Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2012) 386-399 Revista Brasileira de

Geografia Física

ISSN:1984-2295 Homepage: www.ufpe.br/rbgfe

A Teoria da Entropia na Análise da Precipitação no Estado da

Edicarlos Pereira de Sousa1, Vicente de Paulo Rodrigues da Silva2, João Hugo Baracuy da Cunha Campos³, Sonaly Duarte de Oliveira4

1 Doutorando em Meteorologia, Unidade Acadêmica de Ciências Atmosféricas, Universidade Federal de , UFCG, Campina Grande - PB, Brasil. E-mail: [email protected]; 2 Prof. Doutor, Unidade Acadêmica de Ciências Atmosféricas, Universidade Federal de Campina Grande, UFCG, Campina Grande - PB, Brasil. E-mail: [email protected]; 3 Prof. Doutor, Centro de Ciências, Tecnologia e Saúde, Universidade Estadual da Paraíba, UEPB, Araruna – PB, Brasil. E-mail: [email protected]; 4 Doutoranda em Meteorologia, Unidade Acadêmica de Ciências Atmosféricas, Universidade Federal de Campina Grande, UFCG, Campina Grande - PB, Brasil. E-mail: [email protected].

Artigo recebido em 02/07/2012 e aceito em 24/07/2012 R E S U M O A teoria da entropia de Shannon foi usada para avaliar a variabilidade espacial das chuvas e o potencial da disponibilidade de recursos hídricos do Estado da Paraíba a partir de dados diários de precipitação pluvial de 77 postos para um período de 10 anos. Os valores médios de entropia marginal foram computados para todos os postos pluviométricos observados. Mapas de precipitação, coeficiente de variação e entropia foram construídos para delinear as características anuais e sazonais das chuvas na região de estudo. Os valores da entropia marginal da precipitação foram superiores nos locais com maiores índices pluviométricos. A entropia de Shannon produziu padrões espaciais que possibilitou compreender melhor as características das chuvas em todo o Estado da Paraíba.

Palavras-chave: precipitação, entropia marginal, variabilidade, transferência de informação, recursos hídricos.

The Entropy Theory for Analysing Rainfall in Paraíba State

A B S T R A C T The theory of Shannon entropy was used to evaluate the spatial variability of rainfall and the potential availability of water resources of the State of Paraiba from daily rainfall data of 77 stations for a period of 10 years. Mean values of marginal entropy were computed for all observation stations. Rainfall, coefficient of variation and entropy maps were constructed for delineating annual and seasonal characteristics of rainfall in the studied region. The marginal entropy values of rainfall were higher in the locations with the highest amounts of rainfall. The Shannon entropy produced spatial patterns that led to better understanding of rainfall characteristics all over Paraíba state.

Keywords: precipitation, marginal entropy, variability, information transfer, water resources.

1. Introdução ambiente está sempre sendo modificado pelo Os recursos hídricos são homem de modo a atender as suas fundamentais para a sustentabilidade dos necessidades. Martins (2004) afirma que a ecossistemas naturais, bem como em todas as sustentabilidade caracteriza-se pelo uso atividades humanas, uma vez que o meio racional dos recursos naturais, de tal maneira a buscar a renovação quando possível ou a * E-mail para correspondência: [email protected] (Sousa, E. P.).

