  Diogo Vivas e André de Oliveira-Leitão * Téc. Sup. do Município de Estremoz/Investigador do Centro de História da UL

** Investigador do Centro de História da UL A PRESENÇA ISLÂMICA NO LITORAL. UMA ABORDAGEM À LUZ DA TOPONÍMIA

Resumo | Sem nunca ter conhecido uma unidade do ponto de vista administrativo durante a

ocupação muçulmana do Ġarb al-Ândalus, certo é que a presença islâmica não deixou de se

manifestar, até aos dias de hoje, na toponímia do território a que hoje chamamos Alentejo

Litoral. Desde os topónimos mais conhecidos, por serem sedes de município, como Alcácer,

Cacém ou , a outros relativamente mais obscuros, e apenas detectáveis com base na

análise mais cuidada da micro-toponímia, subsistem ainda vestígios de uma ocupação que,

do ponto de vista histórico, fica desde logo atestada pela presença na região das famílias

berberes dos banū Dānis e dos banū Qāsim. Será, pois, nosso propósito neste trabalho, com base

na análise de algumas fontes, observar a presença muçulmana na área através da persistência

de alguns topónimos de origem árabe e/ou berbere.

Palavras-chave | área regional; islamização; arabização; berberização; toponímia.

Abstract | Never having achieved any sort of unity, from an administrative standpoint, during the

Muslim occupation of Ġarb al-Ândalus, it is beyond any doubt that the Islamic presence has

reached up to day in the toponymy of the territory that we nowadays call Alentejo Litoral.

From the more familiar names, such as the municipal seats of Alcácer, Cacém and Odemira, to others

relatively more obscure, only detectable through a more careful analysis of microtoponymy, there

are still traces of an occupation that, from an historical perspective, is evidenced by the

presence in the region of the Berber families of the banū Dānis and the banū Qāsim. Therefore, it is our

purpose in this paper, based on the analysis of some sources, to observe the Muslim presence in the

area through the persistence of some Arabic and Berber-origin toponyms.

Keywords | regional area; islamisation; arabisation; berberisation; toponymy.

1. O CONCEITO DE «ALENTEJO LITORAL»

No âmbito de um Encontro de História do Alentejo Litoral, importará, primeiro que tudo, determinar da pertinência desta região como unidade de estudo para um período histórico tão remoto como seja o da ocupação muçulmana da Península Ibérica. Desde logo, há que definir claramente qual a área exacta que pretendemos designar com Alentejo Litoral. Refere-se este unicamente à estreita faixa litorânea que vai da foz do Sado à foz da ribeira de Odeceixe (limite efectivo entre o concelho litoral alentejano de Odemira e o algarvio de Aljezur), ou, em alternativa, à foz do rio Mira (que, como veremos adiante, embora partindo sensivelmente ao meio o concelho de Odemira, marca uma fronteira física entre a planície alentejana e a serra algarvia), sendo limitado a nascente pelas serras de Grândola e do Cercal e a poente pelo Atlântico? Ou devemos entendê-lo num contexto mais

| 220 alargado, deslocando o seu limite oriental das citadas serras para o curso do Sado? Ou, por fim, 1 atendendo a um critério puramente político-administrativo, devemos inferir que este abrange o A NUTS III do Alentejo Litoral, com uma superfície total de espaço dos cinco concelhos que possuem costa no litoral alentejano, mas onde quatro deles (Alcácer 5 261 km2, é integrada pelos do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Odemira) se prolongam significativamente pelo interior? municípios de Alcácer do Sal, Do ponto de vista político, este Alentejo Litoral continua ainda hoje repartido entre os distritos Grândola, Odemira, Santiago do Cacém e , e faz parte, de Setúbal (que abrange cerca de dois terços do espaço em causa) e Beja (cobrindo o terço juntamente com as NUTS III restante). Mesmo a nova estrutura político-administrativa que se está a desenhar – de grandes do Alto Alentejo, Alentejo áreas metropolitanas e de comunidades urbanas – integra todo este espaço num outro mais Central, Baixo Alentejo e Lezíria do Tejo, da NUTS II do vasto, o da Comunidade Urbana do Baixo Alentejo, com sede em Beja, e que retoma a Alentejo. designação e os contornos da antiga província do mesmo nome, criada – pelo menos no 2 papel, ainda que sem atribuições concretas definidas – por reforma administrativa promovida Hermann Lautensach (1886- pelo Estado Novo, em 1936. De facto, o conceito de Alentejo Litoral, plasmado em realidade 1971), geógrafo alemão que territorial, é relativamente recente, surgindo apenas na década de 1980, no quadro do ingresso exerceu funções docentes na de na então CEE, e que ditou a divisão do país em unidades territoriais para fins Faculdade de Letras da Uni- versidade de Coimbra. estatísticos – as NUTS (as quais, porém, não têm quaisquer atribuições administrativas1). Publicou, em dois volumes, Do ponto de vista estritamente geográfico, vale também a pena lembrar que o Alentejo Litoral é uma uma geografia de Portugal não-existência – bastaria recordar os trabalhos de Hermann Lautensach ou de Orlando Ribeiro (vol. I, Das Land als Ganzes, 1932; vol. II, Die (dois dos mais reputados geógrafos estudiosos do Portugal físico e humano no século passado2), portugiesischen Landschaften, sendo que em ambos se nota uma grande continuidade da região do Alentejo, desde o litoral até 1937), para além de vários à vasta planície central, sem que as já citadas serras de Grândola e do Cercal constituam um óbice estudos de carácter geo- gráfico sobre a Península a essa unidade – um mapa hipsométrico do espaço alentejano não assinala praticamente nenhum Ibérica. Orlando Ribeiro acidente do terreno, excepção feita à serra de São Mamede, no seu extremo nordeste. De facto, (1911-1997), o renovador da mesmo tendo em conta a estrutura morfológica do espaço (alternando entre os terrenos xistosos Geografia Portuguesa no século XX, foi Professor Cate- nas serras e a bacia sedimentar do Sado), são mais as continuidades do que as diferenças entre drático da Faculdade de Alentejo Litoral e Alentejo Interior. Mais ainda, ambos os geógrafos amputam a metade Letras da Universidade de meridional do concelho de Odemira (a Sul do rio Mira), integrando-a antes no contexto da serra Lisboa, tendo fundado, em 1943, o Centro de Estudos algarvia, da qual constitui, de facto, o seu prolongamento natural. Geográficos da Universidade Ora, não tendo existência geográfica autonomizada face ao resto do Alentejo, e estando repartido de Lisboa (CEG-UL). Os administrativamente entre dois distritos, impõe-se a pergunta: importa estudar o Alentejo trabalhos de ambos foram refundidos como parte do Litoral enquanto unidade territorial sob o domínio muçulmano, há mais de oito séculos? primeiro volume de uma Existiu alguma vez essa unidade no período em causa? Os dados de que dispomos levam-nos Geografia de Portugal mais a invalidar tal hipótese: o Alentejo Litoral, enquanto parte do Ocidente Extremo do Ândalus vasta, coordenada por Suzanne Daveau (Geografia de (em ár., Ġarb al-Aqṣā3), era um espaço ultra-periférico, relativamente pouco povoado (talvez Portugal, vol. I – A Posição por pouco atractivo4), enquadrado dentro de uma outra periferia (que era o Ġarb al- Geográfica e o Território, Ândalus5), a qual por sua vez constituía também um espaço excêntrico, se considerado a partir Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1987, com sucessivas de Córdova (a sede do emirato e, depois, califado peninsular), e ainda mais periférico se se reedições). encarar o conjunto do Ândalus a partir do mundo muçulmano oriental, isto é, da Damasco 3 6 omíada, da Bagdade abássida ou do Cairo fatímida . Além disso, achava-se fraccionado em Segundo nos diz José duas kuwār, al-Qaṣr (controlando o espaço a Norte) e Bāğā (a Sul) – uma divisão que, Domingos Garcia Domingues arriscamo-nos a dizer, parece quase atávica, subsistindo ao longo dos séculos até hoje, (Conceito e limites do Ocidente Extremo do Andaluz reflectida na actual divisão distrital. Mesmo no Portugal do Antigo Regime, o espaço que nos Geógrafos, Historiadores e consideramos litoral alentejano repartiu-se entre as comarcas da Estremadura e de Odiana Antologistas Árabes, estratto (Alentejo), depois entre as correições de Setúbal e de Beja e, mais tarde ainda, entre Setúbal, dagli Atti del III Congresso di Studi Arabi e Islamici Beja e Campo de Ourique (muito embora tivesse tido, ao menos durante um breve período (Ravallo, 1966), Napoli, 1967, de tempo, um denominador comum: a sua quase total inclusão nos domínios da Ordem pp. 332-333), a expressão Militar de Santiago7); mesmo após a implantação do regime liberal, a parte do Alentejo Ġarb al-Aqṣā– porventura a que melhor se prestaria a actualmente pertencente ao distrito de Setúbal integrou a província da Estremadura, ao longo designar a realidade litoral de várias das reformas administrativas levadas a cabo ao longo do século XIX 8. alentejana – não surge citada nas fontes muçulmanas; tão- só a forma correlata Maġrib 2. METODOLOGIA E FONTES al-Aqṣā (designando Maġrib, tal como Ġarb, «ocidente», «lugar onde o sol se põe»), a Serve este intróito para dar conta, pois, das dificuldades que se colocam a uma apresentação qual de resto é ainda hoje versando a ocupação muçulmana do Alentejo Litoral à luz da toponímia. As conclusões que usada, no mundo árabe, para alcançarmos reflectirão um carácter parcial, apenas superado se se diluir a fronteira com o se referir a Marrocos, cujo

