O CONVENTO FRANCISCANO DE JOSÉ DIRSON ARGOLO DIRSON JOSÉ

O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU THE FRANCISCAN MONASTERY OF CAIRU

OCONVENTO FRANCISCANODECAIRU

THEFRANCISCANMONASTERYOFCAIRU

JOSÉDIRSONARGOLO MONUMENTA | IPHAN CRÉDITOS

Presidente da República do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva

Ministro de Estado da Cultura João Luiz Silva Ferreira (Juca Ferreira)

Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Coordenador Nacional do Programa Monumenta Luiz Fernando de Almeida

Coordenador Nacional Adjunto do Programa Monumenta Robson Antônio de Almeida

Coordenação editorial Sylvia Maria Braga

Edição Caroline Soudant

Copidesque Ana Lúcia Lucena

Revisão e preparação Denise Costa Felipe / Maíra Mendes Galvão / Gilka Lemos

Versão para o inglês George Aune

Revisão do inglês e versão das legendas Paula Zimbres

Design gráfico Cristiane Dias

Fotos StudioArgolo / Ademir Rodrigues / Adenor Gondim / Adriano Braga dos Santos Anísio Félix / Caio Reisewitz / Francisco Santana / Gina Leite José Spínola / Nelson Kon / Sylvia Braga / Walmir Pinheiro

Capa Pintura do intradorso da portada da sala do capítulo. Concepção e foto de Sylvia Braga, 2009.

Guarda Talha do altar de Santa Rosa de Viterbo. Foto de Nelson Kon, 2009.

Frontispício Nossa Senhora da Conceição e detalhe da grade do coro. Fotos Studio Argolo, 2008. www.iphan.gov.br | www.monumenta.gov.br | www.cultura.gov.br SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 07

INTRODUÇÃO 08

I.OMUNICÍPIODECAIRUESUAHISTÓRIA 14

II.OCONVENTODESANTOANTÔNIO 42

BIBLIOGRAFIA 97

ENGLISHVERSION 98

F OREWORD 99

I NTRODUCTION 100

I.T HEMUNICIPALITYOF C AIRUANDITSHISTORY 103

II.T HEMONASTERYOF S ANTO A NTÔNIO 113

APRESENTAÇÃO

Esta publicação do Programa Monumenta/Iphan é um extrato com os dois primeiros capítulos À esquerda, portada da do livro O Convento Franciscano de Cairu – Restauração de Elementos Artísticos, de autoria do sala do capítulo com delicada decoração de professor José Dirson Argolo, responsável pela restauração do rico acervo do monumento: elementos dourados entrelaçados, descoberta talhas, forros, pinturas, portada, mobiliário, esculturas e azulejos. no restauro, e grade em jacarandá com balaústres torneados, após a intervenção. Foto de Caio O objetivo desta edição reduzida é muito claro. De um lado, oferecer aos visitantes do monu- Reisewitz, 2008. mento as informações necessárias à melhor fruição de sua visita. De outro, contribuir com a

To the left, chapter room manutenção do monumento e de seu rico acervo com os recursos provenientes da venda desta doorway, with its delicate decoration comprised of publicação. weaved gold elements, discovered during restoration, with Trata-se de convento projetado na segunda metade do século XVII e representa, segundo estu- jacaranda gratings and turned balustrades, after diosos da importância de Germain Bazin, o marco inaugural do barroco na arquitetura religio- intervention. Photograph by Caio sa luso-brasileira, estilo que só se consagraria entre nós muitas décadas mais tarde e no qual Reisewitz, 2008. os elementos artísticos assumem pape l singular. A fachada da igreja do convento – cenográfi- ca, dramática, ilusionista, decorativa – apresenta as características inovadoras do barroco que seriam logo repetidas nas igrejas franciscanas do Paraguaçu, Igaraçu e de João Pessoa.

Nesses dois capítulos, o autor recupera a história do município de Cairu e do Convento Franciscano ali construído, contextualiza seu surgimento e existência, dá notícia da população, dos costumes, da paisagem e da religiosidade local.

É para essa leitura de múltiplos atrativos que convidamos os interessados na preservação e valorização de nosso patrimônio cultural.

Luiz Fernando de Almeida Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Coordenador Nacional do Programa Monumenta Março de 2010

INTRODUÇÃO 10 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU INTRODUÇÃO

A preservação da memória histórica está entre os temas mais debatidos pelas sociedades con- Na abertura, detalhes do forro da sala do capítulo. temporâneas. Os monumentos, as obras de arte, os costumes, as danças, as paisagens, as Foto de Nelson Kon, características peculiares de cada povo exercem um fascínio que vem alimentando a indústria 2009. do turismo como nunca. Ao mesmo tempo, conhecer a cultura de cada povo – os bens móveis

On the opening page, e imóveis, incluindo as manifestações imateriais, que representam o passado e a evolução tec- details of chapter room nológica de cada época – tornou-se condição essencial na comunicação entre as nações. ceiling. Photograph by Nelson Kon, 2009. O homem vem, portanto, tomando consciência de que o passado é a chave do entendimen- to do presente e do futuro e de que nenhum país poderá projetar-se, se não tiver como alicer- ce a preservação de sua memória. À esquerda, interior da galilé. Foto de Nelson Kon, 2009. Somente a paixão pela preservação de nossa memória histórica e cultural justifica a disposi- ção, entre os restauradores, pesquisadores e conservadores, de continuar contribuindo, ape- To the left, interior of narthex. Photograph by sar dos inúmeros percalços e entraves encontrados no caminho, para que importantes mani- Nelson Kon, 2009. festações deixadas por nossos antepassados possam ser salvas. Por mais degradados que estejam esses legados, a ponto de muitas vezes não passarem de “pacientes terminais”, esses profissionais concentram todos os seus esforços a fim de que possam ser vistos e usufruídos hoje e no futuro.

Ainda que percebamos a evolução das políticas públicas no sentido de estabelecer diretrizes de conservação pr eventiva de nosso acervo cultural, temos um longo caminho a percorrer. A falta de consciência dos detentores e usuários dos bens tombados potencializa sua degrada- ção, acarretando enormes gastos para recuperá-los, quando isso ainda é possível.

No restauro do Convento Franciscano de Cairu, joia do barroco brasileiro, empregamos o melhor de nosso conhecimento e de nosso trabalho para promover uma intervenção que faça jus não somente à importância do monumento, exempl o maior da fé e da arte erguido nos rincões do Baixo Sul da , mas também ao anseio da comunidade cairuense, que almeja a redenção de sua pequena cidade por meio dos benefícios propiciados por um maior movi- mento turístico.

Uma visita ao monumento, que apresenta para nós brasileiros as inovações do estilo barroco, desperta também curiosidade sobre o responsável pelo projeto da igreja, reconhecidamente original. Já no séc. XVIII, Jaboatão atribuía a autoria dos projetos dos conventos de Cairu e de Santo Antônio do Paraguaçu ao frade franciscano Frei Daniel de São Francisco, douto por sua ciência e literatura. Dizia, referindo-se ao convento cairuense, “que a primeira pedra a lançou, o mestre na sagrada teologia e custódio provincial (...) em vinte e cinco de agosto de 1654”. 12 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

As características das obras do religioso permitem afirmar que audácia, criatividade e erudição em arquitetura eram algumas de suas qualidades. Sabe-se também que gozava de grande pres- tígio no seio da comunidade franciscana, sobretudo da Bahia, onde construiu, ao longo dos anos, uma brilhante carreira como administrador, arquiteto, professor de teologia e filosofia.

Nascido em Portugal, entre 1600 e 1610, na localidade de Arrifana de Souza, também conhe- cida com o Panafiel, situada nas proximidades da cidade do Porto, veio para o Brasil muito jovem, com a finalidade de ingressar na vida religiosa como noviço. Professou no Convento de Olinda, por volta de 1627.

É provável que ali tenha entrado em contato com a arquitetura holandesa na época da inva- são batava, o que ajudaria a explicar, na opinião de Alberto Sousa, a solução arquitetônica encontrada por ele para o projeto do Convento de Cairu. Transferiu-se mais tarde para Salvador, onde se dedicou a sua formação intelectual, como “leitor” de um curso de filosofia durante três anos e de teologia pelos quatro anos seguintes.

Depois desse período, viajou para Lisboa a fim de tratar da separação da custódia brasileira da portuguesa. Logrou êxito, tendo sido eleito o primeiro guardião do Convento de Salvador, em 1647. Renunciou ao cargo, porém foi reconduzido no período seguinte (1650-1653), quando realizou muitas obras no convento. Tinha enorme facil idade de convencer os ricos e podero- sos a fazer polpudas doações para as obras do Convento de Salvador. Sem dúvida alguma, foi nesse período que desenvolveu o projeto do Convento de Cairu.

Também participou da restauração da Capitania de Pernambuco contra o jugo holandês, quando lá se encontrava, na qualidade de custódio. Foi guardião do Convento Franciscano de Olinda por três anos, no início da década de 1670, retornando a Salvador para exercer nova- mente a função de sup erior do Convento, entre os anos de 1673 e 1677. Completado o seu mandato, vamos encontrá-lo mais tarde, já em idade avançada, como guardião do Convento de Olinda, no Capítulo do Provincial Fr. Aleixo de Madre de Deus. Frei Daniel faleceu no Convento de Recife, em 4 de fevereiro de 1692.

A exuberante natureza de Cairu certamente terá influenciado o frade franciscano na concep- ção do belo frontispício da igreja do convento. Fernando da Fonseca faz a mesma conjetura, ao se referir a outra imponente obra do religioso – o Convento do Paraguaçu: “quem contes- tará que o vale do Paraguaçu não lembrou a Frei Daniel a sua terra natal, aprazível e plana, recortada de rios, salutífera e fértil?”.

Falta, por fim, dizer que o restauro do Convento de Santo Antônio de Cairu é resultado da atuação de diversas entidades e instituições, especialmente desde 2007, quando a recupera- ção do monumento, anteriormente limitada aos bens móveis e integrados, passou a se r con- templada com patrocínio compatível com uma intervenção total, compreendendo também os aspectos arquitetônicos e estruturais. INTRODUÇÃO 13

Apresentamos a seguir, de modo resumido, as entidades que intervieram e/ou intervêm nesse grande programa de recuperação.

Patrocinadores: Ministério da Justiça, através do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, de 2002 a 2005; Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras, desde 2007.

Proponentes: Instituto de Desenvolvimento do Baixo Sul da Bahia – IDES, de 2002 a 2005; Grupo Ecológico Humanista Papamel, desde 2007.

Executores: Studio Argolo Antiguidades e Restaurações Ltd a., na área de bens móveis e inte- grados, desde 2002; Patrimoni Restauração de Obras Civis e Patrimônio Histórico Ltda., desde 2007, atuando na área estrutural e arquitetônica.

Dedicatória

Dedico este livro aos saudosos mestres, in memoriam, Valentin Calderón de la Vara e Romano Galeffi, que acreditaram no meu sonho; a Lindaura Sousa Argolo, minha mãe, em plena lucidez, nos seus 97 anos; a Waldemar Silvestre Carlos, amigo maior, que acompanha e incentiva minha vida profissional; à família Scacciatti – Bárbara, Fiorenza e Enrico (in memoriam) – pelo carinho e apoio na cidade de Florença e pela amizade de muitos anos; e a toda a equipe do Studio Argolo, identificada a seguir na ficha técnica de nosso ateliê.

José Dirson Argolo

Equipe do Studio Argolo

Coordenador geral: José Dirson Argolo. Coordenador administrativo: Waldemar Silvestre Carlos Subcoordenadores: Cláudia Maria de Cerqueira Barbosa e Maria Marley Rodrigues Serravalle. Sec retária: Lívia Santos Bahia. Equipe de restauração: José Dirson Argolo, Cláudia Maria de Cerqueira Barbosa, Maria Marley Rodrigues Serravalle, Jayme Leopoldo Santana, Juarez Silva, Helane Barbosa dos Reis, Jacildes dos Santos Gonçalves, Ivanildo Moreira dos Santos, Helenilton Cruz do Rosário, José Raimundo Sousa de Jesus, Débora Cristina Santos, Tirson Fernandes e Silva, José Ricardo Oliveira da Silva, Marcio Navarro de Almeida Couto, Estácio Luiz Moreira P. Fernand es, Daniela Veloso Coelho, Franklin Conceição Gomes, Carlos Alexandre Conceição de Jesus, Nivaldo Oliveira Barbosa, Valter Lúcio da Silva Coutinho, Valdir Palma de Jesus Souza, Sérgio Luis Silva Santos, Antônio Hélio Silva Santos, Roberto de Lima Santos, Lais Ché, Ana Chistina O. Araújo. Fotógrafos: Adenor Gondim, Walmir Pinheiro, José Spínola, José Dirson Argolo e Waldemar Silvestre Carlos.

I.OMUNICÍPIODECAIRUESUAHISTÓRIA 16 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU I.OMUNICÍPIODE CAIRUESUAHISTÓRIA

O município de Cairu localiza-se na hoje chamada Costa do Dendê, uma das mais antigas

Na abertura, muro e áreas de ocupação e povoamento do território brasileiro. As primeiras notícias sobre essas ter- portão do Convento Franciscano de Cairu. ras férteis e de águas abundantes têm-se com a viagem de Martim Afonso de Sousa, a mando Foto de Nelson Kon, do rei de Portugal D. João III, em 1530. Ele comandou uma expedição de 400 homens e cinco 2009. embarcações – a nau Capitânia, a nau São Miguel, o galeão São Vicente e as Rosa

On the opening page, e Princesa. Sua missão era, simultaneamente, geográfica, militar e colonizadora. the wall and gate at the Franciscan Monastery of Cairu. Photograph by Faziam parte da armada soldados, marinheiros, colonos para o cultivo da terra (trazendo Nelson Kon, 2009. sementes e instrumentos agrícolas), homens da lei e, como não poderia faltar um religioso, constava também do grupo um capelão. A expedição tinha a tríplice incumbência de explorar a costa brasileira desde o Maranhão até o rio da Prata, impedir o comércio de pau-brasil pelos À esquerda, vista parcial franceses e fundar pequenas feitorias, que mais tarde deram origem às primeiras vilas. da cidade de Cairu, a partir da Torre do Convento, vendo-se o Tem-se notícia de que Martim Afonso de Sousa foi um dos primeiros europeus a pisar as areias canal do Golfo e a vegetação da Ilha de brancas das praias da Costa do Dendê. Precedeu-o nesse feito Diogo Álvares Correia, o Tinharé ao fundo. Foto de Nelson Kon, Caramuru. É bastante conhecido o episódio da descoberta da imagem de Nossa Senhora da 2009. Graça, por Caramuru, entre os destroços de uma nau castelhana, na ilha de Boipeba, por volta de 1526. A imagem seria aquela que aparecia em sonhos à sua esposa, a índia Catarina Álva- Partial view of the town 1 of Cairu from the res Paraguaçu, e que seria fruto de sua mais pura veneração . Monastery Tower, with the Gulf Canal and the Tinharé Island vegetation Martim Afonso ancorou sua frota em um porto natural, localizado na contracosta do atual on the background. Morro de São Paulo, uma falésia de pedra calcária que domina a paisagem do lugar que os Photograph by Nelson Kon, 2009. índios chamavam de tý-nhã-ré, “o que se adianta na água”2. Nos relatos da viagem de Martim Afonso, escritos por seu irmão Pero Lopes de Sousa, estão registradas as primeiras notícias sobre a ilha de Tinharé. Em seu diário de bordo, Pero Lopes anotou: “E ao pôr do sol vimos a terra e conhecemos a boca do rio Tinharé da banda do sul”. Lopes se refere a Tinharé como algo já familiar ao mundo dos navegadores e cartógrafos, o que prova que a região já era ante- riormente conhecida. A esse respeito, o estudioso Antônio Risério comenta: “O local foi cer- tamente conhecido, antes da passagem de Martim, por alguns navios espanhóis, franceses e até portugueses que circularam por ali. E seu nome, memorizado, passou a viajar de boca em boca entre os navegadores que então vagavam sob o céu tropical brasileiro”3.