Sousa, E. P.; Silva, V. P. R.; Campos, J. H. B. C.; Oliveira, S. D. 386 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2012) 386-399 sua preservação em quantidades razoáveis à maiores quantidades de recursos hídricos, manutenção da vida no planeta. A história da com algo em torno de 14% das humanidade consiste na história da adaptação disponibilidades mundiais. Se esse recurso for do homem e de sua sociedade às condições do usado racionalmente visando o ambiente físico-natural terrestre (Mendonça, desenvolvimento sustentável, ou seja, com 2002). A preocupação com o manejo racional eficiência econômica, equidade social e do potencial hidrográfico e hidrológico se faz sustentabilidade ambiental, virá a ser cada vez indispensável à sobrevivência humana, mais uma vantagem competitiva que principalmente em áreas onde a precipitação é contribuirá para colocar o país, no futuro, no mais escassa. Para Bertoni e Tucci (1993), o elenco dos países com maiores índices de conhecimento da precipitação durante o ano é desenvolvimento humano (Lanna, 2008). o fator determinante para estimar, dentre Pode-se compreender a disponibilidade outras ações, a necessidade de irrigação de hídrica como sendo o volume de água captado culturas e o abastecimento de água doméstico para os mais variados consumos. e industrial. Visto dessa forma, a precipitação Dessa maneira, a análise da configura-se como uma das variáveis precipitação é indispensável para se estudar a meteorológicas indispensáveis ao processo de disponibilidade de recursos hídricos de uma desenvolvimento sócio-econômico de uma região. A chuva, embora seja um ciclo região. natural, apresenta uma distribuição espaço- Segundo Young (2010) a utilização temporal muito irregular e, por conseguinte, a racional da água tornou-se um dos maiores distribuição de recursos hídricos não é desafios para o desenvolvimento dos países homogênea. nas últimas décadas. Essa preocupação é Dentro do contexto acima descrito, a proveniente da utilização indiscriminada do aleatoriedade da ocorrência da precipitação e recurso vital à manutenção da sociedade a disposição dessa variável no espaço e no moderna. O crescimento econômico acelerado tempo podem ser mais bem compreendidas a levou à exaustão dos recursos naturais partir da aplicação da teoria da entropia. Para fundamentais à vida do homem e dos Kawachi et al. (2001), essa técnica pode ser ecossistemas. Assim, atentar para práticas utilizada com sucesso para avaliar responsáveis no uso e gerenciamento da água qualitativamente as incertezas das variáveis passou a ser considerada uma questão hidrológicas. Assim, a análise da prioritária para a melhoria da qualidade de disponibilidade e da variabilidade dos vida e, por isso, atribuiu-se valor inestimável recursos hídricos se torna bem mais urgente e ao seu livre acesso. necessária nas regiões áridas e semiáridas em O Brasil é o país que detém as virtude da escassez das reservas naturais de

Sousa, E. P.; Silva, V. P. R.; Campos, J. H. B. C.; Oliveira, S. D. 387 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2012) 386-399 água e, sobretudo, do comportamento Borborema e Agreste (março a maio) e na inconstante da precipitação no âmbito espaço- Mata Paraibana (abril a junho). Quanto aos temporal e dos escoamentos superficiais. Por índices precipitados, os maiores valores estão isso, no Estado da Paraíba, unidade federativa no litoral e diminuem no sentido oeste, integrante do semiárido nordestino, vários apresentando um mínimo no Cariri e grupos de pesquisa têm dado foco nesses Curimataú, na encosta oeste da Borborema. O temas. Dessa forma, este trabalho objetiva topo do Planalto da Borborema, porém, avaliar o grau de incerteza dos padrões de apresenta índices relativamente altos. No ocorrência de chuva no Estado da Paraíba, oeste do Estado, encontra-se o Planalto do utilizando-se a técnica da entropia de Rio Piranhas com chuvas de verão e inverno Shannon. seco. Dados diários de precipitação pluvial 2. Material e Métodos do Estado da Paraíba para um período de dez O Estado da Paraíba tem uma área de anos utilizados nesta pesquisa estão 56.584,6 km2 e está situado entre os paralelos disponíveis em arquivos de planilha eletrônica de 6º02’12’’ e 8º19’18’’ de latitude Sul e na Unidade Acadêmica de Ciências entre 34º45’54’’ e 38°46’12’’ de longitude a Atmosféricas, do Centro de Tecnologia e oeste do Meridiano de Greenwich, Recursos Naturais da Universidade Federal de localizando-se, portanto, no extremo leste do Campina Grande. Essas séries foram NEB. Limita-se ao norte com o Rio Grande selecionadas com base no critério de se do Norte, ao sul com Pernambuco, a leste analisar apenas aquelas sem falhas e com o Oceano Atlântico e a oeste com o contínuas, bem como distribuídas Ceará, apresentando 89,65% de seu território homogeneamente na área de estudo, Figura 1. inserido no Polígono das Secas (BRASIL, É importante também que se tenha uma ampla 2005). O Estado está dividido em quatro rede com um número razoável de postos mesorregiões: Sertão, Borborema, Agreste e pluviométricos e que estejam bem Mata Paraibana (Rodriguez, 2002). Nos 223 distribuídos em toda a área de interesse para municípios que compõem o Estado, observa- ser possível um resultado mais minucioso da se a predominância de climas variados, coleta dos dados. Daí torna-se evidente a conforme o relevo que apresentam. A importância de uma correta utilização e distribuição anual e intra-anual das chuvas espacialização das redes pluviométricas nas mesorregiões comporta-se similarmente fazendo-as fornecer dados em quantidade e àquela observada em estados vizinhos. As qualidade suficientes para servir de fonte às estações chuvosas podem ser definidas pesquisas. conforme a seguir: Sertão (janeiro a março),