| 221 Alentejo Interior e se fizer um trabalho de conjunto, versando a totalidade da área transtagana. nome árabe é precisamente Os estudos de toponímia e de arabística em Portugal, excepção feita aos de David Lopes, José «Magrebe». No entanto (ainda segundo Garcia Domingues, Garcia Domingues ou José Pedro Machado, são escassos, dado o desconhecimento generali- loc. cit., p. 333), esta expres- zado da língua árabe pela maior parte daqueles que, entre nós, se têm dedicado ao estudo são Maġrib al-Aqṣā surge do al-Ândalus9. A elaboração de um trabalho de base toponímica revela atractivos mas apenas referenciada em duas também inconvenientes, pois ao mesmo tempo que «fornece um manancial importante de fontes (a Geografia, de al- Idrīsī ,e o Livro das Bandeiras dados ligados a um determinado território, por outro deixa-nos vulneráveis no tocante à sua dos Campeões, de Ibn Sa‘īd al- avaliação e utilização histórico-arqueológica»10. Maġribī) com um sentido De facto, uma análise toponímica superficial poderá revelar-nos bastantes indícios para reconstruir espacial muito difuso, não apenas para designar o actual o espaço no tempo dos muçulmanos; mas é preciso não esquecer que esse levantamento deve Magrebe, mas também a zona ser acompanhado pelo trabalho sobre fontes e complementado pelos dados arqueológicos, visto ocidental da Península – sem que um topónimo com aparente origem árabe pode, muitas vezes, ser bastante posterior à ser exclusiva, no entanto, da ocupação muçulmana do espaço ibérico. região litoral, visto que o Ġarb engloba, no Ândalus, No que toca às fontes disponíveis para estudarmos este espaço, podemos encaixá-las dentro de duas todos os territórios a categorias operatórias evidentes: as muçulmanas e as cristãs. Nas fontes muçulmanas haverá a Ocidente de Sevilha (grosso considerar, quer as de carácter geográfico, quer as de carácter cronístico (muitas delas compiladas modo, a antiga Lusitânia romana). De resto, como por António Borges Coelho no seu Portugal na Espanha Árabe11), as quais nos dão informações recorda Pierre Guichard (in bastante genéricas e parcelares apenas sobre um ou outro núcleo urbano de maiores dimensões, «Introdução», Fontes da deixando-nos uma imagem do espaço do litoral alentejano muito rarefeita12. De facto, as únicas História de al-Andalus e do menções ao espaço do Alentejo Litoral encontram-se em Al-Idrīsī (Kitāb ar-Ruğārī, por ser Gharb, ed. por Adel Sidarus, Lisboa, Centro de Estudos 13 14 dedicado ao seu patrono, o rei Rogério II da Sicília ), Al-Ḥimyārī (Kitāb ar-Rawḍ al-Mi‘tār ) e Africanos e Asiáticos/Instituto Yāqūt al-Ḥamāwī (Kitāb Mu‘ğam al-Buldān15). de Investigação Científica Quanto às fontes cristãs, optámos por analisar sumariamente algumas fontes impressas (Documentos Tropical, 2000, p. 11), a Medievais Portugueses16, Documentos de D. Sancho I17, as Chancelarias de D. Afonso II18, D. Afonso III19, propósito da obra de Christophe Picard (L’Océan 20 21 22 D. Afonso IV , D. Pedro I , o Livro dos Copos da Ordem de Santiago ou ainda os Documentos para Atlantique Musulman. De la a História dos Descobrimentos Portugueses23, bem como as Crónicas de Cinco Reis de Portugal24 e dos conquête arabe à l’époque Sete Primeiros Reis de Portugal25), procurando nelas efectuar um levantamento sistemático dos almohade. Navigation et mise en valeur des côtes d’al- topónimos ainda hoje subsistentes no Alentejo Litoral que denotam clara influência árabe ou Andalus et du Maghreb berbere. No entanto, as referências documentais e cronísticas a este espaço são, pelo menos nos occidental (Portugal-Espagne- anos que se seguem à «Reconquista», também bastante escassas, dando-nos assim a impressão de Maroc), Paris, Maisonneuve et um território que teria continuado, em traços gerais, relativamente ermo, por comparação, por Larose/Éditions Unesco, 1997), todo o litoral do Dār exemplo, com espaços do interior alentejano, bastante melhor documentados. A ausência de al-Islām («território do referências, como os especialistas vêm recordando, pode traduzir não necessariamente a Islão») voltado para o «Mar inexistência de povoamento, mas tão-só demonstrar um fenómeno de perda de documentação, Tenebroso» (o Oceano natural no curso de oito séculos de história ou, mais provavelmente ainda, a pura e simples não- Atlântico), desde o actual Portugal até Marrocos, detém produção de documentação sobre o espaço em causa. uma unidade intrínseca, Como complemento ao trabalho sobre fontes, no qual não nos foi possível detectar mais que «uma certa especificidade meia dezena de topónimos, consultámos igualmente obras gerais, como as Histórias de “atlântica”» (cf. Pierre Guichard, loc. cit., p. 11), Portugal dos mais variados autores, designadamente a Nova História de Portugal, a qual, para donde não é de estranhar além de uma visão geral sobre a região ocidental do al-Ândalus, se revelou a mais abrangente que surja comummente desi- de todas quantas consultámos, oferecendo-nos pequenas pistas sobre micro-topónimos de gnado como Maġrib al-Aqṣā. origem árabe na área geográfica que nos propusemos estudar. 4 Está documentada a 3. A TOPONÍMIA NAS FONTES ocupação deste espaço sobretudo por tribos berberes 3.1 ALCÁCER DO SAL | A velha Salácia romana assumiu desde cedo protagonismo, como principal madīna (como os banū Dānis e os banū Qāsim, a que adiante do Alentejo Litoral (posição que deterá, incontestada, até à emergência de Setúbal e do seu porto, nos referiremos; cf. A. H. de no século XV), constituindo-se em sede de kūra muito precocemente, tendo sido sucessivamente Oliveira Marques, «O conhecida pelos nomes de al-Qaṣr Abī Dānis («castelo dos banū Dānis»), al-Qaṣr al-Milḥ («castelo “Portugal” Islâmico», Nova do sal»26), al-Qaṣr al-Bāğā («castelo de Beja»27) e finalmente al-Qaṣr al-Fatḥ («castelo da vitória»28). História de Portugal. Dir. de Joel Serrão e A. H. de A ela se refere Al-Ḥimyārī, no seu Rawḍ al-Mi‘tār, do seguinte modo: Oliveira Marques, vol. II – Portugal das Invasões «Cidade do Andaluz, a 4 jornadas de Silves. É uma bela cidade de grandeza média, situada nas Germânicas à «Reconquista». margens de um grande rio, que os barcos sobem. Todos os terrenos próximos estão cobertos Coord. de A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, Editorial de bosques de pinheiros, graças aos quais se constroem muitos navios. O território desta Presença, 1993, mapa da p. cidade é fértil e produz em abundância lacticínios, manteiga, mel e carne. A distância que 142), entregues à pecuária; separa Alcácer do mar é de 20 milhas.»29 assim sendo, o Alentejo