1. Essa imagem ainda é venerada na Igreja da Graça, em Salvador, construída por Catarina Álvares, dando origem ao tradicional bairro da Graça. 2. Costa do Dendê. Secretaria da Cultura e Turismo. Superintendência de Desenvolvimento do Turismo. Roteiros ecoturísticos da Bahia. Salvador. p. 14. 3. Risério, Antônio. Tinharé: história e cultura no litoral sul da Bahia. Salvador: BYI Projetos Culturais, 2003. p. 24. 18 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

É bom lembrar que vários navegadores vasculharam o litoral brasileiro, a partir de 1500, com a missão de reconhecer a nova terra que os portugueses acabavam de descobrir, e fundar as primeiras feitorias. Incluem-se entre eles Gaspar de Lemos, Gonçalo Coelho Pereira, Cristóvão Jacques e Américo Vespucci, descobridor da Baía de Todos os Santos em 1º de novembro de 1501. Sabemos também que náufragos, degredados e aventureiros aportaram em terras bra- sileiras nos primeiros anos de nossa colonização. O comércio ilegal do pau-brasil, de aves exó- ticas e peles de animais, feito especialmente pelos franceses, contando com a ajuda de índios e aventureiros, a exemplo de Caramuru, era comum nos primeiros trinta anos após a desco- berta do Brasil. Na armada de Martim Afonso encontrava-se um especialista na “costa do pau- brasil”, Pero Capico. Tudo isso vem provar que o arquipélago de Tinharé já era conhecido antes da expedição de 1530. O MUNICÍPIO DE CAIRU E SUA HISTÓRIA 19

Martim Afonso de Sousa À esquerda, mapa do havia sido nomeado três século XVII, de João Teixeira Albernaz, onde anos antes, pelo rei D. João se pode localizar a Ilha de Cairu. Imagem III, com o título de “capitão- do livro Mapa: Imagens mor e governador das terras da Formação Territorial Brasileira, de Isa Adonias do Brasil”. O mesmo e outros. Rio de Janeiro. Fundação Emílio monarca resolveu, em Odebrecht,1993. 1532, dividir o Brasil em quinze grandes porções To the left, a 17th-century map by de terra, denominadas João Teixeira Albernaz, Capitanias Hereditárias. A showing the island of Cairu. The image comes decisão fora tomada em from the book Mapa: Imagens da Formação Évora, em 28 de setembro Territorial Brasileira, by de 1532, e comunicada por Isa Adonias et al. Rio de Janeiro. Fundação Emílio D. João III, por meio de Odebrecht, 1993. carta, a Martim Afonso, que se encontrava em São Vicente, no litoral paulista. À direita, mapa da Secretaria do Meio O portador da missiva real Ambiente e Recursos foi o capitão João de Sousa, Hídricos do Estado da Bahia, em que aparece o que já havia estado no Brasil município de Cairu e sua localização no estado de com o próprio Martim Bahia. Afonso, no ano anterior. A carta só chegou em janeiro de 1533. Ao recebê-la, Martim Afonso entendeu que, na prática, To the right, map by Bahia’s Environment and estava sendo destituído do cargo para o qual fora nomeado, mas só resolveu partir para Water Resources Portugal no final de maio. Sua chegada em Lisboa ocorreu na primeira quinzena de agosto de Secretariat, showing the municipality of Cairu and 1533, após uma breve passagem pelos Açores. its location on the state of Bahia. Portugal enfrentava uma grave crise financeira, sendo forçado a tomar dinheiro sob juros altos aos banqueiros de Flandres, nos Países Baixos. Além do mais, Lisboa sofrera um grave terre- moto nos últimos meses de 1531. Por essas e outras razões, a Coroa não dispunha de recur- sos para promover a colonização do Brasil, cujo território estava ameaçado pelos aventureiros franceses, ávidos pela exportação do pau-brasil. Da madeira dessa árvore era extraído um pig- mento vermelho bastante disputado pelas tinturarias européias. O vermelho era a cor preferi- da pela nobreza e pelo alto clero. Por isso, a muito custo, D. João III aceitou os argumentos de D. Antônio de Ataíde, que defendia entregar “à iniciativa privada a obrigação de ocupar a colônia – sob pena de perdê-la para os franceses”4.

4. Bueno, Eduardo. Capitães do Brasil. A saga dos primeiros colonizadores. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999. p. 78. Coleção Terra Brasilis. 20 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

Logo após o retorno de Martim Afonso ao continente europeu, as terras portuguesas na América foram divididas em 15 imensos lotes, com cerca de 300km de largura cada um. Nessa divisão, que teve como base o mapa do astrônomo Gaspar Viegas, três lotes correspondiam ao território do atual estado da Bahia: as capitanias de , da Bahia e de Ilhéus, doa- das, respectivamente, a Pero do Campo Tourinho, Francisco Pereira Coutinho e Jorge de Figueiredo Correia.

O POVOAMENTODACAPITANIADE I LHÉUS

Por volta de 1535, chegaram à capitania de Ilhéus os primeiros colonos portugueses, trazidos pelo donatário Jorge Figueiredo, escrivão da Fazenda Real, considerado “um dos homens mais ricos de Portugal”5. Em 1º de abril de 1535, ele recebeu a capitania, cuja carta de doação fora assinada pelo rei D. João III. Apesar de “homem opulento e influente, jamais pensou em tro- car seu cargo de escrivão e as comodidades da corte pelos azares e trabalhos do gove rno de sua remota capitania”, segundo o historiador Pedro Azevedo, citado por Eduardo Bueno. Azevedo destaca, recorrendo a palavras de Carlos Malheiro Dias, que Jorge de Figueiredo “era homem prático e tinha experimentada fé no poder do dinheiro” e, assim, “embora disposto a investir na colonização de sua capitania, ele se manteve prudentemente distante do Brasil”, enviando, em seu lugar, Francisco Romero, um castelhano que vivia em Lisboa. Romero deve ter chegado à Ba ía de Todos os Santos entre o final de dezembro de 1535 e janeiro de 1536, segundo Bueno, e partido para o sul, a fim de ocupar a capitania que iria governar, alguns dias após merecido descanso. O historiador Francisco de Varnhagen “supõe que o abastado Jorge de Figueiredo tenha conseguido arregimentar cerca de 250 homens e adquirido três naus, o que significa dizer que aplicou muito dinheiro – no mínimo 150 mil cruzados – em sua aven- tura tropical”6. Romero instalou-se inicialmente na ilha de Tinharé, na localidade de Morro de São Paulo. Pouco se sabe a seu respeito além do que está registrado em depoimentos deixa- dos pelo ouvidor-geral do Brasil, Pero de Borges, que, em 1550, vistoriou a capitania de Ilhéus em nome do rei, já no governo de Thomé de Sousa. De acordo com Pero de Borges, Francisco Romero era “bom homem, mas não para ter mando porque é ignorante e muito pobre, o que muitas vezes faz fazer aos homens o que não devem”. Embora mau administrado r, Romero era sujeito “acordado e experimentado para cousas de guerra”7.

Romero permaneceu por pouco tempo na ilha de Tinharé, onde seus colonos desbastaram uma clareira no sopé do Morro de São Paulo, abrindo espaço para instalar-se no meio da densa e verdejante Mata Atlântica, que dominava a paisagem da ilha. Um destacamento enviado por ele para explorar as regiões próximas “voltou após algumas semanas com a notícia de que encontrara um sítio mais favorável onde construir a sede da donataria”8.

5. Idem, ibidem. p. 220. 6. Idem, ibidem. p. 221. 7. Idem, ibidem. p. 221. 8. Idem, ibidem. p. 222. O novo lugar era estrategicamente perfeito: ficava em uma península, abrigado por quatro Casario característico de ilhéus, em meio aos quais o rio desaguava no Oceano Atlântico. O local, além de Cairu. Foto de facilmente defensável, era protegido pelo mar e pelo rio e oferecia excelente ancoradouro para Nelson Kon, 2009. as naus. A essas conveniências somavam-se outras: “a terra era fértil, regada de águas límpi-

A typical row of houses das e recoberta por vegetação luxuriante". O local recebeu o nome de São Jorge dos Ilhéus. at Cairu. Photograph by "Jorge", além de ser o nome do verdadeiro dono da terra – Jorge de Figueiredo –, era tam- Nelson Kon, 2009. bém o santo da devoção do donatário, e "Ilhéus", uma referência às quatro ilhotas.

Embora a região fosse dominada pelos valentes e temíveis aimorés, povo indígena considera- do pelos colonizadores como um dos mais sanguinários entre os que ocupavam o litoral bra- sileiro, de início tudo correu às mil maravilhas na capitania de Ilhéus. Já em fins de 1536, Francisco Romero enviava para o reino uma nau repleta de pau-brasil. A embarcação levava boas notícias: a vila estava instalada e fortificada e contava com uma pequena capela10.

O sucesso da ocupação daquelas terras e dos empreendimentos lá implantados foi tão gran- de que o donatário acabou distribuindo em Lisboa, no ano seguinte, três sesmarias. Doou-as a Mem de Sá, futuro terceiro governador-geral do Brasil, Fernão Álvares de Andrade, donatá- rio do Maranhão, e Lucas Giraldes, rico banqueiro florentino e ativo investidor, há vários anos instalado em Lisboa. Segundo Eduardo Bueno, em sua obra já citada, “tais doações indicam que, embora possuísse grande fortuna, Jorge de Figueiredo buscava parceiros para investir na produção do açúcar em sua capitania”11.

9. Idem, ibidem. p. 222. 10. Idem, ibidem. p. 223. 11. Idem, ibidem. p. 223. T EMPOSDEGUERRA

A paz entre colonos, indígenas e a administração da capitania era mantida pelos “resgates” que o rico donatário enviava de Lisboa e que serviam para o escambo intermediado por Romero: centenas de facões e machados, miçangas coloridas, anzóis, espelhos etc. As trocas eram feitas entre colonos e os índios tupiniquins que circulavam pela região, uma vez que os aimorés, de hábitos mais nômades, viviam no interior da densa floresta atlântica. A paz come- çaria a ser rompida, como veremos, quando o número de engenhos aumentou – eram oito em 1546 –, exigindo um contingente maior de mão de obra. Os portugueses, que já utilizavam o trabalho forçado dos chamados “índios de corda”, aprisionados e amarrados com cordas nas lutas intertribais que eles próprios estimulavam, passaram então a escravizar também os indí- genas que com eles conviviam pacificamente desde que haviam ocupado a região.

Um motivo de discórdia era o fato de Romero se r castelhano, além de grosseiro no tratamen- to com os colonos e subordinados. Ele acabou sendo preso, em 1540, por blasfemar contra um crucifixo trazido de Portugal por um desafeto. Teria dito: “Odeio este crucifixo”. A ofensa fora ouvida por colonos, que o denunciaram ao vigário local. Mandado acorrentado para Lisboa, Romero permaneceu encarcerado no presídio de Limoeiro. Apesar disso, retornou à Bahia em fins de 1541, graças ao prestígio de Jorge de Figueiredo, que us ou de sua influên- cia para libertá-lo e, numa atitude imprevidente e desafiadora, enviou-o de volta a Ilhéus12.

12. Idem, ibidem. p. 225. Na sua volta, Romero puniu os participantes da conspiração que o levara à prisão, o que con-

Vista parcial da cidade de tribuiu para desordens internas. Empenhou-se, porém, na construção de engenhos de açúcar, Cairu, vendo-se, à esquerda, a Igreja Matriz agora facilitada “pelos grossos cabedais” do banqueiro florentino Lucas Giraldes. O bom fun- (1609) e, do lado oposto, cionamento dos engenhos requeria um crescente número de escravos e, como os africanos o Convento Franciscano (1654). Foto de Nelson custavam caro, pois vinham de terras distantes, era muito mais econômico arregimentar indí- Kon, 2009. genas, que desde o início da colonização se mostraram arredios ao trabalho escravo.

Partial view of the town of Cairu, showing the Main Nessa época, os colonos portugueses começaram a penetrar no território dos temíveis aimo- Church (1609) to the left and, on the opposite side, rés, também conhecidos como botocudos. A reação foi imediata e, a partir da segunda meta- the Franciscan Monastery (1654). Photograph by de do ano de 1546, os ataques dos aimorés tornaram-se constantes. Em pouco tempo, os Nelson Kon, 2009. nativos devastaram Ilhéus e Porto Seguro, destruindo os engenhos e matando os colonos por- tugueses, que logo fugiram em debandada para as ilhas de Tinharé, Boipeba e Cairu, além de outras localidades.