Sousa, E. P.; Silva, V. P. R.; Campos, J. H. B. C.; Oliveira, S. D. 388 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2012) 386-399

-6.5 )

s -7

u

a

r

g

(

e

d

u t

i -7.5

t

a L

-8

-38.5 -38 -37.5 -37 -36.5 -36 -35.5 -35 Longitude (graus) Figura 1. Distribuição geográfica dos 77 postos pluviométricos do Estado da Paraíba.

A teoria da entropia pode servir de mínima. Esse trabalho evidenciou ainda que base para melhor compreender e/ou aumentar qualquer série temporal de entropia decresce o grau de informações sobre um sistema, no exponencialmente com o aumento do seu que se refere à incidência/não-incidência de desvio-padrão. Dessa maneira, essa teoria foi fenômenos a ele relacionados. Nessa linha de utilizada neste estudo para analisar a pesquisa, Husain (1989) aplicou uma variabilidade da precipitação pluvial do metodologia baseada na teoria da entropia Estado da Paraíba e, assim, obter a para selecionar o número ótimo de estações delimitação dos recursos hídricos na região. A numa extensa rede de postos e identificar sequência de dados diários de chuva em cada regiões com máxima informação hidrológica. ano foi descrita pela distribuição de Por outro lado, Silva et al. (2003) utilizaram probabilidade de ocorrência de precipitação e dados diários de precipitação pluvial de 58 o valor médio da entropia anual foi obtido postos pluviométricos do Estado da Paraíba para cada posto por meio da entropia da para discutir a variabilidade espacial e informação de Shannon. temporal da precipitação pluvial com base na A entropia foi considerada como a teoria da entropia. Analisou-se também a estimativa da incerteza da ocorrência de um variabilidade temporal da temperatura do ar determinado evento num processo aleatório em Campina Grande de acordo com essa discreto, que pode ser obtida por (Shannon, mesma técnica. Os resultados evidenciaram 1948): que a entropia é alta em locais com intensa H  k pi logpi (1) precipitação e baixa quando ocorrem, nesses em que pi é o resultado da probabilidade da locais, pequenos índices pluviométricos. enésima variável aleatória discreta, k é uma Consequentemente, nos períodos chuvosos a constante positiva, cujo valor depende das entropia é alta e, nos períodos de estiagem, é unidades utilizadas, e H é a entropia da

Sousa, E. P.; Silva, V. P. R.; Campos, J. H. B. C.; Oliveira, S. D. 389 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2012) 386-399 variável aleatória. Assumindo a constante k, precipitação de um ano, está sendo admitido como unidade de estimativa, igual a 1 e a base que ri representa a precipitação pluvial diária do logaritmo 2, a Eq. (1) pode ser correspondente ao enésimo dia do ano. Por simplificada como: exemplo, valores diários de precipitação n pluvial de 1 de janeiro e 31 de dezembro para . H piilog2 p (2) i1 o mesmo ano podem ser expressos por r1 e em que H é obtido em “bit”, como unidade de r365, respectivamente. Assim, a precipitação medida da entropia, e n é o número possível total durante um ano não-bissexto R que é de eventos da variável aleatória discreta. A expressa pelo somatório dos valores diários, unidade de entropia pode ser bit para a base 2, variando de i = 1 até i = 365, pode ser napiers ou nats para a base neperiana e representada por: hartley para a base 10. Neste trabalho foi 365 R  ri (3) utilizada a unidade bit para entropia, que i1 significa dígito binário, ou seja, a menor em que os valores de ri podem ser zero para unidade na notação numérica binária que pode alguns dias e diferentes de zero para outros. assumir o valor 0 ou 1. As séries de precipitação formadas por r1, r2, Se todos os pi’s são iguais, isto é, ... , rn podem ser fixadas como a frequência de 1 ocorrência acumulada de chuvas para 1, 2, ..., pi  , então a entropia é H  log 2 n . n enésimo dia do ano, respectivamente. Assim, Assim, H é uma função monotonicamente a frequência relativa da precipitação (pi) será crescente em n. Para um dado n, H é máximo obtida dividindo-se ri pelo tamanho total da quando todos os pi’s são iguais. Ao contrário, amostra (R), ou seja: H é mínimo e igual a zero quando todos os ri pi  (4) pi’s, exceto um, é zero. Isso significa que todo R resultado da variável aleatória é sempre o A frequência relativa (pi) é fixada mesmo e, portanto, um dos pi’s torna-se como uma probabilidade de ocorrência do unitário. Assim, o valor da entropia, varia total da precipitação no enésimo dia, e, dentro do intervalo de zero a log2 n, de acordo portanto, sua distribuição representa a com a forma da distribuição de probabilidade característica probabilística da partição dos pi’s. O valor da entropia decresce com o temporal da precipitação ao longo do ano, isto aumento do número de contraste e aumenta é, a ocorrência da incerteza da precipitação. com o decréscimo desse número. Visto dessa Substituindo a Eq. (4) na Eq. (2), teremos:

