SENADO FEDERAL UNIVERSIDADE DO LEGISLATIVO BRASILEIRO UNILEGIS

LISLE DOURADO SANTOS

A REGULAÇÃO DO USO DAS CÉLULAS-TRONCO: REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

BRASÍLIA – DF 2008

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LISLE DOURADO SANTOS

A REGULAÇÃO DO USO DAS CÉLULAS-TRONCO: REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

Trabalho final apresentado para aprovação no curso de pós-graduação lato sensu em 2008 realizado pela Universidade do Legislativo Brasileiro e Universidade do Mato Grosso do Sul como requisito para obtenção do título de especialista em Direito Legislativo

Orientador: Paulo Fernando Mohn

BRASÍLIA 2008

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A REGULAÇÃO DO USO DAS CÉLULAS - TRONCO: REFLEXÕES SOBRE A ATUAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Direito Legislativo realizado pela Universidade do Legislativo Brasileiro no 2º semestre de 2008.

Aluno: Lisle Dourado Santos

Banca Examinadora:

Paulo Fernando Mohn

Luiz Fernando Bandeira de Mello

Brasília, 05 de dezembro 2008.

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RESUMO

O presente trabalho analisa a regulação do uso das células-tronco, efetivada através do artigo 5º da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, que dispõe sobre a sua utilização, para fins de pesquisa e terapia, com células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento. Trata também do posterior ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510/DF, que argüiu a inconstitucionalidade do referido artigo da lei. Nesse ponto analisamos os votos dos Ministros que, se utilizando da interpretação conforme a Constituição e da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto abrem a possibilidade de tornarem-se legislador positivo interferindo, assim, no equilíbrio da separação dos poderes. Foi realizada ampla pesquisa no âmbito do Poder Legislativo objetivando trazer à tona a tramitação do projeto de lei que deu origem à lei, a repercussão no Parlamento, na sociedade e instituições interessadas ou não na aprovação da utilização de células-tronco em pesquisas, bem como uma abordagem sobre a função legislativa do Congresso Nacional. Quanto ao Poder Judiciário temos a análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade, o relato sobre a histórica primeira audiência pública ocorrida naquela Corte, o julgamento, a repercussão que o tema trouxe para aquela Casa e a resenha de votos, onde temos o entendimento de cada Magistrado a respeito da matéria e o exercício da jurisdição constitucional para a interpretação da norma impugnada.

PALAVRAS-CHAVE: ADI nº 3510/2005; células-tronco; interpretação conforme a Constituição; separação de poderes.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...... 6

CAPÍTULO 1 – A SEPARAÇÃO DOS PODERES...... 8

1.1- A TEORIA DE MONTESQUIEU...... 8 . 1.2- O PODER LEGISLATIVO E A FUNÇÃO LEGISLATIVA...... 12

1.3 – O PODER JUDICIÁRIO E A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL...... 18

CAPÍTULO 2 - A CONSTRUÇÃO LEGISLATIVA DO ARTIGO 5º DA LEI 11.105/05...... 23

2.1 – TRAMITAÇÃO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS...... 23

2.2 – TRAMITAÇÃO NO SENADO FEDERAL...... 24

2.3 – A ANALISE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS AO SUBSTITUTIVO DO SENADO FEDERAL...... 28

2.4 – REPERCUSSÃO NA CÂMARA DOS DEUPTADOS...... 28

2.5 – REPERCUSSÃO NO SENADO FEDERAL...... 33

CAPÍTULO 3 – O EXAME DA CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 5º DA LEI Nº 11.105/2005: ADI Nº 3510...... 36

3.1 - A INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO E A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL SEM REDUÇÃO DE TEXTO...... 36

3.2 - ADI Nº 3510: PROPOSITURA, AUDIÊNCIA PÚBLICA E SUA REPERCUSSÃO NO STF...... 45

3.3 – O JULGAMENTO DA ADI Nº 3510...... 48

3.4 - RESENHA DE VOTOS DA ADI N.3510...... 51

CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 60

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...... 63

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INTRODUÇÃO O presente trabalho desenvolve uma pesquisa focada na regulação do uso das células- tronco, promovida pelo artigo 5º da Lei nº 11.105/2005 (Lei de Biossegurança), e a posterior Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510/DF, que questionou a constitucionalidade do referido dispositivo, configurando-se, portanto, como um estudo de caso. Para sua elaboração, foi utilizada a pesquisa exploratória, com base em pesquisas bibliográficas e o uso do método indutivo, pois temos um caso específico de onde partimos para várias possibilidades, entendimentos e correntes doutrinárias. Primeiramente, para compreendermos a distinção de funções concernentes aos Poderes da República, faz-se uma abordagem sobre a teoria da separação dos poderes, prevista na teoria de Montesquieu. Passa-se, então, a um estudo sobre a função legislativa do Poder Legislativo e a função de jurisdição constitucional do Poder Judiciário. Quanto à Lei n. 11.105/2005, é apresentado o acompanhamento do seu trâmite na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, bem como a avaliação de sua repercussão no Congresso Nacional e, após sua promulgação, a propositura da ação de inconstitucionalidade. A ADI nº 3510/DF foi ajuizada pelo Procurador-Geral da República em 30/05/2005 objetivando a argüição de inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei nº 11.105/2005, que dispõe sobre a utilização, para fins de pesquisa e terapia, de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento. No âmbito do Supremo Tribunal Federal, realiza-se uma pesquisa sobre a propositura da ação de inconstitucionalidade, a primeira audiência pública da história dessa Corte, quanto à matéria, sua repercussão e julgamento. Tendo em vista que nos votos da ADI nº 3510 tivemos a utilização da interpretação conforme a Constituição e da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, utilizadas com a finalidade de dar novo entendimento à letra da lei, surge, então, o questionamento sobre os limites e a legitimidade do STF no campo da jurisdição constitucional. A opção por utilizar a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto ou mesmo a interpretação conforme a Constituição cabe aos Ministros em seus posicionamentos. Ao optar pelo uso da técnica de interpretação, mas dando nova leitura aos dispositivos interpelados, inclusive acrescendo condições ou termos, como aconteceu na ADI 3510, o STF 7 5

estaria agindo como legislador positivo por meio de seus votos? E isso denotaria uma interferência na separação dos poderes? Desse modo, faz-se necessário um estudo aprofundado desse caso para discutir os limites da interpretação conforme o texto constitucional. Cabe, também, a análise da atuação do STF, no âmbito de suas funções jurisdicionais, para interpretação da norma, de tal forma a se tornar possível legislador positivo. A democratização do processo interpretativo autoriza o STF a chegar a tal ponto? Assim, procuramos atender aos seguintes objetivos: a) Efetuar uma pesquisa no Congresso Nacional para acompanhar o trâmite da Lei 11.105/2005. b) Analisar a ADI nº 3510, os votos e seu julgamento. c) Abordar questões relacionadas à legitimidade do Supremo Tribunal Federal para, utilizando-se da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto e a interpretação conforme a Constituição, criar normas legais em seus julgados não previstos pelo legislador. d) Distinguir entre a interpretação conforme a Constituição e a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto. e) Apreciar possível invasão de competência do Poder Judiciário no Poder Legislativo, no que diz respeito à função legislativa. Para tanto, foi necessária a realização de: pesquisa doutrinária com autores que se aprofundam no tema; pesquisa legislativa na Câmara dos Deputados e Senado Federal; pesquisa em sites jurídicos; artigos de revistas e periódicos especializados; pesquisa no site do próprio STF; entre outras fontes. O tema é árduo, mas muito interessante, além de fomentar discussões e debates de vários segmentos doutrinários, mas tudo deve servir para o enriquecimento e evolução da regulação da matéria, que é inovadora e complexa.

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CAPÍTULO 1

A SEPARAÇÃO DOS PODERES

1.1 – A TEORIA DE MONTESQUIEU

Com o propósito de esclarecimento e para tornar este trabalho mais informativo, passo a explanar sobre a obra de Montesquieu, no que concerne à teoria da separação dos poderes por ele idealizada. Em ‘O espírito das Leis’, Charles Louis de Secondat, Montesquieu, construiu uma teoria que abalizaria a estrutura de vários governos a partir de então. No Livro XI, em seu Capítulo VI, distinguem-se três tipos de poderes:1 a) Executivo das coisas que dependem do direito civil, que seria onde o príncipe (Estado) julga crimes, pune e julga as querelas; b) Executivo das coisas que dependem do direito das gentes, onde o príncipe faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixada, estabelece segurança e previne invasões (seriam funções de Chefia de Estado = direito internacional). c) Legislativo, onde o príncipe faz, corrige e revoga leis. Defendia Montesquieu que não era conveniente que os três poderes fossem exercidos pela mesma pessoa ou ‘corpo dos principais’ 2, sejam advindos da nobreza ou do povo, e que a situação ideal seria um governo moderado. Entende-se que tal governo moderado seria a combinação da monarquia, aristocracia e democracia, onde a monarquia seria o governo de um (monarca), a aristocracia o governo dos nobres e a democracia o governo do povo. Segundo sua teoria, os poderes precisam de neutralizadores, para que um poder limitando o poder do outro, não cometesse abusos. Assim, cada um dos poderes tem no outro uma limitação. Apenas o poder de julgar é neutralizado por ele mesmo por determinados motivos que veremos posteriormente. O poder de legislar e o poder de executar são neutralizados por compartilharem as mesmas funções limitadoras. A câmara alta (nobreza) e a câmara baixa (representantes do povo), que compõem o poder de legislar, juntamente com o poder de executar limitam-se mutuamente através da faculdade de estatuir e de impedir, entendendo estatuir como o direito de ordenar por si ou corrigir o que outro fez, e de impedir seria o direito de anular o que outro

1 Montesquieu. O espírito das leis. Livro XI, p. 118 e 119. 2 Op. cit. p. 119. 9 5

tenha feito3. Então, vemos aqui os vestígios do bicameralismo, casas legislativas distintas, porém integrantes do mesmo Poder Legislativo. Deste modo, a limitação não decorre da separação dos poderes, mas sim da comunhão das faculdades de estatuir e impedir existente entre os poderes. O poder de legislar, sendo composto por duas casas, uma pode paralisar a outra, e ambas podem ser paralisadas pelo poder executivo, que, por sua vez, também o poderá ser pelo Poder Legislativo.4 Para Montesquieu o Poder Executivo não tem poderes para apresentar projeto de lei, mas participa do ato de legislar apenas estatuindo ou impedindo. Quanto ao poder de julgar é exercido quando o príncipe pune e julga as querelas, estaria na pessoa do poder executivo das coisas que dependem do direito civil. O poder de julgar, segundo Montesquieu, não deve ser órgão permanente, mas sim exercido por pessoas do corpo do povo, e como acontecia em Atenas, escolhidos por sorteio5. Deveria, ainda, existir só por um determinado lapso temporal. Deste modo, entende ele que o poder não estando unido a uma determinada situação nem a uma determinada profissão, não haveria porque existir o temor diante das pessoas dos juízes, mas sim da magistratura. O poder de julgar tem seu poder neutralizado por ele mesmo, causado por duas situações: 1) pelo modo de formação dos tribunais; 2) pelo modo de decidir dos juízes. Quanto à primeira, como já dito anteriormente, entende Montesquieu que os tribunais não devem ser exercidos por um corpo permanente, mas por pessoas do povo e durante um tempo determinado. Onde o criminoso, inclusive, teria o direito de escolha ou de recusa dos juízes, escolhido dentre seus pares, para evitar perseguições.6 Quanto à segunda situação, ele afirma que “os juízes de uma nação não são, como dissemos, mais do que a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados, que não podem moderar nem a força, nem o seu rigor.” 7 Afirma, ainda, que “se os tribunais não devem ser fixos, os julgamentos, ao contrário, o devem ser e que nunca sejam mais do que dentro dos termos exatos da lei” 8. Preconiza, ainda,

3 Op. cit. p 121. 4 Op.cit. p. 123. 5 Op. cit. p.119. 6 Op. cit. p.120. 7 Op. cit. p123. 8 Op. cit. p.120. 10 5

que “dos três poderes dos quais falamos, o de julgar é, de algum modo, nulo.” 9 Para Montesquieu o poder de julgar é, digamos assim, quase sem valia. Restringindo, ao máximo, o poder dos juízes. Mas, importante ressaltar que os princípios são passíveis de modificações, tanto que sofreram adaptações em países como a França que, em sua Constituição de 1958, não cita mais o Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, mas sim o Governo, Parlamento e Justiça. 10 Manoel Gonçalves F. Filho se reporta a Karl Loewenstein que em seu livro Teoria da Constituição pretende que no Estado contemporâneo as funções do Estado sejam três, uma função de definição política, uma função de execução política e função de controle político.11 A separação dos poderes teve seu gérmen nas idéias de Aristóteles, que já preconizava que o Estado deveria desempenhar três funções: deliberativa, executiva e judiciária. Posteriormente tivemos John Locke que também pregava a divisão de poderes. Porém foi de Montesquieu a idéia teorizada de organização e separação dos poderes, cada um no exercício das competências inerentes à função do respectivo poder. A separação dos poderes tornou-se pressuposto de constitucionalidade, haja vista o disposto no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), que a colocou como elemento fundamental para a caracterização de uma Constituição. Não havendo, para esse instrumento, Constituição no Estado que não tivesse garantido em seu bojo os direitos individuais e o princípio da separação dos poderes. Dentro dessa teoria o indivíduo tem sua liberdade garantida através da paralisia do Estado, que pela sua neutralidade preserva o bem estar individual. Neste sentido, muito bem nos esclarece Manoel Gonçalves F. Filho: È a doutrina, segundo a qual o Estado estabelece a ordem pública, quadro, dentro do qual cada um por si, pelo seu próprio esforço, há de conquistar o seu próprio bem-estar. Assim, de certa forma, o Estado tem uma missão negativa: a de impedir as violações da ordem, não tendo que cuidar diretamente do bem-estar do cidadão. Neste quadro, visivelmente, o Estado é freio, não é acelerador. Ora, isso é bem nítido que se reflete na doutrina de Montesquieu, porque este, quando prevê os três poderes, espera que a liberdade individual, que os direitos do homem sejam garantidos, porque os poderes se paralisariam reciprocamente em casos de conflito. Donde, claramente, se vê que ele não espera que da ação do Estado nasça o bem-estar dos cidadãos. Ele supõe que da

9 Op. cit. p. 121 10FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A Constituição Brasileira de 1988-Interpretações. II Fórum Jurídico., p.154. 11 Op. cit. p. 154. 11 5

paralisia do Estado pode surgir o bem do cidadão, na medida em que se preservam as liberdades e os direitos fundamentais. ”12 O equilíbrio é o fator fundamental de toda a idéia exposta no Livro XI, pois não basta que haja uma função para cada poder, é preciso que se mantenham equilibrados, afinal só o poder pode limitar o poder. A teoria pressupõe um equilíbrio das forças políticas para a limitação dos poderes do Estado. No que tange ao bicameralismo, temos que na doutrina de Montesquieu a câmara alta e a câmara baixa (Poder Legislativo) limitam-se reciprocamente pela comunhão das faculdades de estatuir e impedir, como já o explicamos. È através da união de vontades entre essas duas câmaras que o Poder Legislativo estatui, senão, haverá neutralidade. Este é o bicameralismo igual, onde uma casa tem o papel moderador sobre a outra, buscando um equilíbrio. Em sua concepção, a teoria funciona como uma espécie de proteção e garantia da liberdade individual e também como modo de evitar a concentração de poder, quer no Executivo, quer do Legislativo. A teoria da tripartição dos poderes, como alguns a designam, foi, em seu tempo inovadora e para nós uma herança valiosa, mas como tudo evolui, com o progresso, a globalização das relações internacionais, interpessoais e as novas necessidades das sociedades, essa (a teoria) precisou adaptar-se a realidade dos atuais Estados. Vemos hoje que a teoria da separação dos poderes serviu de alicerce, pedra angular para estruturar os vários Estados que o adotaram. Um dos que adotou a separação dos poderes em sua estrutura estatal foram os Estados Unidos, e o Brasil importou, guardadas as devidas proporções, alguns aspectos do modelo americano. As instituições políticas brasileiras se alteraram a partir da Constituição de 1891. A Constituição Republicana sofreu forte influência da doutrina jurídica norte americana, e essa influência pode ser notada até no nome do Estado brasileiro, que passou a chamar-se República dos Estados Unidos do Brasil. Ressalte-se, ainda, a adoção do presidencialismo, do legislativo bicameral e da Federação. No Brasil o que adotamos é o bicameralismo desigual, e não o bicameralismo igual, pregado por Montesquieu, pois que a casa iniciadora pode fazer a sua decisão preponderar sobre a casa revisora, exceto a proposta de emenda constitucional, conforme dispõe o artigo 65 da Constituição Federal. Outro aspecto a considerar é que o Poder Executivo em Montesquieu apenas participa da função de legislar pelo poder de impedir, ou seja, o veto, ou de estatuir, na medida em que

12Op. cit. p.150. 12 5

silencia, este consente (sanção). Não há iniciativa legislativa para o Poder Executivo, o que não foi adotado em nosso ordenamento, posto que o Poder Executivo tem essa iniciativa assegurada e, inclusive com reserva de matérias (art. 61, CF), a edição de medidas provisórias (art.62, CF), e as leis delegadas (art. 68, CF). Lembrando, também, que mesmo o veto presidencial pode ser derrubado pelo Poder Legislativo (art.66, CF). No Brasil, atualmente, os três poderes buscam um entrosamento e respeito mútuos. Têm conquistado novos espaços, porém, há que não se perder de vista os limites de suas competências originalmente dispostos na Constituição Federal.

