ALEXÂNIA E ABADIÂNIA, DUAS CIDADES NOVAS PARA BRASÍLIA* Pedro Henrique Máximo Pereira Ricardo Trevisan

Resumo

Brasília, a apoteose do Movimento Moderno, não se restringe a ela própria. Seu famoso projeto, sua complexa ocupação e sua inquestionável relevância urbano-arquitetônica se desdobraram noutros territórios urbanos do interior do Brasil, mesmo aqueles distantes de seu canteiro de obras. A partir destes pressupostos, apresentamos os casos de Ale- xânia (1957) e Abadiânia (1960-61), cidades novas e ainda inéditas na historiografia * Trabalho apresentado no 18º do urbanismo brasileiro. A vinculação destas cidades a Brasília é direta. Ambas foram ENANPUR, Natal, 2019. planejadas, projetadas e ocupadas durante a construção da nova capital (1957-1960) e das rodovias Brasília-Anápolis (1957-58) e Belém-Brasília (1958-59), infraestrutura que as interligam. O projeto de Alexânia foi encomendado por Alex Abdallah à Empresa Brasil de Imóveis Limitada, numa ação empreendedora, e executada pelo engenheiro alemão Fritz Gezets, e Abadiânia foi projetada e implantada pelo agrimensor Nilton Rabello, sendo ela fruto de uma negociação iniciada em 1956 entre Oribes Gontijo, o prefeito da cidade, e Bernardo Sayão. Assim, vislumbramos uma contribuição histórica e teórica com estes fatos inéditos a partir desta pesquisa aqui relatada. Neste documento são expostos seus projetos e seus processos de ocupação. Palavras-chave: Cidades Novas, Alexânia, Abadiânia, Rodovia Belém-Brasília, Brasília

Abstract

Brasilia, the apotheosis of the Modern Movement, is not restricted to itself. Its famous project, its complex occupation and its unquestionable urban-architectural relevance unfolded in other urban territories of the interior of , even those distant from his construction site. Based on these assumptions, we present the cases of Alexania (1957) and Abadiania (1960-61), new cities and unpublished in the historiography of Brazilian urbanism. The connection of these cities to Brasilia is direct. Both were planned, designed and occupied during the construction of the new capital (1957-1960) and the Brasília-Anápolis (1957-58) and Belém-Brasília (1958- 59) highways, the infrastructure that interconnected them. The Alexania project was commissioned by Alex Abdallah from Empresa Brasil de Imóveis Limitada, in an entrepreneurial action, and executed by the German engineer Fritz Gezets, and Aba- diania was designed and implemented by the surveyor Nilton Rabello, being the result of a negotiation begun in 1956 between Oribes Gontijo, the mayor of the city, and Bernardo Sayão. Thus, we glimpse a historical and theoretical contribution with these unpublished facts from this research reported here. In this document are exposed their projects and their processes of occupation. Key-words: New Cities, Alexania, Abadiania, Belem-Brasilia Highway, Brasilia

Thesis | Volume 5 | 2018 ISSN 2447-8679 Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Pedro Henrique Máximo Pereira Ricardo Trevisan

INTRODUÇÃO de processos de relocação de suas antigas 71 sedes, portanto consideradas cidades A transferência da capital federal em novas, aquelas intencionalmente planeja- 1960, do Rio de Janeiro para Brasília, das, projetadas, desenhadas e implantadas marcou um intenso processo de desloca- (TREVISAN, 2009). mento das forças produtivas, econômicas Brasília, em política e projeto, direta e demográficas para o centro do Brasil. É ou indiretamente, fez emergir novos 1 notório hoje, no próprio Distrito Federal quadros técnicos, nomes outrora desco- A Região Metropolitana do e Entorno, por exemplo, as consequên- Distrito Federal é constituída, nhecidos, cidades até então jamais vistas além do Distrito Federal, pelos cias positivas e negativas deste processo e imaginadas, saberes locais e universais, municípios de: Abadiânia, Água (população estimada em 2018 para a Re- planos e desenhos que revelam soluções Fria de Goiás, Águas Lindas de Goiás, Alexânia, Alto Paraíso de gião Metropolitana do Distrito Federal eruditas e populares para os ambientes 1 Goiás, , Barro é de 4,5 milhões de habitantes ). Nestes urbanos, distantes daqueles mais desen- Alto, , , Ci- últimos 60 anos, um fenômeno urbano volvidos de nossa costa litorânea. Mais dade Ocidental, Cocalzinho de provocado por Brasília assaltou as cida- Goiás, Corumbá de Goiás, Cris- que encerrado em seu próprio desenho, o talina, Flores de Goiás, Formo- des ali preexistentes e incitou fortemente Plano Piloto de Brasília abriu as fron- sa, Goianésia, Luziânia, Mimoso a criação daquelas que ainda não exis- teiras do centro-norte à urbanização, à de Goiás, Niquelândia, Novo tiam. Houve uma espécie de reprodução Gama, , Pirenó- industrialização e o inseriu na lógica eco- polis, Planaltina, Santo Antônio dos feitos políticos federais nas localida- nômica que até então somente se repro- do Descoberto, São João d’Alian- des urbanas do centro-norte brasileiro duzia nas regiões mais ocupadas do país. ça, Simolândia, Valparaíso de Goi- e nas governanças locais e regionais. A ás, Vila Boa e Vila Propício, no Como pano de fundo, este artigo abarca estado de Goiás, e de , Bu- partir de empreendedores urbanos ou outro problema: as críticas a Brasília e a ritis, Cabeceira Grande e Unaí, no de políticos ávidos a acompanharem o seu processo de transferência. Ainda hoje estado de . Zeitgeist nacional, um reordenamento do os feitos em Brasília, os gastos dispendi- território nacional foi iniciado e preli- dos para executa-la e seu projeto urba- minarmente implantado, fato silenciado nístico-arquitetônico são examinados e por décadas e que neste trabalho pre- questionados. Ronaldo Couto (2001), em tendemos problematizar. Seria possível, Brasília Kubitschek de Oliveira, traz uma neste sentido, avaliar ou mesmo medir leitura crítica e às vezes ácida, irônica e os impactos de Brasília nos territórios controversa sobre a Capital. Suas críticas urbanos do Planalto Central? Apresenta- não são como as de James Holston mos para tal debate os casos das cidades (1993) em relação à cidade enquanto goianas de Alexânia e Abadiânia. Ambas matéria e utopia. Couto discute seus situam-se na BR-060 (antiga rodovia aspectos históricos, econômicos e políti- Brasília-Anápolis, parte do trajeto da cos e nos apresenta narrativas até então rodovia Belém-Brasília) e possuem uma desconhecidas sobre os personagens relação de proximidade com Brasília – 85 envolvidos neste projeto nacional-desen- km e 115 km respectivamente. São cida- volvimentista. Ao abrir esta “Caixa de des oriundas, assim como a nova capital, Pandora”, as leituras e interpretações dela

ISSN 2447-8679 Thesis | Volume 5 | 2018 Pedro Henrique Máximo Pereira Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Ricardo Trevisan