n maneira, a entropia pode ser considerada ri  ri  H   log 2   (5) como uma estimativa funcional da incerteza i1 R  R  associada à distribuição de probabilidade. De acordo com a Eq. (5) o valor de H Para cada série histórica de é independente da ordem sequencial de ri na

Sousa, E. P.; Silva, V. P. R.; Campos, J. H. B. C.; Oliveira, S. D. 390 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2012) 386-399 série temporal; assume o valor zero quando R mapas de isoentropias (linhas de mesma ocorre apenas uma vez no ano e o valor entropia), de isoietas (linhas de mesma máximo (log2 n) quando R ocorre em todos os precipitação) e do coeficiente de variação dias do ano. Logo, a entropia aproxima-se do (CV) da precipitação, esta pesquisa buscou seu valor máximo quanto mais uniforme for discutir não somente o comportamento dessa sua distribuição, isto é, quando os dados da variável meteorológica em escala anual, bem série apresentam pouca variabilidade como analisar a sua variabilidade nos temporal. Assim, H pode ser uma estimativa períodos de maior precipitação (chuvoso) e da variabilidade da precipitação no sentido de menor precipitação (seco). A fim de escala. identificar os períodos chuvosos e secos em Quando as séries anuais de todo o Estado, foram elaborados histogramas precipitação para n anos estão disponíveis, de frequência para todos os postos num mesmo posto pluviométrico, a melhor pluviométricos analisados e, a partir de então, estimativa da entropia daquele posto pode ser escolhidos os municípios representativos de obtida através da média aritmética de seus cada mesorregião com base nos seus valores valores anuais e expressa por: médios (Figura 2). Considerando neste estudo 1 n intervalos semestrais, conclui-se que no H  H (6) n i1 Estado da Paraíba o semestre janeiro-junho é em que H é a entropia média e n o número de o mais chuvoso e o período julho-dezembro é anos que foram utilizados no cálculo de H. o mais seco. O município de , integrante da mesorregião da Borborema, 3. Resultados e Discussão aparece neste trabalho com baixa A teoria da entropia de Shannon foi disponibilidade hídrica, apresentando período utilizada neste trabalho na análise da chuvoso entre os meses de janeiro a junho. A delimitação dos recursos hídricos no Estado localidade de Mari, na Mata Paraibana, tem da Paraíba, com base em dados diários para o índices pluviométricos acima da média e período de 10 anos de 77 postos apresenta a maior disponibilidade hídrica em pluviométricos. A distribuição geográfica dos toda área de estudo, com estação chuvosa postos escolhidos possibilitou uma entre os meses de março a agosto. Por outro caracterização do comportamento da lado, em Pombal, localizado no Sertão do pluviometria em todo o Estado; evitando, Estado, o período chuvoso está praticamente assim, que houvesse concentração de limitado aos meses de dezembro a maio. Essa informações em uma determinada mesorregião apresenta disponibilidade hídrica mesorregião em relação às demais existentes. moderadamente baixa. Já no município de Através de técnicas de construção de Duas Estradas, o período chuvoso aparece

Sousa, E. P.; Silva, V. P. R.; Campos, J. H. B. C.; Oliveira, S. D. 391 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2012) 386-399 bem distribuído ao longo do ano, com valores quando comparada a outras mesorregiões do máximos nos meses de fevereiro a julho e Estado. uma disponibilidade hídrica relativamente alta

Figura 2. Histograma de frequência da precipitação pluvial de localidades representativas das quatro mesorregiões: Sertão - Pombal (A), Borborema - Juazeirinho (B), Agreste - Duas Estradas (C) e Mata Paraibana - Mari (D).