1.2 - O PODER LEGISLATIVO E A FUNÇÃO LEGISLATIVA

O Congresso Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, exerce a função legislativa da União (artigo 44, CF). O que podemos entender por ‘função legislativa’? Bem, sendo o Congresso Nacional que exerce o Poder Legislativo entendemos que este, a partir da doutrina da separação dos poderes, é o que detém a função primordial da produção das leis. Ao Poder Legislativo cabe a função legislativa, que é o ato de editar normas gerais e abstratas (as leis), para regular os atos estatais ou da vida das pessoas. É a função de legislador positivo, aquele que vai positivar no ordenamento, através das normas jurídicas, as aspirações sociais. Oportuno trazer o entendimento de Jorge Miranda, que nos lembra “a lei como ato da função legislativa – ou tantas vezes, em alcance conexo com ela, como Direito decretado pelo Estado – constitui um dos temas recorrentes da ciência juspublicística e, antes e para além desta, da filosofia política e jurídica.” 13 A lei não guarda em si um único sentido. De forma genérica a lei pode ser entendida como o ato resultante do exercício da atividade legislativa, mas há a lei no sentido material e no sentido formal. O sentido material é o conteúdo do ato normativo produzido. Manuel Afonso Vaz explica que a lei material “é a regra jurídica abstrata e geral, sendo que a abstração se refere ao suposto fáctico-situacional a regular e a generalidade ao grupo-categorial de

13 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo V. 1996. p. 124. 13 5

pessoas a que vá dirigida. É a exigência da generalidade que lhe permite ser regra, norma, premissa maior apta para o silogismo judicial”.14 Para Hans Kelsen, a lei em sentido formal pode ser “toda e qualquer norma jurídica geral surgida em forma de lei, isto é, emitida pelo Parlamento e – de conformidade com as determinações típicas da maioria das Constituições - publicada por determinada maneira, quer, em geral, todo o conteúdo que surja nesta forma.” 15 Entende-se, usualmente, a lei como o “resultado da atividade estatal de legislar, à qual cumpre inovar originalmente a ordem jurídica, pois, apenas ao produto desta função seria atribuída a faculdade de definir e limitar o desempenho dos direitos individuais, em conformidade com o texto constitucional”, segundo ensina Carlos Ari Sundfeld. 16 Mas, alerta-nos convenientemente a esse respeito Manoel Gonçalves Ferreira Filho: Todavia, nem todas as regras gerais e impessoais que o Estado positiva são editadas por esse poder. De fato, outras há, como as constantes dos chamados regulamentos administrativos, que são obra do Poder Executivo. Daí resulta que, pela matéria, não se pode distinguir o ato legislativo dos demais. Por isso, é fatal o recurso a um conceito formal de Poder Legislativo. Este conceito, porém, é tautológico, pois consiste em afirmar que o Poder Legislativo não passa do poder de editar regras jurídicas segundo um processo fixado na Constituição para a elaboração de leis. Donde decorre que toda regra adotada por meio desse processo é uma lei, embora não seja, às vezes, nem impessoal nem geral. 17

Jorge Miranda vê que através do tempo a lei teve diferentes acepções, e foi objeto de indagação sobre sua essência, fundamento e seus limites. Elenca, assim, o respeitável doutrinador: As mais significativas concepções sobre o Estado e o Direito projetam-se necessariamente em diversos entendimentos do que seja (ou deva ser) a lei. Recordem-se, assim, nos últimos séculos: -A lei, ordenação da razão (S. Tomás de Aquino e, de certo modo, ainda Suarez); -A lei, vontade do Soberano (Hobbes); -A lei, garantia da liberdade civil e da propriedade (Locke); -A lei ligada à divisão do poder e ao equilíbrio das instituições (Montesquieu); -A lei, expressão da vontade geral (Rosseau); -A lei, vontade racional (Kant); -A lei, instrumento para a utilidade e a felicidade geral (Bentham); -A lei, manifestação imediata do poder soberano (Austin); -A lei, instrumento do domínio de classe (Max, Engels); -A lei, escalão de normas imediatamente a seguir à Constituição (Kelsen); -O conceito político de lei (Schmitt).18

14 VAZ, Manuel Afonso. Lei e a reserva da lei: a causa da CEI na Constituição Portuguesa de 1976. Dissertação de doutoramento em ciências jurídico-políticas na Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto. Porto.1996. 15 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Batista Machado. 6ª. Edição. São Paulo: Ed. Martins Fontes. 16 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador. 1ª. Edição. São Paulo: Ed. Malheiros. 1997. p. 17. 17 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. S. Paulo: Saraiva. 2006, p.155. 18 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo V. 1996. p.125. 14 5

Mas a lei é decorrente de um processo, um fluir de atos, decisões e iniciativas, e que se origina de um órgão competente para tal função. Esse é o processo legislativo, que é próprio do Poder Legislativo. Voltando ao sentido formal da lei, esta seria exatamente a norma jurídica, emitida pelo poder competente, no caso, o parlamento, no exercício de suas funções típicas19, e que cumpriu todos os requisitos de legalidade pertinentes ao ato. Rapidamente vamos nos ater ao processo legislativo para entender sua dinâmica. A Constituição Federal/1988 situa o processo legislativo em seu artigo 59, onde dispõe que o processo legislativo compreende a elaboração de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. Porém, essa disposição é merecedora de certas observações, conforme nos relata Manoel Gonçalves F. Filho: A Constituição de 5 de outubro contém uma seção, a VII do Capítulo I (Tít. IV), intitulada ‘Do processo legislativo’, onde regula a elaboração de ‘leis’, lato sensu. Na verdade, o título e a matéria da seção não estão de pleno acordo, já que nessa seção está regida a elaboração de atos que não são nem material nem formalmente leis. De fato, compreende-se aí a elaboração de emendas constitucionais que são leis materialmente, mas que formalmente destas devem ser distinguidas, por serem manifestação de um poder distinto, que é o de revisão. Arrola-se, aí, também, a elaboração de resoluções que, se por sua tramitação se assemelham a leis a ponto de se poder dizer que são leis, formalmente falando, não têm a matéria de lei, por não editarem regras de direito gerais e impessoais. E o que se disse das resoluções aplica-se, mutatis mutandis, aos decretos legislativos. Na verdade, todas as exegeses propostas para a expressão ‘processo legislativo’, no art. 59 da Constituição, não são plenamente satisfatórias. Faltou ao constituinte, segundo tudo indica, uma visão clara da sistemática dos atos normativos. Forçoso é reconhecer, porém, que essa sistematização não é simples.20

O procedimento legislativo é o meio pelo qual os atos legislativos se realizam. Diz José Afonso da Silva a esse respeito que os procedimentos podem ser: procedimento legislativo ordinário, que é o procedimento comum, visando à elaboração das leis ordinárias; o procedimento legislativo sumário, que de acordo com os parágrafos do artigo 64 da Constituição, o Presidente da República tem a faculdade de solicitar a urgência na apreciação da matéria; e os procedimentos legislativos especiais, que são os destinados a elaboração de emendas à Constituição, leis financeiras (art. 166), leis delegadas, medidas provisórias e leis complementares.21

19“Funções típicas do Poder Legislativo são legislar e fiscalizar, tendo ambas o mesmo grau de importância e merecedora de maior detalhamento. Desta forma, se por um lado a Constituição prevê regras de processo legislativo, para que o Congresso Nacional elabore as normas jurídicas, de outro, determina que a ele compete a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Poder Executivo.” Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. S. Paulo: Ed. Atlas. 2002, p.375. 20 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. S. Paulo: Ed. Saraiva. 2006, p.183. 21 SILVA, Jose Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. S. Paulo: Malheiros. 2007, p.530. 15 5

Como já visto anteriormente, o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, composto por suas duas Casas: a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. A cada uma dessas Casas são reservadas matérias pertinentes e exclusivas, para a Câmara dos Deputados, para o Senado Federal e, também, para o Congresso Nacional. O artigo 48 enumerou as atribuições do Congresso Nacional cujas matérias necessitam da sanção presidencial, e nos seus incisos elenca as matérias de competência da União, entre essas estão matérias sobre o sistema tributário, fixação do efetivo das forças armadas, telecomunicações, emissão de moedas, e outras. No artigo 49 foram dispostas as matérias que são exclusivas do Congresso Nacional, mas nesse rol é dispensável a sanção presidencial. As matérias ali previstas dispõem sobre a autorização do Legislativo para o Presidente da República declarar guerra, celebrar a paz, sustar atos do Poder Executivo, quando estes exorbitem do seu poder regulamentar, julgar as contas do Presidente da República, e outras. Quanto à Câmara dos Deputados, o artigo 51 da Constituição relaciona as matérias de sua competência privativa, quais sejam: autorizar o processamento do Presidente da República, o Vice-Presidente e seus Ministros; tomar as contas do Presidente da República quando este não o fez no prazo constitucional; elaboração de seu regimento interno e sobre sua organização, funcionamento, serviços e assuntos correlatos e eleger membros ao Conselho da República. No que tange ao Senado Federal, no artigo 52, estão dispostas as matérias em seus incisos referentes às questões pertinentes à federação; à função jurisdicional, em caso de processo e julgamento do Presidente da República, Vice-Presidente e Ministros de Estado nos crimes de responsabilidade; e outras matérias. Assim, conforme a Casa temos a matéria pertinente a essa, de conformidade com o texto constitucional. O projeto passa, então, a percorrer o caminho procedimental que lhe cabe, por meio das Comissões permanentes, temporárias, especiais ou mistas, conforme for a matéria. Ali é analisada, dado parecer e votada. E vai a plenário para votação, quando não for matéria votada nas Comissões, em caráter terminativo. Cumprido seu trâmite, o projeto finalmente, após observados os aspectos de competência e legalidade, chega à sanção (se for o caso), sua promulgação e publicação quando, então, adentra no ordenamento jurídico. Se ao Poder Legislativo é dada a competência para a elaboração das normas, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais, que vão gerir a vida do Estado e da comunidade, este deve cumprir prontamente seu papel. Cumpri-lo de forma a atender as necessidades e 16 5

realidades da população brasileira. Pois que é o bem estar da população e o respeito às suas prioridades de segurança, educação, saúde, lazer, habitação e trabalho que devem nortear a elaboração dessas leis. Muito embora seja o Legislativo o que detém o título de representante do povo, e o Congresso Nacional a casa do povo, este não tem lhe outorgado credibilidade. Seja por falta de confiança – haja vista os casos de corrupção recorrentes - ou por não ter a exata noção do papel do Poder Legislativo, o fato é que a população não vê no Legislativo uma resposta, mas naquele que, sendo detentor do ‘poder financeiro’, pode acolher e resolver sua problemática: Poder Executivo. Hoje o Estado é chamado a responder rapidamente às inquietações e problemas de uma sociedade globalizada. O poder que está na linha de frente, e do qual a população mais tem contato, até na expectativa de solução, é o Poder Executivo. O Poder Executivo tem somado cada vez mais força, é notória a sua ascensão. É o poder predominante, de modo que atualmente é um poder com hipertrofia, como todos percebem. Seja no exacerbado número de medidas provisórias, ou no controle da maioria político-partidária dentro do Congresso Nacional, o Executivo angariou poder e autoridade. Mesmo não sendo o objeto desse estudo, é irresistível o tema das medidas provisórias, e para nossa surpresa, transcrevemos uma parte de uma conferência dada por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, sobre a ‘Organização dos Poderes – Poder Legislativo’, no II Fórum Jurídico dedicado à vindoura Constituição de 1988 (ainda não havia sido promulgada), realizado em Belo Horizonte, em 19 de setembro de 1988. Sobre o tema da inovadora medida provisória, disse ele, quase prevendo, o seguinte:22

A nova Constituição, na famosa homenagem que o vício presta à virtude, aboliu o decreto-lei. O projeto, na técnica, aboliu o decreto-lei. Mas criou medidas provisórias “com força de lei”, note-se que, em primeiro lugar, estão condicionadas apenas ao caso de relevância e urgência. Portanto, está consagrada a idéia de que sobre qualquer matéria cabe medida provisória. É um alargamento. Na verdade, o Presidente da República poderá adotar essas medidas provisórias, com força de lei, em caso de relevância e urgência. Que ocorre então? Deverá submetê-las, de imediato, ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir, no prazo de 05 dias. Mas, conforme está no parágrafo único do art. 62, “as medidas provisórias perderão sua eficácia desde a edição, se não forem convertidas em lei, no prazo de 30 dias a partir de sua publicação”. Se o texto parasse aqui, teríamos o Direito Italiano. Mas, depois da vírgula temos: “... devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes”. O que, evidentemente, enseja que o Congresso Nacional rejeite o decreto-lei, ou a medida provisória, ou não converta em lei a medida provisória, mas ratifique todos os atos praticados com a base nestas medidas provisórias, que poderão resultar conseqüências perigosas para todos, na medida em que a nova Carta é uma espécie de carta aberta para o Poder Executivo ‘legislar’ – para valer por 30 dias. O que fizer em 30 dias, pode depois barganhar, pela rejeição ou não-conversão em lei, dessas medidas provisórias. Um clima de medo envolve tais medidas provisórias. Quando me lembro de que a Arena e o MDB foram criados como partidos provisórios e duraram quase 15 anos...

22FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A Conferência faz parte do livro editado para registro do Fórum – A Constituição Brasileira de 1899 – Interpretações. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária. 1988, p.158. 17 5

Mas, retomando o assunto do papel do Poder Legislativo, vemos que o Poder Executivo toma espaço, enquanto o Poder Legislativo é permissivo. Certo que quando Manoel Gonçalves proferiu essa palestra, estávamos no texto originário da Constituinte e as medidas provisórias não tinham passado pelas inovações da EC n. 32/2001, que lhe modificou alguns aspectos, muito embora à época fossem considerados o suficiente para tornar o instituto ‘apropriado’ ao Legislativo. Mas, ainda assim, o Legislativo continuou dispensando poder ao Executivo, na medida em que continuamos reféns desse instituto e serão necessárias novas intervenções para o aprimoramento desse instrumento. A função de ‘criador das leis’ do Poder Legislativo vem sendo enfraquecida pelas constantes investidas do Poder Executivo ao editar tantas medidas provisórias, ao ponto de atravancar o fluir dos trabalhos no Congresso Nacional com o’ trancamento de pauta’, que impossibilita o trabalho legislativo, mas que a população, não conhecendo o problema, atribui a culpa a um Legislativo inoperoso. O Poder Legislativo tem um papel a desempenhar, e este não é o de mero conhecedor do direito e cumpridor das vontades do Poder Executivo. O Legislativo deve, em pé de igualdade com os demais Poderes da República, buscar solução, progresso, evolução e melhoria para as demandas da sociedade brasileira. É preciso tomada de posição, melhoria da imagem do Congresso Nacional e de seus parlamentares. É corrente na mídia pesquisas sobre a confiança da população nas instituições brasileiras e o maior voto de confiança do brasileiro vai para o Poder Judiciário, não obstante ser o Poder Legislativo o legítimo representante do povo. O Legislativo deve fortalecer-se, ser o reduto da expressão do ideal brasileiro, seja na política, na economia ou no direito. Esse fortalecimento passa, necessariamente, por reformas no atual processo legislativo, que é lento; esforço em acompanhar e dar soluções rápidas aos problemas da vida do país; conscientização da sua importância e de suas funções junto à população; investimento na especialização de seus membros e servidores; bem como adotar uma política exemplar, interna corporis, de lisura, integridade e honradez. O Poder Legislativo deve retomar o seu papel histórico na produção legislativa. Atribuição enfraquecida atualmente, e um dos fatores desse enfraquecimento é o desequilíbrio causado pela hegemonia do Poder Executivo que, por conseqüência, afeta o princípio da separação dos poderes. Isso, porém, não significa que se deve retirar do Executivo o seu poder de participação no processo legislativo, pois que continua com a prerrogativa das medidas provisórias e o pedido de urgência previsto nos parágrafos 1º e 2º, do artigo 64 da Constituição. 18 5

Outro importante aspecto a ser analisado é a influência do Poder Judiciário na produção legislativa, que em sede de controle de constitucionalidade, pode interferir na legislação, mudando a interpretação do texto legal. É o que veremos a seguir.