Quando a luta entre portugueses e aimorés ainda estava em curso, em fins de 1550, morreu em Lisboa o donatário Jorge de Figueiredo Correia. Pouco tempo depois, seu filho Jerônimo de Figueiredo de Alarção vendeu os direitos sobre a capitania ao banqueiro Lucas Giraldes. Romero foi destituído e veio para o Brasil assumir seu cargo o feitor italiano Tomaso Alegre. Com a morte de Lucas, anos depois, seu filho Francisco Giraldes tornou-se senhor da capitania de Ilhéus. 24 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

Trecho da Rua Barão Homem de Mello, principal artéria de Cairu. Foto de Nelson Kon, 2009. Section of Barão Homem de Mello Street, Cairu’s main artery. Photograph by Nelson Kon, 2009. O MUNICÍPIO DE CAIRU E SUA HISTÓRIA 25

C AIRU , DAFUNDAÇÃOAOSNOSSOSDIAS

A criação das vilas de Cairu, Boipeba e foi ordenada, em 1565, pelo segundo dona- tário da capitania de Ilhéus, Lucas Giraldes, ao seu procurador, Baltazar Ferreira Gaivoto. Este delegou sua fundação a João d’Andrade13. O objetivo, segundo Silva Campos, era “instruir núcleos de moradores brancos que constituíssem outros tantos centros de resistência às incur- sões do numeroso e fero gentio daquela parte do feudo, bem como de atração dos índios mansos, estes aliados dos portugueses. Além de vantagens outras que acarretariam em bene- fício do desenvolvimento da região”. Mesmo com a criação das vilas, os aimorés não perde- riam o seu poder de guerrear e levar pânico à população já instalada naquela região. Quando isso acontecia, portugueses, mamelucos e índios aculturados fugiam para as ilhas de Tinharé e Boipeba, onde estavam a salvo dos aimorés, uma vez que estes não se arriscavam a entrar no mar, pois não sabiam nadar e não possuíam canoas ou outro tipo de embarcação.

Com a guerra dos aimorés deflagrada, as fundações ordenadas por Lucas Giraldes praticamen- te não se efetivaram, embora Cairu tenha se transformado em um núcleo de resistência. Segundo Vilhena, foi a vila de Cairu a primeira da comarca do Norte, “fundada em uma ilha, que terá de duas a três léguas de circunferência, situada no canal que divide a grande ilha de Morro de S. Paulo da terra firme; fundaram ali aquela vila em razão dos muitos gentios que havia no continente, e tudo infestavam”14. De acordo com Silva Campos, no final do século XVI, com a decadência da vila de São Jorge dos Ilhéus, os distritos de Camamu, Cairu e Boipeba constituíam a parte mais cultivada da capitania.

Silva Campos informa que, serenada a guerra, muito lentamente vai desenvolver-se de novo a colonização portuguesa. Aqueles que haviam abandonado as terras do continente de Tinharé retornam aos pouco para a região, agora fixando-se nas ilhas de Cairu, Boipeba e Morro de São Paulo, locais que, pela posição geográfica, os protegeriam dos ataques dos aimorés, caso se repetissem. O crescimento de Cairu, ainda segundo Silva Campos, é desde logo apreciável.

No alvorecer do século XVII, “Cairu era a estrela do litoral sul da Bahia. Boipeba, a velha Boipeba vinha em seguida”15. A elevação a vila só foi efetivada entre 1608 e 1610, segundo várias fon- tes consultadas. Fruto, portanto, do desbravamento da capitania de Ilhéus, Cairu obteve e por muito tempo conservou alguma importância por causa do cultivo da cana-de-açúcar.

O nome primitivo da ilha de Cairu era Aracajuru, que, segundo Jaboatão, na língua indígena, significava “casa do sol”. O atual município de Cairu é formado por numerosas outras ilhas, das quais se destacam Boipeba e Tinharé, e nesta última, as localidades de Morro de São Paulo, Galeão e Gamboa. A pequena cidade de Cairu fica localizada na ilha de mesmo nome e está situada a 166 km de Bom Despacho, na ilha de Itaparica.

13. Campos, Silva. Crônica da capitania de São Jorge dos Ilhéus. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1981. p. 67. 14. Vilhena, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapoã, 1969. v. 2, p. 494. Coleção baiana. 15. Risério, Antônio. Tinharé: história e cultura no litoral sul da Bahia. Salvador: BYI Projetos Culturais, 2003. p. 90. 26 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

U MAFAMÍLIANAHISTÓRIADACIDADE

Entre os primeiros povoadores de Cairu, podemos citar o fidalgo português Sebastião da Ponte, homem rico, senhor de engenho no Recôncavo, que fez grandes investimentos na região, construindo um engenho de açúcar na primeira cachoeira do rio Una e uma fazenda de gado na região ainda hoje denominada Ponta do Curral, que vai da praia da Gamboa ao Morro de São Paulo. Também é citado Antônio de Couros, senhor de engenho em Cairu, que chegou a fazer amizade com o capitão holandês Francisco Vilhena antes da invasão holande- sa à Bahia em 1624, conforme relata frei Vicente do Salvador.

Na tradição da cidade, destaca-se, porém, entre os primeiros povoadores, o casal Domingos da Fonseca Saraiva e D. Antônia de Pádua Góes. Ele foi considerado “o primeiro dos segun- dos” povoadores das terras firmes de Cairu. Era filho de Diogo Affonso de Veyga e segundo neto “daquelle grande Francisco da Fonseca Saraiva, Senhor da Villa de Trancozo” 16. Sua mulher, Antônia de Pádua Góes, nasceu em Portugal, mas veio para o Brasil ainda criança. Era filha de Gaspar de Araújo, natural da Vila dos Arcos, pertencente à nobre família dos Araújos, e de Catharina de Góes, natural de Lisboa. O casal transferiu-se para o Brasil em 1563 e fixou residência na capitania de São Jorge dos Ilhéus, no tempo em que aquelas terras começavam a ser povoadas e já floresciam, dando bons lucros e melhores esperanças aos seus habitantes17.

Além dos dois filhos que trouxeram, Antônia de Pádua e Simão de Araújo, o casal teve mais quatro, nascidos no Brasil: Francisca de Araújo, Maria de Góes, Clara de Góes e Jorge de Araújo Góes. O sentimento religioso da família era tão forte que, com o falecimento de Catharina de Góes, seu marido Gaspar de Araújo transferiu-se de Ilhéus para Salvador, com a intenção de ingressar na ordem jesuítica. Segundo Jaboatão, apesar de homem rico, dono de fazendas e engenhos de açúcar, o seu ingresso na Companhia de Jesus não foi fácil, pois con- tava com a relutância dos padres. Para demonstrar aos jesuítas que não era fingida a sua voca- ção, o nobre senhor começou a servir aos religiosos, fazendo trabalhos humildes, carregando feixes de lenha e potes de água, levando-os até a portaria dos padres. Com toda essa prova de abnegação, os jesuítas foram vencidos, admitindo-o na ordem e dando-lhe o hábito jesuí- ta, com o qual faleceu, reconhecido pela comunidade18.

O fervor religioso dessa gente que deixou Portugal pelo Brasil nos primórdios da colonização, e especificamente o dessa família, é atestado pela escolha do nome dos filhos. Grandes devo-

16. Jaboatão, fr. Antônio de Santa Maria. Novo orbe seráfico basílico ou Chronica dos frades menores da provín- cia do Brasil. Parte segunda, v. I, II e III. Recife: Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco, 1980. p. 570. Reprodução fac-similar das edições de 1859, 1861 e 1862. 17. Idem, ibidem. p. 569. 18. Idem, ibidem. p. 569-70. O MUNICÍPIO DE CAIRU E SUA HISTÓRIA 27

tos de Santo Antônio, deram à primo- Fachada de residência gênita não somente o nome de em Cairu, com imagem de Santo Antônio. Foto Antônia, mas acrescentaram-lhe o de de Sylvia Braga, 2009. Pádua, como cognome ao de Góes.

Façade of a house in Cairu, featuring image O casal Domingos da Fonseca Saraiva of Saint Anthony. Photograph by Sylvia e Antônia de Pádua inicialmente fixou Braga, 2009. residência num distrito da vila de Ilhéus, onde construiu uma casa e, com o dote recebido, um engenho, com grande número de escravos e índios serviçais. Ao lado do engenho, ergueram uma capela ou igrejinha, “muy bem ornada, onde collocaraõ, com a do Santo Padre a Imagem do grande portuguez Santo Antonio, dos quaes eraõ particulares devotos, fazendo-lhes todos os annos as suas festas, e recebendo por paga deste seo catholico zelo, e vida ajustada, naõ só abundantes fructos da terra, taõbem o de dez filhos, tres varões e sette femeas, que a todos crearaõ em Santo temor de Deus”19.

Após vinte anos na Comarca de Ilhéus, a família foi obrigada a abandonar o engenho e as fazendas, por causa da inseguran- ça e dos constantes prejuízos provocados pelas invasões indígenas, passando para as terras fir- mes de Cairu, que já davam sinais de prosperidade. Ali, Domingos e Antônia construíram novas fazendas e um engenho. O casal fez alianças, principalmente através do casamento dos filhos, com outras pessoas de origem portuguesa, a quem os governadores foram presentean- do com sesmarias, como forma de promover o desenvolvimento da região. Esses primeiros povoadores da vila construíram a igreja matriz, consagrada a Nossa Sen hora do Rosário, e ergueram também a “capelinha” de Santo Antônio, “que depois se deu aos frades, que ali foram fundar um convento”20.

19. Idem, ibidem. p. 570. 20. Idem, ibidem. p. 571. 28 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

A fé, a bondade e a caridade são características atribuídas à primeira grande matriarca de Cairu, Antônia de Pádua, que deixou profundas marcas na região conforme relata Jaboatão, citando anotações supostamente escritas por um neto dela, documento no qual se baseia o cronista fran- ciscano para os relatos que deixou para a posteridade sobre os eventos ocorridos naquele tempo. Nas palavras do cronista: “Lá haveis achar ainda (no Pais do Cayrú), muitas da descendência e doutrina, daquella grande Matrona, e maior serva do Senhor, Antonia de Pádua de Goes, sym- bolo de Charidade, e amor ao proximo, e logo à entrada encontrareis com os Fradinhos do glo- rioso Serafico Saõ Francisco, que andaõ à esmolla, e elles vos encaminharaõ, e informaraõ desta verdade, e de que estando já muy diminutos seus cabedaes (isto he do povo da terra de quem aqui falla o Author,) pelas razões que atraz ficaõ dittas; ainda os animou sua notavel piedade e devoçaõ, a chama-los e agazalha-los na era do Senhor de 1649, em a sua Villa, dando-lhes a igreja do gloriozo Santo Antonio para hospicio, e morada de seo espiritual pay”21.

Jaboatão, já no século XVIII, lamentava a ausência de dados referentes ao local onde se teria estabelecido originalmente o casal Domingos e Antônia, mas tudo indica que seria nas imedia- ções do atual convento, uma vez que alguns historiadores declaram que este foi construído ao lado do engenho dos Saraiva. D. Antônia, irmã da Ordem Terceira de São Francisco, parece ter dedicado sua vida a obras de caridade. O cronista franciscano informa que, certa feita, o mari- do desconfiou que a esposa havia exagerado numa determinada esmola. Apesar das negativas de Antônia, o marido não se convenceu. Para provar sua inocência, a mulher ajoelhou-se dian- te do esposo, estendendo as mãos e ordenando a uma das criadas que colocasse sobre elas uma enxada em brasa, suportando a dor por muito tempo. Com essa demonstração, o marido prostrou-se a seus pés, comovido, “pedindo-lhe perdaõ pelo amor de Deos; pois tinha bem jus- tificada a sua verdade, com a innocencia de suas maõs entre o fogo daquella ardente chama”22.

Ficando viúva, após o casamento de suas filhas Catharina e Mariana, “com honrozo estado”, D. Antônia dedicou-se mais ainda à sua fé, passando dali em diante a impor-se todo o tipo de mortificação, como jejuns, cilícios e disciplinas. Depois do casamento dos filhos Simão e Antônio, que se destacariam como mestres da política, e das filhas Susana e Francisca, “levan- do Deos para sy aos mais em estado de innocencia; e assim ficou dezembaraçada da carga, e, obrigações, empregando-se só nas da sua alma”23.

Ao morrer, aos 82 anos, D. Antônia de Pádua deixou 116 filhos, netos e bisnetos, que, junto com seus dois irmãos e três irmãs, povoaram boa parte da região de Cairu24.

21. Idem, ibidem. p. 566. 22. Idem, ibidem. p. 571. 23. Idem, ibidem. p. 572. 24. Idem, ibidem. p. 576. O MUNICÍPIO DE CAIRU E SUA HISTÓRIA 29

A DEFESADE C AIRU

Durante o século XVII, a ilha de Cairu transformou-se em um importante centro produtor de

Fortaleza do Morro de farinha e madeira, além de possuir engenhos de açúcar. Os invasores holandeses, enquanto São Paulo com sua monumental muralha estiveram no Brasil, de 1624 (data da invasão na Bahia) a 1654 (data de sua expulsão de construída em 1631. Pernambuco), aportaram no arquipélago em várias ocasiões, à procura de víveres, procurando Foto de Francisco Santana, 2008. abastecer-se em Boipeba, Cairu, Tinharé e Camamu.

Fortress of Morro de Em 1631, na gestão do governador Diogo Luís de Oliveira, deu-se início à construção da São Paulo, with its Fortaleza do Morro de São Paulo, para proteger a ilha dos corsários flamengos e franceses que monumental walls built in 1631. Photograph infestavam nossos mares, principalmente após a ocupação holandesa em Pernambuco. Havia by Francisco Santana, 2008. também o perigo de inimigos se apoderarem daquele estratégico porto em Morro de São Paulo. Entretanto, somente em 1664 a Fortaleza viria a ter uma guarnição fixa. A partir dessa data, assumiu um papel de destaque na defesa do litoral baiano, da Baía de Todos os Santos e da própria Cidade do Salvador, então capital da América Portuguesa.

No século XVIII, Vilhena escreveu: “para defender a barra, ou entrada nesta, e evitar a comu- nicação para o continente se fêz naquela ponta o presídio do Morro, de que a principal forta- leza monta dezoito peças e pode montar mais; correm diferentes lanços de muralha com seus ângulos salientes e reentrantes pela sapata da montanha, de forma que em partes só deixa um escasso terraplano para poder laborar artilharia, de que há alguns anos contava por todo o presídio cinqüenta e duas peças de ferro”25.

A importância e o estado de conservação da fortaleza não escaparam à visão arguta de Vilhena, que já naquela época protestava: “Acha-se aquele presídio importantíssimo, com lamentável ruína a que a negligência de muitos anos, o tem deixado chegar, quando é impor- tantíssimo a sua conservação...”.