As estatísticas básicas (média, (P) para cada localidade do Estado) são mínimo, máximo, desvio-padrão e coeficiente apresentadas na Tabela 1. de variação da entropia (H) e da precipitação

Tabela 1. Estatística básica da entropia e da precipitação para o Estado da Paraíba (média, mínimo, máximo, desvio-padrão e coeficiente de variação) Variáveis Média Mínimo Máximo Desvio- Coef. de Padrão Variação Entropia anual (bit) 6,16 4,20 8,20 0,83 13,55 Entropia p. chuvoso (bit) 4,84 3,25 7,67 0,92 18,95 Entropia p. seco (bit) 1,32 0,18 2,37 0,66 50,68 Precipitação anual (mm) 1005,85 436,80 2078,63 382,71 38,05 Precipitação p. chuvoso (mm) 783,96 370,60 1470,00 240,44 30,67 Precipitação p. seco (mm) 221,89 24,80 625,77 175,09 78,90

Esses resultados mostram que a entropia dos postos pluviométricos da entropia do período anual manteve-se maior mesorregião da Borborema é superior àquela nos municípios do Litoral em relação às dos postos pertencentes ao Agreste Paraibano, localidades do Sertão. No período chuvoso a enquanto que o período seco exibe os

Sousa, E. P.; Silva, V. P. R.; Campos, J. H. B. C.; Oliveira, S. D. 392 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2012) 386-399 menores índices de entropia quando mais baixos valores de entropia, em torno de comparado aos outros períodos analisados, 5,0 bits (cor vermelha). A precipitação na sendo decrescentes do litoral ao sertão. região não ultrapassa, em sua maioria, os 800 A variabilidade espacial média anual mm/ano (Figura 3B). Assim sendo, a da entropia, da precipitação e do coeficiente disponibilidade dos recursos hídricos no de variação da precipitação do Estado da Estado da Paraíba diminui na direção do Paraíba é exibida na Figura 3. A análise das interior do Estado, ou seja, do Litoral para o isolinhas correspondentes à média anual de Sertão, sendo máxima na Zona da Mata e entropia revela valores máximos em quase mínima no Cariri e Curimataú. De modo todo o Litoral e na mesorregião da geral, a entropia se manteve alta nas Borborema. Os mínimos inferiores a 6,0 bits localidades cujos índices pluviométricos são encontrados no Agreste e Sertão foram maiores. Paraibano (Figura 3A). O padrão espacial O valor médio anual do CV da médio anual da precipitação pluvial está precipitação no Estado da Paraíba é 38,05%. associado aos valores de entropia. Por Em geral, a variabilidade da precipitação exemplo, a microrregião do Litoral, que está anual é menor do que 50%, exceto num localizada na Mata Paraibana, apresentou pequeno núcleo, localizado na região do concomitantemente valores elevados de município de Cabaceiras. Esses resultados entropia e de precipitação. Por outro lado, o conferem com estudos já realizados para o Sertão Paraibano, que apresentou CV da precipitação anual em localidades do pluviometria relativamente baixa, exibiu os Estado do Ceará variando entre 28,8 e 41%. menores valores de entropia, comportamento Ressalta-se, entretanto, que a variabilidade observado também em algumas localidades intra-anual da precipitação é mais elevada do situadas no Cariri do Estado. que a anual, conforme resultados obtidos por Na microrregião do Brejo, a entropia Silva et al. (2011) que obtiveram valores de variou de 5,0 a 7,0 bits com precipitação CV variando de 84 a 243% no Estado da pluviométrica média anual em torno de 1100 Paraíba. mm. A microrregião do Sertão apresentou os

A) Entropia anual (bits)

-6.5 H  5,0

) s

u -7 a

r 5,0  H  6,0

g

(

e

d

u

t i

-7.5t 6,0  H  7,0

a L 7,0  H  8,0 -8 H  8,0 -38.5 -38 -37.5 -37 -36.5 -36 -35.5 -35 Longitude (graus)

Sousa, E. P.; Silva, V. P. R.; Campos, J. H. B. C.; Oliveira, S. D. 393 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2012) 386-399 B) Precipitação anual (mm)