| 222 Em Alcácer destacaram-se várias famílias berberes. Primeiramente, os banū Dānis, instalados no Litoral terá sido sobretudo um espaço de transumância. O Centro de Portugal na segunda metade do século IX, que se deslocaram para a região de Alcácer carácter despovoado da região e serra da Arrábida (então praticamente abandonadas), e onde a sua presença está atestada a partir manteve-se, mesmo após a de 94130, refundando sobre um centro relativamente anémico a cidade de Qaṣr Abī Dānis, assim «Reconquista» Cristã, e não obstante o domínio da Ordem baptizada em homenagem a Yaḥyā Ibn Abī Dānis, nomeado seu governador pelo primeiro califa de Santiago sobre a região, do Ândalus, ‘Abd al-Raḥmān III31. Al-Qaṣr tornou-se depois um importante arsenal/estaleiro pois com excepção de Alcácer, todo o remanescente Alentejo naval32, daí tendo partido as embarcações que, em 997, atacaram, sob as ordens de Ibn Abī ‘Amīr Litoral não conheceu mais (o Almançor), a cidade de Santiago de Compostela. O nome da família que controlava o espaço, nenhum centro urbano de di- mensões relevantes, e um como em tantos outros locais do Ândalus (por exemplo, em Šantamarīyya ’l-Ġarb, cujo nome se povoamento rural muito transmutou em Šantamarīyya ’l-Ḥārūn, donde, por evolução fonética, derivou a nossa Faro), esparso. Importará, pois, compreender se a pouca também aqui passou para o espaço dominado pelos banū Dānis, mas essa memória – ao contrário atractividade do local foi do caso da capital algarvia –, não persistiu após a conquista cristã. estimulada pelo controlo senhorial do espaço, se por Mais tarde, Alcácer parece ter constituído sede de um pequeno reino de taifa autónomo, algum factor atávico rela- liderado por ‘Alī al-Wahībī, que provavelmente prestaria vassalagem ao monarca português, cionado com a própria geografia do território. De D. Afonso Henriques, e que teria subsistido desde 1147 até 1159 (tese apresentada por facto, «o litoral oeste do Abdallah Khawli ao colóquio comemorativo dos 850 anos da Reconquista de Lisboa 33). Alentejo entre a foz do Sado Finalmente, a cidade foi dominada pelos banū Wazīr (cujo elemento mais importante, Abū e o cabo de São Vicente manteve-se, até hoje, como Muḥammad Sidrāy Ibn Wazīr, chegou a ser governador de Évora, Beja e Badajoz, nos anos uma das regiões mais desertas que mediaram entre a queda dos Almorávidas e a emergência dos Almóadas, e que surge de todo o País» (cf. José Mattoso, Suzanne Daveau e inclusivamente referenciado na carta do cruzado inglês relativa à conquista de Lisboa no Duarte Belo, Portugal – O dativo Abbati Machumato34), os quais, depois da submissão ao califa almóada, como recom- sabor da Terra. Baixo Alentejo, Lisboa, Expo‘98-Pavilhão de pensa, se tornaram os governadores de Alcácer no período entre 1191 e 1217, tendo agido Portugal/Círculo de Leitores, com relativa independência à frente dos destinos daquela cidade35. 1997, p. 11).