25. Vilhena, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapoã, 1969. v. 1, p. 232. Coleção baiana. Rocha Pitta também se referiu à fortaleza de forma enfática: “Dos últimos limites della, cor- rendo e navegando a costa para o sul, está a importante Fortaleza do Morro de São Paulo, Vista panorâmica de Cairu, destacando-se a com baluartes e cortinas em fórma regular, estância em que reside huma Companhia paga, Igreja Matriz. Foto cujo Capitão he o cabo, que a governa. Serve de propugnáculo e defensa às Villas marítimas Studio Argolo, 2008. de Cayru, Camamu, Boypeba, e à Povoação do Rio das Contas, que são os celleiros da Bahia A panoramic view of como o Egypto o foy do povo romano e S icília de toda a Europa, conduzindo-se daquellas Cairu, with the Main Church as a prominent Villas a mayor parte da farinha, que se gasta na Cidade e no seu reconcavo. Guarnecem a feature. Photograph by Cidade dous veteranos, e valerosos Terços de Infanteria paga, outro de Artilheiros, e Studio Argolo, 2008. Granadeiros déstros; quatro Regimentos de luzida Infanteria da Ordenança, hum da Corte, com todas as Companhias dos Privilegiados, e os tres dos Arralbaldes; fazendo em muitas occasioens as mesmas operações da milícia paga”26.

Hoje, a fortaleza é um marc o importante na paisagem do Morro de São Paulo, um testemu- nho vivo da arquitetura militar da época e da história política da Bahia. Apesar das degrada- ções sofridas, pelos anos de abandono, guarda ainda uma imponência que encanta turistas, estudiosos e visitantes.

Em 1635, novos colonos chegaram a Cairu, entre eles os descendentes do donatário da capi- tania27, fugindo do ataque da esquadra holandesa de Lichthardt ao porto de Ilhéus. Em 1644, o governador Antônio Teles da Silva obrigou os moradores do arquipélago a abastecer de fari- nha as tropas de Salvador. Em 1673, o governador Afonso Furtado proibiu o cultivo da cana- de-açúcar e a construção de engenhos na região, para não prejudicar a produção de farinha. Com o desenvolvimento da indústria do açúcar no Recôncavo Baiano, verdadeiro celeiro eco- nômico do Brasil colonial, notadamente nos municípios de Cachoeira, Santo Amaro e , a região do Baixo Sul da Bahia foi deixand o de receber incentivos por parte do governo para a sua incipiente indústria açucareira e tornou-se fornecedora de produtos como alimentos e madeiras.

26. Rocha Pitta, Sebastião da. História da América Portuguesa. Bahia: Aguiar & Souza Ltda., 1950. v. 7, p. 64. Coleção de Estudos Brasileiros. Série Marajoara. Livraria Progresso. 27. IPAC-BA. Litoral Sul. Salvador: Secretaria da Indústria, Comércio e Turismo, 1988. v. 5, p. 33. O MUNICÍPIO DE CAIRU E SUA HISTÓRIA 31

T RAGÉDIANAIGREJA

A freguesia de Nossa Senhora do Rosário de Cairu foi fundada entre 1608 e 1610, sendo arce- bispo da Bahia D. Constantino Barradas. Abrangia as ilhas de Cairu, Tinharé e todas as outras ilhas do arquipélago, com exceção de Boipeba, que formaria uma freguesia separada, criada em 1616. A igreja matriz, situada pouco acima do convento franciscano, numa pequena ele- vação, teve sua construção iniciada na primeira década do século XVII, pois já existia quando os frades menores fundaram o convento de Santo Antônio. É possível que seja a mesma igre- ja construída ao lado do engenho dos Saraiva.

Essa igreja foi palco de uma grande tragédia, por volta de 1670, durante um assalto de indí- genas, quando boa parte da população se encontrava em seu recinto. Relata Rocha Pitta: “Costumava o Gentio bravo do Certão da Bahia dar repentinos assaltos sobre algumas Povoações remotas da cidade, com estrago das vidas e lavouras daquelles moradore s”. Uma dessas invasões ocorreu na Vila de Cairu, “pela muita gente, que a habitava, em cuja defen- sa se fizera huma Estancia em lugar opportuno, em que assistia huma Companhia de Infanteria paga do Presidio da Cidade, que de tres em tres mezes se mandava mudar por turno, com alternativa de ambos os Terços, servindo de freyo aos Gentios”28.

Índios aimorés ou botocudos, primitivos habitantes da região de Cairu. Litografia de Wied-Neuwied, 1822, em Mapa: Imagens da Formação Territorial Brasileira, de Isa Adonias e outros. Rio de Janeiro. Fundação Emílio Odebrecht,1993.

Aimoré or botocudo indians, the first inhabitants of the Cairu area. Litograph by Wied-Neuwied, 1822, in Mapa: Imagens da Formação Territorial Brasileira, by Isa Adonias et al. Rio de Janeiro. Fundação Emílio Odebrecht, 1993.

28. Rocha Pitta, Sebastião da. História da América Portugueza. Bahia: Aguiar & Souza Ltda., 1950. v. 7, p. 241. Coleção de Estudos Brasileiros. Série Marajoara. Livraria Progresso. 32 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

Para a Companhia fora nomeado o capitão Manoel Barbosa de Mesquita, que viera promo- vido de Lisboa em 1670. Esse cavalheiro, há poucos meses no posto, morreu bravamente em combate, conforme o relato seguinte: “Chegou naquelles dias hum de preceito, em que na Matriz da Villa se fazia festa annual das mais solemnes daquella Parochia, à qual concor- reraõ como costumavaõ com suas mulheres, e filhas os moradores mais vestidos, que arma- dos, indo a festejar a celebridade, bem fóra do receyo de pelejarem com os Gentios, os quaes nunca tinhaõ chegado àquelle lugar e na presente occasiaõ variando o terreno das suas entradas, vieraõ a dar sobre elle, quiçá por saberem a solemnidade do dia e que naquelle concurso desacautelado podiaõ fazer mayores hostilidades. Chegaraõ em multidaõ innumeravel, rompendo os ares com os ecos dos alaridos, e instrumentos barbaros, com que costumaõ entrar nas suas batalhas; o Ministro Parochial, e as pessoas, que estavaõ na Igreja, naquelle inopinado caso acudiraõ a fecharlhes as portas”29.

Encontrando-se no recinto acompanhado de sete soldados, o capitão Manoel Barbosa de Mesquita ordenou a abertura das portas e saiu intempestivamente para combater os indí- genas, apesar de se encontrar em desvantagem numérica e com poucas armas para o combate. Os moradores permaneceram inertes e sem disposição para o combate. Tratando somente de proteger suas mulheres, fecharam novamente as portas da igreja. O capitão investiu contra os indígenas, primeiro disparando duas pistolas e depois avançan- do com uma espada e rodela. Fez várias mortes entre os indígenas, mas acabou morto com várias flechadas, o mesmo acontecendo com dois soldados que o acompanhavam, já que os outros, sob o pretexto de pedir socorro ao quartel, relegaram seus companheiros à própria sorte.

Para responder ao ataque, foi formado um grupo com homens da Fortaleza do Morro de São Paulo, ao qual se somaram soldados do Presídio da Bahia. As forças eram chefiadas pelo cabo João Amaro, “tão valoroso e destro na forma da peleja dos gentios”. Para custear as despe- sas, o governador pediu às pessoas ricas que ajudassem no gasto daquela empreitada.

João Amaro, com poucas baixas de seu lado, realizou uma verdadeira carnificina, matando e prendendo um número incontável de indígenas. Os capturados vivos foram levados até Salvador e vendidos como escravos, a preço vil30. Somente em 1723 cessaram as invasões, quando o governador Vasco Fernandes César de Menezes mandou fortificar as cabeceiras das barras de Cairu.

29. Idem, ibidem. p. 241. 30. Idem, ibidem. p. 246. O MUNICÍPIO DE CAIRU E SUA HISTÓRIA 33

N OVOSTEMPOS

No século XVII, Cairu incorporou às suas atividades agrícolas o plantio do arroz. É interessan-

Detalhe de graciosa te notar que, durante as obras de restauro da sacristia do convento, descobriu-se uma grande fachada em estilo art nouveau numa residência quantidade de palha de arroz sob o nicho do altar e atrás das cimalhas, mas a sua utilidade de Cairu. Foto de Sylvia naquele local ainda é desconhecida. Braga, 2009.

Detail of the gracious art A vila continuou prosperando, tanto que, em 1755, por ocasião do grande terremoto que des- nouveau façade of a house in Cairu. truiu boa parte de Lisboa, “Cairu contribuiu, em 1º de nove mbro do mesmo ano, com a quan- Photograph by Sylvia tia anual de 166$666 por um espaço de 30 anos”31. Braga, 2009. Silva Campos cita uma correspondência enviada em 8 de agosto de 1783 ao governador, pelo ouvidor Nunes da Costa, informando que havia introduzido as culturas de café e cacau nas ilhas. A extração da madeira torna-se uma das principais fontes econômicas do município, no século XVIII, favorecida pela desembocadura de quatro rios: Una, Galé, Camuruji e Jequié, além do Mapendipe, Mutupiranga e alguns outros, que formam o canal ou golfo, “pelos quais todos se podem tirar, e tiram muitas madeiras das dilatadas matas que correm pelo continen- te compostas de diferentes qualidades de paus ótimos para construção de embarcações, assim como para a marcenaria, obras delicadas, e toda a construção de edifícios...”32.

A extração da madeira foi, até as primeiras décadas do século XIX, uma das principais fontes de riqueza da região. A devastação que provocou, porém, foi muito grande, a ponto de, em 1779, Silva Lisboa, juiz conservador das matas, clamar insistentemente contra a devastação da mata Atlântica. Esse protesto parece ter surtido pouco efeito prático, já que, em 1887, a eco- nomia local continuava baseada na atividade extrativa da madeira e da piaçava, além das lavouras de mandioca, café, cacau, arroz, cana, milho e frutas e, ainda, na pesca e na peque- na criação de gado33.

31. Livro de Crônicas. História profana de Cairu. cap. 1, p. 3. Manuscrito existente no Convento de Cairu. 32. Vilhena, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapoã, 1969. v. 2, p. 495. Coleção baiana. 33. Bahia, Secretaria de Indústria Comércio e Turismo. IPAC-BA – Inventário de Proteção ao Acervo Cultural, Monumentos e Sítios do Litoral Sul. 1 ed. Salvador, 1988. v. 5, p. 33. E STAGNAÇÃOEDECADÊNCIA

Alguns textos antigos apontam como causa da estagnação econômica da vila, no século XIX, a “cólera eleitoral” de 1852, quando lutas internas entre políticos dividiram o povo de Cairu em dois partidos: “conservador intitulado boi e o liberal alcunhado de vacca, que se hostiliza- ram durante anos, guerra esta que motivou a saída de muitos bons elementos e causou a decadência e o regresso da Villa”34. Porém, Vilhena já apontava a decadência da vila no sécu- lo XVIII, quando escreveu: “A vila de Cairu primeira da comarca pelo Norte... em outro tempo foi habitada de nobres famílias, em que havia alguns foros de fidalguia e ainda hoje se acham envolvidos na capa da pobreza dos seus indigentes habitantes, os apelidos de Menezes, Bezerras, Barretos, Castros, Lacerdas etc.”35.

Parece-nos mais correto correlacionar a decadência de Cairu, conforme as Cartas de Vilhena, ao desenvolvimento de Camamu, que começa a assumir a liderança da região, no século XVIII36. O Livro de Crônicas, já citado, aponta o falecimento do frei José do Rosário, filho de Cairu, guar- dião do convento, como parte integrante da “morte lenta da comunidade religiosa”.

34. Livro das Crônicas. História profana de Cairu. cap. 1, p. 4. Manuscrito existente no Convento de Cairu. 35. Vilhena, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapoã, 1969. v. 2, p. 495. 36. Bahia, Secretaria de Indústria Comércio e Turismo. IPAC-BA – Inventário de Proteção ao Acervo Cultural, Monumentos e Sítios do Litoral Sul. 1 ed. Salvador, 1988. v. 5, p. 33. O MUNICÍPIO DE CAIRU E SUA HISTÓRIA 35

Em 1872, a cidade contava três templos: a matriz, o convento de Santo Antônio e a capela de Casario junto ao golfo, Nossa Senhora da Lapa, que estava em ruína, sem teto e cobertura, embora tivesse sido nas proximidades do porto de Cairu. Foto de reconstruída pela missão dos frades Gabriel e Justino, em 1864, e “acabada pelos esforços e Nelson Kon, 2009. cuidados de um devoto de muito merecimento, zeloso e dedicado”37. A capela da Lapa “está situada à beira-mar, e tem um aspecto muito pitoresco e parecia, pelas suas alvas paredes vis- Row of houses near the 38 Gulf, in the vicinity of tas de longe, uma gaivota banhando-se à beira d’água” . Cairu’s harbor. Photograph by Nelson Kon, 2009. O prefeito municipal Raul Miranda, em 4 de fevereiro de 1942, encaminhou documento ao frei Guilherme Halm tratando da “ventilada e imediata demolição da igreja de Nossa Senhora da Lapa, até agora protelada”39, solicitando “a mais urgente resolução sobre o assunto, não já pelo aspecto antiestético do Templo, afeiando e congestionando a nossa principal artéria, mas pelo perigo que representa de ruir momentaneamente, abaladas que estão as suas -pare des laterais e carunchado todo o madeirame, podendo causar prejuízos que a administração tem o dever de prevenir”40. Por esse documento, deduzimos que a capelinha foi demolida nessa época. A imagem de sua padroeira ainda hoje faz parte do acervo do convento de Santo Antônio e foi restaurada em 2001, sendo, pelas suas características estilísticas, uma peça do século XVII.

Além da igrejinha de Nossa Senhora da Lapa, cuja destruição não deixa de ser um crime come- tido co ntra o patrimônio da cidade, algumas administrações municipais, no decorrer dos últi- mos cinquenta anos, também contribuíram para a demolição de diversos casarões coloniais, demonstrando pouca sensibilidade para com o patrimônio arquitetônico de Cairu. Vários moradores, seguindo o exemplo das administrações municipais, também trataram de destruir ou “modernizar” os seus imóveis, eliminando, assim, uma parcela importante da história da evolução urbana da cidade.

