Teledramaturgia Brasileira: as minisséries

Ângela Aparecida Batista Conversani Altamir Botoso Unimar

Podemos considerar que o surgimento das exibição das novelas das sete e das oito minisséries televisivas tem sua origem nas da noite, ou seja, uma hora. Entretanto, é primeiras novelas transmitidas pelo rádio e válido ressaltar que as telenovelas das seis pela televisão, pois elas eram curtas, com podem ser consideradas como um embrião cerca de vinte capítulos e, inicialmente, a- das futuras minisséries apresentadas a par- presentadas durante alguns dias da semana tir de 1982, com Lampião e Maria Bonita, até se tornarem diárias. de Aguinaldo Silva e Doc Comparato. Se As novelas atuais têm uma média de du- levarmos em conta que as telenovelas men- ração de uma hora, mas nem sempre foi cionadas acima teriam por volta de cinqüenta assim. As telenovelas exibidas pela Rede capítulos, com a exibição diária de uma hora, Globo de Televisão, no horário das seis da é possível considerá-las como um formato tarde, duravam trinta minutos e várias de- muito próximo ao das minisséries. Contudo, las não chegavam a ter mais de cem capí- sabemos que o investimento e a qualidade tulos. A título de ilustração, recordemos al- destas últimas são bem superiores àquelas. gumas destas novelas: Helena (1975), de Quanto ao formato das minisséries, Luiz , com 20 capítulos; Escrava Carlos Rondini (2007, p. 1-2) afirma que há Isaura (1976), de Gilberto Braga, com 100 três ordens de considerações que o carac- capítulos; À sombra dos laranjais (1977), de terizam: 1) o número de capítulos: mais de Benedito Ruy Barbosa e Sylvan Paezzo, com um e bem menos capítulos que uma nov- 89 capítulos; Memórias de amor (1979), de ela; 2) aberto ou fechado quanto à escrita Wilson Aguiar Filho, com 71 capítulos; Ol- (estar ou não concluído quando a minissérie hai os lírios do campo (1980), de Geraldo está sendo exibida) e construção cuidadosa Vietri e Wilson Rocha, com 107 capítulos; da produção; 3) temáticas ligadas à reali- Terras do sem fim (1981), de Walter George dade nacional, construídas por meio de tex- Durst, com 89 capítulos.1 tos originais ou adaptados e o horário e o Na década de 80, as novelas das seis pa- período de exibição. ssaram também a ter o mesmo tempo de De um modo mais específico, Anna Maria Balogh (2005, p.193-194) afirma que 1Para mais informações, consultar o site www.telenovela.hpg.ig.com.br. 2 Ângela Aparecida Batista Conversani, Altamir Botoso

[...] a minissérie constitui o formato mais recebe maiores investimentos e cuidados na fechado de todos os demais formatos sua produção, escalação de elenco e também de ficção que a tradição televisiva con- é direcionada a um público mais seleto e sagrou: séries, seriados, unitários e telen- exigente. ovelas. A minissérie só vai ao ar quando De um modo geral, as minisséries da inteiramente terminada. A novela, pelo Rede Globo têm uma média de vinte capí- contrário, mais parece um grande gerún- tulos,2 são exibidas por volta das 22 ho- dio em processo de gestação enquanto é ras nos primeiros meses do ano e várias de- exibida, passível de mudanças e modu- las também foram apresentadas no segundo lações, caracterizada por uma cotidianei- semestre. Conforme aponta Rondini (2007, dade próxima àquela da vida do espec- p. 2), até 2003, 30 minisséries foram exibidas tador. Todas estas características tornam no primeiro semestre e 24 no segundo. a novela um texto bem mais poroso e Além disso, as minisséries gozam de uma vulnerável às inserções de merchandis- maior liberdade em relação à temática e ing, tanto político quanto social, além do aos índices de audiência. Na rede Globo, o comercial propriamente dito. O texto da horário a partir das 20 horas, no qual se trans- minissérie devido à sua clausura poéti- mite o Jornal Nacional e, em seguida, a nov- ca é o que mais se aproxima do universo ela das oito, é considerado como o prime literário, até mesmo em termos de exten- time e “tem os segundos de intervalos com- são, que no Brasil é muito mais longa que erciais mais caros da televisão