1.3 – O PODER JUDICIÁRIO E A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

Juntamente com a função de legislar (Poder Legislativo), de administrar (Poder Executivo) temos, também, a função jurisdicional que é exercida pelo Poder Judiciário. Portanto, sua função primordial, é a de dizer o direito, fazer a justiça, é dizer, função de julgar. O Poder Judiciário deu grande salto, desde o seu gérmen, tímido, ‘nulo’, na teoria da separação dos poderes montesquiana, aos atuais dias, onde tem seu espaço e poder assegurados constitucionalmente. A função jurisdicional é exercida pela ordem judiciária do país. Ela compreende: a) um órgão de cúpula (CF, art. 92, I), como guarda da Constituição e Tribunal da Federação, que é o Supremo Tribunal Federal (STF); b) um órgão de articulação (CF, art. 92, II) e defesa do direito objetivo federal, que é o Superior Tribunal de Justiça; c) as estruturas e sistemas judiciários, compreendidos pelos Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais, Tribunais e Juízes do Trabalho, Tribunais e Juízes Eleitorais e Tribunais e Juízes Militares (CF, art. 92, III- VI); d) os sistemas judiciários dos Estados e do Distrito Federal (CF, art. 92). O texto constitucional dispõe sobre as garantias dadas aos seus membros (juízes) no artigo 95, que são a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. Assegurou, ainda, ao Poder Judiciário a autonomia administrativa e financeira, disposta no artigo 99, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 45/2004. Essas conquistas são meritórias e foram asseguradas com lutas, esforços e vitórias valiosas no histórico jurídico-político do país. O próprio STF, que comemora o ‘bicentenário do Judiciário independente no Brasil’23evolui muito desde a ‘Casa da Suplicação’, nome da mais alta Corte Portuguesa que lhe deu origem, instalada no Brasil em 10/05/1808. Bem, mas a que se deve a ascensão do Poder Judiciário? Alguns fatores contribuíram para tanto. Em destaque, passamos a brevemente discorrer sobre a constitucionalização do direito e a jurisdição constitucional. Temos na Carta Magna grande impulsora dessa ascensão. Após a Constituição/88 o país deslanchou um processo de constitucionalização conseqüente, entre outros motivos, das

23 Portaria n. 14 de 31/ 01/2007. Publicada DJ, seção I, de 5 de fevereiro d 2007. 19 5

liberdades asseguradas, das garantias da magistratura, que passou a desempenhar papel importante na garantia dessas liberdades constitucionais Conseqüentemente houve aumento da demanda por justiça, pois com a revitalização da cidadania ocorreu uma maior conscientização da população em proteger seus interesses. Outro aspecto foi a criação de novos direitos e ações, onde, então, a atuação do Judiciário teve importante lugar no cenário nacional. A amplitude de princípios, regras, novos direitos e novas ações da Constituição Federal, ensejou um fato que também ocorreu na Alemanha e Itália, a passagem da Constituição para o centro do ordenamento jurídico, e através dela (Constituição) todos os ramos do direito serem interpretados. Este fato é denominado de constitucionalização do direito. Nas palavras de Luis Roberto Barroso vemos o que pode ser entendido: Neste ambiente, a Constituição passa a ser não apenas um sistema em si – com a sua ordem, unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito. Este fenômeno, identificado por alguns autores como filtragem constitucional, consiste em que toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados. Como já assinalado, a constitucionalização do direito infraconstitucional não tem como sua principal marca a inclusão da Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas, sobretudo, a reinterpretação de seus institutos sob uma ótica constitucionais. 24

Somado a este fenômeno da constitucionalização do direito, que contribuiu para a ascensão do Judiciário, temos, também, a jurisdição constitucional. A jurisdição constitucional envolve a interpretação e a aplicação da Constituição, através, principalmente, do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos. Mas, como podemos entender o conceito de controle de constitucionalidade? Manoel Gonçalves F. Filho nos traz uma definição muito esclarecedora: Controle de constitucionalidade é, pois, a verificação da adequação de um ato jurídico (particularmente da lei) à Constituição. Envolve a verificação tanto dos requisitos formais – subjetivos, como a competência do órgão que o editou – objetivos, como a forma, os prazos, o rito, observados em sua edição – quanto dos requisitos substanciais – respeito aos direitos e às garantias consagrados na Constituição – de constitucionalidade do ato jurídico. 25

A jurisdição constitucional é exercida pelo Poder Judiciário através do controle de constitucionalidade difuso, quando feito por qualquer juiz (por via indireta, ou por via de exceção – como alegação de defesa) via incidental, quer dizer, a alegação de inconstitucionalidade é apreciada pelo juiz como preliminar ou incidente da ação. Pelo recurso extraordinário poderá a ação chegar ao STF, agora com as vias estreitadas em razão da

24 BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a reforma do Estado. nº 09 – março/maio 2007. Salvador/BA. Disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-9-MAR%C7O-2007- LUIZ%20ROBERTO%20BARROSO.pdf . Aceso em 20/10/2008. 25 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. S. Paulo: Ed. Saraiva. 2006, p.34. 20 5

imposição da justificativa da repercussão geral da matéria suscitada, como estabelece o artigo 102, parágrafo 3º, inserido pela EC n. 45/2004. O controle de constitucionalidade também pode ser efetuado através do controle de constitucionalidade concentrado ou abstrato, que é o controle exercido por apenas um órgão de cúpula competente para julgar a constitucionalidade, que no Brasil é o Supremo Tribunal Federal. O controle abstrato é feito por via principal, ou seja, a argüição da constitucionalidade é executada em ação própria, a chamada ação direta. Tais ações são: Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI, disposta no artigo 102, I, a, da CF.; Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC, disposto também no artigo 102, I, a, do texto constitucional; e Ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, disposta no mesmo artigo, parágrafo 1º. A Lei n. 9.868/99 veio regular o processo e os efeitos da ADI, dando-lhe o efeito vinculante e eficácia erga omnes. A jurisprudência do STF entende que a suspensão da eficácia da lei - como acontece no controle difuso, onde a decisão do STF, pela inconstitucionalidade, é comunicada ao Senado Federal que vai suspender a execução do ato normativo - não é necessária, haja vista ser reconhecida em ação direta, com eficácia erga omnes e efeito imediato. A Lei n. 9.868/99 também regulamenta a ADC, e a ADPF foi regulada na Lei n. 9.882/99. Temos, ainda, a Ação de Inconstitucionalidade por Omissão (artigo 103, parágrafo 2º da Carta Magna), que prevê ação específica visando dar ciência ao Poder omisso da necessidade de adoção de providências para sanar a omissão. Trago os entendimentos a respeito da ADI, ADC, ADPF e Ação de inconstitucionalização por omissão de Manoel Gonçalves F. Filho que analisando as referidas ações nos diz: Tire-se desta análise o primeiro registro de algo que se repetirá, o papel do Judiciário torna-se acentuadamente de caráter político. No controle de constitucionalidade, a ação direta de inconstitucionalidade, que se generaliza, e a ação direta de constitucionalidade fazem dele um legislador negativo, enquanto a ação de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção o impelem a tornar-se um legislador ativo. 26

Estes são os principais instrumentos que aparelham o Poder Judiciário para o controle da constitucionalidade das leis e atos normativos. E com a edição de grande número de normas, leis, emendas constitucionais o Judiciário abarca poderes sobre os demais Poderes da

26 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos do Direito Constitucional Contemporâneo. S. Paulo: Saraiva. 2003, p.206. 21 5

República. O Judiciário passou a ter poder sobre o Legislativo e o Executivo, pois tudo o que foi acima discorrido lhe imbuiu de competência e autoridade para tanto. A Constituição Federal deu ao STF a última palavra em matéria de jurisdição constitucional, além da função precípua de guarda da Constituição. Isso, porém, não quer dizer que o Poder Judiciário esteja usurpando dos poderes alheios. Não é esta a verdade. A ascensão do Poder Judiciário tem nas suas próprias funções instituídas no texto constitucional a sua alavanca impulsora para justificar seu agigantamento, além do poder que tanto o Executivo, quanto o Legislativo lhes dão quando a ele recorrem para resolver assuntos internos, pertinentes à Casa, e que deveriam ser solucionados pelos próprios. É o que acontece sempre que os parlamentares vãos às portas do STF para conseguirem liminares ou entram com ações de inconstitucionalidade buscando êxito em seus conflitos políticos, por exemplo, no âmbito das Comissões Parlamentares de Inquérito – CPI. É a politização da justiça. Vejamos o que relata Roger S. Leal: As técnicas desenvolvidas a partir da possibilidade de se controlar os demais poderes, tais como o desvio de poder e a interpretação conforme a Constituição, são sinais evidentes de uma politização da justiça proveniente da judicialização da política. Ora, tendo assumido o papel de resolver os conflitos existentes entre os poderes, agindo como árbitro do jogo político, os tribunais vêem-se na iminência da politização, ou seja, no dizer de Loewenstein, os detentores do poder, politicamente responsáveis – governo e parlamento – estão expostos à tentação de levar ante o tribunal um conflito político. Os juízes, por sua vez, estão obrigados a substituir as decisões dos responsáveis detentores do poder por seus juízos políticos, camuflados em forma de sentença judicial. 27

Neste ponto é oportuno trazer à baila certas situações que, infelizmente, estão ocorrendo. O poder de dizer o direito e julgar é algo que encanta e seduz alguns magistrados ao ponto de, esquecendo que devem ater-se aos fatos, serem imparciais e julgarem tecnicamente, de conformidade com a lei, buscam na opinião pública e nos holofotes da mídia a decisão satisfatória. Para piorar, vivencia-se situação temerária, quando há ‘vazamento’ ou antecipação do voto de determinado magistrado, o que nos relata Manoel Gonçalves Ferreira Filho: Demonstração desta politização está no fato de que, hoje, há magistrados que notoriamente guiam seus votos pela ‘opinião pública’, o que realmente significa dizer pelos meios de comunicação de massa. Estes ‘profetizam’ os votos dos membros de uma Corte – o Supremo Tribunal Federal, por exemplo – analisando posições jurídicas como se fossem opções ideológicas ou partidárias. E nisto são ajudados por membros do Judiciário, que em off, vazam informações, antecipam votos, movidos pelo desejo ou de agradar ou de justificar-se perante os ‘donos’ da comunicação.28

27KARL Loewenstein, apud Leal, Roger Steifelmann. A judicialização da política. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo, v. 29, p. 230-237, 1999. 28Op. cit., p. 215. 22 5

E relata em nota de rodapé que a revista Veja, no domingo anterior ao julgamento do Presidente Collor de Mello perante o STF antecipou aspectos da decisão que só poderia ter conhecimento quem tivesse acesso a esta. Aliado a essas situações que causam celeuma, o STF tem se utilizado de um instrumento polêmico para efetuar a jurisdição constitucional que lhe é própria, denominado ’interpretação conforme a Constituição’, que veremos no próximo capítulo.

23 5

CAPÍTULO 2

A CONSTRUÇÃO LEGISLATIVA DO ARTIGO 5º DA LEI N. 11.105/2005

2.1 – A TRAMITAÇÃO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

A legislação sobre biossegurança, Lei nº 11.105 de 200529, trata, em seu bojo, de dois temas bastante polêmicos: a utilização de embriões humanos para a produção de células-tronco embrionárias e a clonagem humana; e também dispõe sobre os produtos transgênicos, os Organismos Geneticamente Modificados (OGM). Assim, o trâmite do artigo 5º da Lei de Biossegurança vai acompanhar o trâmite de toda a lei. O teor do artigo 5º da referida lei é o que segue: Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 04 de fevereiro de 1997.

A Lei nº 11.105/2005 nasceu do Projeto de Lei nº 2.401/03, de iniciativa do Poder Executivo. Na Câmara dos Deputados, com a chegada do projeto, foi criada uma Comissão Especial que teve como relator o Deputado Aldo Rabelo30. Porém, com a nomeação do Deputado Aldo Rabelo para ocupar a pasta de Secretário de Coordenação Política foi necessário uma nova nomeação para a relatoria, o que foi decido pelo nome do Deputado Renildo Calheiros. O parecer do Deputado Aldo Rabelo foi favorável à bancada ruralista, que defendia a aprovação da utilização de OGM, e mantinha a proibição da clonagem humana, mas findava com a proibição de manipulação de embriões humanos para produção de células-tronco. Em seu parecer, no item 06, ele assim se manifestou: 6. Retiramos do Projeto de Lei disposição que veda “produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível”. Nosso país deve manter

29 Publicada em 28/03/2005 no DOU, seção III. 30 Ato publicado no DCD de 05/11/2003, p.59214, col. 01. 24 5

uma oposição firme à clonagem humana para fins reprodutivos. Apresentei, inclusive, Projeto de Lei neste sentido. Creio, porém, que não devemos criminalizar a pesquisa científica e o estudo das chamadas células-tronco, detentoras de enorme potencial terapêutico em doenças ainda resistentes a outras formas de tratamento. 31 Como podemos ver o parecer do Deputado Aldo Rabelo foi sucinto no que se referia às pesquisas de manipulação de células-tronco, assim também no texto do substitutivo, onde o relator se referenciou a estas no artigo 5º, incisos II e III, como segue: Art. 5º- É vedado, nas atividades relacionadas a OGM e seus derivados: I - ... II - manipulação genética de células germinais humanas e embriões humanos; III - intervenção em material genético humano in vivo, exceto para realização de procedimento com finalidade de diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças e agravos, desde que aprovado pelos órgãos competentes. ... Após reunião entre o Presidente da Casa, lideranças partidárias, parlamentares interessados, representantes do Ministério do Meio Ambiente e do próprio Deputado Aldo Rabelo, acordou-se pela aprovação do substitutivo do Deputado Renildo Calheiros. O Deputado Renildo Calheiros seguiu os passos do seu antecessor e em seu substitutivo 32regulou a matéria do modo a baixo: Art. 5º- É vedado: I – qualquer procedimento de engenharia genética em organismos vivos ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo com as normas previstas nesta Lei; II – manipulação genética em células germinais humanas e em embriões humanos; III – clonagem humana para fins reprodutivos; IV – produção de embriões humanos destinados a servir com material biológico disponível; V – intervenção em material genético humano in vivo, exceto, se aprovado pelos órgãos competentes, para fins de: a) realização de procedimento com finalidade de diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças e agravos; b) clonagem terapêutica com células pluripotentes; Com essa redação aprovada, o projeto seguiu para o Senado Federal, onde recebeu o número PLC n. 09 de 2004.33

2.2 - A TRAMITAÇÃO NO SENADO FEDERAL

Primeiramente o projeto foi distribuído à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e Comissão de Assuntos Sociais (CAS), porém, antes de ser apreciado por estes colegiados foi encaminhado à Comissão de Educação (CE), em

31Página da Câmara dos Deputados. Disponível em < http://www.camara.gov.br/sileg/integras19319.pdf>. Acesso em 15/09/2008. 32 CALHEIROS, Renildo. Substitutivo ao Projeto de Lei nº 2401/2003. Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/197631.htm 33 Disponível em < http://www.camara.gov.br/sileg/integras19319.pdf>. Acesso em 15/09/2008.

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audiência, por força da aprovação do Requerimento n. 140/2004, subscrito pelo Senador Osmar Dias, que foi nomeado relator na Comissão de Educação. A CCJ, CAS e CAE, conjuntamente, após aprovação de requerimento, tiveram como relator o Senador Ney Suassuna. A partir de então começaram as negociações e pressões de todos os vértices interessados: os ruralistas, os ambientalistas, os defensores das pesquisas com células-tronco e seus opositores, e os que trabalhavam pela liberação da clonagem humana. Estes grupos de pressão enviaram cartas e e-mails aos Senadores, cada um defendendo seus pontos de vista. Entre estes, temos: Associação Nacional de Biossegurança (ANBio); Academia Brasileira de Ciências (ABC); Associação Brasileira de Biotecnologia (Abrabi); Associação Brasileira de Distrofia Muscular, Associação Brasileira para Proteção dos Alimentos (Abrapa); Centro Brasileiro de Estocagem de Genes; Centro de Estudos do Genoma Humano; Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (SBAN); Sociedade Brasileira de Melhoramento de Plantas (SBMP); Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos (SBCTA); Sociedade Brasileira de Genética (SBG); Sociedade Brasileira de Microbiologia (SBM) e o representante do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Vegetal – UFRJ.34 Foram realizadas seis audiências públicas organizadas pela Comissão de Assuntos Sociais e pela Comissão de Educação, onde houve amplo debate sobre os transgênicos, mas às células-tronco ficou reservada uma audiência apenas, mas de grande valia, haja vista que se reuniram vários especialistas, parlamentares e o público em geral, conseguindo esclarecer várias dúvidas apresentadas. O Senador Osmar Dias (CE) incluiu em seu parecer35 os conceitos de células-tronco, clonagem terapêutica e mudou o termo ‘embriões humanos’ para ‘células embrionárias humanas’, objetivando evitar confusões de conceitos (alterações n. 3, 4 e 5 do parecer, correspondente ao artigo 3º do substitutivo). Autoriza a utilização de células embrionárias, desde que estejam congeladas há mais de três anos na data da publicação da lei, e reitera a

34 Informações contidas na tese de mestrado de Gustavo H. Fideles Taglialegna. Grupos de pressão e formulação de políticas públicas no congresso nacional: estudo de caso da tramitação do projeto de lei de biossegurança. UFMS. http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=32417 35 DIAS, Osmar. Parecer n. 1.374, de 2004. Diário do Senado, 21 set. 2004. p. 29934-30003. Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/getPDF.asp?t=26890 26 5

criminalização da comercialização deste material (alteração n. 6 do parecer, correspondente ao artigo 4º, parágrafo único do substitutivo).36 Quanto à produção de células-tronco, o parecer do Senador Osmar Dias era pouco preciso, e assim continuou também no substitutivo. Após a aprovação do parecer do Senador Osmar Dias, na Comissão de Educação, o projeto passou a tramitar conjuntamente na CCJ, CAE e CAS, sob relatoria do Senador Ney Suassuna, que em constatando termos ambíguos e imprecisos na redação do parecer e do substitutivo do Senador Osmar Dias, assim o definiu em seu parecer37: O substitutivo aprovado na Comissão de Educação reformou a decisão da Câmara dos Deputados – que, como mencionado, veda esses procedimentos – e incluiu dispositivos que permitem o uso de embriões excedentes dos processos de fertilização in vitro (art. 4º) e a clonagem (art. 5º, inciso VI, alínea b como fontes de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos. Ocorre que o substitutivo da Comissão de Educação não permite que se evidencie, com clareza, o conteúdo e o alcance que se pretende dar à lei. O texto é particularmente ambíguo quanto à permissão da clonagem terapêutica, por conter dispositivos contraditórios. É o caso do art. 5º, que, no inciso V, proíbe a “produção de células embrionárias, e qualquer estágio, para servir como material biológico disponível e, no inciso VI, alínea b, excetua “a clonagem terapêutica para obtenção de células- tronco. 38

Das reuniões realizadas com os representantes de organizações que trabalhavam favorável e contrariamente aos transgênicos, às pesquisas com células-tronco e à clonagem, bem como os representantes dos Ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e da Agricultura surgiu uma nova redação de substitutivo que, dentre demais temas, modificava a redação do item que permitia a produção de células-tronco embrionárias. Este substitutivo autorizava o uso de embriões humanos congelados há mais de três anos, mas com a exigência de autorização dos genitores e também dispunha sobre a proibição de clonagem humana para fins reprodutivos ou terapêuticos, conforme trecho do parecer do Senador Ney Suassuna:

Não obstante o avanço que representa o substitutivo da Comissão de Educação sobre o texto aprovado a Câmara dos Deputados, julgamos imprescindível dar nova redação aos dispositivos que autorizam a pesquisa e o uso terapêutico de células-tronco embrionárias extraídas de embriões excedentes do processo de fertilização in vitro, com a finalidade de permitir, de forma inequívoca, tais procedimentos e de tomar claros os termos e conceitos científicos empregados. Nesse sentido, incorporamos o texto do art. 4º do substitutivo da Comissão de Educação para autorizar o uso de células-tronco embrionárias obtidas a partir de embriões excedentes dos processos de fertilização in vitro (reprodução assistida). Nessa linha, foram incluídos dois novos incisos ao art. 3º, com a supressão do atual inciso X; alterou-se a redação dos incisos II e III, e suprimiu-se o inciso IV do art. 5º, do PLC nº 9, de 2004, e inseriu-se dispositivo para explicitar a proibição da clonagem humana, tanto para fins reprodutivos como terapêuticos. 39