Do ponto de vista cristão, o nome Alcácer surge desde logo atestado no foral dos mouros forros 5 A divisão entre o Ocidente de Lisboa, Almada, Palmela e Alcácer (1170), onde aparece mencionado como Alcazar36; de (Ġarb) e o Oriente (Šarq) do seguida, num documento de 28 de Outubro de 1186, em que D. Sancho I procede à doação al-Ândalus fazia-se, como dos castelos de Alcácer, Palmela, Almada e Arruda dos Vinhos à Ordem de Santiago, com salienta Al-Maqqarī (apud José Garcia Domingues, loc. todos os seus termos velhos e novos e direitos reais37, o qual será, depois, sucessivamente cit., p. 336), de acordo com o confirmado por seus sucessores (D. Afonso II, em 26 de Janeiro de 1218 38, e D. Afonso III, curso dos rios, ora fluindo para o Atlântico (Ġarb), ora em 24 de Fevereiro de 125539). para o Mediterrâneo (Šarq). A agitada história de Alcácer entre a segunda metade do século XII e o primeiro quartel do XIII revela Sobre esta questão, veja-se, por todos, Cláudio Torres, «O bem da sua importância geoestratégica, enquanto posição de fronteira da recém-nascida Coroa Gharb-al-Andaluz», História de portuguesa com o Islão: assim, conquistada em 1159, perdida em 1184, reconquistada pouco depois, Portugal. Dir. de José Mattoso, vol. I – Antes de para voltar a ser pedida em 1191, e definitivamente conquistada em 1217, pode-se dizer que em Portugal. Coord. de José torno da posição-chave de Alcácer do Sal se jogou o controlo de toda a bacia do Sado40. Mattoso, Lisboa, Círculo de Leitores, 1992, maxime pp. 336-337. 3.2 SANTIAGO DO CACÉM | Este curioso topónimo, onde ao hagiotopónimo Santiago, o protector da 6 Hispânia e da ordem militar do mesmo nome (que controlou o espaço em causa), se juntou o Sobre esta questão, veja-se patronímico Cacém, parece remontar a uma outra família berbere, a dos banū Qāsim (significando o estudo de André Oliveira Leitão, «Do Ġarb al-Ândalus Qāsim «aquele que divide, que reparte»41). No contexto da Península Ibérica, a colonização mais ao “segundo reino” da “Coroa importante, não obstante o estabelecimento de algumas tribos árabes, ficou a dever-se, como sabemos, de Portugal”: território, po- lítica e identidade», Clio. aos berberes do Norte de África, os quais deixaram o seu nome perpetuado em vários topónimos um Revista do Centro de História pouco por todo o país. Não é assim de estranhar a subsistência do topónimo Qāsim (Cacém) – que da Universidade de Lisboa, nova série, n.º 16/17, Lisboa, é também o nome de uma cidade na região da Grande Lisboa. Embora o topónimo Qāsim não surja 2007, maxime pp. 73-74. compilado nas fontes árabes, a primeira referência a Santiago do Cacém surge logo na Chancelaria de 7 D. Afonso III, onde aparece mencionado como Sancto Jacobo de Cazem (sentença dada em Santarém, A única excepção a este em 1 de Abril de 1255, relativa a uma contenda entre a Ordem de Santiago e o concelho de Beja domínio senhorial dos freires espatários foi a vila e alfoz de sobre direitos vários42); no entanto, Rui de Azevedo refere-a logo em 125243, em documento que não Odemira, que ainda assim cita e que não lográmos encontrar. lhes esteve sujeita entre 1329

| 223 3.3 ODEMIRA | Também o topónimo Odemira se reveste de etimologia árabe, embora este seja e 1352 (cf. Rui Pinto de Azevedo, «Período de for- um caso particular. Com efeito, apenas o primeiro elemento da palavra (od-) é claramente mação territorial: expansão árabe, derivando de wādī («rio» ou «curso de água»), termo comum a tantos outros troços pela conquista e sua conso- aquíferos do Sul do país (Odiana, Odivelas, Odeceixe, Odeleite, Odelouca…). Mira, por seu lidação pelo povoamento. As terras doadas. Agentes coloni- turno, deve ter uma origem pré-islâmica44, podendo ser um elemento romano ou até mesmo zadores», História da Expan- pré-romano (cf. a semelhança com Miróbriga, próxima da actual Santiago do Cacém). Neste são Portuguesa no Mundo, dir. de António Baião, Hernâni caso, é curioso verificar que o rio acabou por manter o seu nome original (sem o prefixo Cidade e Manuel Múrias, vol. od-, comum a outros rios e que, no fundo, acaba por ser redundante, se atendermos à sua I, Lisboa, Editorial Ática, 1937, p. 63), sendo assim o etimologia), e o hidrónimo Odemira passou a designar a povoação que este rio banhava45. único lapso de tempo durante Há, em Yāqūt, uma referência a al-Waḏra, que António Rei identifica, pela semelhança gráfica, o qual o Alentejo Litoral de- teve uma unidade territorial com Odemira, e que diz estar situada no distrito de Ossónoba, o que não deixa de ser precisa (ainda que integrado significativo, dada a sua localização nas imediações da serra do Algarve46. A primeira no âmbito mais vasto dos domínios da Ordem de San- 47 referência a Odemira, depois da reconquista definitiva (cuja data se ignora ), é 28 de Março tiago, que se estendiam de 125648, data do foral afonsino. também para o Alentejo Interior). Antes disso in- tegrou o património do 3.4 ALVALADE | O étimo de Alvalade causou algumas controvérsias, mas hoje parece comummente Almirante Pessanha (1317), e mais tarde esteve ligada ao aceite a sua origem no vocábulo al-balaṭ com o significado geral de «parte chata ou plana, domínio dos Noronhas, condes plano, chão», donde «campo, terreno plano, planície» (sendo essa a característica física dos de Odemira (um ramo secun- terrenos que levou à adopção deste topónimo). No entanto, David Lopes propôs que a dogénito da Casa de Bragança), constituindo a base territorial origem do topónimo fosse o substantivo latino palatium («palácio, paço») precedido do artigo da sua casa senhorial.

árabe al- (atestado em outros topónimos, como na derivação regressiva de Almoster < al- 8 Monasterium)49. No entanto, como notou Joaquim da Silveira, a consoante final da palavra Sobre as alterações intro- duzidas no mapa político- (ṭā’), uma das letras enfáticas do alfabeto árabe, sendo fortemente aspirada, não poderia, pelas -administrativo do país ao leis da fonética, corresponder à evolução do /t/ romance de palatium (que nesta altura já longo dos seus oito séculos de História, veja-se a boa teria adquirido o som sibilante de /s/, como em paço ou palácio), propondo assim, em síntese de José António alternativa, a significação que é hoje aceite50, e que José Pedro Machado compila no seu Santos, Regionalização. Processo Histórico, Lisboa, Dicionário Onomástico-Etimológico da Língua Portuguesa51. Havendo referências a um topónimo Livros Horizonte, 1985. Albalat/Alvalat/Alvalad na região de Coimbra, ainda no século X52, a menção à Alvalade 9 53 alentejana é bastante mais tardia; Rui de Azevedo refere-se a uma abonação logo em 1252 , Aproveitamos ainda para o que nos levaria a pressupor, talvez, uma pré-existência islâmica; porém, a referência mais explicitar que o critério de transliteração adoptado para antiga que descobrimos, nos textos que investigámos, encontra-se num documento da a transcrição dos nomes árabes Chancelaria de D. Pedro54, datado de 2 de Janeiro de 1366, que se refere a Alvalade do Campo neste artigo, é o seguido pela revista Arabica, que limita ao de Ourique. máximo o problema dos gra- femas que têm valores foné- 4. OUTROS TOPÓNIMOS ticos divergentes consoante as várias línguas europeias.