72 derivadas parecem encerrar a análise no de cidades criadas na curta duração da Plano Piloto de Brasília e a acusa-lo de construção de Brasília (1956-1960), com causa e efeito de uma artimanha política recorte específico no trecho da rodovia afeita à corrupção e a golpes de estado. Belém-Brasília implantada entre 1958 e Neste sentido, tais leituras desconsideram 1959. Trata-se, portanto, de um recorte a multidimensionalidade e a transescala- espaço-temporal que nos auxiliará a ex- ridade dos fenômenos provocados por ele plicitar os impactos territoriais e urbanos em todo o território nacional. Portanto, nesta linha que rasga o Brasil do centro centrados no recorte acima apresentado – ao norte. Em seguida apontaremos os dupla de cidades goianas –, dispomo-nos principais detalhes históricos e urbanís- a enfrentar este problema, sobretudo a ticos dos objetos selecionados para tal. partir de sua dimensão urbana. De Olhos D’Água a Alexânia é o título da As médias e grandes cidades brasi- parte em que exporemos as contradições leiras, por vezes mais importantes nos da relocação desta cidade, centrado na fi- quesitos demografia e economia que o gura de Alex Abdallah, o promotor deste vasto número de pequenas cidades que processo. Serão expostas as particularida- estão distribuídas pelo território nacional, des do desenho elaborado para Alexânia ocupam privilegiados lugares na historio- em 1957 pela Empresa Brasil de Imóveis grafia do urbanismo. Distante de ser uma Limitada e imediatamente executado observação negativa, apontamos, toda- pelo engenheiro Fritz Gezets, bem como via, que há ainda um vasto campo a ser a condução de sua ocupação inicial. Em vasculhado, analisado e explicitado. Nessa De Posse D’Abadia a Abadiânia revelare- esteira, revelaremos casos das conside- mos os conflitos territoriais apresentados radas “pequenas cidades”. Não obstante no processo de implantação do projeto e não menos importantes que casos de para a nova cidade, projetada e execu- grande impacto, a constelação de peque- tada pelo agrimensor Nilton Rabello nas cidades novas implantadas, como em 1961, fruto de uma negociação que apontaremos adiante, foram estrategica- datava desde 1956 com Oribes Gontijo, mente criadas com vistas à ocupação do o então prefeito do município. Duas interior do Brasil, outrora lido como um cidades no contexto de fundação da nova imenso vazio na hinterlândia. Notada- capital; duas cidades novas para Brasília. mente, apesar de pequenas, elas foram Casos ainda se encontram inexistentes laboratórios urbanísticos de engenheiros, na historiografia do urbanismo brasileiro, arquitetos, topógrafos, agrimensores, portanto, vislumbramos uma contribui- entre outros profissionais encarregados ção histórica e teórica com estes fatos em projetá-las e materializá-las. inéditos a partir desta pesquisa inédita. Na contextualização, por título Cida- Por fim, vale salientar que os critérios des Novas no percurso da Belém-Brasília, adotados para a elaboração deste traba- apresentaremos uma miríade de casos lho derivam da contribuição teórica de

Thesis | Volume 5 | 2018 ISSN 2447-8679 Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Pedro Henrique Máximo Pereira Ricardo Trevisan

Ricardo Trevisan (2009) para a classi- A localização da cidade, sua concepção 73 ficação e consideração do que possa vir arquitetônica e o plano urbanístico a ser uma cidade nova2. Ademais, tal são pistas que indicam vários tipos de isolamento, principalmente o geopo- trabalho é fruto de estudos direcionados lítico. Brasília é uma parte à parte do aos projetos “Atlas de Cidades Novas do restante do país. Aliás, tais caracte- Brasil Republicano” e “Cronologia do rísticas antecipam sua funcionalidade

Pensamento Urbanístico”. para servir aos regimes autoritários 2 como os que seguem ao golpe de 1964. Para essa distinção, seis atributos (CHAIA; CHAIA, 2008, p. 171) lhes devem ser inescapáveis: 1) a presença de um profissional, 2) um CIDADES NOVAS NO PERCURSO DA local previamente selecionado, 3) BELÉM-BRASÍLIA Toda análise pressupõe recortes temá- um desejo pertinente à sua cons- ticos e teóricos, entretanto, ela não deve trução, 4) uma necessidade, 5) um projeto que satisfaça tecnicamente A transferência da capital federal para o desconsiderar a multidimensionalidade tal desejo, e 6) que ela materialize interior do Brasil foi um evento histori- dos universos, dos fatos e fenômenos que ou represente um tempo específico circunscrevem os eventos que perfilam (TREVISAN, 2009, p. 87-88). camente importante para o desenvolvi- 3 seus objetos de pesquisa. O marco sim- A localização para uma nova capi- mento da nação como um todo. Tal fato, tal na hinterlândia brasileira, como efetivamente ocorrido em 21 de abril de bólico da mudança da capital federal não sabemos, antecedeu em muito o 1960 com a inauguração de Brasília, era foi um fato isolado na história, mas deu período JK (1955-1960), tendo sido continuidade às políticas de interiorização especulada no período pombali- ambicionado há no mínimo duzentos no (1750-1780) e selecionada pela anos3, contando, inclusive, com incursões iniciadas ainda no Império, com o Plano Missão Cruls entre 1892 e 1894. A prévias ao centro do país com vistas à de Ocupação da Capitania de Goyaz Comissão Exploradora do Planalto do século 18 e ao movimento Varguista Central criada pelo governo do Pre- escolha e delimitação de seu futuro sítio. sidente Floriano Peixoto em 09 de (1930-1945) de ocupação e modernização Entretanto, sua mudança, ainda hoje, junho de 1892, sendo chefiada pelo cerca de 60 anos depois de realizada, gera da hinterlândia (Marcha para o Oeste). diretor do Observatório Nacional, Não obstante, a própria crítica ao isola- Luiz Cruls, e composta por técni- debates e críticas. Neste sentido, revisitar cos e cientistas diversos. O objetivo mento e a necessidade da implementação alguns de seus pontos é imprescindível. de tal Comissão era selecionar e O olhar contemporâneo para Bra- de políticas de ocupação, modernização demarcar a área do novo Distrito Federal na região central do país. sília como capital do país, vale ressaltar, e desenvolvimento do país revela sua pressupõe considerações diversas para fragilidade, ainda que distante da inten- além de seu Plano Piloto. A complexi- cionalidade de tais autores. Ademais de tal dade que o território brasileiro adquiriu posição, a transferência da capital nacional em função de tal mudança implica em para Brasília faria cumprir a prerrogativa críticas e leituras da mesma natureza, constitucional de interiorização dos pode- portanto aquelas que ocorrerem distantes res do Estado brasileiro. disso cairão em simplificações. Algumas A nova capital do Brasil no Planalto críticas, tais como aquelas de Vera Chaia Central, estipulada pelo presidenciável e Miguel Chaia (2008), de certo modo, Juscelino Kubitschek como objetivo ignoram sua multidimensionalidade: síntese de seu Plano de Metas, carregaria a missão de integrar os quatro cantos

ISSN 2447-8679 Thesis | Volume 5 | 2018 Pedro Henrique Máximo Pereira Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Ricardo Trevisan