-6.5

R  500

) s

u -7

a

r

g

(

e 500  R  800

d

u

t i

-7.5t a

L 800  R  1100

-8 1100  R 1400

-38.5 -38 -37.5 -37 -36.5 -36 -35.5 -35 R  1400 Longitude (graus) C) CV Anual (%)

-6.5

) s

u CV  30

a -7

r

g

(

e d

u 30  CV  40

t i

t -7.5 a L 40  CV  50 -8 50  CV  60 -38.5 -38 -37.5 -37 -36.5 -36 -35.5 -35 Longitude (graus) CV  60

Figura 3. Variabilidade espacial média anual da entropia (isoentropia) (A), da precipitação (isoieta) (B) e do coeficiente de variação da precipitação (CV) (C).

A Figura 4 exibe as isolinhas das 800 mm, e numa faixa mais estreita ainda, e variáveis pesquisadas no período chuvoso. Os mais próximo do litoral essa média é superior valores de entropia média para esse período a 1200 mm. Esses resultados são (Figura 4A) são máximos na mesorregião da particularmente importantes no planejamento Borborema e em alguns pontos da hídrico e agrícola da região. Deste modo, mesorregião do Sertão, com entropia superior ações educacionais que visem a 5,0 bits; enquanto que os valores mínimos prioritariamente reduzir ou eliminar os vícios situam-se no Agreste e em parte do Litoral de desperdícios dos recursos hídricos no Sul do Estado. Esse resultado indica que as Estado da Paraíba devem ser exploradas. incertezas do regime pluviométrico são Além disso, o setor agrícola também se menores nas regiões e períodos menos beneficia das informações ora obtidas, haja chuvosos e também confere com aqueles vista que culturas com elevada exigência obtidos por Silva et al. (2003). A distribuição hídrica não devem ser cultivadas na maior da precipitação na área de estudo é parte da região pesquisada. apresentada na Figura 4B e evidencia que A variabilidade da precipitação cerca de 80% do Estado da Paraíba apresenta, pluvial durante o período chuvoso exibe em média, totais pluviométricos inferiores a padrão similar àquele do período anual. Mais 800 mm durante o período chuvoso. Por outro da metade do Estado da Paraíba apresenta lado, apenas a parte litorânea do Estado coeficiente de variação da precipitação entre apresenta totais pluviométricos superiores a 30 e 45%, predominantemente nas

Sousa, E. P.; Silva, V. P. R.; Campos, J. H. B. C.; Oliveira, S. D. 394 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2012) 386-399 mesorregiões da Borborema e Sertão. período chuvoso sejam similares aos do Constataram-se, ainda, valores similares em período anual, a entropia do período chuvoso algumas áreas do Estado, principalmente nas é diferente daquela do período anual. Dessa microrregiões que envolvem os municípios de observação, infere-se que a técnica da e Catolé do Rocha. Por outro lado, entropia marginal é apropriada para valores mais elevados de CV, variando entre delimitação dos recursos hídricos de uma 45 e 60%, são observados em poucas região. Nesse sentido, Kawachi et al. (2001) localidades, notadamente naquelas com os fizeram uso do conceito de entropia na menores índices pluviométricos. construção de mapas de disponibilidade Muito embora o comportamento e a hídrica para avaliar o grau de variabilidade da variabilidade da precipitação durante o precipitação pluviométrica no Japão.

A) Entropia período chuvoso (bits)

-6.5

H  4,0

) s

u -7

a

r

g (

4,0  H  5,0

e

d

u

t i

-7.5t a

L 5,0  H  6,0

-8 H  6,0

-38.5 -38 -37.5 -37 -36.5 -36 -35.5 -35 Longitude (graus) B)

Precipitação período chuvoso (mm)

-6.5 )

s R  800

u -7

a

r

g

(

e

d 800  R  1000

u

t i

t -7.5 a L 1000  R 1200

-8 R 1200

-38.5 -38 -37.5 -37 -36.5 -36 -35.5 -35 Longitude (graus) C) CV Chuvoso (%)

-6.5

CV  30

) s

u -7

a

r

g

(

e 30  CV  45

d

u t

i -7.5

t a L 45  CV  60

-8 CV  60 -38.5 -38 -37.5 -37 -36.5 -36 -35.5 -35 Longitude (graus) Figura 4. Variabilidade espacial média do período chuvoso da entropia (isoentropia) (A), da precipitação (isoieta) (B) e do coeficiente de variação da precipitação (CV) (C).