brasileira e, no estrangeiro, se presta admiravelmente conseqüentemente, as cobranças da empre- para a transposição de romances. A mes- sa por maiores índices de audiência nesse ma clausura do texto torna o formato bem horário são também maiores” (RONDINI, mais impermeável do que os demais a 2007, p. 2). qualquer tipo de inserção estranha ao tex- As minisséries, como eram e são apresen- to, sobretudo de merchandising. tadas próximas ou um pouco depois das 22 A posição das minisséries no mosaico de horas, sofriam menos interferências da cen- programação, em geral após as dez horas sura e podiam inovar e até discutir assuntos da noite, dirige os processos de recepção polêmicos: para um público mais seleto e mais ex- 2 Em alguns casos, a quantidade de capítulos tem igente do que o das novelas prévias do variado bastante: Meu destino é pecar (45 capítulos); mosaico. Todos estes fatores acentuam o Riacho doce (40); O sorriso do lagarto (52), A mural- esmero das minisséries em relação aos ha (49), Aquarela do Brasil (60), A casa das sete mul- demais formatos, tanto é assim que elas heres (53). Para mais informações, veja-se o artigo de constituem la crème de la crème da pro- Luiz Carlos Rondini, “As minisséries da Globo e a grade de programação”, 2007, p. 10-14, onde o autor gramação das emissoras e, em conse- apresenta um quadro das minisséries globais de 1982- qüência, os formatos mais disputados pe- 2003, informando o nome dos autores, dos diretores, los profissionais da área. o ano, o mês, o horário de exibição e a quantidade de capítulos. Portanto, para Balogh, a minissérie constitui-se num produto diferenciado, que

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Seguindo a tradição dos seriados e das Manchete, há uma mudança de orien- novelas das 22 horas, o horário foi lu- tação no que tange ao formato bási- gar de tramas que buscavam ampliar o co da ficção seriada televisiva basea- leque de assuntos para temas consider- da em literatura de autores nacionais ados tabus e para o aprofundamento de — esse filão se fará presente basica- questões comportamentais, de violências mente em minisséries. Entre 1980 e ou históricas que, pressupunha-se, não 1997 a Globo, a Manchete e a Ban- agradariam nem aos censores, nem ao deirantes realizaram mais de vinte minis- público do horário nobre. [...] séries deste tipo. Ou seja, do conjunto [...] o horário das 22 horas, por atingir, das cerca de 69 minisséries produzidas de em princípio, um público menor, sofria 1982, ano em que esse formato se con- uma menor restrição dos censores, per- solidou (com Lampião e Maria Bonita, mitindo, segundo os próprios produtores Globo), até fins de 1997, 37 % delas (26) da época, uma maior ousadia no trata- foram adaptações de romances de autores mento da história. (RONDINI, 2007, p. brasileiros. 2). Ainda segundo a referida autora, as minis- As restrições e os cortes da censura dimin- séries adaptadas da literatura brasileira que uíram, mas, mesmo assim, minisséries co- mais se destacaram “pelo cuidado e requinte Bandidos da falange Anarquistas mo (1983), de suas produções” (REIMÃO, 2004, p. 28) graças a Deus Anos rebeldes (1984), (1992) foram: Grande sertão: veredas, adaptação da sofreram a ação e as restrições da censura obra de João Guimarães Rosa (Globo, 1995), (as duas primeiras) e a terceira, do próprio Agosto, de Rubem Fonseca (Globo, 1993) e presidente da Rede Globo, , Memorial de Maria Moura (Globo, 1994) que declarou: “É assim que funciona. Tudo e, em termos de impacto social e geração faz parte de um sistema. Quem quiser falar de polêmica, a minissérie Anos rebeldes, de coisas livremente deve escrever um livro ou Gilberto Braga e Sérgio Marques (Globo, montar sua própria emissora de televisão” 1991) que, embora não seja uma adaptação (apud RONDINI, 2007, p. 2). Assim, obser- literária, teve grande repercussão por tratar vamos que a censura não deixou de existir, de um período marcado pela opressão e pela mas, paulatinamente, tornou-se mais branda, censura, o regime militar, também conheci- com uma grande