36 http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/getPDF.asp?t=26890. 37 SUASSUNA, Ney. Parecer n. 1.375, de 2004. Diário do Senado, 21 set. 2004. p .29951-29955. Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/2004/09/20092004/29934.pdf 38 Diário do Senado Federal, em 21/09/2004, p.29934. http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/2004/09/20092004/29934.pdf 39 Diário do Senado Federal, em 21/09/2004, p. 29951. http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/2004/09/20092004/29934.pdf 27 5

Quanto às emendas foram apresentadas várias, no que concerne a toda a matéria do projeto. Dentre estas destaco apenas aquelas pertinentes a utilização de células-tronco: Emenda nº 05/CAS: de autoria do Senador Flávio Arns, propõe a retirada do texto do projeto todos os dispositivos relativos às células-tronco embrionárias Esta foi rejeitada pelo relator. Emenda nº 01/CCJ: da Senadora Serys Slhessarenko, autorizava o uso de células-tronco embrionárias de embriões produzidos por fertilização in vitro para fins de pesquisa e terapia, que foi acolhida pelo relator. Emenda nº 01/CAE: do Senador Osmar Dias, que propôs alterar a expressão ’parecer conclusivo’ por ‘decisão técnica’, em todo o texto do PLC n. 09, no que também foi acolhido pelo relator. Ao final da tramitação pelas Comissões, o projeto foi encaminhado para plenário para votação final. Após reunião de líderes e os dois relatores, que acordaram em torno do texto substitutivo do Senador Ney Suassuna, com sugestões pontuais do Senador Osmar Dias, ficou assim definida a aprovação do uso de embriões humanos para a produção de células-tronco: No artigo 3º foram feitas definições sobre as células-tronco, clonagem, engenharia genética e outros conceitos. No artigo 5º a permissão expressa para o uso em pesquisa e terapia de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados nos respectivos procedimentos há mais de três anos, ressaltando o necessário consentimento dos genitores. E, ainda, no seu parágrafo 3º estipula como crime a comercialização de material biológico. No artigo 6º o relator dispõe, taxativamente, a proibição da clonagem humana, e a engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embriões humanos.40 Assim, o projeto foi aceito e aprovado em 06/10/2004.41

40 Diário do Senado Federal, em 21/09/2004, p. 29957. http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/2004/09/20092004/29934.pdf 41Diário do Senado Federal, em 07/10/2004, p.31530. http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/diarios/pdf/sf/2004/10/06102004/31530.pdf 28 5

2.3 - ANÁLISE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS AO SUBSTITUTIVO DO SENADO FEDERAL

Como o projeto sofreu alterações no Senado, este retornou à Câmara dos Deputados para apreciação das modificações introduzidas pelo Senado Federal, conforme dispõe o artigo 65 da Constituição Federal. De volta à Câmara dos Deputados, o projeto foi submetido à Comissão Especial, que foi instalada novamente sob a relatoria do Deputado Renildo Calheiros. O Deputado Renildo Calheiros solicitou prazo para elaborar parecer, no que foi indeferido e o relator foi prontamente substituído pelo Deputado Darcísio Perondi que, sendo defensor da liberação dos transgênicos, deu parecer favorável ao substitutivo proveniente do Senado Federal. Dolabella, Araújo e Faria relatam o ocorrido assim: Designado novamente relator, o Deputado Renildo Calheiros, na reunião convocada para apreciar a matéria, solicitou mais prazo para elaborar o parecer que atendesse às diferentes demandas políticas que se apresentavam ao tema. A Comissão, no entanto, majoritariamente formada por membros favoráveis ao texto aprovado no Senado Federal, não concedeu a dilatação do prazo, destituindo-o da função. O Presidente da Comissão nomeou relatou substituto o Deputado Darcísio Perondi, um dos principais defensores da liberação dos produtos transgênicos no Parlamento. Quinze minutos após, o novo relator apresentou seu voto favorável ao Substitutivo do Senado Federal, o qual foi aprovado por ampla maioria da Comissão. 42

No Plenário da Câmara dos Deputados a matéria foi votada em 02 de março de 2005, na forma integral do substitutivo do Senado Federal e enviada para sanção do Presidente da República, que apresentou vetos referentes aos artigos 8º, 9º, 11, 12, 27 e 38 da lei, que se referiam aos OGM (transgênicos) e não alteraram substancialmente o texto. A lei foi sancionada em 24 de março de 2005, dando origem à Lei 11.105.

2.4 – REPERCUSSÃO DA MATÉRIA NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Passamos agora à repercussão que a regulação do uso das células-tronco trouxe ao Congresso Nacional. Neste ponto é oportuno deixar claro que alguns fatos e dados anteriormente citados serão repetidos, mas fez-se necessário diante da importância no contexto do tema. O projeto de lei foi uma iniciativa do Poder Executivo, e na Câmara dos Deputados foi recebido em 31/10/2003. Nesta Casa a chegada da matéria motivou a criação de uma Comissão

42 DOLABELLA, R. H.; ARAUJO, J. C. DE; FARIA, C. R. S. M. A Lei de Biossegurança e seu processo de Construção no Congresso Nacional. Cadernos Aslegis. V. 8, n. 25, jan/abr, 2005, p. 65.

29 5

Especial, que foi criada em 12/11/2003, objetivando o parecer, a discussão, o debate entre os parlamentares e também, através das audiências públicas, com os especialistas das áreas afins e a sociedade em geral. A Comissão Especial teve como primeiro relator o Deputado Aldo Rabelo, e posteriormente foi substituído pelo Deputado Renildo Calheiros. A Comissão promoveu várias reuniões e audiências públicas, como demonstra, a seguir, o quadro da evolução dos trabalhos:

DATAS E PAUTAS DAS REUNIÕES E AUDIÊNCIAS PÚBLICAS:

Nº DATA PAUTA DAS REUNIÕES OCORRIDAS INSTALAÇÃO DA COMISSÃO E ELEIÇÃO DO PRESIDENTE E DOS VICE- 1ª 13/11/03 PRESIDENTES. A - ELABORAÇÃO DO ROTEIRO DOS TRABALHOS; E 2ª 18/11/03 B - DELIBERAÇÃO DE REQUERIMENTOS. A - ELABORAÇÃO DO ROTEIRO DOS TRABALHOS; E 3ª 20/11/03 B - DELIBERAÇÃO DE REQUERIMENTOS. 4ª 25/11/03 AUDIÊNCIA PÚBLICA. 5ª 27/11/03 AUDIÊNCIA PÚBLICA. 6ª 02/12/03 AUDIÊNCIA PÚBLICA. 7ª 03/12/03 AUDIÊNCIA PÚBLICA. 8ª 04/12/03 AUDIÊNCIA PÚBLICA. REUNIÃO ORDINÁRIA PARA APRESENTAÇÃO DO PARECER DO 9ª 20/01/04 RELATOR. REUNIÃO ORDINÁRIA PARA DISCUSSÃO DO PARECER DO RELATOR, 10ª27/01/04 DEP. RENILDO CALHEIROS. REUNIÃO ORDINÁRIA PARA DISCUSSÃO DO PARECER DO RELATOR, 11ª28/01/04 DEP. RENILDO CALHEIROS. REUNIÃO ORDINÁRIA PARA DISCUSSÃO DO PARECER DO RELATOR, 12ª29/01/04 DEP. RENILDO CALHEIROS. 13ª03/02/04 REUNIÃO ORDINÁRIA PARA VOTAÇÃO DO PARECER DO RELATOR. 14ª04/02/04 REUNIÃO ORDINÁRIA PARA VOTAÇÃO DO PARECER DO RELATOR. REUNIÃO ORDINÁRIA PARA APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DO 15ª09/11/04 PARECER DO RELATOR ÀS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELO SENADO FEDERAL. REUNIÃO ORDINÁRIA PARA APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DO 16ª10/11/04 PARECER DO RELATOR ÀS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELO SENADO FEDERAL. 30 5

Nas audiências públicas realizadas na Comissão nos dias 25 e 27/11/2003 e 02, 03 e 04/12/2003, houve debates e exposição de dados especialmente sobre os transgênicos, com a presença de especialistas e estudiosos a seguir elencados:

DATA EXPOSITORES PROF. LUIZ ANTÔNIO BARRETO DE CASTRO, PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE BIOTECNOLOGIA; E 25/11/03 PROF. HERMAN CHAIMOVICH, DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP. MANHÃ:

DR. ANTÔNIO CARLOS CAMPOS DE CARVALHO - UFRJ; E

DR. BENAMI BACALTCHUK, CHEFE-GERAL DA EMBRAPA TRIGO.

27/11/03 TARDE:

PROF. AVILIO FRANCO - UFRJ;

PROF. FRANCO LAJOLO - USP; E

PROF. MOHAMED HABIB - UNICAMP. DR. ANTÔNIO JOSÉ MONTEIRO - PINHEIRO NETO ADVOGADOS;

DR. LUIZ ROBERTO BAGGIO - VICE-PRESIDENTE DA ORGANIZAÇÃO DAS 02/12/03 COOPERATIVAS BRASILEIRAS - OCB; E

DR. RUBENS NODARI - ESPECIALISTA EM TRANSGENIA DA SECRETARIA DE BIODIVERSIDADE E FLORESTA DO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. DR. ERNESTO PARTERNIANI - REPRESENTANTE DA CNA;

SR. RAIMUNDO CARAMURU BARROS - PRESIDENTE DO IBRAP; 03/12/03 SR. VICENTE EDUARDO SOARES ALMEIDA - REPRESENTANTE DO MST; E

DRA. MARIA REGINA VILARINHO - REPRESENTANTE DA EMBRAPA. PROFA. GLACI ZANCAN - SBPC;

04/12/03 DR. ENNIO CANDOTTI - SBPC; E

DRA. MARIA JOSÉ ª SAMPAIO - EMBRAPA.

31 5

Somente na reunião da Comissão Especial do dia 28/01/200443, já sob a relatoria do Deputado Renildo Calheiros, durante os debates a respeito da utilização das células-tronco, os Deputados Dr. Hélio, Fernando Gabeira e o Francisco Gonçalves, defenderam veementemente o uso das células-tronco como um avanço para a tecnologia genética no Brasil, mas não houve exposição de especialistas das áreas, tendo em vista tratar-se de reunião da Comissão e não audiência pública.44 No decorrer do prazo regimental apresentaram-se, perante a Comissão Especial incumbida de emitir parecer sobre os OGM e o uso de células-tronco 278 emendas. Relacionados, a seguir, estão os nomes dos parlamentares e os números das emendas apresentadas: • Deputado Adão Preto e outros – emenda nº 48 e 50; • Deputado Antônio Carlos Mendes Thame – emendas nº 112 a 124; • Deputado Alberto Fraga – emendas nº 168 e nº 170 a 195; • Deputada Ann Pontes – emenda nº 202; • Deputado Augusto Nardes – emendas nº 100 e 101; • Deputado Celso Russomano e outros – emendas nº 102 a 109; • Deputado Chico da Princesa – emendas nº 270 a 276; • Deputado Confúcio Moura – emendas nº 144 a 152 e nº 277 (substitutivo); • Deputado Darcísio Perondi – emendas nº 51 e 278 (substitutivos) e nº 52 a 94; • Deputado Dr. Hélio – emendas nº 265 a 269; • Deputado Edson Duarte – emendas nº 28 a 33; • Deputado Eunício Oliveira e outros – emenda nº 143; • Deputado Gustavo Fruet – emenda nº 02; • Deputada Janete Capiberibe – emendas nº 97 e 98; • Deputado João Alfredo – emendas nº 23 a 27; • Deputados João Alfredo e Walter Pinheiro – emendas nº 162 a 167 e nº 169; • Deputado João Grandão – emendas nº 03 a 06; • Deputado Luis Carlos Heinze – emendas nº 153 a 158; • Deputado Moacir Micheletto – emendas nº 222 a 241; • Deputados Onix Lorenzoni e Walter Feldman – emendas nº 07 a 22;

43http://apache.camara.gov.br/portal/arquivos/Camara/internet/comissoes/temporarias/especial/encerradas/pl2401 03/notas/biossegurancant280104.pdf.

44Em pesquisa feita no site da Câmara dos Deputados não foi possível identificar audiência pública com o tema específico do uso das células-tronco. Disponível em: htpp://www.camara.gov.br. Acesso em 18/10/2008. 32 5

• Deputado Paulo Pimenta – emendas nº 01 e 196 a 200; • Deputado Pedro Henry – emendas nº 35 a 43; • Deputados Pedro Henry e outros – emendas nº 203 a 221; • Deputado Roberto Freire – emenda nº 49 (substitutivo); • Deputado Sarney Filho – emendas nº 95 e 96; • Deputado Severino Cavalcante – emendas nº 110 e 111; • Deputada Vanessa Grazziotin – emendas nº 126 a 142; • Deputado Walter Pinheiro – emenda nº 34; • Deputado Wasny de Roure – emendas nº 44 a 47 e 250 a 264; • Deputada Yeda Crusius – emendas nº 242 a 249. Em parecer proferido em plenário o Deputado Renildo Calheiros demonstra a preocupação que era partilhada pela maioria dos parlamentares:

Há ponto muito polêmico nessa matéria que preocupa a maioria dos Deputados: a pesquisa das células-tronco. Há mais de um projeto tramitando na Casa sobre o tema. A matéria está sendo relatada pelo Deputado Colbert Martins, do PPS da Bahia. Pensei, em dado momento, em não abordá-la no substitutivo, para que lei específica dela tratasse, mas a necessidade de estabelecer alguma referência era tão grande que resolvi enfrentá-la e colhi a inquietação de Deputados que acreditam que a pesquisa nessa área guarda grande esperança para a humanidade. Conversei, sem nenhum preconceito, com padres e pastores evangélicos que integram a Câmara dos Deputados, pois são, tanto quanto eu, representantes do povo brasileiro e têm direito de aqui manifestar suas opiniões e de procurar aprovar a legislação que julguem mais adequadas para o Brasil. Conversei muito com os Deputados Pastor Amarildo, Adelor Vieira, Carlos Willian, Padre José Linhares, Henrique Afonso, Walter Pinheiro, Dr. Hélio, Givaldo Carimbão e tantos outros, e chegamos a um acordo sobre essa questão no substitutivo, em resposta a quem quer desenvolvimento para a ciência, mas tem preocupações de natureza ética, moral e religiosa.45

Assim, podemos perceber que o tema das células-tronco foi polêmico, causou comoção dentre os parlamentares, e também na sociedade em geral. Justificou-se a criação de uma Comissão Especial para estudos, debates e decisões. Percebe-se que os parlamentares buscaram se informar a respeito, mas o que tivemos efetivamente foi que na Câmara a matéria não foi debatida a contento. Muitos queriam que a matéria dos transgênicos fosse tratada separadamente, em projeto diverso, como dispõe a Lei Complementar n. 95, de 26/02/1998 (que regula a técnica legislativa), mas a urgência de regularização da matéria falou mais forte e o projeto seguiu para o Senado.

45http://www.camara.gov.br/sileg/integras/197319.pdf. Acesso em 18/10/2008. 33 5

2.5 – REPERCUSSÃO DA MATÉRIA NO SENADO FEDERAL

No Senado Federal, em 02 de junho de 2004, na Comissão de Assuntos Sociais- CAS aconteceu uma audiência pública para instruir o PLC n. 09/2004, no que tange às células- tronco46. Foi a quarta reunião para debater o projeto da Lei de Biossegurança, sendo que as outra reuniões visavam a discussão dos OGM (transgênicos) e ocorreram em 03 de dezembro de 2003, 25 de maio de 2004 e 26 de maio de 2004, e que não vamos nos ater por não ser objeto dessa pesquisa. Nessa audiência sobre as células-tronco estavam presentes cientistas renomados e estudiosos convidados para oferecerem seus conhecimentos visando esclarecer e enriquecer o debate sobre a utilização de células-tronco e clonagem. Dentre estes profissionais da ciência estavam o Dr. Marco Antônio Zago, Professor titular da Faculdade de Medicina e Diretor Científico do Hemocentro da USP, Ribeirão Preto, São Paulo; o famoso Dr. Dráuzio Varela, médico oncologista; Drª Mayana Zatz, Diretora do Centro de Estudo de Genoma Humano da USP; Senador Tião Viana, doutor em medicina tropical; Dr. André Marcelo Soares, Professor de Bioética da PUC, Rio de Janeiro; Drª Patrícia Pranke, Professora da Faculdade de Farmácia e Pós-Graduação em Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Durante a audiência o Senador Osmar Dias sugere a divisão do projeto em dois projetos distintos, um para a lei dos transgênicos, e outra para definir o uso das células-tronco. 47Mas houve a preocupação de que, em se separando os temas, poderia acontecer de acelerar a votação de um projeto (transgênicos) em detrimento do outro (células-tronco), então o Senador mudou seu posicionamento e propôs que só houvesse separação dos temas se a tramitação fosse conjunta. Nota-se, com isso a preocupação dos parlamentares em tratar o assunto com mais responsabilidade e zelo. O Senador Osmar Dias referenciou-se às criticas sofridas pela mídia que divulgou notícias criticando o papel do Senado Federal, e “que querem impedir o Senado de debater

46 http://legis.senado.gov.br/sil-pdf/Comissoes/Permanentes/CAS/Notas/20040602EX018.pdf. Aceso em 20/10/2008 47 Posteriormente, durante discussão em plenário sobre a matéria, o Senador Flávio Arns colocou em pauta o dispositivo da Lei Complementar n. 95 de 26/02/98, que trata da técnica legislativa, onde não se deve dispor de matérias diversas no mesmo projeto, mas o Senador Aloísio Mercadante esclarece que esse ponto já fora discutido pela CCJ na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e concluíram que os temas são afins, pois tratam de biossegurança. (06/10/2004).