As isolinhas de entropia durante o período seco no Estado da Paraíba (isoentropia), de precipitação (isoieta) e do são exibidas na Figura 5. O período seco, se coeficiente de variação (CV) da precipitação comparado aos outros dois períodos

Sousa, E. P.; Silva, V. P. R.; Campos, J. H. B. C.; Oliveira, S. D. 395 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2012) 386-399 analisados, apresentou contrastes mais precipitação não ultrapassa 150 mm na acentuados nas variáveis estudadas. As mesorregião da Borborema e em todo Sertão isoentropias do período seco exibem máximos do Estado (Figura 5B). Por outro lado, a costa no Litoral e Agreste, com valores acima de leste da Paraíba, mais especificamente as 1,5 bits (Figura 5A). Algumas áreas do Cariri regiões que envolvem o Agreste e a Zona da e Curimataú Paraibano concentram valores Mata, apresenta também os maiores valores intermediários de entropia entre aqueles de precipitação pluviométrica, ultrapassando obtidos a leste e a oeste do Estado, os 450 mm. Isto é, as regiões com baixa estendendo-se de 1,0 a 1,5 bits. Os valores entropia ocorrem em áreas com baixa mínimos de entropia durante o período seco, precipitação; por outro lado, naquelas menores ou iguais a 1,0 bits, ocorreram em localidades onde a entropia foi elevada, a parte da mesorregião da Borborema e em todo precipitação atingiu seus maiores valores. o Sertão. Portanto, a incerteza da precipitação é menor Durante o período seco, a nos períodos e locais menos chuvosos.

A) Entropia período seco (bits) -6.5

) H  1,0 s

u -7

a

r

g

(

e

d 1,0  H  1,5

u

t i

t -7.5 a L 1,5 H  2,0

-8 H  2,0 -38.5 -38 -37.5 -37 -36.5 -36 -35.5 -35 Longitude (graus)

B)

-6.5 Precipitação período seco (mm)

) s

u -7

a r

g R  150

(

e

d

u

t i

t -7.5

a 150  R  300 L

-8 300  R  450

-38.5 -38 -37.5 -37 -36.5 -36 -35.5 -35 R  450 Longitude (graus)

C)

-6.5 CV Seco (%)

)

s u

a -7 CV  30

r

g

(

e

d

u t

i 30  CV  45 t

a -7.5 L 45  CV  60 -8 CV  60 -38.5 -38 -37.5 -37 -36.5 -36 -35.5 -35 Longitude (graus)

Figura 5. Variabilidade espacial média do período seco da entropia (isoentropia) (A), da precipitação (isoieta) (B) e do coeficiente de variação da precipitação (CV) (C).

Sousa, E. P.; Silva, V. P. R.; Campos, J. H. B. C.; Oliveira, S. D. 396 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2012) 386-399 Os mapas de isolinhas de esse município está também a cidade de precipitação dos períodos estudados Cabaceiras, conhecida como aquela que constatam que a precipitação pluvial na menos chove em todo o Brasil, com média Paraíba apresenta índices anuais decrescentes climatológica de precipitação pouco superior de leste para oeste do Estado. As isolinhas de a 300 mm anuais. entropia do período anual revelam máximos Para uma análise mais detalhada, a na Borborema e no Litoral do Estado. O Tabela 2 exibe as médias da precipitação período chuvoso apresenta os maiores valores pluvial e da entropia nos períodos anual, de entropia na mesorregião da Borborema e chuvoso e seco para quatro municípios mínimos no Agreste e parte do Litoral Sul. O localizados nas diferentes mesorregiões do Sertão Paraibano obteve os mais baixos Estado da Paraíba. As localidades da índices de entropia do Estado nos períodos Borborema, do Brejo e do Litoral se anual e seco. O índice pluviométrico médio caracterizam por apresentarem os valores anual mínimo foi de 436,80 mm no município máximos de entropia média anual, que em sua de . Silva et al. (2003) afirmam, maioria são superiores a 6,0 bits. ainda, que na microrregião onde se encontra