abertura para novos temas e do metaforicamente como “anos de chum- maiores possibilidades para o novo formato bo” em face das arbitrariedades e violên- televisivo que se firmou nas décadas de 80 e cias perpetradas pelos militares contra o po- nas seguintes. vo brasileiro. Outro ponto importante em relação às Conforme foi apontado, as minisséries, minisséries é o fato de muitas delas serem cujo número de capítulos e curta duração adaptações de obras literárias, conforme aproximam-nas das primeiras novelas ap- aponta Sandra Reimão (2004, p. 28): resentadas no rádio e depois na televisão, [...] nos anos 1980 e 1990, pode-se diz- transformaram-se num produto diferenciado er que, especialmente na TV Globo e e mais aprimorado: www.bocc.ubi.pt 4 Ângela Aparecida Batista Conversani, Altamir Botoso

Dos anos 1980 para cá, parece que as história parece não avançar. Nesse senti- minisséries, produtos de maior prestígio do, se o espectador perder um ou mais e sofisticação no conjunto da produção capítulos é possível retomar o entendi- televisiva ficcional seriada, é que passam mento da história em poucas assistên- então, a ser o espaço da adaptação de ro- cias. A minissérie, por ser mais rápida mances de autores nacionais com ênfase em sua narrativa, exige que o especta- para este fato. Nas minisséries, o recur- dor esteja atento ao desenvolvimento da so a tramas e personagens advindos de trama. Um capítulo perdido, dependen- romances de escritores brasileiros parece do do tamanho da minissérie, pode im- ter duas funções básicas: a primeira de- plicar em perder o fio da história, poden- las seria fornecer personagens e enredos do gerar desinteresse em novas assistên- mais sólidos que os da média das telenov- cias. Essa questão, juntamente com a ex- elas, muitos deles com traços de ‘época’ ibição em um horário mais tardio, são ou regionalismos que se destacam em dificuldades naturais das minisséries di- uma produção que se propõe ser mais ante do público. A mudança ocorrida em cinematográfica que televisiva. Uma Se- 1990 aumentou o intervalo de exibição gunda função que as minisséries parecem de dois para três dias, de sexta até terça- ter, especialmente as oriundas de adap- feira, ampliando a possibilidade de dis- tações literárias, é a de atuarem como for- persão do público. (RONDINI, 2007, p. ma de legitimação do veículo TV no con- 4-5). junto das produções culturais nacionais, no sistema cultural brasileiro como um A principal diferença entre as novelas e as todo, um sistema que, cada vez mais, minisséries é o fato de que as primeiras são gravita em torno desse meio. (REIMÃO, mais longas, são exibidas de segunda a sába- 2004, p. 29-30). do, permitem que o telespectador perca al- guns capítulos e ainda possa voltar a assisti- Segundo Sandra Reimão, as obras las, sem grande prejuízo para a compreensão literárias, além do fornecimento de person- da trama. As minisséries, por sua vez, são agens e enredos sólidos para as minisséries, mais concentradas, necessitam de um públi- buscam legitimar as produções televisivas co mais fixo, pois a perda de um único capí- como um bem cultural, ou seja, como obra tulo pode comprometer o entendimento do de arte que possui semelhanças com as seu enredo. Além disso, até 1990, as minis- produções cinematográficas. séries eram apresentadas de segunda a sexta- Embora as minisséries tenham um par- feira, mas a partir de Desejo, de , entesco inegável com as telenovelas, como elas passaram a ser exibidas de terça a sexta- discutimos anteriormente, atualmente, elas feira e, às segundas-feiras, sempre é apresen- diferenciam-se bastante destas: tado um filme de sucesso na sessão denomi- nada Tela quente, após a novela das oito. As novelas contêm uma narrativa mais Ainda que as minisséries dependam de um lenta e um alto grau de redundância, as telespectador mais assíduo e, até certo ponto, chamadas barrigas, momentos em que a mais crítico e apto a lidar com temas polêmi-