74 da nação. As ações em prol desse desejo o suprimento material para a execução ocorreram imediatamente após a elei- da nova cidade. Foram dez empreitei- ção de 1955 que o colocou no Palácio ras responsáveis por realizar tal obra, do Catete. Sua intenção era criar um cru- cinco destinadas à abertura dos leitos de zeiro de rodovias, grandes longitudinais rodagem e respectivas pavimentação e as cortadas por grandes transversais. No outras cinco destinadas à construção das centro, seria localizada a sede dos pode- onze pontes necessárias para vencer os res executivo, legislativo e judiciário do 130 km que as separam. Sua finalização Brasil. Iniciado seu mandato em 1956, ocorreu em 30 de março de 1958, pouco no mês de setembro Kubitschek criou mais de um ano do início das obras a Companhia Urbanizadora da Nova em maio 1957, à época, tempo recorde. Capital do Brasil (NOVACAP), definiu Ainda em 1957, ligações com a região o nome da nova cidade como Brasília e Sudeste foram iniciadas, como a rodovia delimitou o território do novo Distrito Brasília-Belo Horizonte e Anápolis-San- Federal (Lei nº 2874 de 19 de setembro tos. A execução destas infraestruturas de 1956). Ausente de um planejamento era de responsabilidade do Departamen- regional e territorial prévio, como apon- to Nacional de Estradas de Rodagem tou Lucio Costa na ocasião do concurso (DNER), empresa criada por Getúlio para seu Plano Piloto (1991, p. 20), a Vargas em 1937. partir de Brasília se desdobrariam planos Com as obras iniciadas entre Aná- e investimentos em infraestruturas de polis (GO) e Santos (SP) faltava, para a transportes (rodovias e aeroportos) e a concretização da primeira rodovia longi- implantação de redes técnicas (como tudinal do Brasil, um trecho de Brasília usinas de produção de energia, redes de a Belém (PA). Ainda em 1957 obras transmissão e centrais de distribuição) que avançavam na direção ao Norte, para, efetivamente, colocar o interior do partindo de , foram iniciadas. Brasil no mapa. A ideia da abertura de uma estrada de Para a execução desse ambicioso rodagem que atravessasse o país de norte plano de integração, a construção prévia a sul não era inédita, mas já pairava na de Brasília seria fundamental. Ela seria governança brasileira desde a Era Vargas. o ponto destino dos fluxos ao interior e A Transbrasiliana, como era nomea- de partida em direção às extremidades da esta infraestrutura no contexto do da nação (KUBITSCHEK, 2000, p. 84). Governo Constitucional, em 1934 teve No mês seguinte de tal institucionaliza- primeiro esboço a partir do Plano Geral ção, em outubro de 1956, foi lançado o de Viação Nacional (Decreto nº 24.497 edital do concurso para o Plano Piloto de 29/06/1934). Ela seria uma estrada de Brasília e a NOVACAP anunciava de rodagem que teria aproximadamente a imediata construção da estrada Aná- 5.500 km, interligando Belém (PA) a Li- polis-Brasília, cujo objetivo era garantir vramento (RS). Iniciadas suas obras em

Thesis | Volume 5 | 2018 ISSN 2447-8679 Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Pedro Henrique Máximo Pereira Ricardo Trevisan

Goiás em rotas fragmentadas, a coesão Econômica da Amazônia (SPVEA) 75 do seu percurso não foi efetivada devi- em 1953 teve um papel de destaque nas do às dificuldades de suprimentos aos políticas posteriormente adotadas. Essa trabalhadores – isolamento de algumas Superintendência foi criada para realizar áreas. O trecho que logrou sucesso com a um plano efetivo de promoção de trans- Transbrasiliana, neste contexto, conecta- portes e comunicação na Amazônia, bem va Anápolis à Colônia Agrícola Nacional como estabelecer bases econômicas e 4 de Goiás (CANG), implantada em 1941 técnicas para sua execução (Lei nº 1.806, Jerônymo Coimbra Bueno, jun- tamente com seu irmão Abelardo no Vale do São Patrício, na região Centro de 06 de janeiro de 1953). Sua Comis- Coimbra Bueno, ambos formados Goiana. A CANG, nomeada em 1953 são de Planejamento chega, em 1954, a em Engenharia Civil na Escola de Ceres, é uma cidade nova de caráter um diagnóstico sobre as dificuldades de Politécnica do Rio de Janeiro entre os anos de 1929 e 1933, fundaram agrícola, que dispunha, em Anápolis, de exploração e intervenção neste bioma: a firma Coimbra Bueno & Penna um ramal ferroviário para a distribuição 1) faltava investimentos e recursos; 2) Chaves Ltda., junto com o colega de seus produtos para a região Sudeste longas distâncias das áreas ocupadas que Roberto Penna Chaves, com foco em construção e urbanismo. Em do país. Goiás, interessado nesta polí- dificultavam o suprimento material para 1934, assumiram a direção geral tica de ocupação/interiorização, criou a as obras. A causa da não continuidade das obras de Goiânia. Mais tarde, Colônia Agrícola Estadual de Rubiata- da execução da Transbrasiliana durante a firma se tornou apenas Coimbra Bueno e Cia. Ltda. ba, em 1948, na gestão do engenheiro os governos Dutra (1946-1951) e Vargas e então governador Jerônymo Coimbra (1951-1954) coincide amplamente com 4 Bueno (LIMA, 2012). Localizada pró- aquelas apontadas pela Comissão. Con- xima à CANG e à Transbrasiliana – para forme Michele Sousa e Rafael Pacheco desfrutar do potencial logístico desta (2013, p. 254), além das iniciativas da infraestrutura -, foi pensada e Era Vargas, em 1948 o deputado federal implantada para ser uma cidade rural de Jales Machado da Siqueira havia contri- Goiás – estimada para 10 mil habitantes buído com sua implantação até Jaraguá e –, dispondo de desenho urbano seme- com seu planejamento até Porto Nacio- lhante ao desenvolvido pela Construtora nal, no norte de Goiás. A proposta deste Coimbra Bueno & Cia Ltda. à cidade deputado era de que esta ligação seria de Luiziânia, no interior do estado de estabelecida por um complexo multi- São Paulo. Neste interim, cerca de 400 modal com a ligação rodo-férreo-fluvial quilômetros da Transbrasiliana haviam Anápolis-Belém. sido construídos em Goiás. Na gestão de Kubitschek, no ano Antes da política de promoção de de 1957, avançavam-se os estudos para Infraes­truturas de Transporte do Gover- irrupção da Floresta Amazônica, pois no Kubitschek, em específico, a da rodo- em novembro, a abertura da estrada já via Belém-Brasília, algumas experiên­cias alcançava a latitude de Porto Nacional, institucionais prévias nos auxiliam no atualmente no estado de Tocantins, à debate aqui exposto. A criação da Su- época, na região Norte de Goiás (cer- perintendência do Plano de Valorização ca de 700 km do canteiro de obras de

ISSN 2447-8679 Thesis | Volume 5 | 2018 Pedro Henrique Máximo Pereira Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Ricardo Trevisan

76 Brasília). Em maio de 1958 foi criada a Belém-Brasília, mas ofertaria suporte Comissão Executiva da Rodovia Be- aos futuros viajantes que dela desfrutas- lém-Brasília (Rodobrás), subordinada à sem. Esta medida foi estimulada pelos SPVEA, cuja estratégia foi delimitada desbravadores e contou, inclusive, com a da seguinte maneira: era necessário, para contribuição de topógrafos, agrimensores que a rodovia fosse concluída em tempo e engenheiros no planejamento e execu- hábil e adequado ao cronograma da ção de planos urbanísticos. Imperatriz, inauguração de Brasília, que duas frentes no Maranhão, coloca-se como um caso trabalhassem em simultaneidade e em exemplar, visto que seu prefeito Raimun- direções opostas, uma sentido Norte-Sul, do de Morais Bastos (1959-1960) contou outra, sentido Sul-Norte. O engenheiro com o auxílio de técnicos da Rodobrás agrônomo Bernardo Sayão, coordena- para solucionar o problema da expansão dor da Rodobrás, ficou responsável pela do pequeno núcleo urbano da cidade e frente Sul-Norte e o médico sanitarista para sua demarcação e implantação. Waldir Bouhid pela frente Norte-Sul Em suma, as cidades ali construídas (KUBITSCHEK, 2000). Assim, fo- teriam papel fundamental na ocupa- ram acrescentados aos 400 quilômetros ção da nova configuração do território da Transbrasiliana cerca de 1.500 km, centro-norte do país, e a elas caberiam infraestrutura que viria a ter, em 1959, a implantação e controle da produção, quando inaugurada, 1.966 km. bem como no comércio de seus insu- Diferentemente das cidades de mos. Têm-se, por exemplo, os casos de origem espontânea houve uma forte Alexânia (1957) e Abadiânia (1960-61), iniciativa de criação de cidades novas em Goiás; Araguaína (1958), Gurupi nas proximidades desta infraestrutura (1958), Miranorte (1959) e Colinas do que rasga o Brasil de Brasília a Belém. Tocantins (1960), no atual estado do A intenção de ocupá-la estava vinculada Tocantins; Açailândia (1958), Imperatriz a um processo econômico estratégico (1959) e Itinga do Maranhão (1959), no de manutenção das obras e suporte aos Maranhão; e Ulianópolis (1958), no Pará desbravadores da mata virgem do Cer- (Figura 1). rado e da Amazônia, mas não somente. Todas elas cidades novas criadas Havia, mesmo que preliminarmente, durante o governo de Juscelino Kubits- uma expectativa de implantação de áreas chek e sob sua influência direta, durante agriculturáveis e de criação de animais a implantação e euforia nacional da com a finalidade de estabelecer, a partir transferência da capital para Brasília. O de seus núcleos urbanos, bases para a tamanho, ainda que acanhado de alguns configuração de economias que garan- desses novos núcleos urbanos, indica a tissem o futuro desenvolvimento de seus expectativa de ocupação lenta em função territórios. Tal ação concretizaria não do pretenso isolamento. Todavia, casos somente a implementação da rodovia como Gurupi, no Tocantins, e Imperatriz,