34 5

antes de votar.” Denota-se na fala do parlamentar a preocupação com a importância da matéria e com a imagem do Senado. Iniciados os debates para esclarecimento e posicionamento a respeito do uso das células-tronco pelos especialistas deu-se, então, um grande debate, muito esclarecedor, onde todos os cientistas expuseram seus pontos de vista e responderam às perguntas elaboradas pelos Senadores presentes. No decorrer das discussões o Senador Tião Viana analisa o tema deixando clara a necessidade de aprofundar os estudos e debates e, ainda, sugere a criação de um Comitê Nacional de Ética e Pesquisa da Vida, a exemplo do que ocorre na França. O Senador Hélio Costa, para dar solução à proposição da separação do projeto em duas leis distintas, sugere que a matéria sobre o uso de células-tronco seja tratada em medida provisória, porém houve aposição do Senador Flávio Arns. Ao final da audiência vários Senadores, líderes partidários que estavam presentes e manifestaram seus entendimentos demonstravam empenho em acelerar o trâmite do projeto, e a maioria era a favor da mudança do disposto no artigo 5º da lei para, assim, autorizarem o uso de células-tronco embrionárias. Essa foi uma audiência importante, esclarecedora e fundamental para a formação de opinião dos parlamentares quanto à matéria. Posteriormente, em 23 de junho de 2004, houve outra audiência na Comissão de Assuntos Sociais- CAS, mas nessa reunião o objetivo foi a discussão sobre a biotecnologia dos transgênicos. Quanto à utilização das células-tronco ocorreu um encontro entre membros de algumas igrejas, o Senador Tião Viana e a Senadora Lúcia Vânia, que resultou em um acordo sobre a matéria. Foram apresentadas várias emendas, mas no que tange às células-tronco tivemos três emendas: Emenda 01-CAE, acolhida pelo relator; Emenda 01-CCJ, acolhida pelo relator; e Emenda 05-CAS, rejeitada pelo relator. O trabalho conjunto das Comissões CCJ, CAE, CE e CAS foi fundamental para o bom fluxo dos trabalhos e denotam a relevância que o tema adquiriu na Casa. Já no retorno do projeto à Câmara dos Deputados, com o substitutivo do Senado pronto, os interessados na liberação das pesquisas com as células-tronco se concentraram na Casa. Compareceram, ali, pessoas em cadeira de rodas, associações representativas de diversas doenças degenerativas e outros tentando comover os parlamentares que, em resposta a esse apelo, fizeram discursos exaltados. O relator, que então era o Deputado Renildo Calheiros pediu tempo para parecer, mas o pedido foi indeferido e este foi substituído pelo Deputado 35 5

Darcísio Perondi, que de imediato deu parecer favorável à liberação dos transgênicos, autorizando o uso das células-tronco embrionárias, nas condições do substitutivo do Senado. O projeto foi aprovado em 02 de março de 2005.48 Assim, podemos perceber que a matéria, desde sua chegada no Congresso Nacional, em 31 de outubro de 2003, até sua votação e aprovação nas duas Casas, em 02 de março de 2005, foi debatida. Porém, dada a relevância que a matéria assumiu e sua importância para a expansão da biotecnologia no Brasil, talvez tratar as matérias em projetos separados teria sido melhor solução. Mas diria também que, de acordo com as notas taquigráficas das reuniões e audiências públicas ocorridas, a sociedade civil, os especialistas das áreas, os cientistas renomados que compareceram e contribuíram para a elucidação do tema, juntamente com as participações da população em geral, através de cartas, telefonemas e e-mails, e também a mídia nacional, deixam clara a grande repercussão e a preocupação de todos com a regulação da matéria. O que concluímos de todo processo é que o debate sobre o uso das células-tronco foi prejudicado, já que o tema da utilização dos transgênicos ocupou mais a agenda das duas Casas, em especial na Câmara dos Deputados onde houve várias audiências públicas para a discussão dos transgênicos e, como dito anteriormente, não foi possível detectar nenhuma audiência específica para debate sobre o uso de células-tronco e a clonagem humana. Já no Senado Federal houve apenas uma audiência pública, mas esta foi de profundo conteúdo e muito esclarecedora, o que certamente ajudou os Senadores na formação de suas convicções.

48 Redação final aprovada: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/282814.doc 36 5

CAPÍTULO 3

O EXAME DA CONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 5º DA LEI N. 11.105/2005: ADI N. 3510/DF.

3.1 - A INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO E A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL SEM REDUÇÃO DE TEXTO

A interpretação conforme a Constituição é instituto que divide opiniões entre juristas e doutrinadores. A sua definição não é pacifica e o conceito é variável entre vários estudiosos. Devemos entender a interpretação conforme a Constituição como uma técnica interpretativa ou um princípio de interpretação constitucional? Não temos a pretensão de exaurir esse ponto, mas, apenas como introdução ao tema procurar evidenciar o quanto é incerto seu conceito. Para tanto, vejamos as definições de alguns doutrinadores somente. Celso R. Bastos, por exemplo, em seu artigo denominado ’As modernas formas de interpretação constitucional’ a trata primeiro como princípio, mas logo após a define como ‘técnica de decisão’, e depois continua a tratá-la como técnica interpretativa. 49 Assim, também, o Ministro Moreira Alves que em dois julgados seus, onde se utiliza da interpretação conforme a Constituição, a Rp. n. 1.417/DF e a ADI n. 1.344-1/ES, na primeira a define como princípio, e na segunda, como técnica interpretativa.50 Mas temos aqueles que entendem ser a interpretação conforme a Constituição uma técnica de interpretação definitivamente. É o caso de José Levi Mello do Amaral, que em seu artigo intitulado ‘ Da necessária distinção entre a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto’ textualmente a define como técnica hermenêutica.51 Importante destacar o entendimento de Paulo Bonavides que assim a conceitua: A interpretação das leis “conforme a Constituição”, se já não tomou foros de método autônomo na hermenêutica contemporânea, constitui fora de toda dúvida um princípio largamente consagrado em

49 BASTOS, Celso Ribeiro. As modernas formas de interpretação constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, 1998. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=89 . Acesso em 21/09/2007. 50 Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp Acesso em 30/08/2008. 51 AMARAL Jr. José Levi do. Da necessária distinção entre a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=132 . Acesso em 29/05/2008. 37 5

vários sistemas constitucionais. [...] Em rigor não se trata de um princípio de interpretação da Constituição, mas de um princípio de interpretação da lei ordinária de acordo com a Constituição. Método especial de interpretação.... 52

Para Luis Roberto Barroso é princípio53, enquanto para Alexandre de Moraes é técnica interpretativa54. Vemos, assim, que este não é um tema pacificado entre os doutrinadores e juristas. Entendo ser um princípio, como muito bem define Bryde, transcrito por , “se utilizada corretamente, a interpretação conforme a Constituição nada mais é do que interpretação da lei (Gestzesausjegung), uma vez que qualquer intérprete está obrigado a interpretar a lei segundo as decisões fundamentais da Constituição ”55. Isso denota que a interpretação conforme é basilarmente interpretar, entender a lei conforme o texto constitucional, e isso é principiológico. A interpretação conforme a Constituição pode ser entendida como mecanismo de controle e visa assegurar um relativo grau de constitucionalidade às normas que têm sua constitucionalidade questionada. O jurista dispõe desse tipo de interpretação constitucional como opção para a validação ou adequação da norma à realidade constitucional. A aplicação do princípio da interpretação conforme a Constituição só é possível quando normas infraconstitucionais que possibilitem vários significados e acepções são trazidas à Corte Constitucional para que esta, optando pela melhor interpretação e sentido, possa adequar a norma ao texto constitucional, estipulando em que sentido aquela norma pode ser entendida constitucionalmente. O intérprete, então, utilizando-se da interpretação conforme a Constituição busca, dentre os vários entendimentos que a norma comporta, aquele que guarda maior conformidade possível com a Constituição, para, então, harmonizar a lei com o texto constitucional. Neste ponto a interpretação pode ser ampliativa ou restritiva, desde que não ofenda a norma ou vontade, ali expressa, do legislador. Vejamos o que nos ensina Celso Bastos 56: O intérprete depois de esgotar todas as interpretações convencionais possíveis e não encontrando uma interpretação constitucional da mesma, mas também não contendo na norma interpretada nenhuma violência à Constituição Federal, vai verificar se é possível pelo influxo da norma constitucional levar-se a efeito algum alargamento ou restrição da norma que a compatibilize com a Carta Maior. Todavia, tal alargamento ou restrição da lei não deve ser revestido de uma afronta à literalidade da norma ou à vontade do legislador.

52 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. Ed. Malheiros. 2007. p.519. 53 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo. Ed. Saraiva. 1996.p.174. 54 MORAS, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Ed. Atlas. 2002, p.46. 55 BRYDE, Verfassaungsentwcklung, Stabiliät und Dynanik in Verfassungsrecht der undesrepublik Deutshland, p.411, apus MENDES, Gilmar, Jurisdição Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva. 1996, p. 228. 56 BASTOS, Celso Ribeiro. As modernas formas de interpretação constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, dez. 1998. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=89 . Acesso em 21/09/2007. 38 5

Mas, essa interpretação deve ter limites claros, dentro do texto da própria norma a ser interpretada. Não se pode conceber ao intérprete a modificação do texto que o legislador concretizou. Norma esta, que, advinda de um processo legislativo competente e resultado da vontade do legislador, como representante popular que é, traz em si o status da presunção de legitimidade e legalidade. De conformidade com esse entendimento temos na Rp n. 1.417, o Ministro Moreira Alves: “a interpretação da norma sujeita a controle deve partir de uma hipótese de trabalho, a chamada presunção de constitucionalidade, da qual se extrai que, entre dois entendimentos possíveis do preceito impugnado, deve prevalecer o que seja conforme a Constituição” (RTJ 126/53). Desta feita, objetivando abarcar a melhor interpretação para a norma, o Tribunal não pode fazer uma interpretação contra legem. Segundo o Ministro Gilmar Mendes57: Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a interpretação conforme a Constituição conhece limites. Eles resultam tanto da expressão literal da lei, quanto da chamada vontade do legislador. A interpretação conforme a Constituição é, por isso, apenas admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto e não alterar o significado do texto normativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador.

Inadmissível, portanto, a interpretação conforme a Constituição que tenha como resultado uma ordem contra o texto e o sentido legais, ou contra essa finalidade legislativa. Assim, a interpretação conforme a Constituição só deve ser utilizada se e quando não configurar violência contra a expressão literal do texto e não modificar o seu significado, o que acarretaria numa mudança na própria concepção original do legislador, conforme elucida o Ministro Gilmar Mendes. 58 Com a Constituição de 1988 e a constitucionalização do Direito, os direitos fundamentais tornaram-se um dos pilares do atual Estado, princípios democráticos e de justiça. Nesse quadro, a atividade jurisdicional, e mais especificamente, a utilização da interpretação conforme a Constituição trouxe, para o intérprete, o dever de, atribuindo novo sentido para evitar a sua mácula, desempenhar a função de filtragem constitucional de todo o direito infraconstitucional, defendendo a melhor interpretação para resguardar os princípios democráticos de Direito, constantes na Carta Maior.

57 MENDES, Gilmar F.; GANDRA, Ives. Controle Concentrado de Constitucionalidade: Comentários à Lei n. 9.868, de 10.11.1999. São Paulo. Ed. Saraiva. 2001, p. 298. 58 Idem, p.298. 39 5

Nesse processo a norma passa a viger com a interpretação dada pela Corte Suprema, assim, a exclusão que o STF faz das outras interpretações existentes funciona como controle de constitucionalidade. Em conformidade com esse entendimento temos Luís Roberto Barroso59 que nos ensina: [...] 3) Além da eleição de uma linha de interpretação, procede-se à exclusão expressa de outra ou outras interpretações possíveis, que conduziriam a resultado contrastante com a Constituição. 4) Por via de conseqüência, a interpretação conforme a Constituição não é mero preceito hermenêutico, mas, também, um mecanismo de controle de constitucionalidade pelo qual se declara ilegítima uma determinada leitura da norma legal.

Para J. Gomes Canotilho, é necessário que a norma legal ofereça um ‘espaço de decisão’ (=espaço de interpretação)60 em que, entre as várias possibilidades interpretativas , algumas encontrem-se em conformidade com a Constituição e outras lhe contrariem o texto ou espírito. Bem, quando somente for possível um resultado em discordância com a Constituição, não se pode falar em interpretação conforme a Constituição, a norma questionada deve ser declarada inconstitucional. É fundamental ter em conta que a interpretação conforme a Constituição deve limitar-se ao exercício hermenêutico, e que ultrapassando esse limite, o que se tem será uma declaração de inconstitucionalidade. A interpretação conforme a Constituição agrega, a seu favor, o princípio da supremacia da Constituição, e, também, da presunção de constitucionalidade, haja vista que o legislador não pretenderia fazer leis inconstitucionais. Vejamos nas palavras de Márcio A. V. Diniz61 a definição de supremacia da Constituição no sentido político e jurídico que o princípio comporta: O sentido político do princípio da supremacia constitucional implica que todo o exercício do poder do Estado encontra seus limites na Constituição e deve se realizar de acordo com os parâmetros formais e materiais nela estabelecidos. Por sua vez, o sentido jurídico outorga à Constituição o caráter jurídico de norma suprema do ordenamento jurídico, diferenciando-a, formalmente, das normas provenientes da legislação ordinária, editadas em função das competências, procedimentos e conteúdos nela estabelecidos.

Esses princípios são os que justificam a utilização da interpretação conforme a Constituição. O uso da interpretação conforme a Constituição não deve ser vista como uma modalidade de decisão, nem significa alterar o significado da lei, posto que isso seria se arrogar

59 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo. Ed. Saraiva. 1996. 60 CANOTILHO, J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra. Almedina. 1991. 61 DINIZ. Márcio A. Vasconcelos. Constituição e Hermenêutica Constitucional. 2ª edição. Belo Horizonte. Ed. Mandamentos. 2002. 40 5

legislador. Neste ponto, muito esclarecedor é o voto do Min. Moreira Alves, na Rp. n. 1.417, que na ementa nos ensina: ...O STF - em sua função de Corte Constitucional - atua como legislador negativo, mas não tem o poder de agir como legislador positivo, para criar norma jurídica diversa da instituída pelo Poder Legislativo. Por isso, se a única interpretação possível para compatibilizar a norma com a Constituição contrariar o sentido inequívoco que o Poder Legislativo lhe pretendeu dar, não se pode aplicar o princípio da interpretação conforme a Constituição, que implicaria, em verdade, criação de norma jurídica, o que é privativo do legislador positivo.

O uso da interpretação conforme a Constituição é vista com certas precauções, por isso desperta polêmica na sua utilização. Vejamos o que nos adverte Celso R. Bastos: Cumpre advertirmos, todavia, que o princípio da interpretação conforme a Constituição não contém em si delegação ao Tribunal para que realize uma melhoria ou um aperfeiçoamento da lei, pois qualquer alteração ao conteúdo da norma, mediante a alegação de pretensa interpretação conforme a Constituição, representa uma intervenção mais direta no âmbito de competência do legislador do que a própria pronúncia de inconstitucionalidade e conseqüente nulidade da norma jurídica em questão, uma vez que a Constituição Federal assegura ao Poder Legislativo a prerrogativa de elaborar uma norma em conformação com a Carta Magna.62

Muito embora o intérprete goze de certa flexibilidade, este deve sempre ter em foco que nunca poderá interpretar contra legem, alterando a vontade do legislador. Por existir essa possibilidade, é que a interpretação conforme a Constituição é alvo de atenção constante. Para o eminente constitucionalista Paulo Bonavides a interpretação conforme a Constituição tem dois aspectos: um aspecto negativo e um positivo, a saber: Com efeito, visto pela dimensão contrária, é de temer-se venha o método a engendrar artifícios ou subterfúgios que possam fazer prevalecer incólumes no ordenamento constitucional normas inconstitucionais, afrouxando assim as cautelas e a vigilância do legislativo contra a emissão de semelhantes normas. ”....”Corre-se não raro com o emprego desse método o risco de transformar a interpretação da lei conforme a Constituição numa interpretação da Constituição conforme a lei (...) distorção que se deve conjurar. Tocante ao lado positivo do método, é de ressaltar a fidelidade que ele parece inculcar quanto à preservação do princípio da separação dos poderes. Faz com que juízes e tribunais percebam que sua missão não é desautorizar o legislativo ou nele imiscuir-se por via de sentenças e acórdãos, mas tão-somente controlá-lo, controle aparentemente mais fácil de exercitarem-se quando, relutante diante da tarefa de declarar a nulidade de leis ou atos normativos, os órgãos judiciais se inclinam de preferência para a obra de aproveitamento máximo dos conteúdos normativos, ao reconhecer-lhes sempre que possível a respectiva validade. Mas convém advertir que na prática a elasticidade, assim proposta, de contemporizar com a dubiedade das normas e fazê-las tanto quanto possível constitucionais pode em casos extremos desfigurar o exercício do controle pelo órgão judicial. 63

Encontra-se no entendimento de Alexandre de Moraes, uma classificação interessante e que merece ressalto. Para o constitucionalista a interpretação conforme a Constituição comporta três hipóteses:

Interpretação conforme com redução do texto: essa primeira hipótese ocorrerá quando for possível, em virtude da redação do texto impugnado, declarar a inconstitucionalidade de determinada

62 BASTOS, Celso. As modernas formas de interpretação constitucional. Site jus navigandi. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=89 Acesso em 21/09/200. 63BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 2007.p. 519. 41 5

expressão, possibilitando, a partir dessa exclusão de texto, uma interpretação compatível com a Constituição Federal. [...] Interpretação conforme sem redução do texto, conferindo à norma impugnada uma determinada interpretação que lhe preserve a constitucionalidade: nessas hipóteses, salienta o Pretório Excelso, “quando, pela redação do texto no qual se inclui a parte da norma que é atacada como inconstitucional, não é possível suprimir dele qualquer expressão para alcançar essa parte, impõe-se a utilização da técnica de concessão da liminar para a suspensão da eficácia parcial do texto impugnado sem a redução de sua expressão literal, técnica essa que se inspira na razão de ser da declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto em decorrência de este permitir interpretação conforme a Constituição”64[...] Interpretação conforme sem redução do texto, excluindo da norma impugnada uma interpretação que lhe acarretaria a inconstitucionalidade: nestes casos, o Supremo Tribunal Federal excluirá da norma impugnada determinada interpretação incompatível com a Constituição Federal, ou seja, será reduzido o alcance valorativo da norma impugnada, adequando-a a Carta Magna.65 [...]