Em relação aos restantes topónimos de aparente origem árabe identificados para o Alentejo 10 Cf. Marina Afonso Vieira, Litoral, preferimos agrupá-los em dois grandes grupos: os que remetem para uma origem «Subsídios toponímicos para clânica (iniciados por banū/bin) e, portanto, para uma fixação populacional num dado local, o conhecimento da influência muçulmana a Sul do Douro», e os que remetem para um contexto marcial. Para a maior parte dos topónimos seguidamente Muçulmanos e Cristãos entre o abonados não encontrámos menções nas fontes que analisámos, pelo que importa averiguar Tejo e o Douro (séculos VIII a XIII). Actas dos Seminários qual a sua antiguidade, ou por outras palavras, determinar se é possível que os mesmos realizados em Palmela (14 e remontem à ocupação muçulmana do Ġarb al-Ândalus, ou pelo menos, à permanência de 15 de Fevereiro de 2003) e Porto (4 e 5 de Abril de 2003). comunidades mouriscas no Reino de Portugal até à sua expulsão, nos finais do século XV. Coord. de Mário Jorge Barroca De facto, nem todos os topónimos remontarão ao período da conquista ou da colonização e Isabel Cristina Ferreira Fernandes, Palmela, Câmara arabo-berbere, mas talvez a outros momentos mais tardios. Municipal de Palmela e Facul- Não foi ainda feita a geografia completa dos étimos iniciados por banū em Portugal; Oliveira dade de Letras da Univer- sidade do Porto, 2005, p. 53. Marques, baseando-se em Pierre Guichard e David Lopes, elaborou uma boa síntese no III volume da Nova História de Portugal, mas estamos em crer que, junto de algumas hipóteses de 11 Editado pela primeira vez em identificação válidas, outras não terão sido tão bem sucedidas: 4 volumes (Lisboa, Seara

| 224 Nova, 1972-75), com uma segunda edição ampliada, CONCELHO TOPÓNIMO ORIGENS POSSÍVEIS OU PROVÁVEIS condensada em dois volumes (Lisboa, Editorial Caminho, BENAGAZIL BANŪ AL-ĠASIL55; BIN AL-WAZĪR56 1989), e por fim com uma terceira edição também ALCÁCER DO SAL BENAGAZILINHO BANŪ AL-ĠASIL revista e melhorada, num único volume (Lisboa, BENEGA TALVEZ UMA FORMA ARCAICA DE VIEGAS57 Editorial Caminho, 2008).

BEM CANES; BENCANIZ ORIGEM DESCONHECIDA 12 Citando Manuel Sílvio Alves BANŪ AL-QĀSIM58; FORMA PORTUGUESA, Conde («Ocupação humana e BEM CASADO COM SIGNIFICAÇÃO EVIDENTE59 polarização de um espaço rural do Gharb al-Andalus: o Médio Tejo à luz da toponímia BEM PARECE FORMA PORTUGUESA, COM SIGNIFICAÇÃO EVIDENTE arábica», Horizontes do Portugal Medieval. Estudos Históricos, Cascais, Patrimonia Historica, FORMA PORTUGUESA, BEMPARECIDO 60 1999, p. 12), a propósito de COM SIGNIFICAÇÃO EVIDENTE um outro espaço periférico (o Médio Tejo), mas cujas con- FORMA PORTUGUESA, BEM VISTOSO clusões são idênticas às que COM SIGNIFICAÇÃO EVIDENTE chegámos para o Alentejo ODEMIRA Litoral, «as fontes árabes [...] BENAFÁTIMA BANŪ + FĀṬIMA61 foram redigidas por autores provenientes de meios urbanos, BENALGAZ ORIGEM DESCONHECIDA exteriores ao mesmo. Em regra, os seus autores não 62 63 BENAMOR BANŪ ‘AMĪR ; BANŪ ḤAMMŪD foram além da apreciação genérica de cada kûra BENAZOAVEL ORIGEM DESCONHECIDA (distrito), omitindo a comu- nidade rural e os núcleos de 64 BENEVIDE TALVEZ DO HEBRAICO BEN + VIDAS povoamento rural [...]. Não referiram sequer as unidades BENEVIDINHO TALVEZ DO HEBRAICO BEN + VIDAS territoriais de base [...]. Apenas lhes interessaram os centros urbanos mais signi- BENFEITA FORMA PORTUGUESA, COM SIGNIFICAÇÃO EVIDENTE65 ficativos, as fortificações de maior relevância estratégica, os itinerários (masâlik) prin- BEM PARECE FORMA PORTUGUESA, COM SIGNIFICAÇÃO EVIDENTE cipais. Assinaram algumas vezes a fertilidade dos solos e BENAFOUVEIS ORIGEM DESCONHECIDA a riqueza das culturas – por regra, em forma estereotipada SANTIAGO DO CACÉM BENAGAZIL BANŪ AL-ĠASIL e excessiva –, os principais produtos e o montante dos BENAGALGA; BANAGALGA ORIGEM DESCONHECIDA impostos [...]. A imagem que nos dão do espaço rural é, BENATOLARES66 ORIGEM DESCONHECIDA assim, bastante vaga e desfocada». 67 BENAIÇA; BANAIÇA BANŪ ‘ISĀ 13 Cf. Al-Idrīsī, Geografía de SINES FORMA PORTUGUESA, España. Textos preparados por BEM PARECE COM SIGNIFICAÇÃO EVIDENTE Reinhardt Dozy e Michael Jan de Goeje; fac-símile das trad. castelhanas de Eduardo Saavedra e Antonio Blázquez; introd. de Antonio Ubieto Arteta, Valência, Anúbar Ediciones, 1974 (colecção Textos Medievales, n.º 37).

14 Cf. Al-Ḥimyārī, Kitāb ar-Rawḍ al-Mi‘tār, trad. de María Pilar Maestro González, Valência, Anúbar Ediciones, 1963 (colecção Textos Medievales, Sobre um conjunto de topónimos que nos remetem para o campo bélico, parece-nos lícito n.º 10).

pensar que possam existir desde os tempos das lutas entre mouros e cristãos na Península 15 Cf. António Rei, «O Gharb al- Ibérica, desde os tempos do «encastelamento». Tais são os casos de: Andalus em dois geógrafos

| 225 árabes do século VII/XIII: Yâqût al-Hamâwî e Ibn Sa‘îd CONCELHO TOPÓNIMO ORIGENS POSSÍVEIS OU PROVÁVEIS al-Maghribî», Medievalista online. Revista do Instituto de BORJA BURĞ (ÁR. «TORRE») Estudos Medievais (FCSH- ALCÁCER DO SAL UNL), n.º 1, 2005 [http:// PORCHES BURĞ (ÁR. «TORRE») www2.fcsh.unl.pt/iem /medievalista/MEDIEVALISTA1 ASNEIRINHOS ḤIṢN /medievalista-andalus.htm, DAS COURELAS (ÁR. «FORTALEZA») acedido em 01.09.2008]. GRÂNDOLA 16 ATALAIA AṬ-ṬALI‘A Cf. Documentos Medievais (4 OCORRÊNCIAS) (ÁR. «ATALAIA») Portugueses. Documentos Régios, vol. I – Documentos AṬ-ṬALI‘A ODEMIRA ATALAIA dos Condes Portugalenses e de (5 OCORRÊNCIAS) (ÁR. «ATALAIA») D. Afonso Henriques. A.D. 1095-1185, tomos I e II, ed. ATALAIA AṬ-ṬALI‘A de Rui Pinto de Azevedo, (4 OCORRÊNCIAS) (ÁR. «ATALAIA») Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1958-1962. SANTIAGO DO CACÉM QAL‘AT AL-ḪARAĞ 17 CATIFARRAS (ÁR. «TORRE DO IMPOSTO»)68 Cf. Documentos de D. Sancho I (1174-1211), vol. I, ed. de AṬ-ṬALI‘A Rui Pinto de Azevedo, Avelino SINES ATALAIA (1 OCORRÊNCIA) (ÁR. «ATALAIA») de Jesus da Costa e Marcelino Rodrigues, Coimbra, Centro de História da Universidade de Coimbra, 1979.