Thesis | Volume 5 | 2018 ISSN 2447-8679 Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Pedro Henrique Máximo Pereira Ricardo Trevisan

77

Figura 1 – Localização das cidades novas ao longo da rodovia Belém-Brasília criadas durante o governo de Juscelino Kubitschek. Fonte: Autor, 2018. no Maranhão, revelam a superação de tal duração de sua transferência. A própria preceito, as quais rapidamente apresen- Belém-Brasília e a capilaridade no terri- taram altos índices de crescimento, tanto tório por ela possibilitado revela o valor populacional quanto econômico. Ainda de sua capacidade integradora, fator que seus desenhos sejam derivados de fundamental para o amadurecimento da uma malha ortogonal com ruas e quadras economia nacional desde então. Neste de dimensões regulares – uma técnica sentido, é importante salientar este pro- antiga perpetuada por milênios quando cesso de implantação de novas cidades da solução mais racional e econômica não foi diretamente criado a partir de para a implantação de uma nova cidade decretos do executivo nacional, mas por –, no mínimo, o valor de tais cidades ele estimulado, ora de forma direta – pertence a uma tradição, não somente como veremos a partir dos objetos em brasileira, mas ocidental de construir e foco neste documento –, ora somente intervir sobre território. Ademais, não pela relevância do Plano Piloto de Bra- obstante a estes casos citados, as áreas sília e das transformações na estrutura portuárias de Belém (PA) e São Luís e conjuntura nacional. Em função disso (MA) lograram importantes benefícios afirmamos que uma leitura encerrada no após a conclusão da infraestrutura, muito Plano Piloto de Brasília pode incorrer em função da modernização da produção em equívocos teóricos e conceituais. e do papel de escoamento da produção Ressaltamos que o tão criticado isola- desempenhado por tais cidades. mento do centro do país só poderia ser Estes casos são exemplos do impacto resolvido com sua ocupação. imediato da criação de Brasília, aqui averiguado em uma leitura da curta

ISSN 2447-8679 Thesis | Volume 5 | 2018 Pedro Henrique Máximo Pereira Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Ricardo Trevisan

78 DE OLHOS D’ÁGUA A ALEXÂNIA técnicas e tecnologias, foi incorporado pelos mestre-de-obras e pedreiros do pe- Alexânia é uma cidade nova de relocação, queno Distrito, fato que fez sua paisagem em que sua antiga sede foi transferida se assemelhar sobremaneira à da sede do de sítio. A abordagem de suas particu- município. Anacronismos à parte, um laridades, inevitavelmente, tocará alguns cenário da cultura popular e sertaneja pontos da história política do protago- se firma largamente em Olhos D’Água. nista de sua criação, Alex Abdallah. Este As economias, manufatureira e agrícola, político emprestou seu nome à cidade surgiram com a cidade. O cultivo de que fundou, estipulando assim uma auto- produtos como o feijão, o arroz, o milho, -homenagem concreta, material, fato que o café, a mandioca, o algodão e a cana- lhe dispensa uma estátua, condecorações -de-açúcar; a produção de seus derivados ou seu nome em qualquer rua ou bairro. como o melaço, a rapadura, a farinha e Tal fato já nos revela sua força política, o queijo; a produção manufatureira de sua relevância para o contexto local e de tecidos e malhas, bem como de vasos certo modo regional, visto as alianças de barro e peças de madeira entalhada, posteriores por ele firmadas. A cons- garantiam a autossuficiência do Distrito trução da presente narrativa se deu pela e suas relações comerciais com Corumbá leitura e análise da trama urbana, por en- de Goiás (LIMA, 1995). trevistas e mapeamentos, bem como pela Em 1958, Olhos D’Água foi elevada consulta à escassa bibliografia, a qual nos à categoria de Município, mesmo ano em emprestou datas, nomes e características que sua sede foi transferida para Alexâ- importantes do projeto e do processo nia. Alex Abdallah, de origem sírio-li- de formação da nova cidade, visto que banesa, era seu prefeito. À espera de que o projeto original ou suas cópias encon- Juscelino cumprisse sua Meta Síntese, tram-se desaparecidas. dois anos antes, em 1956, Abdallah ini- Olhos D’Água é um pequeno distrito, ciava sua busca por terrenos próximos ao hoje pertencente a Alexânia, que já foi a futuro Distrito Federal. Com as demar- sede do município por duas vezes. Surgiu cações do percurso da rodovia Brasília- como um aglomerado em 1940, quando -Anápolis, em 1957, três fazendas dela foi erguida uma capela a Santo Antônio lindeiras, que se encontravam em uma e uma escola. A rápida construção de planície, foram negociadas e compradas. casas no derredor da capela fez com que Abdallah julgou que este terreno, sem em 1954 ela fosse elevada a Distrito de grandes declives e aclives, era adequado Corumbá de Goiás, à época, cidade mais para a realização de seu plano. Segun- próxima. A relação de seus moradores do Ricardo Lima (1995), este processo com Corumbá, na maioria camponeses, ocorreu silenciosamente, cuja maioria dos era estreita. O saber popular sobre as moradores de Olhos D’Água desconhe- construções da antiga cidade colonial, em cia as reais intenções do político.

Thesis | Volume 5 | 2018 ISSN 2447-8679 Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Pedro Henrique Máximo Pereira Ricardo Trevisan