As novas construções, como a da atual sede da prefeitura, e uma outra, recentemente ergui- da para a mesma finalidade nas proximidades do cais do porto, são desprovidas de qualquer mérito arquitetônico, além de destoarem totalmente da paisagem, quebrando a harmonia, a volumetria e o ritmo dos telhados dos casarões coloniais. Aliás, é uma pena que, até hoje, não tenha sido aproveitado, como sede da prefeitura municipal, o belo casarão da rua Barão Homem de Melo, construíd o em 1770 e reformado em 1950, conforme datas gravadas na verga da porta principal.

37. Livro das Crônicas. História eclesiástica de Cairu. cap. 2, p. 5. Manuscrito existente no Convento de Cairu. 38. Luz, Manoel dos Santos. Cayrú no anno de 1872. p. 4. Cópia datilografada, existente no Convento, de original perdido. 39. Ofício n. 19 da Prefeitura Municipal de Cairu, ao guardião do Convento, mantido no arquivo do Convento de Santo Antônio de Cairu, pasta n. 14. 40. Idem, ibidem. 36 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

A STRADIÇÕESFOLCLÓRICASERELIGIOSAS

As tradições folclóricas de Cairu têm raízes históricas bem profundas, uma vez que relatos anti- gos já fazem referências às festas religiosas, onde as cavalhadas, alardos, cheganças, congos e taieiras entretinham os habitantes e visitantes por três dias, particularmente nas festas da padroeira Nossa Senhora do Rosário.

O Reisado de São Benedito, santo mais venerado pela população de Cairu, tem sua origem em Carta Régia datada de 1777. Segundo a tradição, “um crioulo vestido de calção curto, capa bordada, sapatos de entrada baixa, de coroa e cetro, com uma crioula também enfeitada com esmero de braceletes, colar e cordões de ouro, corre as ruas a 26 de dezembro e a 6 de janei- ro, acompanhado por congos, cheganças e taieiras e a Irmandade o vai buscar à casa e o leva ao Convento, onde o guardião o recebe à porta principal, de capa de asperges e o guia ao trono para ele colocado ao lado do Evangelho; e na procissão tem superioridade ao primeiro lugar, logo depois do pálio, e é costume darem um lauto jantar”41.

Os festejos em louvor a São Benedito têm início em 8 de dezembro com o levantamento do mastro, com mais de 15 metros de altura, que é erguido em frente ao convento, tendo no topo a bandeira com a efígie do santo nas duas faces. Antes de ser colocada no mastro a ban- deira percorre toda a cidade entrando de casa em casa, levando a bênção do santo e reco- lhendo donativos para a festa. Há centro e trinta e sete anos, segundo Isaias Ribeiro, a ban- deira sai do sobrado dos descendentes do médico Salústio Palma. O evento conta com grande participação popular, ao som de cânticos, mascarados e danças. A bandeira permanece no mastro até 6 de janeiro, dia da Festa dos Reis Magos.

Valeria a pena publicar na íntegra o Compromisso da Irmandade do glorioso S. Benedito, do Convento de Santo Antônio da Vila de Cairu, do ano de 1777, cuja cópia datilografada do ori- ginal, já desaparecido, encontra-se nos arquivos do convento. É um documento extremamen-

41. Luz, Manoel dos Santos. Cayrú no anno de 1872. Cópia datilografada, existente no convento, de original perdido. p. 4-5. O MUNICÍPIO DE CAIRU E SUA HISTÓRIA 37

te importante, uma vez que reflete a cultura vigente na época. O capítulo 1º prescreve: “o Manifestações religiosas nome e título desta Irmandade é do glorioso S. Benedito, debaixo de cuja proteção pretende de Cairu. À esquerda, imagens do Reisado e da crescer em aumento e zelo do mesmo Santo, pelo que neste Convento de Santo Antônio da Festa de São Benedito. Villa de Cayrú, se celebrará a sua festa com a solenidade que neste compromisso se declara- À direita, a Procissão do Senhor Morto. Fotos rá, para o que ordenamos que quando se fizer entrega aos officiais, que hão de servir em Studio Argolo, 2008. Meza, se lhes lea este Compromisso, para que cada hum saiba as obrigações que lhe compe- te ao seu officio”. Cairu’s religious manifestations. To the É interessante notar que os cargos de escrivão e tesoureiro eram reservados a homens bran- left, images from Reisado and Saint cos, conforme está determinado no capítulo 2º: “Haverá nesta Irmandade doze irmãos de Benedict’s Festival. To the right, the Dead Meza e hum Relligioso que servirá de Capellão (não entrando neste número dois homens Christ Procession. brancos, que hum servirá de Escrivão e outro de Tesoureiro)”. Photographs by Studio Argolo, 2008. Com relação à escolha do “Rei” e da “Rainha”, personagens centrais do Reisado, o capítulo 3º determinava que “aquele irmão que com mais votos sair eleito em Rey, sendo do corpo da Irmandade será obrigado a aceitar o cargo, e dará de esmolla, quatro mil réis e o mesmo que- remos se entenda com a Irmã que for nomeada Rainha, e no cazo, que algum delles recuse o cargo, que por votos da Meza lhe tocou, pagará sempre dois mil réis, o que não se entende- rá, sendo de fora da Irmandade, para o que se nomeará outro Irmão, que com sufficiencia sirva naquella ocupação, fazendo-se para isso no dia seguinte à festa nova eleição, a qual perten- ce ao Rey, que acabar naquelle anno”. No capítulo 4º é expressamente vedado aos brancos e pardos o cargo de “Rei” e de “Rainha”.

O cuidado com os bens da Irmandade vem expresso no capítulo 7º, quando trata das respon- sabilidades do Tesoureiro, uma vez que “[...] em seu poder se guardarão os livros da Irmandade e as chaves dos Caixoens, em que guardarem as alfayas, pois a elle pertence em razão de seu officio, mas não queremos que empreste cousa alguma para fora, nem dispenda algum dinhei- ro sem consentimento da Meza, e no caso, que por si só faça ainda que seja a benefício da Irmandade, queremos fique responsável ao prejuiso, que houver, e a satisfação de que gastar”. 38 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

No início do capítulo 12º há referência às condições de admissão de irmãos na irmandade: “todas as pessoas, que nella quizerem entrar: assim pretos como brancos e pardos, dando À esquerda, dança folclórica dos congos em cada um duas patacas de esmolla no dia da sua entrada, fasendo-se assentar no Livro da homenagem a São Benedito. À direita, Irmandade, cuja obrigação encarregamos muyto ao Irmão Escrivão, mas no caso que nesta marujada com a barquinha. Fotos Studio Irmandade entrem por Irmãos algumas pessoas, que não forem pretas, nunca serão eleitas em Argolo, 2007. cargo da Meza, pelas grandes desorden s que se tem experimentado; e aquella Meza que con- sentir, entrar Irmão algum sem pagar o estipendio taxado neste Compromisso, ficará respon- To the left, congo folkloric dance in honor sável a satisfação da esmolla fazendo-se rota por todos, sem excepção de pessoa, queremos of Saint Benedict. To the right, marujada with the também que o Irmão que servir de Rey naquelle anno, e a Irmã que com ele servir no mesmo boat. Photographs by de Rainha, possam admittir dois Irmãos sem para isso darem a esmolla da entrada, contanto Studio Argolo, 2007. que o Rey não possa dar lugar, senão para um Irmão e a Rainha para outro Ir mão, sendo pre- tos e não brancos, ou pardos, que estes darão a esmolla consignada, e no caso, que algum branco, preto ou pardo alcançados em idade, queira assentar-se por Irmão, dará cinco pata- cas de esmolla no dia de sua entrada”.

As tradições populares, modernamente classificadas como “bens intangíveis”, até hoje enri- quecem o patrimônio cultural do município de Cairu, sendo as manifestações mais importan- tes a zambiapunga, a barquinha e a congada, que extasiam os visitantes nas festas cívicas e religiosas, a exemplo da ex-primeira dama da França, Danielle Mitterrand, que em junho de 2008 visitou o município.

As taieiras são um grupo de mulatas vestidas de baianas, enfeitadas com colares e argolas, e de mulatos vestidos com calça branca, tórax nu, ornados com colares, que saem às ruas can- tando a canção Ô Lê Lê Ô, sucedida por um breve samba de roda realizado às portas das casas, O MUNICÍPIO DE CAIRU E SUA HISTÓRIA 39

acompanhado por um único tambor-solo. Os cânticos, embora façam referência a São A Zambiapunga, Benedito e a Nossa Senhora do Rosário, são de natureza mais livre e bem humorada, descom- importante manifestação popular de Cairu. Fotos prometidos de um ritual rígido, como é o caso da chegança e dos congos. Studio Argolo, 2008. Os congos são um grupo formado por homens negros que saem às ruas no Natal e no mês The Zambiapunga, a major popular de janeiro, durante a festa de São Benedito. A indumentária inclui camisa rendada e saiote de manifestation in Cairu. Photographs by Studio chita vermelha ou azul, enfeitado de estrelas e sustentado por armação de arame. Na cabeça, Argolo, 2008. os congos trazem uma coroa adornada com duas penas vermelhas. Todos os componentes tocam o ganzá, instrumento de bambu friccionado por uma vareta, com exceção do chefe, o qual toca, com a baqueta, o que chamam de tamborim, um grande adufe quadrado de face única, seguro por um cabo de madeira.

A zambiapunga é formada por um grupo misto que faz uso de máscaras muito originais, con- feccionadas em papel machê, e vestes improvisadas. Como instrumentos sonoro s, utilizam-se enxadas, produzindo-se ritmos e sonidos muito particulares.

Além dessas tradições, podemos citar o bumba-meu-boi, que sai às ruas após as festas em lou- vor a São Benedito, os ternos de reis e a dondoca. Durante o carnaval, realiza-se a já tradicio- nal lavagem da reversa, nas proximidades da Câmara Municipal. No dia 2 de julho, em come- moração à independência da Bahia, tem início o samba dos índios, que dura três dias. É uma variante do candomblé de caboclo, com ligações com as tradições africanas.

A vila de Cairu teve participação ativa nas lutas pela independência da Bahia, ao lado de Camamu e Valença, apoiando cachoeiranos e maragogipanos para a expulsão dos portugue- ses, o que de fato ocorreu em 2 de julho de 1823. 40 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

P OTENCIALTURÍSTICO

A unidade político-administrativa da capitania de Ilhéus foi rompida, em 1833, com a criação das comarcas de Valença, da qual fazia parte Cairu, e de Ilhéus42. A vila de Cairu só foi eleva- da à categoria de cidade em 30 de março de 1938, pelo decreto-lei estadual no 10.724.

Cairu é hoje uma cidadezinha simpática e tranquila, dormindo sobre as recordações de um passado longínquo, quando as riquezas do solo – extração de madeira e piaçava, além do cul- tivo da cana, arroz e mandioca – promoviam a prosperidade e o desenvolvimento.

O município todo, segundo dados de levantamento realizado em 2007, conta com uma popu- lação de 13.659 habitantes, sendo que 2.263 pessoas habitam a sede. Cairu é a sede do único município arquipélago do país, formado, conforme já dissemos, por numerosas ilhas, das quais se destacam Tinharé, onde se situam a bela vila do Morro de São Paulo e a Gamboa do Morro, polos turísticos já bastante consolidados, e a ilha de Boipeba, com suas praias paradisíacas e quase virgens.

O município vê no turismo um potencial capaz de produzir profundo impacto na economia, sua grande chance de redenção, o que, aliás, já vem ocorrendo, com a afirmação do Morro de São Paulo e de Boipeba como atrações nacional e internacionalmente conhecidas. No setor turístico, o patrimônio histórico exerce, ao lado das belezas naturais e tradições folclóricas, um forte apelo. A restauração completa do monumental convento franciscano de Santo Antônio criará, sem dúvida, as condições para que a cidade de Cairu possa integrar-se ao desenvolvi- mento turístico do resto do município, uma vez que se trata da mais importante construção arquitetônica da vasta região conhecida como Baixo-Sul da Bahia.

O convento franciscano, ainda não totalmente restaurado, já é uma grande atração turística, recebendo, na alta estação, uma média de 100 visitantes diários, que chegam ao porto de Cairu em barcos, lanchas e pequenos iates, procedentes, na sua maior parte, de Morro de São Paulo e Boipeba. Entre os visitantes, incluem-se turistas de várias regiões brasileiras e de diver- sos países, principalmente americanos, portugueses, italianos, franceses e espanhóis, além de sul-americanos.

Com a descoberta e a exploração de gás e de petróleo na costa oceânica do município, forta- lecem-se, a partir de agora, as finanças da prefeitura de Cairu através do recebiemento d royal- ties, abrindo-se novas perspectivas vocacionais do arquipélago. Conforme relato do Sindicato Patronal Rural de Cairu, encaminhado pelo seu vice-presidente Manoel Altivo, uma das lide- ranças locais, “Cairu conta com um Plano Estratégico patrocinado pelo BID – Banco

42. Bahia, Secretaria de Indústria Comércio e Turismo. IPAC-BA – Inventário de Proteção ao Acervo Cultural, Monumentos e Sítios do Litoral Sul. 1 ed. Salvador, 1988. v. 5, p. 33. O MUNICÍPIO DE CAIRU E SUA HISTÓRIA 41

Interamericano de Desenvolvimento sob demanda da Universidade Livre da Mata Atlântica e Vista do porto de Cairu, do WWI–Worldwatch Institute. Tal instrumento foi denominado CAIRU 2030 e entregue ao com a ilha de Tinharé ao fundo. Foto de Nelson governo municipal e à comunidade em solenidade realizada na própria Igreja de Santo Kon, 2009. Antônio, em 2006. Os pontos fortes do território foram identificados, sob a perspectiva do pla- nejamento de longo prazo, como sendo: (a) o patrimônio natural e cultural existente; (b) recur- View of Cairu Harbor, showing Tinharé Island sos naturais de grande valor, diversificados e com boa distribuição espacial; (c) riqueza flores- on the background. tal com boa capacidade de aproveitamento; (d) fraquíssima circulação do automóvel; e, por Photograph by Nelson Kon, 2009. fim, (e) sensibilização da população residente para os aspectos da conservação e da gestão ambiental. Ficaram claras, portanto, as vocações turísticas e o potencial imobiliário como ala- vancas do desenvolvimento sustentável”43.