18 Cf. Rui Pinto de Azevedo, O Livro de Registo da Chancelaria de Afonso II de Portugal (1217-1221), sep. de Anuario de Estudios Medievales, n.º 4, Barcelona, 1967, pp. 35-73.

19 Todos estes topónimos parecem indicar-nos a existência de uma rede castral espalhada pelo Cf. Chancelaria de D. Afonso III. terreno do Alentejo Litoral, mas que carece ainda de dados mais substantivos da arqueologia. Livro I, vols. I e II, ed. de Leontina Ventura e António A estes haveria ainda que adicionar o termo alcácer, já explicitado anteriormente. Resende de Oliveira, Coimbra, Ainda no contexto bélico, de destacar o curioso topónimo almograve (variante de almogávar), Impressa da Universidade de Coimbra, 2006. cujo nome deriva de al-mugāwir, «o que faz incursões». É sede de uma freguesia no concelho 20 de Odemira, a qual, embora de constituição recente69, não invalida a sua inexistência prévia Cf. Chancelaria de D. Afonso IV, como mero lugar da freguesia que lhe deu origem. vol. I (1325-1336), vol. II (1336-1340), vol. III (1340- Há ainda a registar a existência várias alcarias nos concelhos de Santiago e Odemira – sendo a 1344), org. de A. H. de Oliveira Marques, Lisboa, Instituto 70 alcaria (al-qarya) , como é sabido, uma estrutura de povoamento intermédia, por oposição, Nacional de Investigação quer à grande madīna, quer à pequena al-ḍay‘a, e que funciona numa lógica de organização Científica/Centro de Estudos Históricos da Universidade e controlo do espaço de um alfoz eminentemente rural, e que pode estar ou não associada Nova de Lisboa, 1990-1992.

a um ou mais ḥuṣūn. 21 Quanto aos fito-topónimos, não podemos inferir que remontem à época muçulmana; na Cf. Chancelaria de D. Pedro I (1357-1367), org. de A. H. de realidade, podem ser muito posteriores até à «Reconquista» cristã, denunciando assim, Oliveira Marques, Lisboa, Instituto Nacional de portanto, um povoamento mais recente. Tal é o caso, sobretudo, de palavras que se inte- Investigação Científica/Centro graram no léxico do português moderno e corrente, devendo a sua utilização neste con- de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, texto revestir das mais amplas precauções (tal como Zambujeira do Mar, ou Zambujeiras, ambas 1984.

povoações do concelho de Odemira, e em ambos os casos substantivos derivados do berbere 22 Cf. Militarium Ordinum az-zanbbūğ, significando «oliveira brava»71). Analecta. Fontes para o De igual forma, referências a mecanismos de rega (como uma Azenha, no concelho de Estudo das Ordens Religioso- -Militares, tomo 7 – Livro dos Odemira) não é indicativa de que aí tenha havido uma as-saniya no tempo dos muçulmanos, Copos (vol. I). Apresentação dado que tal técnica passou também a ser usada pelos cristãos e, bem assim, o nome árabe de Luís Adão da Fonseca e coord. de Paula Pinto Costa, perdurou na língua até aos nossos dias. Porto, 2006.

| 226 5. CONCLUSÃO 23 Cf. Descobrimentos Portu- gueses. Documentos para a Sendo o espaço em análise relativamente periférico, ao longo de todo o domínio muçulmano, sua História. Publicados e não é de admirar que as fontes consultadas se revelem parcas em informações e, de igual prefaciados por João Martins da Silva Marques, vol. I forma, os estudos sobre a região em causa sejam igualmente poucos, pelo que se tornou (1147-1460) e Suplemento ao difícil o estabelecimento de conclusões. Poderemos, no entanto, apontar, em traços largos, o vol. I (1057-1460), Lisboa, Instituto para a Alta Cultura, que podemos depreender, com base na análise da toponímia arabo-berbere do Alentejo 1944. Litoral: 24 Cf. Crónica de Cinco Reis de a) São poucos os aglomerados urbanos de alguma dimensão dignos de registo com origem Portugal. Inédito quatro- centista reproduzido do Cód. anterior à «Reconquista» (Alcácer, Odemira, talvez Santiago do Cacém e Alvalade); 886 da Biblioteca Pública b) Nem todos datam do período da conquista, nem da colonização arabo-berbere, podendo Municipal do Porto; seguido de capítulos inéditos da versão alguns ser bastante mais tardios (séculos XII-XIII); portuguesa da Crónica Geral c) Os restantes micro-topónimos, ou surgem em documentação mais tardia, ou nem sequer são de Espanha, referentes a Por- tugal, e outros textos. Ed. mencionados, ignorando nós se surgem efectivamente num contexto de ocupação mu- diplomática e prólogo de çulmana, se já em pleno domínio cristão. Artur Magalhães Basto, Porto, Livraria Civilização- Editora, [1945].

Quando comparados à escala nacional, verifica-se, de acordo com os estudos de Lautensach 25 sobre a toponímia72, que os distritos mais berbere-arabizados teriam sido Faro, Beja e Lisboa, Cf. Crónicas dos Sete Primeiros Reis de Portugal logo seguidos por Évora, Santarém e Setúbal, o que vai de encontro à pequena amostra [Códice Cadaval 965]. Ed. toponímica que aqui apresentámos, com um grande número de abonações em Odemira crítica de Carlos da Silva Tarouca, S.J., 3 vols., Lisboa, (distrito de Beja) e, em menor escala, em Santiago do Cacém e Alcácer do Sal (distrito de Academia Portuguesa da Setúbal). História, 1952-1953.

O conjunto dos topónimos analisados pode-se enquadrar em dois grandes blocos, um relativo 26 às proveniências clânicas dos colonizadores, e outro dizendo respeito à rede de povoamento O termo ár. al-Qaṣr al-Milḥ, apenas referenciado por Al- e de estruturas fortificadas (ḥiṣn, qal‘at, burğ, aṭ-ṭali‘a), típicas de uma sociedade que, a partir Idrīsī (op. cit., p. 117), corres- dos séculos XI-XII, inicia uma sistemática militarização, devido ao processo de ponde à tradução literal da antiga Salacia romana, e foi o «Reconquista» em curso. Não podemos depreender, do facto de não haver referências que acabou por perdurar na documentais nas fontes muçulmanas que aqui analisámos, a vários povoados com clara toponímia portuguesa (cf. A. H. de Oliveira Marques, «O etimologia árabe, que estes não tenham tido existência anterior à «Reconquista» (até porque, “Portugal” Islâmico», op. cit., mesmo para outras regiões do Ândalus, só estão abonadas pelos geógrafos e cronistas as p. 148), embora a sua primeira menção escrita date apenas de principais cidades, onde tiveram lugar eventos relevantes, e não as pequenas aldeias). 1488 (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico- Encerramos o texto, pois, com o voto de que a arqueologia nos proporcione alguma luz sobre Etimológico da Língua este espaço do Alentejo Litoral islâmico. Portuguesa, 3.ª ed., vol. I, Lisboa, Livros Horizonte, 2003, p. 76, s. v. «Alcácer»).