Tabela 2. Precipitação pluvial P (mm) e entropia anual H (bits), dos períodos anual (PA), chuvoso (PC) e seco (PS) para quatro municípios de diferentes microrregiões paraibanas Localidade Mesorregião P anual P P seco H H H seco chuvoso anual chuvoso Baía da Traição Mata 1969,83 1416,57 553,27 6,73 4,70 2,03 Paraibana Areia Agreste 1300,73 831,91 468,82 6,18 3,86 2,31 Tenório Borborema 669,17 601,10 68,07 6,40 5,60 0,80 Condado Sertão 802,99 755,92 47,07 5,08 4,74 0,34

Por outro lado, a microrregião do consequentemente, da entropia anual. Nas Sertão aparece predominantemente com os localidades de Baía da Traição e Areia, menores valores anuais de entropia, iguais ou pertencentes às microrregiões do Litoral e inferiores a 5,0 bits, especificamente nos Brejo, respectivamente, a precipitação pluvial municípios do alto sertão paraibano. Não do semestre chuvoso foi inferior a 75% do obstante, no período chuvoso, a entropia só total anual; enquanto os valores da entropia alcançou valores de até 4,0 bits no Agreste do não superaram 5,0 bits. Estado. É importante ressaltar, porém, que a Seguindo ainda na análise do período entropia do período seco se manteve muito chuvoso, no município de Condado, situado abaixo da entropia do período chuvoso e, no Sertão do Estado, a precipitação superou o

Sousa, E. P.; Silva, V. P. R.; Campos, J. H. B. C.; Oliveira, S. D. 397 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2012) 386-399 percentual dos 94% do total anual e a entropia e períodos com maior pluviosidade e menor foi 4,74 bits. Assim, percebe-se que nas nos locais e períodos com baixa precipitação; microrregiões do oeste da Paraíba, 2. Os valores de entropia da praticamente toda a precipitação pluvial anual precipitação pluvial anual variaram entre 8,20 se concentra no semestre chuvoso, enquanto bits, na cidade de Frei Martinho, e 4,20 bits, que no Brejo e Litoral a chuva se distribui de no município de Belém do Brejo do Cruz; os forma mais homogênea ao longo do ano. valores mínimos de entropia são inferiores a Sendo assim, é compreensível que o 1,0 bit e ocorreram no período seco, em percentual do total precipitado no período grande parte da mesorregião da Borborema e seco seja maior nas localidades do Brejo e em todo o Sertão Paraibano. Litoral do que naquelas do Sertão Paraibano. Ao contrário da distribuição anual e 5. Agradecimentos do período seco, a entropia da precipitação no Ao Conselho Nacional de período chuvoso nas localidades do Sertão é Desenvolvimento Científico e Tecnológico superior a do Litoral e Brejo Paraibano, (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento embora a precipitação média anual dessas de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela microrregiões seja bastante superior à do concessão de bolsa de estudo. Sertão. Com base neste estudo, constatou-se que a entropia da precipitação é maior nos 6. Referências municípios e períodos com maior Bertoni, J. C.; Tucci, C. E. M. Precipitação. pluviosidade e menor nos locais e períodos In: Tucci, C. E. M. (Org.). (1993). Hidrologia: com baixa precipitação. Por outro lado, a Ciência e Aplicação, UFRGS, ABRH, Porto variabilidade da precipitação no Estado da Alegre. Cáp. 5, p. 177-200. Paraíba durante os períodos anuais e secos é Brasil. Ministério da Integração Nacional. menor no Litoral e Brejo e maior no Sertão e (2005). Relatório Final Grupo de Trabalho na porção central; enquanto no período Interministerial para Redelimitação do Semi- chuvoso essa situação é inversa. Árido Nordestino e do Polígono das Secas.

Brasília (DF). 4. Conclusões

A aplicação da técnica da entropia na Husain, T. (1989). Hydrologic uncertainty precipitação do Estado da Paraíba durante o measure and network design. Water período de 10 anos possibilitou chegar às Resources Bulletin 25 (3), 527-534. seguintes conclusões: 1. A incerteza da precipitação pluvial Kawachi, T.; Maruyama, T.; Singh, V. P. no Estado da Paraíba é maior nas localidades (2001). Rainfall entropy for delineation of

Sousa, E. P.; Silva, V. P. R.; Campos, J. H. B. C.; Oliveira, S. D. 398 Revista Brasileira de Geografia Física 02 (2012) 386-399 water resources zones in Japan. Journal of theory of communication. The Bell System Hydrology, Amsterdam, v. 246, n. 1, p. 36-44. Technical Journal, p. 379-343.

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