Alex Abdallah era o novo dono das sertão inóspito de meu estado e cria- 79 três glebas que formavam 30 alquei- do condições de vida para centenas e res de campo. Neste interim inicia-se milhares de famílias. [...] O meu so- nho não era atender ao vislumbre do as visitas a cidades-referência, como poeta e não passar a vida em brancas Jaraguá, Diolândia, e Ceres, nuvens, mas deixar as nossas marcas todas em Goiás. Seu objetivo inicial era por aqui através de pelo menos uma que Alexânia fosse, assim como Ceres, árvore plantada. Eu queria plantar uma cidade rural (CURADO, 2015). muito mais do que uma árvore, eu Segundo o Edital de Loteamento de 20 queria plantar uma floresta de casas. Consegui. (ABDALLAH, 2012) de março de 1957, registrado no Cartó- rio de Registro de Imóveis da cidade de O desenho urbano de Alexânia Corumbá de Goiás, e publicado no jornal origina-se a partir de uma preocupação “O Corumbaense Goiano” em 1º de abril com sua articulação regional. A rodovia do mesmo ano, Abdallah contratou o Brasília-Anápolis cruza sentido leste-o- projeto para a nova cidade da Empresa este o terreno destinado ao novo períme- Brasil de Imóveis Limitada, de Belo tro urbano. Na cumeeira do sítio sentido Horizonte (MG). Neste documento a Noroeste uma via de conexão regional foi grafia do nome da cidade era “Alex-ânia”, estabelecida para articular a nova cidade com especificação para ser uma Cidade a Olhos D’Agua e Corumbá de Goiás. Industrial, diferentemente de suas inten- Ali, nos limites do perímetro foi deter- ções iniciais. A justificativa para tal deci- minada a criação de um aeroporto para são, informa-nos Ramir Curado (2015), pequenas aeronaves, públicas e particu- era de que Abdallah não possuía recursos lares. Para o estabelecimento do Setor para implanta-la, direcionando Alexânia Central, três fatores foram preponderan- à abertura para negociação com empresá- tes: o estabelecimento de uma especiali- rios e industriais, cuja proximidade com zação de vias, uma estreita proximidade Brasília lhes seria um potente atrativo. com a rodovia e a delimitação da área Em entrevista a Guilherme Verano, Alex mais aplanada do terreno. Abdallah (2012) afirma que era próxi- A especialização de vias foi garantida mo a Pedro Ludovico Teixeira – antigo pelas seguintes decisões: 1) as quadras governador de Goiás, responsável pela lindeiras à rodovia teriam perfil comer- mudança da capital –, e que se inspirou cial e de serviços privados; 2) a via per- em suas ações mudancistas para planejar pendicular à Rodovia (sentido norte-sul) Alexânia. Ao narrar sua epopeia afirma: – Avenida 15 de Novembro, com caixa viária de 15 metros – teria uma sequência Realmente hoje, olhando a priori, olhando para trás, com o advento de de 20 quadras de 55m x 55m destinadas Brasília o meu grande lucro foi justa- aos edifícios dos poderes administra- mente [ter] ocupado uma porção do tivo e legislativo, bem como a espaços

ISSN 2447-8679 Thesis | Volume 5 | 2018 Pedro Henrique Máximo Pereira Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Ricardo Trevisan

80

Figura 2 – Estratificação dos princípios e diretrizes ini- ciais para o estabelecimento do núcleo central da nova cidade. Fonte: Autor, 2018.

públicos; e 3) outra via – atual Avenida pela presença, lindeira a ela, da Rodoviá- Nelson Santos (também sentido norte- ria. Diante destas decisões, delimitou-se -sul) – seria a grande chegada da cidade, o Setor Central estritamente vinculado à portando, assim, uma caixa viária de 40 rodovia. A Igreja Matriz, que ocupa uma metros, com um largo canteiro central quadra no centro deste Setor (Quadra que abrigaria edifícios para os serviços 70), domina a paisagem da cidade e e equipamentos públicos (Figura 2). orienta sua leitura e deslocamentos. No Diferentemente do conjunto de quadras plano de Alexânia há uma coerência na destinado aos poderes públicos, o corre- distribuição de quadras e avenidas em dor de serviços públicos cruza a Rodovia, relação ao Setor Central, pois manteve-se ficando parte dele ao norte e parte ao na implantação e na consequente ocupa- sul. A parte norte contém a Biblioteca ção o dimensionamento original. Pública, o Posto de Saúde, o Fórum e O estabelecimento de um macrozo- a Secretaria Municipal de Educação neamento foi feito a partir da criação de (antigo Departamento Municipal de setores (Figura 3). Além do delineamento Educação e Cultura -DEMEC). Ao sul do Setor Central, no limite noroeste, ficaria a Feira e o Mercado públicos. A próximo ao aeroporto, foi pensada uma Avenida Nelson Santos delineia o caráter ocupação de baixa densidade e de uso pre- de “entrada principal”, pois é a única via, dominantemente residencial, assemelhan- em toda a malha deste Setor, que estabe- do-se a uma espécie de subúrbio-jardim. lece uma hierarquia viária clara, reforçada Nas avenidas, usos mistos eram permitidos,

Thesis | Volume 5 | 2018 ISSN 2447-8679 Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Pedro Henrique Máximo Pereira Ricardo Trevisan

81

Figura 3 – Estabelecimento do zo- neamento e dos setores da cidade de Alexânia. Fonte: Autor, 2018. mas com a conservação de uma paisagem Setor, muitas delas anteriores ao início da predominantemente horizontal, cuja implantação da cidade. Em função dessa finalidade era respeitar as demandas das presença e abundância de água no local, eventuais operações aeroportuárias. Este ali se estabeleceu um parcelamento de seria o Setor Aeroporto – assemelhan- chácaras – assim como nos limites dos do-se ao projeto inicial de Goiânia e seu Setores Central e Industrial –, inclusive Setor Aeroporto, cujo desenho, inclusive, a algumas delas foi destinado o uso de lhe guarda semelhanças. Entre o Setor lazer urbano. Nova Flórida foi o primeiro Aeroporto e o Setor Central foi delimi- nome dado popularmente às ocupações tado o Setor Industrial, composto por iniciais e, segundo Abdallah (2012), foi o lotes maiores, mas com pouca variação no primeiro nome dado à cidade, no entanto, dimensionamento das quadras. Nele seria sem registro. permitido maiores índices de ocupação Neste sentido, assim como coloca Ra- dos lotes, contando inclusive com afasta- mir Curado (2015, p. 74), “[...] a planta mentos maiores e proporcionais às ocu- original de Alexânia privilegiava áreas pações. Na região limítrofe entre o Setor para o lazer, áreas para estacionamento Central e o Setor Industrial foi localizado de veículos, áreas comerciais, área para o cemitério municipal, cuja posição revela um aeroporto, entre outras”. Tal com- o horizonte ocidental da paisagem rural plexidade, ainda distante da realidade do município. Voltando à rodovia, a parte da maioria dos municípios goianos, fez oeste do seu perímetro, sentido Anápolis, insurgir uma narrativa de modernidade pertence ao Setor Central. A parte leste, em Alexânia, já presente em Goiânia, sentido Brasília, refere-se ao Setor Nova Anápolis, Aragarças e Brasília (LACER- Flórida, responsável por abrigar o hospi- DA; TREVISAN, 2018). Tal processo tal municipal, hotéis e pousadas, cargas se deu pela racionalidade de sua malha e descargas de caminhões bem como, na viária (Figura 4) bem como a utilização continuidade da Avenida Nelson Santos, de técnicas de planejamento urbano mo- a presença da Feira e do Mercado. Há dernas como a setorização, o zoneamento uma grande quantidade de chácaras neste e a especialização de vias.

ISSN 2447-8679 Thesis | Volume 5 | 2018 Pedro Henrique Máximo Pereira Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Ricardo Trevisan

82

Figura 4 – Malha viária e quadras do projeto urbanístico para Alexâ- nia. Fonte: Autor, 2018.

A ocupação inicial da cidade ocorreu que a cidade fosse implantada de acordo à medida que seus lotes eram executados, com as especificações presentes no pro- doados e vendidos, criando, assim, uma jeto, Abdallah contou com trabalhadores espécie de povoado. Esta estratégia de de Olhos D’Água, Corumbá de Goiás e Abdallah para concretização da nova Anápolis. Além do mais, para a coorde- cidade inicia-se já em 1957 antes mesmo nação das obras, Fritz Gezets, um en- de Olhos D’Água se tornar a sede do genheiro alemão residente em Goiânia, município. Os primeiros lotes abertos foi contratado. Segundo Paula Stumpf eram lindeiros à rodovia, fato que esti- (2014), a mudança da sede do município mulou sua ocupação imediata a fim de foi encarada pelos moradores de Olhos abastecer e oferecer recursos às emprei- D’Água como um golpe a seu desenvol- teiras e viajantes (Figuras. 5a e 5b). Para vimento, visto que os investimentos e a

Figura 5 – a) Colocação da pedra fundamental do município, em 1957, próximo à rodovia Brasília-A- nápolis; b) Demarcação de vias da nova trama urbana no cerrado, em 1957. Fonte: Alex Abdallah, 2012.