27 A única referência a Alcácer com esta designação surge no texto de Yāqūt, que se lhe refere do seguinte modo: «Cidade em al-Ândalus, per- tencente às zonas rurais de Beja. Está próxima do mar. Diz-se que o âmbar existe nas suas costas» (cf. António Rei, loc. cit.). Tal leva-nos a supor que o geógrafo de origem síria, ao redigir o seu livro na primeira metade do século XIII, ou teria um co- nhecimento fragmentado e distorcido da realidade

| 227 peninsular (o que não seria 33 Carvalho, «Aspectos da Henriques em 1166 (cf. inverosímil, dado nunca se ter Cf. Abdallah Khawli, «Le Ġarb presença almóada em Alcácer Joaquim Veríssimo Serrão, deslocado à Península), ou al-Andalus à l’époque des do Sal (Portugal)», Mil Anos História de Portugal, 3.ª ed., talvez esta referência deva ser secondes taifas (539- de Fortificações na Península vol. I – Estado, Pátria e entendida no contexto de um 552/1144-1157)», Arqueologia Ibérica e no Magreb (500- Nação (1080-1415), Lisboa, período cronológico em que Medieval, n.º 7 – Actas do 1500). Actas do Simpósio Editorial Verbo, 1979, p. Alcácer dependeu de Beja. Colóquio «Lisboa, encruzilhada Internacional sobre Castelos. 101), formando com Beja o de muçulmanos, judeus e Coord. de Isabel Cristina limite meridional extremo do 28 cristãos» (850.º aniversário da Ferreira Fernandes, Lisboa, novo Reino, deve ter soço- Esta foi a designação com que Reconquista de Lisboa), Porto, Edições Colibri e Câmara brado para o domínio os Almóadas rebaptizaram a 2001, pp. 23-36. Municipal de Palmela, 2001, muçulmano (eventualmente – cidade após a sua reconquista pp. 369-383. julgamos nós – entre 1180 e 34 aos Portugueses, em 1191; na 1191, aquando das grandes Cf. A Conquista de Lisboa aos verdade, a ofensiva almóada, 41 investidas almóadas que Mouros. Relato de um Cruzado integrada num plano mais Cf. José Pedro Machado, op. recobraram o Alentejo até à [= De Expugnatione Lyxbo- vasto de luta contra os reinos cit., vol. I, p. 303, s. v. Península de Setúbal – não nensi]. Ed., trad. e notas de cristãos do Norte, e que cul- «Cacém». nos parece crível que consti- Aires Augusto do Nascimento tuísse um bastião português minou na batalha de Alarcos e introd. de Maria João 42 apartado no terreno do Ġarb, em 1195, teve em Alcácer um Violante Branco, 1.ª ed., Cf. Chancelaria de D. Afonso uma vez que agora ao seu momento determinante, e o Lisboa, Vega, 2001, pp. 108- rebaptizar da cidade III. Livro I, vol. II, [...], redor Bāğā e al-Qaṣr haviam 109. pp. 280-281. enquadrou-se num objectivo retomado a mãos muçul- ideológico preciso, preten- 35 manas). Ora, achando-se 43 dendo memorar que al-Qaṣr Sobre o percurso desta família Alcácer tomada em 1217, Cf. Rui Pinto de Azevedo, foi o ferrolho que permitiu berbere, veja-se Abdallah Aljustrel em 1234 e Beja «Período de formação recuperar, para o Islão, uma Khawli, «La famille des banū pouco antes desta última, po- territorial...», op. cit., p. 61. significativa parte do Ġarb Wazīr dans le Ġarb d’al- derá ter sido por esta altura

(com a tomada de Alcácer Andalus aux XII et XIII que Odemira retomou a mãos 44 caiu, inclusivamente, a Penín- siècles», Arqueologia Medie- portuguesas (ainda que A tradição popular aponta sula de Setúbal, e Lisboa val, n.º 5, Porto, 1997, pp. nenhuma fonte a isso aluda), como origem o substantivo chegou a sentir-se ameaçada; 103-115. completando-se assim o «emir» (cf. Enciclopédia Verbo a Sul do Tejo, só Évora resistiu domínio do Alentejo ao 36 Luso-Brasileira da Cultura, vol. à investida almóada). mesmo tempo que se XIII, Lisboa-São Paulo, Cf. Portugaliæ Monumenta conquistava o Oci- Editorial Verbo, [s.d.], col. 29 Historica a Sæculo Octauo dental; Herculano (História de post Christum usque ad 864), mas trata-se de uma Versão portuguesa de António Portugal. Desde o começo da Quintumdecimum iussu mera fantasia, análoga à de Borges Coelho, Portugal na Monarquia até o fim do Academiæ Scientiarum Odivelas, que teria na frase Espanha Árabe, 3.ª ed., cit., p. reinado de Afonso III. Pref. E Olisiponensis edita – Leges et «Ide vê-las!» a sua hipotética 41. O mesmo texto, na versão notas de José Mattoso e Consuetudines, volumen I, origem. integral em língua castelhana, verificação do texto de Ayala fasciculus III, Olisipone, Typis Monteiro, vol. II, Lisboa, pode ser lido em Al-Ḥimyārī, Academicis, 1863, p. 396. 45 Livraria Bertrand, 1980, p. op. cit., pp. 324-325; idêntica Cf. José Pedro Machado, op. 507) afirma que os Espatários referência pode também ser 37 cit., vol. II, p. 997 (s. v. cederam o seu domínio ao encontrada em Al-Idrīsī, op. Cf. Militarium Ordinum «Mira»); ibid., vol. III, p. bispo portuense Pedro cit., p. 170. Analecta – Livro dos Copos, 1085 (s. v. «Odemira»). Salvadores, um dos figadais pp. 234-235, 237 e 238. 30 Existem, neste códice, três 46 inimigos de Sancho II, pelo ano de 1244 ou 1245 (de- Cf. Christophe Picard, Le versões do documento, na Cf. António Rei, loc. cit. e Portugal Musulman (VIII - primeira das quais o topó- dução nossa, em função das XIIIe siècle). L’Occident d’al- nimo surge grafado como 47 datas extremas do seu Andalus sous domination Alcaçar, e nas duas últimas Pela sua posição geográfica, a governo à frente da sé portu- islamique, Paris, Maisonneuve como Alcazar. data da conquista definitiva calense), pelo que Odemira já et Larose, 2000, p. 55. de Odemira constitui, na devia estar conquistada nessa 38 nossa opinião, um problema altura, não podendo ter sido 31 Ibid., pp. 235-236 e 238-239. historiográfico ainda por tomada mais tarde quando, Cf. Una Crónica Anónima de Nas duas versões do docu- resolver. Nos mapas relativos em 1248-49, se completou ‘Abd-ar-Raḥman III al-Naṣir, mento constantes do códice, à «Reconquista» durante o a ocupação militar do o topónimo é referenciado editada por primera vez y reinado de Sancho II (1223- Algarve (ainda que, como como Alquazar e Alcazar, traducida, con introducción, 1248), é lugar-comum saibamos, um acto de respectivamente. notas e índices por Évariste verificar que essa vila e parte doação não prova que o doador detém, de facto, o Levi-Provençal y Emilio García 39 do seu alfoz, que fecham o objecto sobre o qual recai a Gómez, Madrid-Granada, Ibid., pp. 236-237. Neste Baixo Alentejo Litoral, antes Instituto Miguel Asín, 1950, de se entrar na serra algarvia, doação...). De resto, a documento, o topónimo atribuição de foral em 1256 p. 158. aparece escrito Alcaçar. fazem ainda parte dos últimos demonstra o interesse do domínios sarracenos do Ġarb 32 40 al-Ândalus, pouco antes da monarca em (re)organizar um concelho cuja incor- Em ár., dār aṣ-ṣinā‘a, donde Sobre estes conturbados anos conquista definitiva do derivou o termo «taracena» em Alcácer do Sal, veja-se Algarve por Afonso III. poração no território da em português, com igual António Cavaleiro Paixão, Assim, tendo sido, ao que Coroa teria entre dez a significado. João Carlos Faria e A. Rafael parece, tomada por Afonso vinte anos.