Entende, assim, o eminente constitucionalista, haver três tipos de interpretação conforme a Constituição, a interpretação conforme com redução de texto, sem redução de texto e a sem redução de texto excluindo da norma impugnada a interpretação que acarrete inconstitucionalidade. Oportuno destacar que esse entendimento lhe é próprio, não sendo usualmente adotado por outros doutrinadores. Outro aspecto importante no uso da interpretação conforme a Constituição é a conseqüência advinda de sua utilização. Quando temos uma ação para a argüição de inconstitucionalidade de certa norma, seja ela incidental ou direta, e utiliza-se da interpretação conforme a Constituição, o que ocorre é a improcedência da ação. A norma permanece no ordenamento jurídico, com a interpretação dada pela Corte Suprema. Na Alemanha, a interpretação conforme a Constituição deságua na procedência parcial da ação direta de inconstitucionalidade, pois há a declaração da inconstitucionalidade dos sentidos que estão em confronto com a Constituição. No Brasil, o que ocorreu foi que os sentidos afastados pelo STF, no uso da interpretação constitucional dada, ficavam dispostos na parte de fundamentos da sentença, não produzindo a coisa julgada. Isso oportunizou a determinados Órgãos Jurisdicionais pelo país, o descumprimento indireto da decisão. Tal fato gerou grande problemática no meio jurídico e, em especial para o próprio STF, que via suas decisões sendo burladas. Muito embora a EC nº 3 de 17/03/1993, que acrescentou o parágrafo 2º ao artigo 102 da Constituição, já estabelecesse o efeito vinculante nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC), a jurisprudência do STF também o utilizava para as Ações Diretas

64 ADI 1.344-1/ES. Rel. Min. Moreira Alves. Diário de Justiça. 19/04/96. Seção I, p.12.212. 65 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Ed. Atlas. 2002. p.46/47. 42 5

de Inconstitucionalidade (ADI). Mas, somente com o advento da Lei n. 9.868 de 10/11/1999, após abundante polêmica, esta situação foi solucionada em definitivo com o disposto no parágrafo único, do artigo 28 que dispõe:

Artigo 28. .... Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto têm eficácia contra todos e efeito vinculante aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

Com a edição desta lei e, posteriormente, com o advento da EC. nº. 45, de 31/12/2004, o efeito vinculante foi estendido expressamente às Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Poderíamos dizer que as decisões do STF já gozavam de eficácia para todos, ou eficácia erga omnes (força de lei), mas é necessário que se faça a distinção entre a eficácia erga omnes e o efeito vinculante. Segundo Gilmar Mendes66, a orientação preponderante é que a eficácia erga omnes se refere à parte dispositiva da decisão, enquanto que o efeito vinculante, cujo objetivo é dar maior eficácia às decisões do STF, assegura força vinculante não apenas à parte dispositiva da decisão, mas também aos seus fundamentos. Assim, tendo em vista que a Constituição Federal deve abalizar todo o ordenamento jurídico, verifica-se que a utilização da interpretação conforme a Constituição tem como objetivo evitar lacunas normativas decorrentes da declaração de inconstitucionalidade da lei. Ela visa, sobretudo, a manutenção do direito e da segurança jurídica, que seriam prejudicadas pela exclusão da norma inconstitucional do sistema jurídico. Porém, como tão bem discorre Paulo Bonavides a esse respeito, “ingressamos no campo delicado e complexo dos limites que se devem traçar ao método de interpretação conforme a Constituição, tendo em vista o modo como ele há sido utilizado por juízes e tribunais constitucionais. Convém, por conseguinte, proceder com cautela, evitando deformações irremediáveis.” 67 É instituto polêmico e que recomenda ao intérprete cautela, por ser esse um campo que pede prudência, ponderação, rigor e discernimento.

66 Proposta de Emenda Constitucional n. 130, de 1992. In MARTINS, Ives Gandra de Silva et al. Controle Concentrado de Constitucionalidade, p.337. 67 Op. cit. p.520. 43 5

DECLARAÇÃO PARCIAL DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM REDUÇÃO DE TEXTO

Esta é uma técnica de interpretação constitucional e teve sua origem na Corte Constitucional da Alemanha. A melhor forma de explicar o uso dessa técnica vem dos ensinamentos de Lúcio Bittencourt: Ainda no que tange à constitucionalidade parcial, vale considerar a situação paralela em que uma lei pode ser válida em relação a certo número de casos ou pessoas e inválida em relação a outros. É a hipótese, verbi gratia, de certos diplomas redigidos em linguagem ampla e que se consideram inaplicáveis a fatos pretéritos, embora perfeitamente válidos em relação às situações futuras. Da mesma forma, a lei que estabelecesse, entre nós, sem qualquer distinção, a obrigatoriedade do pagamento de imposto de renda, incluindo na incidência deste os proventos de qualquer natureza, seria inconstitucional no que tange à remuneração dos jornalistas e professores. 68

A lei continuará vigendo, porém o STF considera inconstitucional apenas certa hipótese de aplicação da lei, não alterando a literalidade da norma. Segundo Celso Bastos:

Portanto, faz-se possível afirmar que essa técnica de interpretação ocorre, quando – pela redação do texto no qual se inclui a parte da norma que é atacada como inconstitucional- não é possível suprimir dele qualquer expressão para alcançar a parte inconstitucional. Impõe-se, então, a suspensão da eficácia parcial do texto impugnado sem a redução de sua expressão literal. 69

Para exemplificar e melhor elucidar o tema, vamos à Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 491, que tratava da inconstitucionalidade no artigo 86, parágrafo único, da Constituição do Estado do Amazonas. O referido artigo disciplina que Lei Orgânica disporá sobre a organização e o funcionamento do Ministério Público, observando quanto aos seus membros, no que couber, o disposto no artigo 64, incisos I, II e IV a XIII da Constituição Estadual. Esta, no entanto, dizia no seu artigo 64, inciso V (não estava citado literalmente no texto) que “os vencimentos dos magistrados serão fixados com a diferença não superior a dez por cento de uma para outra das categorias da carreira, não podendo, a título nenhum, exceder os dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.” O Supremo, reconheceu que havia inconstitucionalidade a ser argüida no que tange à extensão das vantagens ao Ministério Público, contida implicitamente na referência aos incisos ”IV a XIII” do art.64. Suspendeu, declarando a inconstitucionalidade sem redução de texto, a aplicação do parágrafo único do artigo 86 da Constituição do Estado do Amazonas, no que dizia respeito à remissão ao inciso V do artigo referido.

68 BITENCOURT, Lúcio. O controle Jurisdicional. p.128. 69 BASTOS, Celso. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. Celso Bastos Editora. p.281. 44 5

Importante ressaltar que entre a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto há semelhanças. O próprio STF, por várias vezes, confundiu-se na sua utilização, conforme admite o Ministro Gilmar Mendes. 70 Mas, atualmente, a Suprema Corte tem exarado votos onde deixa clara a distinção entre ambos.71 Gilmar Mendes nos esclarece a esse respeito:

Ainda que se não possa negar a semelhança dessas categorias e a proximidade do resultado prático de sua utilização, é certo que, enquanto na interpretação conforme a Constituição se tem, dogmaticamente, a declaração de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, constata-se, na declaração de nulidade sem redução de texto, a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinadas hipótese de aplicação (Anwendungsfälle) do programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal. 72

Vemos aqui que os efeitos, na interpretação conforme a Constituição e na declaração parcial de inconstitucionalidade são diferentes. Além disso, a já mencionada Lei n. 9.868 de 10/11/1999 tornou efetiva essa distinção e autonomia das técnicas, conforme dispõe seu artigo 28, parágrafo único. Para o constitucionalista Alexandre de Moraes a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto é um meio de chegar, alcançar a interpretação conforme a Constituição. Novamente destaco que esse é um entendimento próprio do doutrinador. Ele assim a define:

Apesar de a doutrina apontar as diferenças entre a interpretação conforme a Constituição- que consiste em técnica interpretativa- e a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto - que configura técnica de decisão judicial - entendemos que ambas as hipóteses se completam, de forma que diversas vezes para se atingir uma interpretação conforme a Constituição, o intérprete deverá declarar a inconstitucionalidade de algumas interpretações possíveis do texto legal, sem contudo alterá-lo gramaticalmente.73

Para justificar a referida definição, o constitucionalista cita Bryde, que afirma que o Tribunal Constitucional alemão utiliza-se da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto para atingir uma interpretação conforme texto constitucional. A título de esclarecimento, vamos ao texto:

Seria admissível que o Tribunal censurasse determinada interpretação por considerá-la inconstitucional. Isto resultaria, porém, da proximidade entre a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto e a interpretação conforme a Constituição. A semelhança de efeitos dos dois instrumentos não altera a fundamental diferença existente entre eles. Eles somente poderiam ser

70 MENDES, Gilmar. Controle Concentrado de Constitucionalidade. Ed. Saraiva. 2001. p299. 71 ADI319-4, Rel. M. Moreira Alves; Rp. 1454, Rel. M. Octávio Gallotti; Rp. 1417, Rel. M. Moreira Alves. 72 Op. cit. p.301. 73 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas. 2002, p. 47. 45 5

identificados se se considerasse a interpretação conforme a Constituição não como regra normal de hermenêutica, mas como expediente destinado a preservar leis inconstitucionais. Não se tem dúvida, outrossim, de que a Corte Constitucional utiliza muitas vezes a interpretação conforme a Constituição com esse desiderato. É certo, também, que, nesses casos, mais adequada seria a pronúncia da declaração de nulidade parcial sem redução de texto.74

O que é essencial na utilização da interpretação conforme a Constituição e na declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução do texto é que a interpretação deve limitar-se ao exercício hermenêutico, não devendo ser ‘estendida’ ou ‘flexibilizada’ sob pena de, com isso, adentrar no campo da produção legislativa, que como vimos anteriormente, é função típica do Poder Legislativo.

3.2 - ADI Nº 3510: PROPOSITURA, AUDIÊNCIA PÚBLICA E SUA REPERCUSSÃO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Após a publicação da Lei n. 11.105/2005, onde em seu artigo 5º autorizava o uso das células-tronco para fins de pesquisas e terapia, o então Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, em 30/05/2005, ajuizou uma argüição de inconstitucionalidade contra o referido artigo da lei. Que recebeu o número ADI 3510/DF. Na sua petição inicial75, o Procurador-Geral expõe como preceitos normativos a serem impugnados, além do art. 5º da Lei de Biossegurança, o art. 5º, caput, e o art. 1º, inc. III, ambos da Constituição Federal. A partir de então elenca vários cientistas, doutrinadores e estudiosos que defendem a tese de que a vida humana inicia-se ‘na, e a partir da fecundação’ (itens 17 e 18 da petição inicial). Após longa explanação sobre o processo da fecundação, amparado por citações dos estudiosos e cientistas, no item 19 dispõe: 19. Estabelecidas tais premissas, o artigo 5º e parágrafos, da Lei n. 11.105, de 24 de março de 2005, por certo inobserva a inviolabilidade do direito à vida, porque o embrião humano é vida humana, e faz ruir fundamento maior do Estado democrático de direito, que radica na preservação da dignidade da pessoa humana. E no pedido requer, respaldado no artigo 9, parágrafo 1o, parte final da Lei n. 9.868/1999, a realização de audiência pública para que deponham sobre o tema as pessoas que relaciona. O Min. Relator, Min. Carlos Britto aquiesceu do pedido e designou a audiência para o dia 20 de abril de 2007, com o seguinte despacho:

74 BRYDE, apud Mendes, Gilmar Ferreira, Jurisdição Constitucional, apud, Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 2002, p.48. 75 FONTELES, Cláudio. Petição inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=3510&processo=3510

46 5

...ante a saliente importância da matéria que subjaz a esta adi, designei audiência pública para o depoimento de pessoas com reconhecida autoridade e experiência no tema (§ 1º do art. 9º da lei nº 9.868/99). na mesma oportunidade, determinei a intimação do autor, dos requeridos e dos interessados para que apresentassem a relação e a qualificação dos especialistas a ser pessoalmente ouvidos. (...) 4. esse o quadro, fixo para o dia 20.04.2007, das 09h às 12h e das 15h às 19h, no auditório da 1ª turma deste supremo tribunal federal, a realização da audiência pública já designada às fls. 448/449. determino, ainda: a) a expedição de ofício aos excelentíssimos ministros deste supremo tribunal federal, convidando-os para participar da referida assentada; b) a intimação do autor, dos requeridos e dos amici curiae, informado-lhes sobre o local, a data e o horário de realização da multicitada audiência; c) a expedição de convites aos especialistas abaixo relacionados: (...) 76 O Ministro designou a audiência e justificou que “além de subsidiar os Ministros deste STF, também possibilitará uma maior participação da sociedade civil no enfrentamento da controvérsia constitucional, o que certamente legitimará ainda mais a decisão a ser tomada pelo Plenário da Corte” 77 O STF realizou a 1ª audiência pública de sua história em 20 de abril de 2007, a exemplo do que já ocorre na Alemanha e em outras Cortes Constitucionais. A audiência foi transmitida ao vivo pela TV Justiça e também pela Rádio Justiça, durante todo o dia. A audiência ocorreu com o propósito de travar debates entre especialistas e para o esclarecimento daquela Corte a respeito da utilização das células-tronco embrionárias. Esta abertura institucional abriu portas à participação da sociedade em geral e de vários especialistas em diversas áreas da medicina, biologia, antropologia, genética, entre outros profissionais. Para a audiência foram convidados: Procuradoria-Geral da República; Confederação Nacional dos Bispos (CNBB); Presidência da República; e 11 especialistas (UFRJ; USP; UnB; UFRGS; Unifesp; CTA’S; CTE’S; Fundação Osvaldo Cruz; Federação das Sociedades de Biologia Experimental, entre outros).78 Durante a audiência os especialistas se agruparam formando dois blocos, os favoráveis e os contrários à declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º da referida lei. No decorrer de

76 STF. ADI 3510/DF. Acompanhamento processual. Disponível em: htpp://www.stf.gov.br Acesso em 01/08/2008. 77 STF. ADI 3510/DF. Decisão Monocrática. Rel. M. Carlos Britto. DJ 19.03.2007. Disponível em: htpp://www.stf.gov.br. Acesso em 01/08/2008. 78 Informações contidas na tese de mestrado de Gustavo H. Fideles Taglialegna. Grupos de pressão e formulação de políticas públicas no congresso nacional: estudo de caso da tramitação do projeto de lei de biossegurança. UFMS. http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=32417 47 5

todo o dia houve debates entre os especialistas, cada um levantando questões, esclarecendo conceitos e definindo suas posições. Ao final da audiência o Ministro Relator declarou que “um grande passo foi dado na história do Supremo Tribunal Federal”... “prestigia a sociedade civil mais de perto por meio desse setor organizado da comunidade médico-biológica” 79. A importância da audiência é inegável, será um referencial histórico. Demonstrará que esta não somente foi proveitosa como meio de instrução e esclarecimento para os Ministros do STF, mas veio chamar a atenção da sociedade em geral no sentido de que ela pode e deve ser ouvida e informada. E neste ponto, vejamos o que nos esclarece Peter Häberle: A interpretação constitucional é, todavia uma ‘atividade’ que, potencialmente, diz respeito a todos. Os grupos mencionados e o próprio indivíduo podem ser considerados intérpretes constitucionais indiretos ou a longo prazo. A conformação da realidade da Constituição torna-se também parte da interpretação das normas constitucionais pertinentes a essa realidade.” 80 Assim, a sociedade compõe o rol dos intérpretes constitucionais, mas deve-se, também, ressaltar o papel do STF, enquanto mediador entre a Constituição e a sociedade. Estamos habituados a ver audiências públicas acontecerem sempre no âmbito das comissões no Congresso Nacional. Hoje nos surpreende a iniciativa do STF ao adotar também este tipo de abertura institucional. Não entendamos isso com desaprovação, pelo contrário, essa nova iniciativa do STF deve ser entendida como um passo dado para a aproximação e maior sintonia entre o Poder Judiciário e a sociedade brasileira. O Ministro Presidente do STF, Gilmar Mendes, participando do Congresso Brasileiro de Carreiras Jurídicas de Estado, onde explana sobre o “Protagonismo do STF nos 20 anos de Constituição Democrática”, fala sobre os avanços do STF e exemplificou este progresso citando a possibilidade de se realizarem audiências públicas para reunir informações importantes antes de julgamentos, como ocorreu antes da decisão na ADI 3510, que garantiu a possibilidade de utilização de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas. O Ministro também anunciava a próxima audiência pública a ser realizada pelo STF, que seria sobre a importação de pneus.81

79 STF. Últimas notícias. Disponível em: htpp://www.stf.gov.br. Acesso em 05/08/2008. 80 Häberle, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta de intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Tradução: Gilmar Mendes. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris, 1997. p. 24. 81 Supremo Tribunal Federal. Últimas notícias (STF). Disponível em: http://www.stf.gov.br Acesso em 17/06/2008. 48 5

Esta será a tônica do STF de agora em diante, haja vista as recentes audiências para esclarecimentos na ação sobre aborto de fetos anencéfalos, na ADPF n.54, e a ADPF n. 101 sobre a importação de pneus usados e remoldados.