www.bocc.ubi.pt Teledramaturgia Brasileira: as minisséries 5 cos e variados, elas caracterizam-se por ser facilmente visíveis nesta minissérie podemos um produto mais bem elaborado, que recebe citar a formação do triângulo amoroso, as um cuidado diferenciado e possibilitam tam- aventuras do bando de Lampião, os combat- bém uma maior experimentação e ousadia de es entre a força policial e os cangaceiros e a seus produtores. impossibilidade de um final feliz para os pro- Depois de aclararmos o que é uma minis- tagonistas, à moda de Camilo Castelo Bran- série, quais os seus traços mais relevantes e co (Amor de perdição). diferenciá-la das telenovelas, julgamos que Meu destino é pecar (1984) foi uma minis- seja válido comentar algumas minisséries série baseada no romance homônimo de Nel- exibidas pela Rede Globo e ainda mencionar son Rodrigues. A trama gira em torno de as minisséries produzidas por outros canais Leninha (Lucélia Santos), que se vê obri- de televisão, tecendo algumas considerações gada a casar sem amor com Paulo (Tarcísio sobre suas particularidades. Meira). Uma vez casada, nega entregar-se ao Nas minisséries apresentadas tanto pela marido, enquanto vai se sentindo atraída ca- Rede Globo quanto por outras emissoras, da vez mais pelo cunhado [2500?] Maurício é possível afirmar que em todas elas está (Marcos Paulo). De acordo com Ismael Fer- presente o folhetim como elemento estrutu- nandes (1994, p. 293), o enredo apresentado rador por meio da história de um par central foi uma “honesta transposição do universo (muitas vezes triângulos amorosos), ao qual de na linguagem da minis- se ligam uma série de outras tramas paralelas série, valorizada pelo soberano clima folheti- ou subtramas. Tal fato pode ser verificado na nesco que emanava da trama”. Aliás, Nelson amostragem que se segue e que dá conta do Rodrigues publicou o livro sob o pseudôni- enredo de algumas minisséries selecionadas mo de Suzana Flag e a história é mesmo um por nós, a título de amostragem. folhetim, que respeita e segue a fórmula des- Na história de Lampião e Maria Boni- ta modalidade narrativa. ta (1982), primeira minissérie apresentada Em Anos dourados (1986), a trama se pas- pela Rede Globo, são contados os últimos sa no Rio de Janeiro, a capital do Brasil, no dias de Lampião (Nelson Xavier) e Maria final dos anos 50. Duas histórias de amor Bonita (Tânia Alves). A ação tem início impossíveis se intercalam. Na primeira, Lur- com o seqüestro do geólogo inglês Steve dinha (Malu Mader), uma garota de família Chandler (Michael Menaugh) pelo bando de conservadora, apaixona-se por Marcos (Fe- Lampião e o pedido de resgate feito ao gov- lipe Camargo), um rapaz do Colégio Mili- ernador da Bahia. Há um jogo de insinuações tar e filho de pais desquitados. A família da e troca de olhares nos quais Maria Bonita moça opõe-se veementemente ao romance demonstra interesse por Steve (que na ver- dos dois. Na segunda, a mãe de Marcos, dade quer seduzi-la para que ela o liberte), Glória (Betty Faria), apaixona-se por um somente não se consumando o relaciona- homem casado [2500?] 0 major Dornelles mento pelo medo que ela tem de Lampião. (José de Abreu). Este segundo romance é No final, a dupla central morre, assassina- marcado por oposições mais violentas ain- da pela polícia, acabando de modo trági- da que o primeiro: se uma mulher desquita- co sua história. Como aspectos folhetinescos da já era um escândalo para a sociedade da www.bocc.ubi.pt 6 Ângela Aparecida Batista Conversani, Altamir Botoso

época, o relacionamento com um homem movimento pendular, indo de um para o out- casado equivalia a considerar tal mulher co- ro de seus gigolôs. Além disso, a trama está mo uma prostituta. Está presente, nestes el- recheada de golpes perpetrados por Lu e seus ementos apontados, uma das marcas incon- dois amores. Há mistério: Guadalupe aban- fundíveis do folhetim: amores impossíveis, dona Mariano e ele, depois de algum tem- marginalização da mulher, preconceito, en- po, entra em um bar, onde há um show de fim, tudo o que é necessário para que uma uma bailarina mascarada. Depois de alguns história “caia” no gosto do público. capítulos, Mariano e o público vão