| 228 48 vie rurale entre Tage et como constando de um 72 Cf. Chancelaria de D. Afonso Guadiana de l’Islam à la documento de 1286, onde Cf. Hermann Lautensach, e e III. Livro I, vol. I, [...], pp. Reconquête (X -XIV siècles), surge grafado sob a forma «Über die topographischen 90-94. O topónimo surge Lisboa, Imprensa Nacional- Benatolat. Namen arabischen Ursprungs Casa da Moeda, 1998, p. 667. escrito com as variantes in Spanien und Portugal», Die Veja-se ainda José Pedro Udimira, Udymira e Udimyra. 67 Erde. Zeitschrift der Gesell- Machado, op. cit., vol. I, p. schaft für Erdkunde zu Berlin, Cf. A. H. de Oliveira 49 241, s. v. «Benegas». 6, Berlin, 1954, pp. 219-243, Marques, «O “Portugal” Cf. David Lopes, «Toponímia apud A. H. de Oliveira Mar- 58 Islâmico», op. cit., p. 140. árabe de Portugal», Nomes ques, op. cit., p. 143. Os Cf. A. H. de Oliveira Marques, Este topónimo surge refe- Árabes de Terras Portugue- «O “Portugal” Islâmico», op. mapas que acompanham o renciado no século XVI, sas. Colectânea organizada cit., p. 141. referido estudo de Lautensach por José Pedro Machado, segundo José Pedro Machado encontram-se reproduzidos Lisboa, Sociedade de Língua 59 (op. cit., vol. I, p. 240), em Stéphane Boisselier, op. Portuguesa e Círculo David Para José Pedro Machado (op. como «hũa povoaçam que se cit., pp. 660-661. Lopes, 1968, pp. 35 e 168- cit., vol. I, p. 239, s. v. chama Benaiça, duas legoas 169. «Bem-Casados»), o topónimo e mea da villa [de Sines] ao poderia também derivar da levamte, que tem nove 50 alcunha «bem-casado», ou moradores dos quais he hũa ainda ser uma referência a um Cf. Joaquim da Silveira, viuva». Deriva de banū‘Isā, casal de santos, São Lúcio e «Toponímia portuguesa com o significado de «filho Santa Bona, que constituiu (esboços)», Revista (ou filhos) de ‘Isā», Lusitana. Arquivo de estudos um modelo de vida conjugal exemplar. antropónimo correspondente filológicos e etnológicos a Jesus. relativos a Portugal, vol. 60

XXIV, Lisboa, 1922, pp. Id., ibid., vol. I, p. 239, s. v. 68 193-198. «Bem Parece». O ḫarağ designa um imposto 61 51 censitário, pago pelos Id., ibid., vol. I, p. 240, s. v. Cf. José Pedro Machado, op. proprietários (cf. A. H. de «Benefátema». Como recorda cit., vol. I, p. 114 (s. v. Oliveira Marques, «O o autor, o termo ibn/banū «Alvalade»). Dentro dos “Portugal” Islâmico», op. também se junta a antro- nossos parcos conhe- cit., p. 191). Oliveira pónimos femininos, embora cimentos de árabe, Marques propõe assim que o não tenhamos encontrado atrevemo-nos a sugerir uma topónimo Catifarras derive nenhuma referência a uma etimologia alternativa para tribo com esse nome. de qal‘at – através da forma o termo – a de al-balad (pl. Contudo, este topónimo contraída qat-, facilmente al-bilād), significando encontra-se abonado desde explicável pela perda do /l/ «terra», «país» (como em 1256, sendo citado no foral intervocálico, fenómeno bilād al-Ândalus, «país ou de Odemira, como um dos típico dos falares do terra de al-Ândalus»). limites do seu termo: «meam ocidente peninsular, tanto

villam de Udimira cum moçárabes como cristãos 52 omnibus terminis suis, scili- (id., ibid., p. 207) – e Cf. David Lopes, «Toponímia cet per cimalias de ḫarağ, significando assim árabe de Portugal», loc. cit., Amexeanes quomodo vertunt p. 35. «torre do imposto» (à aque ad Udimiram et ex alia semelhança dos topónimos parte pro ad Garvam et Cata-que-farás, existentes em 53 deinde per viam de Saboya, Lisboa e em Évora), e Cf. Rui Pinto de Azevedo, et deinde per Benafatima «Período de formação quomodo vadit ad Cerrum de funcionando provavelmente territorial...», op. cit., p. Arela [...]» (cf. Chancelaria como uma estrutura de 61. de D. Afonso III. Livro I, vol. controlo, não apenas militar, I, [...], p. 90). mas também tributário. 54 62 Cf. Chancelaria de D. Pedro 69 Cf. A. H. de Oliveira I, [...], p. 502. Marques, «O “Portugal” A freguesia, com o nome

Islâmico», op. cit., p. 141. compósito de 55 Longueira/Almograve, foi 63 Cf. A. H. de Oliveira Marques, criada em 12 de Junho de Cf. José Pedro Machado, op. «O “Portugal” Islâmico», op. 2001, por desmembramento cit., p. 140. cit., vol. I, p. 240, s. v. da zona litoral da freguesia de «Benamor». São Salvador (publicado em 56 64 Diário da República, n.º 152, I Cf. José Pedro Machado, op. Id., ibid., vol. I, p. 240, Série-A, de 3 de Julho de 2001). cit., vol. I, p. 239, s. v. s. v. «Benevides». «Benagazil», significando «o filho do ministro, do vizir». 65 70 Id., ibid., vol. I, p. 241, Cf. José Pedro Machado, op. 57 s. v. «Bem Feito». cit., vol. I, p. 79.

Topónimo citado por 66 Stéphane Boisselier, Naissance Stéphane Boisselier (op. cit., 71 d’une Identité Portugaise. La p. 667) cita este topónimo Id., ibid., vol. I, p. 194.

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