresas florestais propõem projetos em conjunto com a prefeitura nas áreas de encanamento de água, saneamento básico ou geração de renda – essas ações atendem a um duplo objetivo das empresas, que é atender algumas condicionantes do licenciamento ambiental e obter certificações e selos de responsabilidade socioambiental. Apesar de apenas 10% da população do município de Curvelo residir na zona rural (dados fornecidos pela Subsecretaria de Políticas Sociais e Desenvolvimento Sustentável), esta possui uma área de cerca de 3.200 km2. Considerando que, de acordo com os dados oficiais, a área total do território do município possui pouco mais de 3.295 km2, a zona rural corresponde a cerca de 97% desse total. Isso justificaria o suporte que a EMATER-MG vem dando à Prefeitura de Curvelo. Existe um convênio mantido com repasse de recursos da prefeitura para a EMATER-MG. A prefeitura não é capaz de suprir as demandas de toda a zona rural e seus produtores, uma vez que o município é considerado grande em relação aos recursos humanos disponíveis. Logo, a EMATER-MG amplia a capacidade de ação da Subsecretaria, além de possuir maior capilaridade. Todavia, com relação à silvicultura, as empresas do setor dão mais assistência técnica aos produtores que a EMATER-MG. Geralmente a assistência técnica a ser prestada está incluída nos contratos / acordos entre produtores e empresas. Há clientela para a EMATER-MG na silvicultura mas esta costuma ser constituídas por pequenos produtores. Entretanto, o município hoje vem se destacando pela concentração de viveiros de mudas. De acordo com a Subsecretaria de Políticas Sociais e Desenvolvimento Sustentável, o custo de montagem e manutenção de viveiros é alto; as empresas florestais possuem seus próprios viveiros, mas produtores rurais / fazendeiros não, o que lhes obriga a buscar as mudas no mercado. Uma das empresas que atuam no mercado de viveiros de mudas em Curvelo é a Agrocity, mas existem outras como Vimac Mudas e Terra Forte. Além de produtores sem

contrato com empresas florestais, as mudas fornecidas por esses viveiros são compradas também por produtores de outras regiões de Minas Gerais ou até mesmo de outro estado. Além de empresas florestais e viveiros de mudas, a região de Curvelo concentra escritórios de representação de fabricantes de máquinas e equipamentos para silvicultura, além de oficinas de fabricação e manutenção de implementos, como subsoladores e pontiadores, entre outros. A concentração de capitais do setor florestal – fazendas, empresas florestais, viveiros de mudas, comércio de equipamentos, prestadores de serviços de apoio especializados – é um indicador do que aqui estamos a chamar de “especialização regional”. Uma vez que a especialização favorece processos de inovação e renovação técnica (PORTER, 1990), o setor florestal hoje integra o chamado “Sistema Mineiro de Inovação” (SIMI)2 através do Pólo de Excelência em Florestas. De acordo com Nacif (2010), esse pólo concentra ações nas cadeias produtivas da silvicultura, siderurgia a carvão vegetal, movelaria e madeira, celulose e papel com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Na silvicultura, entretanto, não é a técnica que diferencia as empresas, mas, sim, a propriedade do material genético. Na indústria siderúrgica especificamente, a disputa é muito reduzida, uma vez que os produtos finais são diferentes, então há mais troca de material genético na silvicultura. Por outro lado, na indústria de celulose a competição é bem maior, mais intença, logo a propriedade do material genético e seu não compartilhamento é um trunfo concorrencial. O setor vem atravessando um grande problema: o aumento dos custos de produção frente a estabilização dos preços da madeira. Segundo informações fornecidas pela Vallourec Florestal, esse aumento estaria vinculado a três fatores: alta nos preços do fertilizante, que estão sujeitos à variação do dólar; aumento do custo da mão-de-obra (segundo a empresa, devido à política de benefícios praticada pelo próprio setor e porque a força de trabalho qualificada é escassa); alta no custo do transporte (por exemplo: o custo do transporte do calcário é maior que o preço do próprio calcário). Além disso, o setor vem discutindo com o Governo acerca dos juros altos sobre o valor dos empréstimos. Inclusive, o grande entrave nas negociações entre o setor e o Governo é que este ainda não vê a silvicultura como ramo de atividade, haja vista que o setor está abrigado no Ministério do Meio Ambiente e não no Ministério da Agricultura.