43. Sindicato Patronal de Cairu. Apud “Resumo dos Projetos Qualificados no Global Fórum”.

II.OCONVENTODESANTOANTÔNIO 44 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU II.OCONVENTODESANTOANTÔNIO

O convento de Santo Antônio de Cairu não é apenas mais um edifício antigo, testemunho vivo Na abertura, o Conjunto de nosso passado e de nossa história. Trata-se, na verdade, de um dos mais importantes exem- Franciscano de Cairu, o Convento e a Igreja de plares da arquitetura religiosa brasileira e, em particular, da arquitetura franciscana, tendo ser- Santo Antônio. Foto de Nelson Kon, 2009. vido como protótipo, no seu partido, a outros conventos baianos, como os de Santo Antônio do Paraguaçu e de São Francisco do Conde. Sua arquitetura e principalmente sua fachada On the opening page, também serviram de inspiração na construção de outros conventos franciscanos do nordeste, the Franciscan Architectonic Ensemble a exemplo dos conventos de Santo Antônio de João Pessoa e de Recife. A beleza de sua con- of Cairu, the Monastery and the Church of Santo cepção arquitetônica tem deslumbrado estudiosos nacionais e estrangeiros, como Germain Antônio. Photograph by Nelson Kon, 2009. Bazin, Mario Barata, Valentin Calderón, Santos Simões, Paulo Ormindo de Azevedo, Mário Mendonça de Oliveira, Robert Smith, Carlos Ott, Alberto Sousa e tantos outros.

Os antigos construtores foram muito felizes na esco lha do sítio. O convento está implantado À esquerda, detalhe do frontão da portada de no ponto dominante da antiga vila, tornando-se a referência visual mais marcante de sua pai- acesso ao jardim do convento. Foto de sagem, assim como a igreja matriz. Quem chega de lancha, percebe ao longe aquela impres- Nelson Kon, 2009. sionante massa arquitetônica, com sua monumental fachada escalonada e barroca, que vai se tornando cada vez mais nítida à medida que o barco se aproxima do porto. Quem viaja de To the left, detail of doorway frontal leading carro, faltando uns poucos quilômetros para chegar à cidade, tem a visão da parte posterior to the Monastery’s garden. Photograph by do convento, destacando-se o seu telhado, a torre piramidal revestida de azulejos e as pare- Nelson Kon, 2009. des escurecidas pelo tempo. Entretanto, para quem chega de barco e segue a pé, após desem- barcar no cais do porto, a visão mais bela ocorre quando, finalizando o trajeto da rua Barão Homem de Melo e dobrando à direita, avista-se o impactante e majestoso convento situado no alto da ladeira.

A existência da galilé, comum na arquitetura franciscana, mas também adotada pelos carme- litas e beneditinos, suaviza, de certa forma, o peso de seu frontispício. A fachada é muito semelhante à do convento do Paraguaçu1, principalmente pela forma triangular sobre galilé de cinco arcos e a torre recuada. Sua torre e a da matriz de Maragogipe, terminadas em pirâmi- de, são as primeiras desse tipo na Bahia, segundo Bazin.

No adro do convento, hoje calçado por paralelepípedos, e ao lado de um bem cuidado jardim, ergue-se um imponente cruzeiro, com a base em pedra e a cruz em madeira. É um elemento característico da arquitetura franciscana e, como tal, o vemos diante da igreja de São Francisco em Salvador, do convento do Paraguaçu, do convento de Santo Antônio de João Pessoa e outros.

1. Infelizmente hoje quase em ruína, mas o Iphan tem empreendido grandes esforços para resgatar o monumen- to, estando à frente o arquiteto Francisco Santana. Nos últimos anos, vários de seus elementos e imaginária foram restaurados. 46 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

U MAABORDAGEMHISTÓRICA

Nas proximidades do atual convento de Cairu, em data anterior a 1650, existia uma modesta capelinha de taipa edificada pelo casal Domingos da Fonseca Saraiva e Antônia de Pádua Góes nos terrenos da fazenda de sua propriedade. De vez em quando, padres franciscanos que exer- ciam seu apostolado nas diversas ilhas da baía de Tinharé aportavam em Cairu. Eram acolhi- dos com muita hospitalidade por D. Antônia de Pádua ne ssa capelinha dedicada a Santo Antônio, junto à qual construíram humildes dormitórios2. Está aí, sem dúvida, a origem do convento.

Em janeiro de 1650, em decorrência da morte do frei João Baptista, o frei Sebastião do Espírito Santo ocupou o cargo de custódio da Congregação Franciscana. Entre as primeiras disposições de seu governo, ele decidiu mandar à vila de Cairu o frei Gaspar da Conceição, definidor3, jun- tamente com o frei Francisco de Lisboa, pregador, e o frei João da Conceição, leigo, a “fazer a acceitaçaõ de fundar também alli um convento, como pediaõ os moradores da terra”4.

Chegados à vila, os religiosos foram recebidos festivamente pelos moradores, que os alojaram numa pequena casa junto à ermida de Santo Antônio, no alto dos montes, próximo à igreja matriz5. Atendendo aos insistentes pedidos, em 21 de março do mesmo ano, a Congregação Franciscana decidiu pela fundação do convento6.

Até o início de novembro do mesmo ano, os frad es permaneceram em Cairu, com a incum- bência de principiar um recolhimento, tendo um deles “retornado à Bahya para assistir à con- gregação, que celebrou o dito custódio a 21 do sobredito mêz, e anno e nesta foi nomeado para premeyro superior do Recolhimento que se havia de levantar Fr. Sebastião dos Martyres”7. Sua prelatura durou três anos.

Somente após esses anos seria iniciada a construção do convento, por decisão tomada no Capítulo de 14 de setembro de 1653, presidido pelo provincial frei Cosme de São Damião, quando foi nomeado custódio o padre mestre frei Daniel de São Francisco, incontestável rea- lizador da grande obra8. A escolha do sítio recaiu sobre uma elevação, de onde ainda se des-

2. Fonseca, Fernando da. Convento de Santo Antônio de Cairu. p. 27. Monografia inédita. CEAB-UFBA. Salvador. 3. Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, definidor significa “assessor de um superior maior de ordem religiosa”. 4. Jaboatão, fr. Antônio de Santa Maria. Novo orbe seráfico basílico ou Chronica dos frades menores da Província do Brasil. Parte Segunda v. I, II e III. Reprodução fac-similar das edições de 1859, 1861 e 1862. Recife: Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco, 1980. p. 564. 5. Idem, ibidem. p. 565. 6. Luz, Manoel dos Santos. Cayrú no anno de 1872. p. 1. Cópia datilografada existente nos arquivos do convento. 7. Jaboatão, fr. Antônio de Santa Maria. Op. cit., p. 565. 8. Fonseca, Fernando da. Op. cit. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 47

fruta uma belíssima vista panorâmica, nas proximidades da antiga igrejinha de Santo Antônio, sem dúvida construída de taipa. Mandada edificar pelos fiéis moradores, essa igrejinha serviu aos frades franciscanos antes e durante a construção do novo convento.

A situação geográfica e econômica exercia grande influência na escolha dos lugares onde os novos conventos deveriam ser construídos. Um dos fatores considerados nas reuniões do Cap ítulo era a possibilidade de sustento do futuro convento pelos habitantes do lugar escolhi- do por meio de donativos, uma vez que a Ordem Franciscana não dispunha de recursos para tal, até porque era uma ordem mendicante. Os próprios estatutos da Província Franciscana de Santo Antônio prescreviam: “O provincial tem faculdade com a Mesa juntamente para poder aceitar a fundação de qualquer Convento, que lhe oferecerem, porém será só em os povos, nos quais sem discursos dema siados, e com recolhimento devido, e sem defraude dos outros conventos se possam sustentar os Frades, conforme o nosso modo”9.

O lançamento da pedra fundamental ocorreu em 25 de agosto de 1654, nos terrenos doados por Bento Salvador e sua mulher, D. Izabel Gomes. A escritura foi passada em 25 de dezem- bro do mesmo ano, sendo síndico Antônio Ceiros Carneiro, governador da vila de Nossa Senhora do Rosário de Cairu. Os religiosos gastaram mais de um ano nessas preparações, segundo Jaboatão, o qual também informa que “para os officios Divinos assim antes, como depois de acabado o Recolhimento, se serviraõ da Igrejinha de S. Antônio, que no mesmo lugar haviaõ levantado os Moradores, e feito taõbem data della aos Religiosos, junto a qual se levantou o Recolhimento, e se serviraõ della, em quanto se naõ fez a outra nova”10.

Segundo Bazin e outros estudiosos, a construção do convento foi iniciada pelo primeiro supe- rior, frei Gaspar da Conceição. Quan to à edificação da igreja, frei Jaboatão encontrou no car- tório da província apenas uma menção, que ele assim relata: “A esta igreja, diz o Cartorio da Provincia e hum assento da mesma caza, deo principio o Gardiaõ Fr. Miguel da Conceiçaõ, fazendo-a de pedra e cal, expressaõ que mostra ser a primeyra de taipa e que a primeyra de pedra a lançou Fr. Daniel de S. Francisco, Mestre da Sagrada Theologia e Custodio provincial, que entaõ era em vinte e cinco de Agosto de 1654, diz o assento, o que naõ explica o Cartorio”11.

A concepção da fachada da igreja foi verdadeiramente revolucionária, pois diferia de tudo o que havia sido feito até então no Brasil. Seu frontispício “de grande originalidade, era uma invenção brasileira, sem similares em Portugal e nos países europeus de arquitetura renoma- da, o que faz dela a primeira frontaria de concepção culta erigida no Brasil que não derivou de um modelo português – e também nossa primeira criação arquitetônica erudita que mere-

9. Estatutos da Província de Santo Antônio do Brasil. Lisboa, 1709. cap. LXXIX, n. 1. 10. Jaboatão, fr. Antônio de Santa Maria. Op. cit., p. 565. 11. Idem, ibidem. ce ser qualificada de brasileira”12. O autor continua: “Barroca, por seu caráter cenográfico, pela agitação dos seus contornos, por sua dramaticidade e pelo papel nela desempenhado Telhados da igreja e da área conventual. pela decoração, ela marcou o surgimento da arquitetura barroca no Brasil – isso bem antes Foto Studio Argolo, que o florescimento desta ocorresse no século seguinte”13. 2008.

Segundo Alberto Sousa, como se não bastasse tal pioneirismo, o projeto permitiu – contrarian- Rooftops at the church and the Monastery do a tendência natural da cronologia dos eventos arquitetônicos – que a colônia brasileira area. Photograph by Studio Argolo, 2008. tivesse, antes da metrópole portuguesa, uma destacada fachada barroca de igreja.

Na ampla pesquisa desenvolvida por Alberto Sousa e fartamente documentada, ele demons- tra que o frontão do convento Franciscano de Cairu foi inspirado nas fachadas renascentistas alemãs. Em sua opinião, frei Daniel de São Francisco deve ter tido acesso a gravuras da época que então circulavam, tomando assim conhecimento desse tipo de frontão em andares, comum na arquitetura alemã e dinamarquesa. É possível, na opinião do estudioso, que frei Daniel tenha visto essas reproduções na Europa, no período em que lá esteve (Lisboa e Roma, entre 1646–1647), em Recife, durante a ocupação holandesa, já que ali viveram vários ale- mães, ou mesmo em Salvador, em livros ilustrados. Não devemos esquecer que as pinturas coloniais brasileiras também eram inspiradas em modelos europeus que circulavam por meio de estampas e gr avuras. Apesar dessa influência, a concepção do frontispício de Cairu é ino- vadora em vários aspectos.

12. Sousa, Alberto. A invenção do barroco brasileiro. Paraíba: Universitária UFPB, 2005. p. 11. 13. Idem, ibidem. p. 11. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 49

P OUCASFONTES , FATOSIMPRECISOS ...

A construção do convento arrastou-se por vários anos, como era comum em todos os empreendimentos desse tipo, que dependiam de recolhimento de esmolas dos fiéis, uma vez que dotações oficiais, geralmente conseguidas pelo beneplácito real, eram poucas e nunca suficientes para uma obra de grande porte. Infelizmente, são escassos os documentos e as fontes bibliográficas que possam elucidar a história da construção e da vida cotidiana do con- vento. As próprias ordens religiosas, com raras exceções, não possuíam o hábito de guardar documentos, fontes tão importantes para a compreensão, com maior profundidade, do real significado de muitos momentos de nossa história.

A ausência de documentos, principalmente do livro de receitas e despesas, dificulta o estabe- lecimento de datas, autorias etc. Felizmente, muitos construtores da época possuíam o hábi- to de mandar gravar sobre as vergas das portas a provável data do término de cada etapa da construção. É possível que a caixa arquitetônica já estivesse concluída em 1661, conforme data gravada na verga da porta que comunica a sacristia com um corredor existente do lado direi- to da capela-mor, usado também como cemitério particular da ordem14.

Tanto no presente como no passado, a ausência de fontes documentais impediu que estudio- sos pudessem levantar com precisão os dados sobre os primeiro s anos da vida do convento, conforme registra Fernando da Fonseca: “Jaboatão quase lamenta a falta de elementos no cartório, não sabendo quando começaram, acabaram e se passaram os religiosos para a nova estrutura”. Diz, porém, que “a sacristia, atrás da capela ficou obra pronta nos anos anteriores a 1750”. Diz ainda que a igreja “tem três altares como as mais e parte do coro fica sobre três arcos de pedra lavrada, que formam a perspectiva da fronteira”15.

Tomando como base as datas gravadas, podemos supor que boa parte do monumento já esti- vesse concluída em 1739, conforme data existente na verga da porta do lado direito do nár- tex, que dá acesso a um pequeno espaço usado como portaria, onde atualmente se encontra um pequeno nicho em que é venerado São Benedito.

As obras continuavam lentas, prosseguindo à medida que as esmolas recolhidas dos fiéis moradores o permitiam. Podemos também imaginar o enorme sacrifício que era fazer chegar à vila de Cairu os materiais de construção não existentes na ilha, principalmente pedra, cal e madeira, cujo transporte só era possível de barco. Felizmente os calcários eram retirados das pedreiras de Boipeba, não muito distante dali.

Na verga da porta principal de acesso à igreja do convento está gravada a data de 1742, acre- ditando Santos Simões tratar-se do término dos trabalhos mais importantes, principalmente a decoração interior e exterior do convento. Os trabalhos ainda não deveriam estar totalmente concluídos, pois a verga da porta esquerda do nártex ostenta a data de 1750, último registro cronológico gravado em qualquer dependência do monumento, alusivo à sua construção.