Thesis | Volume 5 | 2018 ISSN 2447-8679 Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Pedro Henrique Máximo Pereira Ricardo Trevisan

disponibilidade de energia elétrica (neste para a narrativa de implantação deste 83 momento produzida por um gerador) conjunto de cidades novas no interior do direcionavam-se a Alexânia. Brasil. A história de Abadiânia é marcada O trecho de Alexânia limítrofe à por uma sucessão de conflitos territoriais, rodovia foi, no projeto, pensado para que ora latentes, ora evidentes. As marcas ela fizesse parte da paisagem urbana. deste processo estão presentes em seu Sua ocupação ocorreu, de certo modo, espaço urbano. Os dois principais nomes acelerada nos anos iniciais (Figura 6a); que representam as forças deste conflito no entanto de modo desigual em toda a são Oribes Gontijo (ex-prefeito) da Silva malha implantada. O comércio lindeiro e Osorio Rodrigues Camargo (ex-vere- à rodovia era pujante (Figura 6b), bem ador). Este dado foi testificado a partir como sua arquitetura inicial tinha traços de fontes primárias (plantas urbanísticas, do racionalismo carioca, como no Clube memorial descritivo, documentos de car- Nova Florida, de 1965 (Figura 6c). Não tório) e pela entrevista com filhos destes obstante, o nome da cidade, mesmo com dois protagonistas, Ronaldo Gontijo a mudança da sede do município, perma- (ex-prefeito do município) e Irene Ca- neceu Olhos D’Água até 1963. Conflitos margo. Cabe, antes de adentrarmos aos eram frequentes visto que havia forte meandros dessa história, uma observa- resistência à iniciativa de Abdallah, fato ção: o que entendemos aqui por conflito que atrasou as negociações e, de certo refere-se a uma característica intrínseca modo, contou com relações mais estreitas à logica dos territórios como fronteiras. com Anápolis e Brasília do que com sua Portanto, no caso de Abadiânia, este antiga sede. conflito é locacional, fenômeno que se revela materialmente na divisão física da Figura 6 – a) Alexânia em cidade por meio da infraestrutura que a 1976; b) Posto de combustí- DE POSSE D’ABADIA A ABADIÂNIA fez surgir: a rodovia. vel Texaco à beira da rodovia; c) Clube Nova Flórida, de 1965 – Abadiânia foi o novo nome dado ao traços da arquitetura racionalista Seguindo a lógica das cidades de relocação, antigo povoado de Corumbá de Goiás, carioca. Fonte: Revista Alexânia o caso de Abadiânia também colabora Posse, quando da sua elevação a Distrito Ontem-Hoje, novembro de 1976.

ISSN 2447-8679 Thesis | Volume 5 | 2018 Pedro Henrique Máximo Pereira Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Ricardo Trevisan

84 em 1943 e emancipada em 1954. Este um bar, uma pousada e um comércio de nome está ligado à ancestralidade deste secos e molhados, lugar muito utilizado pequeno núcleo, formado pela lenta pelos viajantes. Com as obras da rodovia migração de devotos à Nossa Senhora da iniciadas, as instalações da Construtora Abadia e pela relevante peregrinação de Rabello S.A., de Minas Gerais, atraíram fieis ao local, rito cuja gênese remonta a trabalhadores que começaram a se fixar

5 meados do século 19 e que permanece no loteamento feito por Osório de Ca- José Espíndola era um almirante até nossos dias (GOMES DA SILVA, margo, no limite norte da rodovia. Este da Marinha Brasileira, também um importante radiotelegrafista. Se- 2005). Seu traçado urbano, relativamente loteamento composto por 14 quadras gundo Irene Camargo (2017), este regular, não seria empecilho para sua recebeu o nome de Lindo Horizonte, militar, conhecido como Dr. Espín- expansão caso sua localização não fosse inspirado na relação que Osório tinha dola, prestou socorro à sua mãe que passava por uma depressão pós-par- num vale, assim como as coloniais Goiás com Belo Horizonte. Nele foi instalada a to na ocasião de uma de suas visitas e Pirenópolis. Com o anúncio da cons- primeira escola da região que possuía por a Lindo Horizonte (Abadiânia). trução de Brasília e das infraestruturas nome “Reunidos de Lindo Horizonte”. necessárias para interligá-la às regiões Do outro lado da rodovia, na par- após as eleições de 1955, inicia-se as visi- te sul, encontrava-se as instalações da tas técnicas para demarcação do percurso NOVACAP que, mesmo depois da da rodovia Brasília-Anápolis. A notícia inauguração da infraestrutura, permane- da mudança do local da sede de Abadiâ- ceu em Abadiânia para sua manutenção nia começa a se alastrar em 1956 quando e para o plantio das extensas áreas de o engenheiro Bernardo Sayão visitou o eucalipto, presentes até hoje nos horizon- pequeno núcleo religioso e se encontrou tes da cidade (CAMARGO, 2017). Em com autoridades locais, segundo Reinal- 1960, Juscelino Kubitschek, ao passar do Gontijo (2017). Essas visitas à região, pelas instalações da NOVACAP deixou conforme Irene Camargo (2017), pas- um telegrama a Oribes com os seguin- saram a ser regulares, não somente por tes escritos: “Oribes Gontijo da Silva, 5 Sayão, mas por José Espíndola e pelo mude a cidade para o Planalto Central, próprio Presidente Juscelino Kubitschek pois, Brasília é uma realidade”. Seguin- e sua equipe. do as orientações do então Presidente Na planície em que hoje se localiza a da República, Oribes dá andamento à rodovia, nas imediações da nova cidade, mudança de sítio da cidade e enviou o havia uma estrada que eventualmente era projeto de Lei nº 11 à Câmara Municipal, utilizada para pousos e decolagens aéreas, sendo aprovada em 3 de agosto de da comitiva responsável por demarcar o 1960. A escolha do sítio já estava pré- percurso da rodovia. Nas imediações des- selecionada, visto que nas imediações ta estrada havia as instalações de Osório da Rodovia já existia as ocupações de Rodrigues Camargo, um importante Lindo Horizonte. A Fazenda Soledad foi cerealista e proprietário das fazendas escolhida, pois ela revelava-se uma planí- Capivari e Soledad. Nelas encontrava-se cie adequada à instalação da futura sede

Thesis | Volume 5 | 2018 ISSN 2447-8679 Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Pedro Henrique Máximo Pereira Ricardo Trevisan