A Vallourec Florestal: a grande empresa do setor

O Grupo Vallourec é de origem francesa e a sede de sua matriz está localizada em Paris; o conglomerado controla unidades de produção de estruturas metálicas para extração e condução de óleo e gás em diversos países da Europa,

2 Institucionalizado em 2006 pelo Governo do Estado de Minas Gerais, o SIMI reúne projetos estruturadores voltados à aceleração dos processos de inovação em MG, através do aumento da articulação entre o setor produtivo e instituições de pesquisa.

bem como no Brasil, nos EUA e na China. Dentro do Grupo Vallourec, a Vallourec Tubos do Brasil é uma “empresa controlada” pela matriz; por sua vez, a Vallourec Florestal é uma subsidiária da Vallourec Tubos do Brasil, o que quer dizer que se trata uma empresa autônoma do ponto de vista formal, ou seja, é uma “outra pessoa jurídica”, mas do ponto de vista de suas operações é como se fosse um “departamento" ou fizesse parte da mesma estrutura da Vallourec Tubos do Brasil. O papel / função da Vallourec Florestal é plantar florestas e, a partir destas, fornecer carvão vegetal de eucalipto exclusivamente para as suas duas usinas: Barreiro, em Belo Horizonte, (Vallourec Tubos do Brasil) e (Vallourec & Sumitomo, joint venture formada entre a Vallourec Tubos do Brasil e Nippon Steel), ambas na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A princípio, a empresa se declara autossuficiente, isto é, sua produção de carvão consegue atender toda a demanda da própria firma; porém, quando necessário, compra-se carvão de outras empresas. A gestão da Vallourec Florestal é feita através de “administrações regionais”, que ao todo são quatro: Curvelo, Bocaiúva, João Pinheiro e Serra do Cabral. Ao todo, a empresa possui 22 fazendas com produção de eucalipto / carvão vegetal, sendo que em 11 delas se encontram em estágio de colheita e produção de carvão em fornos de alvenaria. Na administrativa regional de Curvelo, que não coincide com a microrregião de Curvelo do IBGE, a companhia possui oito fazendas, distribuídas nos seguintes municípios: Curvelo, , Felixlândia, Abaeté, Pompéu e Paineiras. Só no município de Curvelo, a Vallourec Florestal possui três. Além disso, a empresa possui um viveiro de mudas próprio em Bocaiúva que, a princípio, atende prioritariamente a Vallourec; mas quando há excedente, este é comercializado. A Vallourec possui seu próprio viveiro porque a produção exige mudas adaptadas as condições edafoclimáticas e de solo da região, dada a localização de Curvelo e dos municípios vizinhos com o “sertão" e o cerrado mineiro. Para atender essa necessidade, há uma exigência por pesquisa, que vem sendo realizada pela empresa em parceria com diversas universidades: Universidade Federal de Viçosa (UFV), Universidade Federal de (UFLA), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Vale do Jetiquinhonha (UFVJM) e até mesmo parceiras com universidades estrangeiras como a Universidade da Carolina do Norte e a Univeridade de Freiburg. As parcerias feitas com as universidades são de acordo com as demandas: quando se fazem necessários avanços em uma determinária área (manejo de solos por exemplo) procura-se núcleos de pesquisa especialistas nesse campo. Além disso, ligados ao setor da silvicultura, hoje existem duas redes de referência no campo da pesquisa e desenvolvimento: o Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais (IPEF), instalado na ESALQ (Piracicaba, SP), e a Sociedade de Investigacões Florestais (SIF), na Universidade Federal de Viçosa. Ambas são formadas por empresas: na verdade, são grupos de trabalho nos quais demandas comuns das empresas do setor são transformados em projetos cooperativos e por meio dos quais reduzem-se os custos de pesquisa e constroem-se as parcerias com universidades estrangeiras. A produção do eucalipto se inicia com a análise do solo para o seu devido preparo – e o preparo da produção hoje é mecanizado. Com relação à mão-de-obra