14. Recentemente foram encontradas seis carneiras numa das paredes desse recinto, por muitos anos escondidas, graças à atuação do frei Lucas Dolle. 15. Fonseca, Fernando da. Op. cit. 50 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

R EGISTROSDASDIFICULDADES Vista posterior da inacabada Ordem Terceira A decadência econômica do município de Cairu, sem dúvida alguma, refletiu na vida cotidia- de São Francisco. Foto de Nelson Kon, na do convento franciscano, sendo inclusive cogitada a sua desativação, tal era o nível de 2009. pobreza dos frades. Não deveria ser fácil para a Província Franciscana manter quatro grandes

conventos quase exclusivamente com esmolas, em especial aqueles que ficavam longe dos View from the rear of the unfinished Third Order of grandes centros, como é o caso de Cairu. Saint Francis. Photograph by Nelson No que diz respeito à inter-relação do convento de Cairu com as outras casas franciscanas já Kon, 2009. instaladas no estado da Bahia, os capítulos provinciais determinavam os espaços específicos de coleta de esmolas de cada um dos referidos conventos e, às vezes, modificavam decisões ante- riores, conforme a informação a seguir: “Que no distrito de Aporá, que até agora foi de Paraguaçu, seja daqui em diante de Cairu, para tirar nele esmola de gado”16. Quatorze anos depois, nova modificação: “Que no Capítulo passado se deu ao Convento de Cairu o distrito de Aporá quanto à esmola do gado, e agora novamente se lhe concede a esmola do fumo do mesmo distrito de Aporá”17.

Jaboatão aborda as dificuldades pelas quais passava a comunidade franciscana no final do século XVII: “Attendendo alguãs das principaes Pessoas com a Camara desta Villa de Cayrú, e o seu Ouvidor, que entaõ era Manoel Botelho Carneyro, a indigencia e pobreza do Convento, assim para a sustentaçaõ dos Religiozos, como do ornato e culto divino, fizeraõ a Sua Magestade o Senhor Rey D. Pedro II, pelos annos de 1695, sendo Provincial o P. Fr. Jacome da Purificação a seguinte supplica – Os officiaes da Camara, Ouvidor da Justiça, e Vigário da Igreja Matriz desta Villa de Cayrú, Capitania da Bahya de todos os Santos nos Estados do Brasil, reprezentaõ a V. A. como leaes Vassallos as inconveniencias, que em todo o seo districto, e taõbem nas Villas do Camamu, Boypeba, e Ilhéos, padeceraõ por falta de Ministros, e operá- rios necessários nestas remotas Regiões se se extinguisse o Convento Franciscano de S. Antônio do Cayrú de Religiozos Capuchos, que há muitos annos na dita Villa de Cayrú se edi- ficou, pela summa pobreza, e mizeria de toda a terra, e não haver nella outra lavoura, mais que a de farinha de pão, e essa mesma atenuada por causa da invazaõ, que os Indios os annos passados fizeraõ em todo o seo districto, com que ficaraõ os Moradores impossibilitados de poder soccorrer aos dittos Religiosos Capuchos, nem poderem dar ajuda para levantarem o Convento que todo cahio por terra, não ficando mais, que a Igreja em pé, e nella se recolhem os dittos Religiozos, que ao prezente tem o Convento, assistindo nelle vinte Religiozos nos tempos passados, administrando os Sacramentos e pregando a palavra de Deos; e não haven- do nestas quatro Villas nenhum Convento de alguãs das Sagradas Religiões; e estes Religiozos Capuchos faltando d estas partes, se atenuaraõ de todo as dittas Villas; por quanto a experien-

16. Atas Capitulares da Província de Santo Antônio do Brasil: 1649-1873. Capítulo de 1685, p. 111. Apud Fragoso, Hugo. São Francisco do Paraguaçu – Uma história sepultada sob ruínas. Secretaria de Cultura e Turismo. Salvador, 2004, p. 28. 17. Idem, ibidem. Capítulo de 1699. p. 112. Fragoso, Hugo. Op. cit., p. 28. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 51 52 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

cia tem mostrado que nas partes onde estes Religiozos estaõ, se augmentaõ os Povos, no ser- viço de Deos, e devoçaõ, recebem grande fruto, e V.A. servindo na obediencia de seus Vassallos, sem mais interesse, que o referido, pelo que Pedem a V.A. prostrados a seos pés, queira soccorrer com sua grandeza o ditto Convento com a esmolla ordinaria, que se dá na Cidade da Bahia aos Conventos das mais religiões, de huã pipa de vinho, dous barris de azei- te, tres arrobas de cêra, e huã quartola de farinha do Reyno para o Santo Sacrificio da Missa, e alumiarem o Santissimo Sacramento do Altar em cada hum anno, que para o mais sustento do Convento os Religiozos se accommodaõ como pobres com a mizeria da terra, visto nella não haver gado, mais que algum peixe e a farinha de páo em todo o discurso do anno; no que receberaõ esmolla, e Mercê”18. A farinha de trigo era para a fabricação das hóstias, o vinho, para a celebração da missa, o azeit e, para as lamparinas e a cera, para a fabricação das velas.

Prosseguindo em seu texto, Jaboatão informa: “Naõ se acha nos livros deste Convento o des- pacho desta supplica, mas he certo, foi bem aceita de S. Mag. pois por outra Provizaõ sua de 22 de Fevereiro de 1701, diz assim: - Visto ser acabado o tempo de sinco annos, porque fui servido mandar dar ao Convento da Villa de Cayrú trinta mil réis de ordinaria cada anno, para azeite, vinho, e cêra para o culto Divino; hei por bem se cont inue aos dittos Religiozos por outros sinco annos, a dar-se-lhes os mesmos trinta mil réis, que já tiveraõ a cada anno, etc.”19.

As dificuldades persistiam, já que, em 1704, sendo vigário provincial frei Cosme do Espírito Santo, foi feito novo pedido a Lisboa, em 4 de maio, para tornar permanentes os patrocínios. Nessa época, reinava a rainha da Grã-Bretanha, infanta de Portugal, a qual escreveu uma carta ao provedor-mor da Bahia, Francisco Liberato, em 7 de outubro de 1704, solicitando informa- ções. Desconhece-se a data em que o pedido chegou a Portugal. Tendo assumido o poder em 9 de dezembro de 1706, o rei D. João V, já em 21 de março de 1707, autorizou o envio de recursos para o convento, em caráter permanente20.

No início da quarta década do século XVIII, a comunidade franciscana da Bahia continuava a enfrentar dificuldades para finalizar as obras dos conventos em construção naquele estado, inclusive o de Cairu. Em 30 de janeiro de 1731, o gov ernador da Bahia intermediou um pedi- do do procurador-geral da Província de Santo Antônio do Brasil ao rei de Portugal, no qual soli- citava a licença para que frades franciscanos se deslocassem da Bahia a fim de pedir esmolas em Minas Gerais, região enriquecida pela produção aurífera. Eis parte do requerimento: “que, por parte de Frei Baltasar do Rosário, procurador geral da Provincia, se me representou que alguns dos conventos da dita Província se acham muito devassos p or estarem com obras aber- tas, sem as poderem acabar pela suma pobreza em que vivem, por serem as esmolas muito

18. Jaboatão, fr. Antônio de Santa Maria. Op. cit., p. 580. 19. Idem, ibidem. p. 581. 20. Idem, ibidem. p. 581. Informando que essa provisão está no livro 5º dos Registros da Secretaria da Fazenda do Estado do Brasil, fl. 10, em 11 de junho de 1707. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 53

diminutas, que apenas podem servir para o sustento, pedindo-me que, atendendo à suma pobreza daqueles conventos... lhe concedesse licença para mandar alguns religiosos às Minas a tirarem esmolas para se acabarem as ditas obras”21.

O requerimento foi respondido em 25 de setembro de 1731, pelo conde de Sabugosa, nos seguintes termos: “É digno de sua real piedade, por ser certo o que nele expôs e assim me parece lhe deve V. Majestade deferir, concedendo-lhe a licença que pede por três anos ape- nas, somente para os conventos deste Estado que se acharem devassos e com obras abertas, mandarem às Minas alguns religiosos a tirarem algumas esmolas para se acabarem com obri- gação, porém, de que cada um deles se não dilate mais de um ano e que findo este se reco- lham aos seus conventos, para que não tenham ocasião de se ocuparem em exercício menos próprio ao seu estado e prejudicial ao serviço de V. Majestade e sossego de seus vassalos, como ordinariamente se experimenta no sertão e Minas, donde assistem clérigos e frades sem emprego, e nesta forma e pelos referidos motivos lhe concederei esta licença por tempo de um ano, como V. Majestade me ordena”22.

Apesar dessas dificuldades financeiras documentadas pelas atas capitulares, das ordens régias e do testemunho de Jaboatão, as obras de construção e embelezamento do convento de Cairu prosseguiram. Foi justamente ao longo do século XVIII que ass umiram maior importância no que diz respeito à decoração interna, não apenas do espaço da igreja, mas também da sacris- tia, da sala do capítulo, do claustro etc. As datas gravadas na verga da porta que dá acesso à portaria (1739) e na verga da porta principal (1742) testemunham a conclusão das obras nesse período, no qual o peditório se intensificou, inclusive fora do estado.

R ESULTADOSCOMPENSADORES

Do que sobrou da decoração original, especialmente da talha barroca, daspinturas dos forros, da imaginária sacra e, mais ainda, da azulejaria, pode-se afirmar que os franciscanos não pou- param esforços para dotar o convento de Cairu do que havia de melhor na produção artesa- nal e artística da época. São impressionantes a quantidade e a qualidade dos azulejos portu- gueses, produzidos no reinado de D. João V, importados de Lisboa. Eles revestem boa exten- são das paredes da parte nobre do convento, com exceção das celas e áreas destinadas exclu- sivamente à habitação dos frades e seminaristas, onde a simplicidade era uma constante.

Examinando as dificuldades financeiras da província franciscana, cabe perguntar: como era possível, diante de tantas penúrias, construir um monumento desse porte? O mais incrível é que os quatro conventos baianos tenham sido construídos ou reformados mais ou menos na

21. Livro dos Guardiães do Convento de São Francisco da Bahia (1587-1862). Ministério da Educação e Cultura – Iphan. 1978. Pág. 75, citando o Arquivo público da Bahia, códice 1 2/28, Ordens Régias 1730-1731. fls. 231 R e V. 22. Idem, ibidem. fls. 231 V. 54 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

mesma época, conforme provam sua decoração barroca, tanto a ainda existente como aque- las já desaparecidas. A belíssima talha barroca do convento de Paraguaçu, por exemplo, é conhecida apenas através da foto que ilustra o livro Artistas baianos, de Manoel Querino, edi- ção de 1911.

Parte da exuberante decoração dessas construções está vindo à luz com os trabalhos de res- tauração, como o que está sendo realizado no convento de Cairu. Talvez a fé e a determina- ção dos nossos antepassados possam explicar como foi possível romper as dificuldades e criar obras de rara beleza, que ainda hoje deixam os observadores perplexos e comovidos.

As atas capitulares, fonte da maior importância para se desvendar a história da Ordem Franciscana, continuaram durante todo o século XVIII a registrar informações, principalmente sobre as dificuldades financeiras e as fontes de renda dos conventos. As mesmas dificuldades de manutenção experimentavam outros conventos baianos, como o de Paraguaçu, São Francisco do Conde e Salvador, além do hospício da Boa Viagem: “Que se repartisse a esmo- la de louça do Rio com os quatro conventos da Bahia, pelos meses do ano a saber: ... janeiro, fevereiro e março para o Convento de Cairu”23.

Muitas décadas mais tarde a situação deveria ser a mesma, pelo que se pode deduzir da seguinte informação: “Que atendendo à pobreza do Convento de Cairu, se lhe a plica para tirar esmola de fumo, todo o distrito de , Oiteiro-Redondo, Cedro e Embira; e que se não intrometam a tirar feijão, que este pertence ao Convento de Paraguaçu”24. Dependendo das dificuldades, um convento poderia ajudar outro, inclusive de regiões distantes, conforme relata frei Hugo Fragoso, em sua obra já mencionada sobre o convento de Paraguaçu, citan- do as atas da congregação capitular de 1804, página 151: “Que em atenção à falta de esmo- leres e grande carga dos Noviços, que padecem os dos Noviciados de Olinda e Paraguaçu, con- corram os conventos de Penedo até Cairu, para o Convento de Paraguaçu”.

As atas capitulares de 1816 continuam a fornecer dados: “Que os esmoleres dos quatro con- ventos da Bahia que tiram esmolas de louça no distrito de Jaguaripe, se não devam demorar cada um mais de três meses, como já foi determinado, principiando em janeiro o de Cairu, depois Paraguaçu, Vila de S. Francisco do Conde e Bahia, fica ndo este sempre com o direito de pedir em todo o ano no mesmo distrito outra qualquer esmola, que não seja louça”. O uso da palavra louça, nesses documentos antigos, deveria referir-se à cerâmica de barro cozido, tão característica do Recôncavo Baiano, especialmente a de Maragogipinho, situado nas imedia- ções de Jaguaripe, a qual deu origem à famosa Feira dos Caxixis em Nazaré das Farinhas, na quinta-feira santa.

23. Atas Capitulares da Província de Santo Antônio do Brasil: 1649-1893. Capítulo de 1705. p. 114. Apud Fragoso, Hugo. Op. cit., p. 28. 24. Idem, ibidem. Capítulo de 1782. p. 134. Apud Fragoso, Hugo. Op. cit., p. 29. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 55

A OBRAMISSIONÁRIA

A comunidade franciscana que viveu na Bahia, durante todo o século XVIII e XIX, deve ter pas- sado por momentos difíceis para manter não somente o convento, bem como suas obras Elemento que compõe a pintura do forro sociais e missionárias. Aliás, a presença franciscana no Brasil colonial foi, mais do que qualquer da nave. Foto de Sylvia Braga, outra coisa, uma presença evangelizadora. Essa missão já estava implícita quando o rei de 2008. Portugal decidiu enviar os Frades Menores para o Brasil, em 1591.

Element integrating the Inicialmente, o trabalho dos missionários tinha como foco os indígenas, cujas almas busca- nave ceiling painting. Photograph by Sylvia vam conquistar para o céu católico. Mais tarde, ele se estendeu aos milhares de negros escra- Braga, 2008. vizados trazidos da África e seus descendentes, assim como a outros povos que aqui aporta- ram, inclusive árabes e judeus, conhecidos como cristãos novos, quando convertidos. O aten- dimento espiritual aos colonos portugueses, é claro, também estava dentro dessa abrangên- cia missionária.