descobrir O autor de Anos dourados foi também o que ela na verdade é Lu. As ações e aven- mesmo de Anos rebeldes (1992): Gilberto turas acumulam-se ao longo da minissérie, Braga. Esta minissérie mostra a luta clandes- nas quais o suspense e a emoção estão sem- tina de grupos engajados politicamente na pre presentes e ao final, há um “desfecho tentativa de mudar o país assolado pela di- comovente” (FERNANDES, 1994, p. 321), tadura e cobre os anos de 1964/71. O pano quando os protagonistas, já idosos, passam de fundo é o caso de amor entre Maria Lucia a viver numa mesma casa sem os arrou- (Malu Mader) e João Alfredo (Cássio Gabus bos da juventude, mas numa espécie de sol- Mendes). Além disso, a narrativa televisi- idariedade mútua, para garantir a sua sobre- va apresenta a história de Heloísa (Cláudia vivência. Abreu), filha do poderoso banqueiro Fábio Esta minissérie foi uma adaptação do ro- (José Wilker), que ajudou a financiar o golpe mance homônimo de Marcos Rey e é um fol- militar de 64 e acaba sendo fuzilada no últi- hetim típico, conforme se pode comprovar mo capítulo. pelos elementos mencionados acima. Novamente, há o recurso do par român- Uma das últimas minisséries apresentada tico a amarrar histórias paralelas, inclusive até este momento pela Rede Globo de Tele- trazendo para o público uma visão histórica visão [2500?] Queridos amigos (2008), de de momentos marcados pela repressão vio- , também se estrutu- lenta e pela falta de liberdade no período que ra basicamente num relato folhetinesco. Léo ficou conhecido como “os anos de chumbo” (Dan Stulbach) é um homem rico e gen- da ditadura militar brasileira. eroso que, depois de sonhar com a própria Apelando para o humor e a irreverên- morte, decide reunir seus amigos [2500?] cia, Memórias de um gigolô (1986) explo- Lena (Débora Bloch), Tito (Mateus Nachter- ra as aventuras de Mariano (Lauro Corona), gaele), Vânia (), Ivan (Luiz um aprendiz de gigolô, criado no bordel de Carlos Vasconcelos), Lúcia (Malu Galli), sua madrinha, Madame Yara (Elke Maravil- Rui (Tarcísio Filho), Benny (Guilherme We- ha). Mariano apaixona-se por uma das meni- ber), Flora (Aída Leiner), Pingo (Joelson nas do bordel [2500?] Guadalupe (conheci- Medeiros), Raquel (Maria Luísa Mendonça), da também como Lupe ou simplesmente Lu), Pedro (Bruno Garcia) e Bia (Denise Fra- mas tem que dividi-la com Esmeraldo (Ney ga) [2500?] procurando resgatar seus anti- Latorraca). Há uma série de reviravoltas no gos sonhos, seus ideais e suas paixões. É enredo: Lu parece amar tanto Mariano quan- claro que o reencontro vai trazer à tona ran- to Esmeraldo e passa toda a história num cores, amores infelizes, paixões reprimidas,

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pesadelos do passado (a violência e o es- tações de obras literárias é o fato de elas au- tupro da personagem Bia por um agente da mentarem a vendagem de tais obras: ditadura) etc. É evidente que esta mescla de histórias que se entrecruzam, remetem tam- [...] mesmo em casos de fracasso de au- bém ao formato folhetinesco, sem dúvida. diência, como ocorreu com a minissérie Seguramente, nota-se a sobrevivência e o Os Maias, problemas de produção não fôlego do folhetim que é a estrutura sobre a impediram a grande vendagem de alguns qual se assentam todas as narrativas televisi- livros adaptados. Reconhecemos que a vas que conhecemos, sejam elas novelas ou dramaturgia televisiva inspirada na lit- minisséries. eratura tem o mérito de movimentar as De acordo com o que vem sendo discu- livrarias. No mês em que a minissérie tido neste artigo, é possível verificar que, Agosto foi exibida, no ano de 1993, o das minisséries produzidas de 1984 até 2008, livro de Rubem Fonseca teve mais de trinta e quatro foram feitas tendo por base trinta mil exemplares vendidos. No caso textos literários, a maioria de autores do do romance Memorial de Maria Moura, século XX e vinte e nove foram textos origi- de , lançado em 1992, nais, ou seja, concebidos especialmente para foram vendidos cinco mil exemplares até o formato de minissérie. maio