empregada, ela pode ser da própria empresa, adquirida no mercado ou fornecida por associações / cooperativas. A força de trabalho da empresa é aquela que realiza as atividades ditas “manuais" e relacionadas com a “atividade fim” (formação de florestas): plantio, combate a pragas, adubação. O trabalho terceirizado costuma ser aquele vinculado à operação de equipamentos: colheita, transporte etc (normalmente a contratação do aluguel de máquinas e equipamentos já inclui, também, os serviços dos operadores). As duas empresas que prestam serviços florestais em Curvelo são a Plantar e a Carpelo, sendo que esta última tem sede no sul da Bahia, mas recruta mão-de-obra local, possui um parque de máquinas na região e recorre às oficinas de reparo e manutenção em Abaeté. Com relação ao “consumo produtivo”, os equipamentos usados pela Vallourec para a realização da colheita, do transporte e da carbonização não são adquiridos em Curvelo, apesar da cidade ser um centro regional (os escritórios de representação, conforme dissemos alhures, estão presentes na cidade). A compra desses equipamentos é feita em Montes Claros e em . Curvelo se caracteriza mais pelo fornecimento de implementos para a silvicultura, como os para aplicação de herbicidas, subsolador e grades para o preparo de solos. O transporte da produção é efetuado totalmente via modal rodoviário; o carvão vegetal sai das unidades produtoras da região em caminhões de 25 t (100m3), todo a granel, tendo como rota primeiramente BR-135 e, depois, a BR-040, que é o eixo principal, até chegar às unidades consumidoras em Barreiro (consumo de 30.000 t) e em Jeceaba (10.000 t).

Considerações finais

Cabe agora o retorno à questão da região como “espaço diferenciado” e sua relação com processos de especialização produtiva. Uma vez que, segundo Sofiste (2018), mais da metade dos municípios mineiros possuem florestas plantadas e que grande parte da lenha de eucalipto produzida no estado é convertida em insumo para o setor de siderurgia, o que diferenciaria a microrregião de Curvelo de outras que também se destacam no setor florestal, como a de Juiz de Fora e a de Montes Claros? De acordo com Sofiste (2018), cada uma dessas três microrregiões se destacaria em um segmento do setor florestal. Montes Claros, por exemplo, se especializou no fornecimento de máquinas e equipamentos para plantio e colheita de florestas, além de concentrar um elevado número de carvoarias. Por sua vez, a região de Juiz de Fora se caracteriza pela predomínio de programas e projetos fomentados exclusivamente por empresas do setor siderúrgico que, em vez de imobilizarem capital com fazendas próprias, firmam contratos de fornecimento diretamente com fazendeiros. Apesar de ter perdido o posto para a região de Juiz de Fora, a microrregião de Curvelo prossegue importante com relação à quantidade produzida de lenha de eucalipto. Muito do auge da produção de florestas em Curvelo e arredores se deve ao impulso iniciado na década de 1970, inclusive por causa do incremento da atividade siderúrgica em Sete Lagoas, cidade situada a 110 km de Curvelo, cujo

acesso é facilitado pela BR-135. Cabe destacar ainda que o carvoejamento já era uma atividade comum na região devido ao aproveitamento de árvores provenientes de desmatamento para a formação de pastagens – a madeira que resultava da derrubada das árvores eram transformadas em carvão e vendidas para as siderúrgicas. Todavia, o principal diferencial de Curvelo e região é a produção de mudas de eucalipto. Assim, a microrregião se especializou em atender não apenas a demanda regional de mudas clonais de eucalipto, como também demandas de outras regiões dentro e fora do estado de Minas Gerais, a partir da produção em viveiros que utilizam as mais modernas técnicas de produção do mercado. Daí a importância dos relacionamentos das empresas do setor na região com universidades e centros de pesquisa, tanto do Brasil quanto do exterior. Apesar da autossuficiência no fornecimento de mudas para o plantio de florestas, a região de Curvelo ainda depende da importação de máquinas e equipamentos comercializados na microrregião de Montes Claros, ao mesmo tempo em que esta também importa mudas produzidas pelos viveiros instalados em Curvelo. Isso cria um “relacionamento espacial” nos termos postos por Egler (1995) quando este afirma que a dinâmica regional seria um “motor” da integração territorial. Em outras palavras, estamos falando de espaços regionais que se especializam mas que, por outro lado, se complementam. Além disso, ao considerarmos a região de Curvelo como uma “região produtiva” do setor florestal, constatamos que seus limites espaciais não necessariamente coincidem com os limites estabelecidos pelo IBGE. Se sobrepormos o território oficial da microrregião com o território da “Administração Regional de Curvelo” da Vallourec Florestal, é acrescentada à área da microrregião oficial outros municípios que, pelo IBGE, não fazem parte da região de Curvelo, como Abaeté, Paraopeba, Pompéu e Paineiras. Esse ponto em particular suscita questionamentos metodológicos acerca de critérios de delimitação de regiões produtivas/especializadas que possibilitem maior aproximação com a realidade.

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