85

Figura 7 – Principais condicio- nantes locais para elaboração do projeto urbanístico de Abadiânia. Fonte: Autor, 2018. do município (Figura 7). Aqui há um partido urbanístico com fortes semelhan- conflito de fontes. Irene Camargo (2017) ças ao de Corrêa Lima. Além do traçado, afirma que a fazenda foi doada ao mu- a setorização da cidade e a locação dos nicípio. Ronaldo Gontijo (2017) afirma edifícios públicos guardavam esta relação. que ela foi desapropriada pelo município. A convergência das vias culminava na Segundo dados presentes no Livro 3B de Praça Cívica, por nome Praça D’Abadia. Transcrições das Transmissões de 10 de Margeando a Praça estariam os edifícios maio de 1961, presente no Cartório do públicos, como a Prefeitura, o Fórum, os 1º Ofício de Notas e Registro de Imóveis Bancos e a Agência dos Correios, bem de Abadiânia, houve uma desapropriação como a Igreja Matriz e um Cinema. O com pagamento de 255 mil cruzeiros por plano ainda conta com mais duas quadras 25 alqueires de campo. margeadas pelas diagonais, a Avenida O projeto e o início das obras datam Anápolis (sentido noroeste) e a Avenida também de 1961. O projeto foi enco- Brasília (sentido nordeste). Uma Dele- mendado a Nilton Rabello (CREA. gacia foi pensada e localizada na porção C.p.296.), um agrimensor que, segundo sul do plano. As áreas comunitárias como Gontijo (2017), trabalhava na região de o Setor de Lazer, o Ginásio, o Mercado 6 Corumbá de Goiás. O projeto apresenta Público e o Estádio Municipal também uma solução erudita, comum em projetos ficaram nos limites sul da cidade, bem relevantes na história do urbanismo: o como uma Escola, afastados da rodovia patté d´oie ou a pata de ganso, repertório (Figura 8). utilizado por Attilio Corrêa Lima no O plano tende à simetria, mas ela não projeto de Goiânia (1932-1935), capital foi plenamente conquistada em função 6 do estado. Oribes Gontijo era próximo do desenho da rodovia. A chegada mais Pela descrição física e de compor- de Pedro Ludovico Teixeira e o admirava, fluida à cidade seria pela rodovia no tamento de Nilton Rabello feita por Reinaldo Gontijo (2017), presume- assim como Alex Abdallah. A referência sentido Anápolis-Brasília (oeste), ponto -se que este agrimensor trabalhava máxima para o prefeito, neste sentido, se- mais distante da Praça Cívica, dado que para a Construtora Rabello, res- ria a capital. Com visitas in loco a Goiânia­ fez com que um deslocamento da via, no ponsável por desbravar o trecho da Brasília-Anápolis que passava pelo e esboços, Rabello decidiu apresentar um plano, já fosse desenhado. A avenida que território de Abadiânia.

ISSN 2447-8679 Thesis | Volume 5 | 2018 Pedro Henrique Máximo Pereira Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Ricardo Trevisan

86

Figura 8 – Diretrizes estabele- cidas no plano urbanístico de Abadiânia. Fonte: Autor, 2018.

cruzaria a cidade de Norte a Sul teria o Horizonte e as ocupações da Fazenda nome de Abadiânia, fazendo referência à Capivari, ao norte. É importante sa- antiga sede de município. Tal fato ocorre lientar que as preexistências lindeiras ao em função das perspectivas que a cidade plano de Altamira (Abadiânia), não são implantada teria por nome Altamira reveladas nos desenhos, mas são indi- (concorrendo com o nome do loteamen- cadas por nomes e são descritas tanto to vizinho, Lindo Horizonte). Contudo, por Irene Camargo (2017) quanto por o nome de Altamira foi impossibilitado Ronaldo Gontijo (2017). Neste sentido, pelos trâmites de mesma natureza no a rodovia, objeto que parecia unificar as estado do Pará, com uma cidade homô- forças políticas no projeto de transferên- nima, permanecendo assim Abadiânia cia da sede de Abadiânia, neste contexto (Figura 9). pós-1960 transforma-se em uma clara A implantação da cidade, ao sul da fronteira de disputas territoriais. Na rodovia, também foi acompanhada por parte norte da rodovia, em razão de ter Nilton Rabello. Com a execução dos pri- sido o núcleo inicial e preexistente, tem- meiros lotes, aqueles lindeiros à rodovia, -se a falta de conteúdos técnicos, como a ocupação da cidade intensifica-se neste a transição de bairros ou loteamentos trecho, concorrendo também com Lindo novos, bem como um desenho urbano

Thesis | Volume 5 | 2018 ISSN 2447-8679 Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Pedro Henrique Máximo Pereira Ricardo Trevisan

87

Figura 9 – Planta original da cidade de Altamira, atual Abadiâ­ nia, de 1961. Fonte: Cartório do 1º Ofício de Notas e Registro de Imóveis de Abadiânia, 2018.

ISSN 2447-8679 Thesis | Volume 5 | 2018 Pedro Henrique Máximo Pereira Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Ricardo Trevisan

88 pouco fluido, diferentemente do caso da contexto ascende internacionalmente nova cidade pensada e implantada ao sul. com suas práticas religiosas, inverte a O projeto de Nilton Rabello, em totali- lógica de valorização dos terrenos de dade, representa um conjunto urbanístico Abadiânia e de seu crescimento urbano. que, de certo modo, equaciona problemas O novo núcleo implantado, ao sul, perde de circulação com uma hierarquia viária força e desvaloriza-se em detrimento adequada ao sítio e à relação com a ro- das aceleradas ocupações e valorização dovia, além de uma setorização relativa- do solo urbano ao norte da rodovia, que mente clara. conta com aproximadamente cinquenta A luta, não pela posse da terra, mas pousadas vinculadas ao turismo religioso. pela sua ocupação por terceiros se acirra Para além deste processo, que é recente, entre as partes norte e sul da rodovia. o valor e Abadiânia para a construção A disponibilidade de lotes na porção de um vocabulário urbanístico no Brasil sul da rodovia, no núcleo planejado, Central junta-se, com este trabalho, aos bem como sua extensão, fez com que demais casos já pesquisados, em pesquisa, as negociações fossem facilitadas. Ali, e aqueles que serão ainda descobertos e as primeiras ocupações ocorreram pela revelados. expressiva doação de lotes, fato que induziu à posterior comercialização dos que estavam ainda disponíveis. Dada CONCLUSÃO esta urbanização inicial, com população estimada em 3 mil habitantes (IBGE, Seria possível medir ou averiguar os 2017), os poderes foram transferidos para impactos territoriais da transferência da a nova sede em 1963 pela Lei Municipal capital federal do Rio de Janeiro para nº 67 de 12 de setembro. A disputa por Brasília? Iniciamos este documento com atração de moradores se encerra quando esta inquietação, angústia motivada pelos Osorio Camargo falece em 1965, ficando recentes ataques à cidade, à interiorização o núcleo preexistente com estagna- dos poderes e ao processo dela deriva- ção de crescimento nas próximas três do. Diferente do que possa parecer, este décadas, período em que o novo núcleo documento não é, a priori, uma defesa implantado ao sul teve maior expressão de seus autores, personagens políticos ou de crescimento e ocupação. Tal processo de seu famoso projeto. Cientes de que se altera quando, em 1998, João Teixei- este esforço já foi intensamente dispen- ra de Faria ( João de Deus), que havia dido por importantes pesquisadores e chegado à cidade em 1976 e se instalado intelectuais ao longo de sua juventude, próximo à Praça Cívica, muda-se para os nos debruçamos para além desta seara limites norte do município, nos rincões e posicionamos Brasília por outro viés: da Fazenda Capivari, na Vila Bastos. A existiriam Brasílias fora de Brasília ou Casa Dom Inácio de Loyola, que neste distantes dela? O que gerou a nova