3.3 – JULGAMENTO DA ADI Nº 3510

Quanto ao julgamento, este foi designado para o dia 5 de março de 2008. Estavam presentes todos os Ministros, o Procurador-Geral da República, o Advogado-Geral da União, algumas entidades na qualidade de amicus curiae, figura que é permitida pela Lei 9.868/99 e significa um terceiro que pode intervir no processo na qualidade de informante, permitindo ao Tribunal que disponha de mais informação, foram elas: a Conectas Direitos Humanos, o Centro de Direitos Humanos (CDH), o Movimento em Prol da Vida (Movitae) e o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (ANIS), além da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e compareceram também, muitas pessoas interessadas no julgamento. O relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3510) ajuizada contra o artigo 5º da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), Ministro Carlos Ayres Britto, fez a leitura de seu relatório. No documento, Ayres Britto descreveu os dispositivos legais questionados pela Procuradoria-Geral da República – caput, incisos I e II e parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 5º – e apontou os principais fundamentos utilizados contra as pesquisas com células-tronco embrionárias, como o princípio constitucional da inviolabilidade do direito à vida. Para a Procuradoria Geral, o embrião humano é vida. O relator ressaltou que o autor da ação sustenta que a vida humana tem início a partir da fecundação e, por isso, está coberta pela garantia do artigo 5º da Constituição Federal. Ayres Britto também citou o fato de o Presidente da República e de o Congresso Nacional terem se manifestado a favor da Lei de Biossegurança, por considerarem que a norma se baseia no direito à saúde e no direito de livre expressão da atividade científica. O Min. Ayres Britto citou a professora Mayana Zatz, professora de genética da Universidade de São Paulo. “Pesquisar células embrionárias não é aborto. No aborto, temos uma vida no útero que só será interrompida por intervenção humana, enquanto que, no embrião congelado, não há vida se não houver intervenção humana”, afirmou Mayana Zatz. Já a professora Lenise Aparecida Martins Garcia, professora do departamento de Biologia Celular da Universidade de Brasília, relatou Ayres Britto, explicou durante a 49 5

audiência que a vida humana começa no momento da fecundação. “Já estão definidas, aí, as características genéticas desse indivíduo.” Por fim, o Min. Ayres Britto ressaltou que o tema envolve numerosos setores do saber humano, como o direito, a filosofia, a religião, a ética, a antropologia e as ciências médicas e biológicas – principalmente a genética e a embriologia. O Min. Carlos Ayres Britto votou favoravelmente às pesquisas com células-tronco de embriões. Ele considerou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo ex-Procurador-Geral da República, Claudio Fonteles, contra o artigo 5º da Lei de Biossegurança, que libera as pesquisas. Após as falas do Advogado-Geral da União, do Procurador-Geral, da CNBB, do Advogado do Congresso Nacional foi feito um intervalo. Reiniciada a sessão, o julgamento foi suspenso, com o pedido de vista do Min. Menezes Direito. A Min. Ellen Gracie, no entanto, antecipou seu voto e acompanhou o relator, Min. Carlos Ayres Britto, julgando improcedente a ação, ou seja, manifestando-se favoravelmente à pesquisa com células-tronco embrionárias. No dia 28 de maio de 2008 reinicia-se o julgamento, como plenário do STF totalmente lotado. O primeiro voto lido foi do Min. Menezes Direito, que durou aproximadamente 3 horas. Considerou parcialmente procedente a ação e ressaltou a falta de controle nas clínicas que trabalham com fertilização in vitro, a necessária regulamentação do setor e a preocupação com as experiências genéticas e até mesmo a clonagem humana, pela falta de fiscalização. O próximo voto foi da Min. Cármen Lúcia, que votou pela improcedência da ação, portanto, favoravelmente às pesquisas. Na seqüência, tivemos a fala do Min. que votou pela procedência em parte da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510. Com base no direito comparado entendeu que não é conveniente permitir que os próprios interessados nas pesquisas “tomem decisões nessa importante área da ciência, segundo os seus próprios desígnios, sem a fiscalização das autoridades públicas e de representantes da comunidade”. O Min. Eros Grau votou pela constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança, no entanto, fez três ressalvas: que se crie um comitê central no Ministério da Saúde para controlar as pesquisas; que sejam fertilizados apenas quatro óvulos por ciclo; e que a obtenção de células-tronco embrionárias seja realizada a partir de óvulos fecundados inviáveis, ou sem danificar os viáveis. O Min. votou pela constitucionalidade do referido artigo, acompanhando o relator. 50 5

O último voto do dia foi o do Min. César Peluso que votou pela improcedência da ação, mas ressaltou que há necessidade do Congresso Nacional aprovar instrumentos legais para a fiscalização das pesquisas. Foi encerrada a sessão que terá seqüência no dia seguinte. Retomada a sessão de julgamento da ADI n. 3510, o primeiro voto foi do Min. Marco Aurélio que foi favorável às pesquisas, votando pela improcedência da ação. O penúltimo voto foi do Min. Celso de Melo que considerou constitucional o disposto do artigo 5º da Lei de Biossegurança, acompanhando outros cinco Ministros e o relator. O Min. Gilmar Mendes manifestou-se no sentido de julgar a ação improcedente para declarar a constitucionalidade do artigo 5º da Lei 11.105/05, com a ressalva da necessidade de controle das pesquisas por um Comitê Central de Ética e Pesquisa vinculado ao Ministério da Saúde para atender ao texto constitucional. O então Presidente observou que o julgamento da ADI 3510 demonstra a importância de o STF se posicionar diante de questões tão antagônicas sobre um tema como o uso de células-tronco embrionárias de seres humanos em pesquisas e terapias. Segundo Gilmar Mendes, o envolvimento da sociedade no julgamento demonstra que "o Supremo também é a Casa do povo, tal qual o Parlamento". Assim, o STF decidiu pela constitucionalidade do artigo 5º da Lei 11.105/2005, com a seguinte votação: Pela improcedência da ação de inconstitucionalidade votaram os Ministros Carlos Ayres, Ellen Gracie, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello. Pela improcedência da ADI 3510, mas com a ressalva quanto à necessidade de criação de Comitê de Ética votaram os Ministros Celso Peluso e Gilmar Mendes. O Min. Eros Grau votou pela improcedência, mas com as ressalvas acima citadas; o Min. Ricardo Lewandowski julgou a ação parcialmente procedente, votando de forma favorável às pesquisas com as células-tronco. No entanto, restringiu a realização das pesquisas a diversas condicionantes, conferindo aos dispositivos questionados na lei interpretação conforme a Constituição Federal. O Min. Menezes Direito votou pela parcial procedência, porém, com várias condicionantes, utilizando-se da interpretação conforme a Constituição e de declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto em vários pontos.

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3.4 – RESENHA DE VOTOS DA ADI Nº 3510 82

No que dizem respeito aos votos dos Ministros, alguns não estavam disponíveis no sítio do STF na internet até a data estipulada como limítrofe para a análise nesse estudo (01/08/08). Porém, em pesquisa no mesmo site do STF, em ‘Notícias STF’ e no ‘Informativo’ podemos obter algumas informações sobre os votos ainda não disponibilizados.83 Partimos, então, para a resenha dos votos da Min. Ellen Gracie, Min. Cármen Lúcia e Min. Gilmar Mendes, que já estavam disponíveis à data referida. E logo depois, com base nas informações constantes no ‘Informativo’ e no ‘Notícias STF’ do site, passaremos aos votos do Min. Ricardo Lewandowski e do Min. Menezes Direito, por se tratarem de votos que, pelo uso da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto em seus votos, são exemplificativos para o presente estudo.

VOTO DA MINISTRA ELLEN GRACIE

A Min. Ellen Gracie, ao iniciar seu voto ressaltou que, pela delicadeza do tema, gerou- se uma expectativa quanto à atuação do STF no caso. Muito apropriadamente, declarou não ser a Casa “árbitro responsável por proclamar a vitória incontestável dessa ou daquela corrente científica, filosófica, religiosa, moral ou ética sobre todas as demais.” E continuou objetivamente esclarecendo que “buscaram-se neste Tribunal, a meu ver, respostas que nem os constituintes originário e reformador propuseram-se a dar. Não há, por certo, uma definição constitucional do momento inicial da vida humana e não é papel desta Suprema Corte estabelecer conceitos que já não estejam explícita ou implicitamente plasmados na Constituição Federal. Não somos uma Academia de Ciências.” A eminente Ministra, então Presidente do STF, lembra que ali estão para averiguar a harmonia do artigo impugnado com o texto constitucional, este é o objeto da ação. Colocação muito oportuna para apaziguar os ânimos e definir o objetivo daquele julgamento. Passa a destacar os direitos constitucionais que servirão de parâmetro na ação, são eles: da dignidade da pessoa humana; a garantia da inviolabilidade do direito à vida; o direito à livre expressão da atividade científica; o direito à saúde; o dever do Estado de propiciar, de maneira

82. Ressalte-se que até a presente data (01/11/2008) o acórdão da ADI 3510 não foi publicado. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=3510&classe=ADI&origem=AP&rec urso=0&tipoJulgamento=M 83Resumos dos votos disponíveis em: http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo508.htm 52 5

igualitária, ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde e de promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica. A Ministra faz uma colocação sobre a reprodução assistida, de onde provêm materiais para as pesquisas, referindo-se ao questionamento necessário sobre o excedente de óvulos fertilizados. Lembra que essa questão relevante (reprodução assistida) nunca foi objeto de regulamentação pelo Congresso Nacional, apesar de alguns projetos estarem em tramitação, mas que apenas uma resolução do Conselho Federal de Medicina dispõe sobre o tema (Resolução n.1.358/92). 84 Cita a legislação reguladora no Reino Unido, que dispõe sobre reprodução assistida, pesquisas embriológica e genética, aprovada em 1990, mas que foi resultado de amplo debate social, político e científico desde 1982 (Human fertilisation and embrilogy act).85 Tendo essa legislação por base, juntamente com o artigo da pesquisadora Letícia da Nóbrega Cesarino, denominado ‘Nas fronteiras do humano: os debates britânico e brasileiro sobre a pesquisa com embriões’86, a Ministra afirma que, conforme esse estudo, é permitida a manipulação dos embriões advindo da fertilização in vitro, desde que não transcorridos 14 dias contados do momento da fertilização. Discorre sobre o processo da fecundação e a diferenciação entre embrião e pré-embrião. Refere-se à situação da legislação no Brasil, regulada pela Lei n. 11.105, e parte para as restrições e condições que essa lei trouxe. A primeira é a indicação do uso das células-tronco exclusivamente nas atividades de pesquisa e de terapia; outra é a definição do tipo de embriões que podem ser utilizados: produzidos em fertilização in vitro e que não foram aproveitados neste tratamento; o afastamento do ordenamento da possibilidade de fertilização de óvulos humanos para produção de material biológico para outra pesquisas sejam quais forem. Além de ser necessário que os óvulos sejam inviáveis para o desenvolvimento de uma nova pessoa, ou congelados há mais de três anos. Outra condição diz respeito ao expresso consentimento dos genitores e que os projetos das instituições de saúde, candidatos ao recebimento das células-tronco, sejam apreciados e aprovados pelos comitês de ética em pesquisa. E lembra a caracterização como crime de comercialização do embrião humano.

84 Hoje, na Câmara dos Deputados, temos sobre reprodução assistida o PL 1184/03 – apensados a este estão os PL 5624/05, PL 2855/97 e PL 120/03. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/proposicoes Acesso em 01/11/08. 85 Podemos perceber que no Brasil o debate e os estudos sobre o uso de células-tronco e clonagem demandam mais tempo, mais estudos e disponibilização das informações para a população. 86 CESARINO, Letícia. Nas fronteira do ‘humano’: os debates britânico e brasileiro sobre a pesquisa com embriões. Mana. V. 13. n. 2, R. Janeiro, out/07. 53 5

Posiciona-se, então, evidenciando: Assim, por verificar um significativo grau de razoabilidade e cautela no tratamento dado à matéria aqui exaustivamente debatida, não vejo qualquer ofensa à dignidade humana na utilização de pré- embriões inviáveis ou congelados há mais de três anos nas pesquisas de células-tronco, que não teriam outro destino que não o descarte.

Ressalta, ainda que a improbabilidade do uso desses pré-embriões (absoluta ou altamente previsíveis no caso dos congelados há mais de três anos) na geração de novos seres humanos também afasta a alegação de violação ao direito à vida. Conclui, julgando improcedente o pedido formulado de declaração de inconstitucionalidade. O que podemos inferir do voto da Ministra é que se trata de um posicionamento objetivo, lúcido e legalmente apropriado, não trazendo para julgamento assuntos de cunho e entendimento pessoais que mais polemizam que esclarecem, levando em consideração o restrito objetivo da ação, que era a constitucionalidade ou não do artigo 5º da Lei de Biossegurança.

VOTO DA MINISTRA CARMÉN LÚCIA

A Min. Cármen Lúcia principia fazendo observações preambulares importantes a respeito do momento vivido. O teor da matéria é mais sujeito a opinamentos, legítimos, mas que podem permitir a idéia de que a condução da Casa seguiria “opções forjadas segundo fatores momentâneos externos.” E, adiante reforça: Entretanto, as manifestações momentâneas, dotadas de profunda, repito, legítima e compreensível emoção que envolve o tema e as suas conseqüências sociais não alteram, não desviam – nem poderiam – o compromisso do juiz do seu dever de se ater à ordem constitucional vigente e de atuar no sentido de fazê-la prevalecer.

A Ministra deixa claro que, embora demonstrações de interesse, opinamentos diversos ou manifestações variadas há o compromisso com o direito e o texto constitucional. Lembra, então, que não está nem no Direito, nem no Tribunal, nem no resultado da ação a cura que tantos esperam, imediatamente. Alerta contra os que propagam uma solução nas pesquisas para os males, como passaporte e salvação. E diz que “isso é uma promessa, mas é certo que não ocorrerá amanhã, qualquer que seja o resultado deste julgamento.” Refere-se à fala de um dos procuradores que afirmou que o STF não tem muito a fazer, pois não haveria um vazio legislativo sobre a matéria. Ela resume o entendimento do procurador na seguinte questão: “que legitimidade teria o Poder Judiciário para afirmar 54 5

inconstitucional uma lei que o Poder Legislativo votou, o povo quer e a comunidade científica apóia?” Em resposta a Ministra diz que “num Estado Democrático de Direito, os poderes constituídos desempenham a competência que lhes é determinada pela Constituição. Não é exercício de poder, é cumprimento de dever.”... “ É com o compromisso com a Constituição que há de atuar esse Supremo Tribunal, neste como em qualquer outro julgamento. O juiz faz- se escravo da Constituição para garantir a liberdade que ao jurisdicionado nela é assegurado.” Passa, então, ao mérito do seu voto, primeiramente destacando que o exame da matéria pelo STF motivou manifestação das comunidades científicas, acadêmicas e religiosas, bem como da opinião pública no sentido de que a ação iria transferir para o Supremo a obrigação de afirmar ‘quando começa a vida’, mas esclarece, que “há de se firmarem os princípios constitucionais e a sua aplicação ao caso, sem que se tenha, necessariamente, de afirmar, juridicamente, o momento de início da vida para os fins de garantia de direitos ao embrião ou ao feto.” A eminente jurista faz necessária distinção entre a expressão ‘terapia’ e ‘tratamento’, onde tratamento é forma de aceso aos cuidados com a saúde, direito fundamental da pessoa (arts. 6º e 199, parágrafo 4º da CF) e terapia “pode ser tida como a adoção de práticas e procedimentos que conduzem a formas de tratamento.”... “Terapias feitas a título de experimentação com o uso do ser humano não se compatibilizam com os princípios da ética constitucional, em especial, com o princípio da dignidade da pessoa humana”. Oportuna a colocação da Ministra, tendo em vista ser o princípio da dignidade da pessoa um dos princípios pretensamente ofendidos. Então, a Ministra coloca como necessário se interpretar a norma, quanto à terapia, adotando-a como asseguradora do direito ao tratamento. É a terapia como forma de tratamento, a partir de resultados científicos consolidados, aceitos pelos órgãos competentes. Dá, assim, uma interpretação para os termos e, via de conseqüência, exclui outros, ofensivos ao princípio da dignidade da pessoa humana. Quanto à inviolabilidade do direito à vida cita José Afonso da Silva: ...uma determinante normativa, como objeto da garantia, em que o artigo definido revela o conteúdo intrínseco dos direitos enunciados, valendo dizer que eles contêm em si a qualidade essencial de serem invioláveis. Não é a Constituição que lhes confere a inviolabilidade; ela reconhece essa qualificação conceitual pré-constitucional, e, por isso, preordena disposições e mecanismos que a asseguram...87

87 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. S. Paulo: Malheiros, 2007, p.65.

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E ressalta que juntamente com o direito à vida, a Constituição também expressa outros, como o da liberdade e da saúde, e que é preciso interpretar todos eles para concluir sobre a validade constitucional do artigo 5º e seus parágrafos da referida lei. A Ministra passa a fazer colocações e entendimentos a respeito da liberdade de pesquisa científica, assegurada no artigo 5º, inc. IX e art. 218 da Constituição. Mas lembra que o art. 225, parágrafo 5º, inc. III estabelece o princípio da solidariedade entre as gerações, como forma de garantir a dignidade da existência humana, preservando a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país. E faz longa exposição doutrinária e filosófica sobre o que seria a dignidade humana. Refere-se a um projeto de lei de autoria do Deputado José Aristodemo Pinotti, que busca estabelecer maior rigor na matéria, e nele (projeto) define condições para a habilitação das instituições voltadas às pesquisas mencionadas no art. 5º da Lei de Biossegurança. E diz que a aprovação desse projeto ou de outros nesse mesmo sentido, tornariam mais seguro os mecanismos de controle de ética nas pesquisas e nos tratamentos com células-tronco, que “obviamente suprirão aquele déficit de constitucionalidade e tornarão mais seguros os direitos constitucionalmente afirmados”. Demonstra, assim, confiança no papel do Legislativo, e ao mesmo tempo lembra ser essa a função do Legislativo. E, novamente, quanto ao princípio da dignidade humana explica: Reafirmo, então, que o princípio da dignidade humana não se atém a quem seja ou não pessoa, mas o que é constitucionalmente garantido no sistema é o dever do Estado e da sociedade de criarem condições para uma existência digna, observados os limites da ética constitucional acolhida no sistema vigente.

Conclui pela improcedência da ação, considerando válido o disposto no art. 5º da Lei 11.105. Utiliza-se da interpretação conforme a Constituição para assentar interpretação quanto à palavra ‘terapia’, incluída no caput e no parágrafo 2º do art. 5º citado, “a qual somente poderá ser entendida como tratamento levado a efeito por procedimentos terapêuticos cuja utilização tenha sido consolidada pelos métodos de pesquisa científica aprovada nos termos da legislação vigente.” A Ministra fez uso da interpretação conforme a Constituição dentro de parâmetros seguros e legítimos, visando à segurança no uso do vocábulo.