de 94, quando a minissérie estre- Dentre os autores mais adaptados ou. Durante o programa, a vendagem do- encontram-se , com quatro brou. O sucesso da minissérie A mural- obras adaptadas: Tenda dos milagres (1985), ha impulsionou a venda dos livros, mais Tereza Batista (1990), Dona Flor e seus de 18 mil exemplares do romance de Di- dois maridos (1998), Pastores da noite nah Silveira, que há muito estava fora (2002). Em seguida, aparecem Nelson de catálogo, foram comprados no mês Rodrigues, com duas obras: Meu destino é de janeiro de 2000. Outro exemplo desta pecar (1984), Engraçadinha (1995); Érico forte influência que as produções da rede Veríssimo, com O tempo e o vento (1985) e Globo exercem sobre o mercado edito- Incidente em Antares (1994); , rial está relacionado ao sucesso repenti- com O pagador de promessas (1988) e no em torno do livro A casa das sete Decadência (1995). mulheres, da autora Letícia Wierzchows- Verifica-se que há uma preferência por ki. Lançado em abril de 2002, tinham si- adaptar títulos nacionais de autores con- do vendidos, até a estréia da minissérie, hecidos do público. As únicas exceções são treze mil exemplares. Após chegar à TV, Mempo Giardinelli, escritor argentino, cu- ultrapassaram os trinta mil em três se- ja obra Luna caliente (1999) foi adaptada manas. (BRASIL JÚNIOR, GOMES e para a televisão como uma minissérie de OLIVEIRA, 2004, p. 5). três capítulos e Eça de Queirós, escritor por- tuguês, com dois romances adaptados: O pri- Notamos que são infundadas as críticas mo Basílio (1988) e Os Maias (2001). daqueles que afirmam que a adaptação prej- Um aspecto relevante que deve ser apon- udica a leitura, pois pelos dados expostos tado em relação às minisséries que são adap- acima, pode-se concluir que as obras adap- www.bocc.ubi.pt 8 Ângela Aparecida Batista Conversani, Altamir Botoso

tadas têm as suas vendas aumentadas consid- Bráulio Pedroso e Geraldo Carneiro, direção eravelmente e a exibição das minisséries fun- de Ary Coslov (1985), Santa Marta Fab- ciona como uma propaganda do livro adap- ril S. A., escrita e dirigida por Geraldo Vi- tado, propiciando a sua vendagem em larga etri, baseada na peça teatral de Abílio Pereira escala a um grande número de leitores. de Almeida (1984); Viver a vida, de Ma- Outras emissoras também se aventuraram noel Carlos, direção de Mário Márcio Ban- a exibir minisséries durante a sua progra- darra (1984), Marquesa de Santos, de Wilson mação. A extinta Rede Manchete3 foi a Aguiar Filho, direção de Ary Coslov (1984). rede que mais produções apresentou neste No total, a Manchete exibiu 16 minisséries e formato: O fantasma da ópera, de Paulo somente 6 delas foram adaptações de textos Afonso de Lima e Jael Coaracy, baseada literários (brasileiros e estrangeiros). na obra de Gaston Leroux, direção de Del A Rede Record investiu no formato entre Rangel (1991), O guarani, de Walcyr Carras- os anos de 1997-1998, com seis minisséries, co, baseada no romance de José de Alencar, nenhuma delas baseada em obras literárias: direção de Jayme Monjardim (1991), Flo- A filha do demônio, de Ronaldo Ciambroni, radas na serra, de Geraldo Vietri, baseada direção de Atílio Riccó (1997), Olho da ter- no romance de Dinah Silveira de Queiroz, ra, de Ronaldo Ciambroni, direção de Atílio direção de Nilton Travesso (1991), Na rede Riccó (1997), Por amor e ódio, de Vivian de de intrigas, de Geraldo Vietri, direção de Oliveira, direção de Atílio Riccó (1997), O Henrique Martins (1991), O farol, de Paulo desafio de Elias, de Yves Dumont, direção Halm, baseado em um conto de Oswaldo de Luís Antonio Piá (1997), Alma de pe- Orico, direção de Álvaro Fugulin (1991), Il- dra, de Vivian de Oliveira, direção de Luís ha das bruxas, de Paulo Figueiredo, direção Antonio Piá (1998), A história de Ester, de de Henrique Martins (1991), Filhos do sol, Yves Dumont, direção de Luís Antonio Piá de Walcyr Carrasco e Eloy Santos, direção (1998). de Henrique Martins (1991), Rosa dos ru- Timidamente, a Rede bandeirantes pro- mos, de Walcyr Carrasco e Rita Buzzar, di- duziu somente 4 