Thesis | Volume 5 | 2018 ISSN 2447-8679 Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Pedro Henrique Máximo Pereira Ricardo Trevisan

capital na dimensão urbana do interior ção da Anápolis-Brasília (1957-1958), 89 da nação? um trecho da Belém-Brasília. Ademais Brasília, em suas esferas estética e destes importantes fatos, vislumbramos política, extrapolou a si própria. Sua que este documento acrescente estas criação e implantação fez revelar luga- cidades nas discussões futuras sobre as res do Brasil outrora desconhecidos e cidades novas no Brasil, visto que as inóspitos, e hoje, suportes para culturas informações aqui apresentadas sobre seus eminentemente urbanas e ávidos ao for- projetos e processos de implantação são talecimento de suas economias regionais inéditas na historiografia. e locais. Para chegar a tais conclusões es- Nelas, o rebatimento do Plano Piloto tabelecemos dois recortes: a leitura aqui de Brasília aparecem das seguintes ma- encampada referiu-se à curta duração neiras: 1) ambas situam-se em planícies, da criação e implantação da nova capital sendo este o principal critério adotado (1956-1960) e ao longo trecho da rodo- para a escolha do lugar para implanta- via Belém-Brasília (1958-1959). Neste -las; 2) ambas possuem projeto, sendo recorte espaço-temporal, verificamos que o de Alexânia derivado de uma malha a transferência da capital federal para a ortogonal com especialização de vias e hinterlândia desdobrou-se em políticas zoneamento, e Abadiânia derivado do locais e iniciativas privadas de criação de repertório da patté d´oie (pata de ganso), novas cidades, ou seja, as políticas ado- com hierarquia viária clara e setorização; tadas na escala federal reproduziram-se 3) ambas foram projetadas por profissio- nas microescalas das políticas regionais nais: Alexânia por técnicos da Empresa e locais tocadas pela Belém-Brasília. Brasil de Imóveis Limitada, de Belo Diretamente influenciados por Brasí- Horizonte, e implantada pelo engenheiro lia, dez casos de cidades novas foram alemão Fritz Gezets, e Abadiânia, proje- identificados: Alexânia (1957) e Aba- tada e implantada pelo agrimensor Nil- diânia (1960-61), em Goiás; Araguaína ton Rabello, que trabalhava em Corumbá (1958), Gurupi (1958), Miranorte (1959) de Goiás; 4) ambas satisfazem ao desejo e Colinas do Tocantins (1960), no atual de políticos locais e federais de mudança estado do Tocantins; Açailândia (1958), de seus antigos sítios para o Planalto Imperatriz (1959) e Itinga do Maranhão Central, respondendo à eminente neces- (1959), no Maranhão; e Ulianópolis sidade (5) de ocupa-lo. Por fim, 6) ambas (1958), no Pará. representam seu tempo, assim como Destes casos, Alexânia e Abadiânia Brasília, de uma modernidade particular- foram escolhidos para serem explanados mente progressista, desenvolvimentista e aprofundados. Além de serem cidades e nacionalista, que no contexto de suas novas de relocação, a criação de ambas as criações utilizaram-se do repertório e do cidades foi diretamente influenciada por vocabulário do urbanismo moderno para Juscelino Kubitschek durante a constru- se materializarem.

ISSN 2447-8679 Thesis | Volume 5 | 2018 Pedro Henrique Máximo Pereira Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Ricardo Trevisan

90 A implantação da rodovia foi impres- bem como de areia e pedras (disponí- cindível para que estas cidades fossem vel em abundância às margens do Rio criadas e conectadas entre si. Ela foi uma Corumbá). Neste sentido, configurou-se espécie de fio condutor dos fluxos ao desde a implantação da Anápolis-Brasília interior e a partir dele, e fio aglutinador (1957-1958), da Belém-Brasília (1958- de ocupações e de experiências urba- 1959) e destas novas cidades uma rede nísticas que culminou na modernização urbana relativamente ocupada capaz de das cidades preexistentes e na criação de subsidiar a formação da região urbana novas. Com recorte em Alexânia e Aba- Goiânia-Brasília no alvorecer do século diânia, a leitura também deve considerar 21. No mais, a depender da escala a se o importante papel exercido por Anápo- averiguar as transformações no inte- lis e Goiânia neste contexto, cidades mais rior do Brasil no recorte pós-1960, será desenvolvidas e ocupadas na região até inescapável enxergar Brasília, mesmo que então. Em conjunto com Anápolis, essas ela não seja o alvo das questões. O valor duas cidades novas auxiliaram na cons- da nova capital, mais do que ela própria, trução de Brasília e da Brasília metro- está na modernização dos rincões do país politana com o fornecimento de tijolos e na nova vida que ela propiciou, mesmo e telhas (em função de forte indústria estando a aproximadamente 2.000 quilô- cerâmica que nelas estão instaladas), metros de distância dela.

REFERÊNCIAS

ABDALLAH, Alex. Alex Abdallah. [2012] Entrevista concedida a Guilherme Verano, 2012. CAMARGO, Irene. Como Abadiânia nasceu? depoimento. [17 de julho, 2017]. Entrevista conce- dida a Pedro Henrique Máximo Pereira, 2017. CHAIA, Vera; CHAIA, Miguel Wady. A dimensão política de Brasília. Cadernos Metrópole (PUCSP), v. 20, p. 165-178, 2008. COSTA, Lucio. Relatório do Plano Piloto de Brasília. Brasília: GDF, 1991. COUTO, Ronaldo Costa. Brasília Kubitschek de Oliveira. Rio de Janeiro: RECORD, 2001. CURADO, Ramir. Alexânia, a cidade dos meus sonhos: a saga de Alex Abdallah, o fundador de Alexânia. Corumbá de Goiás: edição do autor, 2015. GOMES DA SILVA, Célio. A história de Oribes: exemplo de responsabilidade fiscal.Goiânia: São José Gráfica e Editora, 2005. GONTIJO, Ronaldo. Como Abadiânia nasceu? depoimento. [17 de julho, 2017]. Entrevista con- cedida a Pedro Henrique Máximo Pereira, 2017. HOLSTON, James. Cidade Modernista: uma crítica de Brasília e sua utopia. São Paulo: COMPANHIA DAS LETRAS, 1993.

Thesis | Volume 5 | 2018 ISSN 2447-8679 Alexânia e Abadiânia, duas cidades novas para Brasília Pedro Henrique Máximo Pereira Ricardo Trevisan

KUBITSCHEK, Juscelino. Por que construí Brasília. Brasília: SENADO FEDERAL, CON- 91 SELHO EDITORIAL, 2000. LACERDA, Larissa Alves; TREVISAN, Ricardo. Aragarças no Brasil Central: modernidades pré-Brasília. In: ANAIS do V Enanparq, Salvador, 15-19 de outubro de 2018. LIMA, Cassimiro da Mata. Rubiataba: Primeiros tempos 1948-1959. Goiânia: KELPS, 2012. LIMA, Ricardo Gomes (Org.). Fios de Olhos D’Água. Rio de Janeiro: FUNARTE, CFCP, 1995. SOUSA, Michelle Louise, PACHECO, Rafael Araújo. A Influência da Rodovia Belém-Bra- sília no Processo de Desenvolvimento das Cidades do Centro-Norte de Goiás. Revista Geoaraguaia, v. 3, p. 246-262, 2013. STUMPF, Paula Groehs Pfrimer Oliveira. Sertões e Patrimônios: uma história de Santo Antô- nio de Olhos D’Água-GO. In: Patrimônio e História. LEAL, Elisabete; PAIVA, Odair da Cruz (Orgs.). Londrina: UNIFIL, 2014. TREVISAN, Ricardo. Cidades Novas. Tese de doutoramento. Brasília: FAU-UnB, 2009.

Pedro Henrique Máximo Pereira – Arquiteto e Urbanista (UEG), Artista Visual (UFG), mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo PPG-FAU-UnB e doutorando pelo mesmo programa. É professor dos cursos de Arquitetura e Urbanismo da UEG e PUC-Goiás, e participa dos grupos de pesquisa Paisagem, Projeto e Planejamento – LABEURBE (UnB), Novas Cidades (UnB) e Cronologia do Pensamento Urbanístico (UFBA). E-mail: [email protected]

Ricardo Trevisan – Arquiteto e Urbanista (IAU-USP), mestre em Engenharia Ur- bana (UFSCar) e doutor em Arquitetura e Urbanismo (UnB). É professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU-UnB. É líder do grupo de pesquisa Paisagem, Projeto e Planejamento – LABEURBE (UnB), e co- ordenador do grupo Cronologia do Pensamento Urbanístico na UnB. E-mail: prof. [email protected]

ISSN 2447-8679 Thesis | Volume 5 | 2018