VOTO DO MINISTRO GILMAR MENDES

O Min. Gilmar Mendes, à semelhança dos posicionamentos anteriores, inaugura seu discurso ressaltando a competência da Suprema Corte no tocante a dar a última palavra sobre 56 5

quais direitos a Constituição Brasileira protege. De forma clara e precisa, enfatiza que a proteção ao direito fundamental da vida e da dignidade da pessoa humana transcende os limites do jurídico, envolvendo outros argumentos, como a política, a moral e também a religião. Entretanto, assenta que “as Cortes Constitucionais, quando chamadas a decidir sobre tais controvérsias, têm exercido suas funções com exemplar desenvoltura, sem que isso tenha causado qualquer ruptura do ponto de vista institucional e democrático”. O Ministro ressalta que o debate democrático produzido no Congresso Nacional, no momento da elaboração e aprovação da Lei 11.105/2005, não se encerrou naquela casa parlamentar, foi sim, renovado por intermédio do Ministério Público, ganhando contornos peculiares ligados a racionalidade argumentativa e procedimental própria de uma Jurisdição Constitucional. Posto dessa forma, não há como negar a legitimidade democrática do STF. Feitas essas considerações preliminares, o eminente jurista passou à análise da controvérsia constitucional. Ratificou que a decisão da ação, para trazer uma real e eficaz proteção jurídica, não necessita adentrar em temas relacionados ao marco inicial e final da vida humana, uma vez que essas questões “pairam no imaginário humano desde tempos imemoriais e que nunca foram resolvidas sequer com relativo consenso.” Nesse contexto, “a questão não está em saber quando, como e de que forma a vida humana tem início ou fim, mas como o Estado deve atuar na proteção desse organismo pré-natal diante das novas tecnologias, cujos resultados o próprio homem não pode prever.” Lembra que os avanços tecnológicos que tenham como objeto principal o próprio homem, independentemente de conceitos científicos e religiosos, devem ser sempre regulados pelo Estado com base no princípio da responsabilidade. Quanto ao conflito entre o avanço científico e o dever de responsabilidade do Estado, explica: À utopia do progresso científico, não obstante, deve-se contrapor o princípio da responsabilidade, não como obstáculo ou retrocesso, mas como exigência de uma nova ética para o agir humano, uma ética de responsabilidade proporcional à amplitude do poder do homem e de sua técnica. Essa ética de responsabilidade implica, assim, uma espécie de humildade, não no sentido de pequenez, mas em decorrência da excessiva grandeza do poder do homem.

Nestes contornos, o Ministro demonstra que a conduta humana deve ser sempre calcada em uma ética de responsabilidade, sobretudo diante de novas tecnologias. Ademais, o eminente jurista se mostra demasiadamente perplexo, ao constatar que a regulamentação de um tema tão importante que envolve profundas discussões éticas e científicas, seja realizada no Brasil apenas em um único artigo. Dispositivo este, “que deixa de abordar aspectos essenciais ao tratamento responsável do tema”. Neste ponto percebe-se que o 57 5

Ministro chama a atenção para a falta de maior regulamentação da matéria por parte do Poder Legislativo. Lembra que, no direito comparado, tal tema é objeto de ampla e rigorosa legislação.

Cita exemplos de excelência normativa vindos do ordenamento jurídico alemão, australiano, francês, espanhol e mexicano. Nos quais existem “leis específicas, destinadas à regular, em sua inteireza, esse assunto tão complexo”. O Ministro demonstra, amparado no direito comparado, que as principais falhas advindas das lacunas da lei brasileira, são: a falta de um Comitê Central de Ética, devidamente regulamentado, e também a ausência de uma cláusula de subsidiariedade. Como exemplo a ser seguido, a legislação germânica “institui não só um órgão administrativo competente, ligado ao Ministério da Saúde, para conceder as licenças prévias, como cria Comissão de Ética Central para Pesquisa com células-tronco, formada por expertos em medicina, biologia, ética e teologia”. Outrossim, todos os países supracitados contam com uma cláusula de subsidiariedade, que somente autoriza a pesquisa com embriões nos casos em que nenhum outro meio científico seja adequado para o mesmo fim. Nestes contornos, ressalta novamente a deficiência que o art. 5º da 11.105/2005 exibe no tocante à regulamentação das pesquisas com células-tronco. Contudo, descarta a possibilidade de declarar a nulidade total do dispositivo, uma vez que a ausência deste pode “causar um indesejável vácuo normativo mais danoso a ordem jurídica e social do que a manutenção de sua vigência.” Posiciona-se, então, da seguinte maneira: Não seria o caso de declaração total de inconstitucionalidade, ademais, pois é possível preservar o texto do dispositivo, desde que seja interpretado em conformidade com a Constituição, ainda que isso implique numa típica sentença de perfil aditivo. Nesse sentido, a técnica da interpretação conforme a Constituição pode oferecer uma alternativa viável.

O eminente jurista destaca, veementemente, que o dispositivo posto em questão fere o princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente, ao deixar de instituir um órgão central para autorização das pesquisas. Desta forma, conclui julgando improcedente o pedido de inconstitucionalidade da norma, desde que sua interpretação contenha a prévia autorização e aprovação, para as pesquisas e terapias com células-tronco embrionárias humanas produzidas por fertilização in vitro, de um Comitê (Órgão) Central de Ética e Pesquisa, vinculado ao Ministério da Saúde. 58 5

Finalmente, o Ministro se utilizou da interpretação conforme a Constituição, dentro dos limites que esta deve respeitar, apesar de exigir a condição de prévia aprovação e autorização por Comitê ou Órgão Central de Ética e Pesquisa.

VOTO DO MIN. RICARDO LEWANDOWSKI

O Min. Ricardo Lewandowski votou pela procedência parcial de ação de inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança e colocou como condicionantes várias situações, como expõe o texto divulgado no ‘Notícias STF’:

Confira a interpretação, sem redução de texto, dada pelo ministro aos dispositivos abaixo:

1) Artigo 5º, caput – as pesquisas com células-tronco embrionárias somente poderão recair sobre embriões humanos inviáveis ou congelados logo após o início do processo de clivagem celular sobejantes de fertilizações in vitro realizadas com o fim único de produzir o número de zigotos estritamente necessário para a reprodução assistida de mulheres inférteis.

2) Inciso I, do artigo 5º - o conceito de inviável compreende apenas os embriões que tiverem o seu desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período superior a 24h, contados da fertilização dos zoócitos.

3) Inciso II, do artigo 5º - as pesquisas com embriões congelados são admitidas desde que não sejam destruídos, nem tenham seu potencial de desenvolvimento comprometido.

4) Parágrafo 1º, do artigo 5º - a realização de pesquisas com células tronco embrionárias exige o consentimento “livre e informado dos genitores, formalmente exteriorizado”.

5) Parágrafo 2º, do artigo 5º - os projetos de experimentação com embriões humanos, além de aprovados pelos comitês de éticas das instituições de pesquisa e serviços de saúde por eles responsáveis, devem ser submetidos a prévia autorização e permanente fiscalização dos órgãos públicos mencionados na Lei 11105, de 24 de março de 2005. 88

VOTO DO MIN. MENEZES DIREITO

Já o Min. Menezes Direito, em seu voto, segundo o que consta do ‘Informativo nº 508’- STF- foi o que segue: ADI e Lei da Biossegurança - 11

O Min. Menezes Direito propôs o que se segue: 1) no caput do art. 5º, declarar parcialmente a inconstitucionalidade, sem redução de texto, dando interpretação conforme a Constituição, para que

88.Notícias STF. Disponível em:. http://www.stf.jus.br/portal/cms/listarNoticiaStf.asp?paginaAtual=1&dataDe=&dataA=&palavraChave=adi%203 510 Acesso em 05/11/2008. 59 5

seja entendido que as células-tronco embrionárias sejam obtidas sem a destruição do embrião e as pesquisas, devidamente aprovadas e fiscalizadas pelo órgão federal, com a participação de especialistas de diversas áreas do conhecimento, entendendo-se as expressões "pesquisa" e "terapia" como pesquisa básica voltada para o estudo dos processos de diferenciação celular e pesquisas com fins terapêuticos; 2) também no caput do art. 5º, declarar parcialmente a inconstitucionalidade, sem redução do texto, para que a fertilização in vitro seja entendida como modalidade terapêutica para cura da infertilidade do casal, devendo ser empregada para fins reprodutivos, na ausência de outras técnicas, proibida a seleção de sexo ou características genéticas; realizada a fertilização de um máximo de 4 óvulos por ciclo e igual limite na transferência, com proibição de redução embrionária, vedado o descarte de embriões, independentemente de sua viabilidade, morfologia ou qualquer outro critério de classificação, tudo devidamente submetido ao controle e fiscalização do órgão federal; 3) no inciso I, declarar parcialmente a inconstitucionalidade, sem redução de texto, para que a expressão "embriões inviáveis" seja considerada como referente àqueles insubsistentes por si mesmos, assim os que comprovadamente, de acordo com as normas técnicas estabelecidas pelo órgão federal, com a participação de especialistas em diversas áreas do conhecimento, tiveram seu desenvolvimento interrompido, por ausência espontânea de clivagem, após período, no mínimo, superior a 24 horas, não havendo, com relação a estes, restrição quanto ao método de obtenção das células-tronco; 4) no inciso II, declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, para que sejam considerados embriões congelados há 3 anos ou mais, na data da publicação da Lei 11.105/2005, ou que, já congelados na data da publicação dessa lei, depois de completarem 3 anos de congelamento, dos quais, com o consentimento informado, prévio e expresso dos genitores, por escrito, somente poderão ser retiradas células-tronco por meio que não cause sua destruição; 5) no § 1º, declarar parcialmente a inconstitucionalidade, sem redução de texto, para que seja entendido que o consentimento é um consentimento informado, prévio e expresso por escrito pelos genitores; 6) no § 2º, declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, para que seja entendido que as instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa com terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter, previamente, seus projetos também à aprovação do órgão federal, sendo considerado crime a autorização da utilização de embriões em desacordo com o que estabelece esta decisão, incluídos como autores os responsáveis pela autorização e fiscalização. Por fim, conferiu à decisão efeitos a partir da data do julgamento final da ação, a fim de preservar resultados e pesquisas com células-tronco embrionárias já obtidas por pesquisadores.brasileiros. ADI 3510/DF, rel. Min. Carlos Britto, 28 e 29.5.2008. (ADI-3510)89

Como podemos ver, são várias as condições argüidas pelo Ministro, algumas delas já citadas anteriormente em votos de outros Ministros. Mas devemos nos deparar mais atenciosamente no ponto 6 do trecho citado onde o Ministro, depois das declarações parciais de inconstitucionalidade sem redução de texto dos demais itens, declara a inconstitucionalidade do parágrafo 2º, do artigo 5º impugnado, para que seja entendido que as instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizarem pesquisa com terapia com células-tronco embrionárias humanas devem submeter seus projetos à aprovação de órgão federal, “sendo considerado crime a autorização da utilização de embriões em desacordo com o que estabelece esta decisão, incluídos como autores os responsáveis pela autorização e fiscalização.” Deste modo, o Ministro Menezes passa a tipificar como crime ato não previsto no artigo 5º da Lei n.º 11.105/2005. O legislador positivo assim não o previu, não constando na redação do referido artigo tal previsão.

89 Informação constante no Informativo do STF. “Informativo nº 508”. Disponível em:. http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo508.htm Acesso em 05/11/2008. 60 5

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É objeto de pesquisa desse trabalho, além do trâmite da Lei nº 11.105/2005, que motivou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3510/DF, a análise da própria ADI, sua repercussão, julgamento e votos dos Ministros, para constatar se a utilização da interpretação conforme a Constituição e a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto abrem a possibilidade do STF agir no papel de legislador positivo, sugerindo uma possível interferência e conseqüente desequilíbrio na separação dos poderes. Passamos, então, a fazer algumas considerações a respeito do que foi inferido das pesquisas efetuadas para esse trabalho. O tema da utilização das células-tronco é controverso, polêmico e foi alvo de estudos, experiências, regulação e, por fim, objeto da ADI nº 3510. Mas essa matéria, por ser promissora no campo das ciências, ainda demandará mais experimentos, estudos e, conseqüentemente maior regulação normativa. A lei referida percorreu longo caminho no Congresso Nacional, em sua tramitação em suas duas Casas. Na Câmara dos Deputados teve uma comissão especialmente criada para o seu estudo e, muito embora o tema dos transgênicos ocupasse mais espaço na agenda da Casa, a matéria sobre as células-tronco despertou mais interesse e comoção na sociedade. Os Deputados ofereceram um total de 278 emendas ao texto do projeto, algumas de sua própria autoria, outras atendendo ao apelo das instituições interessadas na regulação do tema. No Senado Federal, tivemos uma audiência pública, que conforme leitura das notas taquigráficas foi de muita valia, dado que os especialistas, durante os debates, esclareceram todas as dúvidas dos parlamentares presentes. Foram oferecidas três emendas ao artigo que dispunha sobre as células-tronco, conforme indicamos na seção da construção legislativa da lei. Mas o tema das células-tronco pedia mais tempo, atenção e melhor tratamento, o que não foi possível. Porém, o Poder Legislativo não pode ser chamado de omisso nem tampouco negligente, pois que regulamentou a matéria no artigo 5º da Lei de Biossegurança. Poderíamos dizer, contudo, que, como o trâmite do artigo 5º foi paralelo ao trâmite da discussão sobre os transgênicos (haja vista constarem do mesmo projeto de lei), os debates sobre o uso de células- tronco ficaram prejudicados no que se refere ao pouco aprofundamento e na agenda das duas Casas no Congresso Nacional. 61 5

O Poder Legislativo vem sofrendo, paulatinamente, as conseqüências de sua falta de posicionamento diante das questões relevantes no cenário político-jurídico brasileiro. Sua atuação, até agora, o tem levado a se caracterizar como um ‘Legislativo condescendente’, em algumas circunstâncias, como por exemplo, na questão das medidas provisórias. Em outras situações, é considerado ‘Legislativo inativo’, como no caso das matérias importantes que estão há anos esperando normatização. A exemplo disso temos a regulamentação sobre a reprodução assistida, tema essencial para as ciências médicas, citada pela Min. Ellen Gracie em seu voto, e que, embora já exista o Projeto de Lei 1184/2003, este não foi votado até hoje. No STF, a matéria inaugurou uma nova era para as questões de grande relevância no mundo jurídico e para a população brasileira, tendo em vista que as audiências públicas passaram a representar importante ponto na integração do STF com a sociedade. O STF, quando interpreta uma norma questionada em sua constitucionalidade, não está diante de atuação discricionária, mas sim do principal exercício que a Constituição lhe atribuiu, de guardião da Constituição Federal. Não pode, desse modo, fazer uso de seu juízo de valores, mas traduzir a vontade popular, dita através das leis, elaboradas pelos seus representantes legítimos no Parlamento. Esse é o papel da Corte Suprema, dizer o direito. As novas ações constitucionalmente previstas (ADI, ADC, ADPF) são instrumentos com os quais o STF conta para ajustar o direito às novas realidades da sociedade, o que representa um meio de atualização jurídica sem a necessidade de novas constituintes. Exemplo disso temos nos Estados Unidos, que têm um sistema de controle de constitucionalidade exportado para tantos países, e têm sua Constituição desde 1787. A interpretação em si não é problema, mas solução. O problema se dá quando a interpretação invade o campo do legislador. O uso da interpretação conforme a Constituição e da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto vem trazendo à tona discussão e debates de vários doutrinadores, como vimos nesse estudo, e a jurisprudência tem demonstrado que a utilização desse instituto vem sendo cada vez maior. A preocupação se dá quanto ao limite desse uso, pois que pode o intérprete ser seduzido pelo poder de ‘criar’ uma situação não prevista na norma. Atentemos para a ADI nº 3510, objeto desse estudo, na qual observamos – apesar de não contarmos com todos os votos – que houve muito o uso da interpretação conforme a Constituição e também da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto. Quase em sua maioria, os Ministros fizeram uso da declaração de inconstitucionalidade sem 62 5

redução de texto para, entre outros pontos, sugerir a criação de legislação regulamentadora para as células-tronco, assim como a criação de um órgão central que fiscalizasse a atividade. Mas há regulamentação, embora não abrangente, pois trata da matéria apenas no artigo 63 ao artigo 67 do Decreto nº 5.591/2005. Bem como o órgão central exigido que já foi criado, é o Conselho Nacional de Ética em Pesquisa – CONEP, vinculado ao Ministério da Saúde. Em especial, chama a atenção o voto do Min. Menezes Direito, que se utilizou em demasia da interpretação para, declarar parcialmente inconstitucional sem redução de texto o caput do artigo 5º, seus incisos 1º e 2º, além dos parágrafos 1º e 2º, e de tipificar um crime não idealizado pelo legislador. Esse é o ponto nevrálgico do uso da declaração de inconstitucionalidade e da interpretação conforme a Constituição. Entendimentos como esse, do Min. Menezes, é que justificam a preocupação dos doutrinadores, que em seus artigos e livros sempre fazem questão de evidenciar um limite bem claro e definido para o uso desses instrumentos de hermenêutica. Incluídas, aqui, algumas ações onde os relatores, em seus votos, deixam literalmente registrados seus posicionamentos contra esse possível abuso.90 É inegável e está constitucionalmente garantida a interpretação e a intervenção do STF nesses casos de argüição de inconstitucionalidade, mas há que se atentar para a linha fronteira entre o usar e o abusar, correndo-se o risco de invadir competências alheias. Concluímos esse estudo sem a pretensão de dar solução aos problemas apontados, mas na intenção de contribuir para o aprofundamento da discussão do tema. O que se inferi de todo o analisado é que se o Poder Legislativo agir com presteza nos momentos de clamor popular diante de crises e problemas - sejam eles sociais, econômicos, políticos ou, como o caso em tela, que abrange aspectos da saúde, do direito, das ciências e da ética - for um Poder atuante, cumpridor do seu papel de legislador, e presente na vida da população; e o Poder Judiciário agir dentro da função precípua constitucional que lhe foi conferida – ou seja, guardião da Constituição, intérprete maior da essência constitucional - e dentro de um limite conveniente, juridicamente correto e aceito pela sociedade, teremos uma melhor atuação desses Poderes, sem atritos e desgastes.

90 A título de exemplo citamos a Rp. 1.417/DF e a ADI 1.344/ES.

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