minisséries, sendo três reção de Del Rangel (1990), Mãe de Santo, baseadas em obras de autores brasileiros de Paulo César Coutinho, direção de Hen- (Jorge Amado, Dirceu Orico e Mario rique Martins (1990), O canto das sereias, Palmério): Capitães da areia, direção de de Paulo César Coutinho, direção de Jayme Walter Lima Jr. (1989), O cometa, de Ma- Monjardim (1990), Escrava Anastácia, de noel Carlos (1988), Chapadão do Bugre, de Paulo César Coutinho, direção de Henrique Antonio Carlos da Fontoura (1988) e a úni- Martins (1990), A rainha da vida, de Wil- ca que não se pautou por um texto literário son Aguiar Filho e Leila Miccollis, direção foi Colônia Cecília, de Carlos Nascimbeni de Walter Campos (1987), Tudo em cima, de (1989). A TV Cultura produziu entre os anos de 3As informações aqui apresentadas so- bre as minisséries da TV Manchete, Ban- 1981 e 1982 um programa chamado tele- deirantes e Record foram retiradas de http://pt. romance, exibindo adaptações de livros de Wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_minisseries_brasileiras.escritores brasileiros, com cerca de vinte Acesso em 03.02.2008. capítulos, num formato que pode ser aproxi-

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mado ao das minisséries.4 Como ilustração, Bibliografia enumeramos alguns títulos: Vento do mar BALOGH, Anna Maria. Conjunções – dis- aberto (1981), Floradas na serra (1981), O junções – transmutações: da literatura fiel e a pedra (1981), O pátio das donzelas ao cinema e à TV. 2. ed. rev. e amplia- (1982), Nem rebeldes nem fiéis (1982), Pic da. São Paulo: Annablume, 2005. nic classe C (1982), Casa de pensão (1982), O coronel e o lobisomem (1982), Iaiá Garcia BRASIL JÚNIOR, Antonio da Silveira, (1982). No entanto, tais produções, apesar da GOMES, Elisa da Silva, OLIVEIRA, curta duração, são consideradas como telen- Maíra Zenun. Os Maias – a literatu- ovelas (REIMÃO, 2004, p. 126-128), pos- ra na televisão. Revista habitus. Vol. sivelmente pelo baixo investimento e pela 2, n. 1, 2004, p. 5-20. Disponível em qualidade final do produto. http://www.habitus.ifcs.ufrj.br. Enfim, podemos observar que a televisão vale-se, freqüentemente, de obras literárias CONVERSANI, Ângela Aparecida Batista. para criar um produto mais aprimorado, ex- A presença do folhetim na minis- ibido geralmente por volta das dez da noite, série Incidente em Antares. Dissertação para um telespectador mais exigente. Assim, (Mestrado em Comunicação – área de temas históricos e atuais, polêmicos e con- concentração: Mídia e Cultura), UNI- troversos, migram da esfera literária para a MAR, Marília, 2008. televisiva, atingindo um grande público e im- FERNANDES, Ismael. Memória da telenov- pulsionando a venda de livros. ela brasileira. 3. ed. rev. e ampl. São Pelo que expusemos, podemos constatar Paulo: Brasiliense, 1994. que as minisséries vêm se tornando um pro- duto bastante aprimorado, exigindo grandes Minisséries brasileiras. investimentos e que são bastante apreci- http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo: adas pelo público receptor. Ressaltamos ain- Lista_de_minisseries_brasileiras. da que, embora outras redes de televisão ten- Acesso em 03/02/2008. ham exibido minisséries, aquelas produzidas REIMÃO, Sandra. Livros e televisão: cor- pela Rede Globo foram as que conseguiram relações. São Paulo: Ateliê Editorial, obter maior respaldo junto aos telespecta- 2004. dores e também obtiveram maiores índices de audiência. RONDINI, Luiz Carlos. As minisséries 4 Para mais esclarecimentos a este respeito, con- da Globo e a grade de programação. sultar o Anexo 2 – Telenovelas nacionais adaptadas Intercom – Sociedade Brasileira de de romances de autores brasileiros – 1964-2000, ap- estudos Interdisciplinares de Comu- resentado em REIMÃO, Sandra. Livros e televisão: nicação. XXX Congresso Brasileiro correlações. São Paulo: Ateliê Editorial, 2004, p. 121- de Ciências da Comunicação – San- 130. tos – 29 de agosto a 2 de setembro de 2007, p. 1-15. Disponível em http://www.adtevendo.com.br/2007. Acesso em 10/02/2008. www.bocc.ubi.pt