A vinda dos franciscanos ao Brasil, assim como de outras ordens religiosas como jesuítas, bene- ditinos e carmelitas, não foi, juridicamente, uma iniciativa dos próprios religiosos. Cabia aos reis de Portugal enviar missionários para as terras recém-descobertas para difundir o evange- lho de Cristo, conforme determinavam as resoluções do Concílio de Trento. A competência conferida aos reis era determinada pelos papas: “O conjunto de atribuições, de que eram depositários os Reis portugueses, em virtude de uma concessão papal, se chamava PADROA- DO RÉGIO. Mediante tais atribuições, os Reis se tornavam ‘patronos’ da igreja, e por vezes, até mesmo seus ‘patrões’”25.

A OBRACULTURAL

Os conventos também funcionavam como difusores da arte e da cultura, e alguns chegaram a ter classes de diversas disciplinas. Vários conventos franciscanos mantiveram aulas gratuitas para alunos pobres, especialmente de gramática, durante o século XVIII. Sobre o convento cai- ruense, Jaboatão informa: “Taõbem há nelle classe de Grammatica para os filhos dos Seculares, e se nomeou para estes o primeyro Mestre na congregaçaõ de 4 de Julho de 1718, sem estipendio algum, e só attendendo os prelados ao bem, e necessidade dos Póvos”.26 Esse costume perdurou até 1785, quando o governo substituiu os mestres franciscanos por profes- sores leigos.

Seria extremamente importante conhecer os fundamentos desses ensinament os. Haveria essa possibilidade se os conventos franciscanos tivessem guardado os acervos de suas bibliotecas,

25. Fragoso, Hugo. Op. cit., p. 17. 26. Jaboatão, fr. Antônio de Santa Maria. Op. cit., p. 582.

O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 57

testemunhos incontestáveis de seu passado cultural. Porém, nem mesmo os grandes conven- Detalhe do forro da sacristia, após tos franciscanos como o de Salvador guardaram os seus acervos bibliográficos, e o que resta restauração. hoje é muito pouco e, ainda assim, em estado deplorável, como é o caso da biblioteca do con- Foto de Nelson Kon, 2009. vento de Salvador.

Detail of the ceiling of Pelos estatutos da Ordem Franciscana, pode-se imaginar o conteúdo desses livros. No capítu- the sacristy, after lo LXXXV: “o Irmão Ministro terá cuydado de fazer prover todas as livrarias da provincia dos restoration. Photograph by Nelson livros necessários, principalmente de Moral, Expositores das Sagradas Escrituras, & dos mais Kon, 2009. predicativos, paraque assim não seja necessario aos Prégadores terem livros particulares; apro- veytando-se para isso dos que ficarem, dos Religiosos defuntos, & dos que por doação deyxa- rem à Provincia, ou por legados de pessoas devotas”. Mais adiante: “cada Guardião em o termo de sua Guardiaîa de anno & meio mande buscar a Portugal seis tomos de livro s dos que forem mais necessários na livraria do seu convento, começando primeyro a prover a livraria dos Espositores da Sagrada Escritura, & assim iraõ os mais Guardiães provendo as livrarias dos mais livros, assim de Moral, como de predica, mandando cada hum buscar a conta seis tomos, como asima ordenamos; [...] & Guardião do Convento da Cidade da Bahia e da Cidade de Olinda, dos livros que mandarem buscar, serão também alguns clássicos de Filosofia & Theologia especu lativa, para que os Mestres destas duas cazas de Estudo tenham livros neces- sários das faculdades, que ensinarem...”27.

Os estatutos esclarecem também que nenhum religioso poderia imprimir livro ou sermão de sua autoria sem a prévia licença do Ministro Provincial, sob pena de privação de “seus atos legítimos” por mais de um ano. Porém, se algum religioso quisesse se ocupar em compor livros de edificação ou de utilidade para o povo, o irmão ministro lhe daria todo o apoio e ajuda necessários para que eles pudessem vir a público.

No convento de Cairu, a pequena biblioteca ainda existente dispõe de livros muito deteriora- dos. Em sua quase totalidade, são livros e revistas de conteúdo litúrgico, editados no século passado, a maioria em língua alemã.

Em todos os documentos internos da ordem era freqüente a fomentação da produção de livros que servissem para o bem das almas. Porém, nas terras onde a escolaridade era muito baixa e poucos poderiam te r acesso à leitura, o conteúdo dos ensinamentos religiosos era transmitido por meio dos sermões, aulas de catecismo e representações artísticas. A história dos milagres e cenas da vida de Jesus, Maria e dos santos, pintados nos tetos, nos grandes painéis e espe- cialmente no revestimento azulejar, ajudavam na difusão da fé.

O convento franciscano de Cairu não fugiu a essa regra. Em todas as suas dependências nobres, lá estão as pinturas e os azulejos a contar aspectos impor tantes da vida de São Francisco, Santa Rosa de Viterbo, Nossa Senhora e outros.

27. Província de Santo Antônio do Brasil: Estatutos da Província de Santo Antônio do Brasil. Lisboa, 1709. p. 137-8. 58 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

D ECLÍNIOERESTAURAÇÃODA P ROVÍNCIADE S ANTO A NTÔNIODO B RASIL

Durante o século XIX, toda a comunidade franciscana passou a sofrer com as disposições régias que visavam a diminuição do número de noviços. As restrições por parte da coroa por- tuguesa, aliás, tiveram início na primeira metade do século XVIII. No tempo da constituição da custódia em província, um decreto régio estabeleceu que não houvesse mais que 200 frades na província. Apesar da determinação real, tal número foi ultrapassado e, em 1739, contavam- se 420 frades (321 sacerdotes e clérigos e 99 irmãos)28. Outro decreto régio, de 25 de maio de 1740, proibiu aos conventos receber noviços até que, por morte, o número ficasse reduzido a 400. No entanto, por notável arte de interpretação, foi possível que, no ano de 1764, esse número chegasse a 470 professos29.

Em 30 de janeiro de 1764, sob o governo do marquês de Pombal, foi publicado novo decre- to rég io, muito mais duro, proibindo a admissão de noviços pelo período de 14 anos, “se bem que, com autoridade régia, fossem recebidos, algumas vezes em maior número”30.

Em um levantamento realizado em 6 de janeiro de 1801, constatou-se que o número de reli- giosos havia caído drasticamente, havendo apenas 158. Novas concessões permitiram que esse número subisse para 227, em 1845. Nesse mesmo ano, conforme relata o Catálogo Provincial de 2004, um decreto do imperador D. Pedro I I proibiu a admissão de noviços à ordem, sem licença especial do governo.

O decreto imperial foi interpretado em 19 de maio de 1855 como uma proibição absoluta de admitir noviços “até que uma concordata tivesse sido celebrada entre o Império do Brasil e a Santa Sé”. Como essa condição era difícil de ser realizada, o número de religiosos passou a diminuir drasticamente. Isso afetava a vida de todos os conventos franciscanos, mas especial- mente daqueles dedicados ao noviciad o, como o de Santo Antônio do Paraguaçu, cuja morte lenta teve no decreto sua razão maior.

Em 27 de março de 1886, por decreto da Congregação dos Bispos e Religiosos, foi abolido “o pri- vilégio de isenção”. Os sobreviventes das ordens passaram a ficar sujeitos à autoridade dos bispos.

Após vários anos enfrentando dificuldades, quando a Província da Ordem Franciscana foi quase extinta, em decorrência dos atos do governo que proibiram a admissão de noviços a partir de 1855, foi assinada, em 2 de março de 1893, em sessão solene realizada no salão da biblioteca do convento franciscano de Salvador, a restauração da Província de Santo Antônio do Brasil. Estavam presentes, entre outros, D. Manoel dos Santos Pereira, vigário capitular da

28. Catálogo Provincial 2004. Província Franciscana de Santo Antônio do Brasil. p. 4. 29. Idem, ibidem. 30. Idem, ibidem. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 59

Arquidiocese de São Salvador da Bahia e delegado apostólico para superintender os negócios Cena de um dos concernentes às ordens religiosas brasileiras existentes na diocese, e os religiosos professos da painéis da Via Sacra mostrando ermitões em província, bem como os religiosos com cargos de destaque na jurisdição e alguns guardiães de paisagem campestre, conventos. Por motivo de doença, frei José do Rosário, guardião do convento de Cairu, não após o restauro. Foto de Sylvia Braga, compareceu à sessão. Ainda na reunião, frei Antônio de São Camilo Lélis, eleito no capítulo 2009. de 1878, foi confirmado no cargo de ministro provincial, por delegação apostólica. Procedeu- se, depois, à incorporação de dois frades alemães à Província Franciscana do Brasil: frei Scene from one of the Via Sacra panels Armando Bahimann e frei Ticiano Thesing, já naturalizados brasileiros31. showing hermits in a countryside setting, after restoration. A partir daí, os conventos começaram a se recuperar, mas em ritmo lento, pois os recursos Photograph by Sylvia Braga, 2009. eram escassos. Deve-se destacar que os padres alemães fizeram um esforço hercúleo para res- taurar os conventos, tanto física como espiritualmente.

O CONVENTODE C AIRU : RIQUEZASEESTADODECONSERVAÇÃO

Por estar localizado numa cidade pequena, distante da capital, além das dificuldades de recur- sos para empreender grandes reformas, o convento de Cairu sofreu poucas modificações na sua estrutura arquitetônica, guardando praticamente intocada a sua autenticidade. As modi- ficações maiores ocorreram em sua decoração, especialmente no interior da igreja, conforme s erá descrito adiante.

31. Livro dos Guardiães do Convento de São Francisco da Bahia (1587-1862). Op. cit., p.78. Apud Diário de frei Armando Bahimann. p. 82-89. 60 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

Em 1946, o arquiteto Anísio Luz inspecionou e cadastrou o imóvel, em atendimento ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), criado em 1937. Nova inspeção foi feita em 1957, pelo arquiteto Fernando Leal. Em 1962, o professor Jair Brandão, também do SPHAN, foi a Cairu verificar os danos provocados pelo desabamento do altar de Santa Rosa, que aca- bou sendo restaurado em 1963, sob a responsabilidade do professor João José Rescala.

A ordem realizou alguns trabalhos de conservação em 1964, sob a orientação do SPHAN e, em 1967, concluiu-se a segunda etapa das obras de conservação, a cargo do engenheiro P. Ghislandi. No final da década de 1960 e início de 1970, o SPHAN restaurou a fachada da sacristia e duas escadarias e, três anos depois, realizou a limpeza e a instalação de dois sani- tários na parte conventual32.

32. IPAC-BA. Monumentos e Sítios do Litoral Sul. Salvador: Secretaria da Indústria, Comércio e Turismo, 1988. p. 40. v. 5. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 61

Na opinião de Santos Simões, que o visitou em 1959, “o Convento de Cairu é hoje, sem dúvi- Fachada do convento. da alguma, o mais perfeito exemplar da arquitetura franciscana dos séculos XVII e XVIII, não Em primeiro plano, o cruzeiro e, na lateral só no Brasil como em todo o mundo lusitano”. Mais adiante, assinala: “Comparado com os esquerda, as ruínas da de S. Francisco do Conde (Bahia), de Penedo (Alagoas), de S. Cristóvão (Sergipe), de Ipojuca, inacabada Ordem Terceira de São de Serinhaém, de Alagoas (Marechal Deodoro), ou de João Pessoa, o convento de Cairu é-lhes Francisco. Foto de Nelson Kon, superior em pureza e ortodoxia arquitetônica, só comparável, ainda que com certas reservas, 2009. aos de Olinda, do Recife ou de Igarassu. É na verdade um monumento que se pode conside- rar de excepcional e das mais importantes relíquias de construções portuguesas do Brasil”33. Monastery façade. On the foreground, the cross, and to the left, Seu belo frontispício é imponente e ao mesmo tempo singelo. Trata-se de uma magnífica com- the ruins of the unfinished Third Order posição piramidal, obtida com a superposição de três pavimentos de larguras decrescentes. O of Saint Francis. pavimento inf erior é um pórtico de cinco arcadas, separadas por grandes pilastras de ordem Photograph by Nelson Kon, 2009. toscana. Outras pilastras dividem o pavimento intermediário em três tramos, no centro dos quais foram colocadas janelas envidraçadas com frontões curvilíneos, que favorecem a ilumi- nação e o arejamento do coro. As partes laterais desse pavimento são decoradas por monu- mentais volutas , ladeadas por pináculos.

Na parte central do terceiro pavimento encontra-se um nicho ladeado por pilastras idênticas às já mencionadas, o qual abriga uma grande estátua de Santo Antônio, executada em pedra, de coloração clara, medindo aproximadamente 1,50 m de altura. Volutas e pináculos idênti- cos aos do pavimento intermediário completam a composição, dando à fachada um grande equilíbrio.

O frontão é adornado com volutas, tendo como coroamento uma cruz, tudo em pedra. Na parte superior central, existem dois óculos para arejamento e iluminação natural do coro da igreja. A torre fica localizada à direita, correspondendo ao lado do evangelho, e tem um campanário em forma de pirâmide, recoberto por azulejos do século XVII, com predominân- cia do tipo tapete, inclusive os conhecidos como “massaroca”. Há uma mistura de padrões, o que nos leva a supor que aí foram colocados restos de azulejos que sobraram de outras áreas do convento. Azulejos similares aos da torre existem no convento de Cairu, exclusivamente no refeitório. Além dos pa drões tipo tapete, há na torre enxertos de azulejos figurativos do sécu- lo XVIII e de figuras avulsas, do mesmo padrão dos existentes no nártex e na portaria.

Nas quatro extremidades da torre, pináculos completam a decoração. Bazin conjectura que “a data do frontispício de Cairu é certamente anterior a 1686, data inscrita no frontispício de Santo Antônio do Paraguassu, que o imita e que é nitidamente de um estilo mais evoluído no senti- do barroco”34. Dois sinos de médio porte existentes na torre trazem gravada a data de 1856.

33. Santos Simões, J. M. dos. Azulejaria portuguesa no Brasil (1500-1822). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1965. p.70. 34. Bazin, Germain. Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. v. 1. Editora Record 1956. p. 149. 62 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

Galilé. O teto de cada arcada é formado pela interseção de duas abóbadas de aresta, criando um jogo de luz e sombra. Foto de Gina Leite, 2005.

Narthex. The ceiling in each archway is formed by the intersection of two domes, creating a play of light and shadow. Photograph by Gina Leite, 2005. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 63

Os cinco arcos que formam a galilé são fechados por grades de madeira de lei, com balaús- tres torneados, atualmente pintados de azul. A não ser em dias festivos ou nas celebrações dominicais, a entrada do convento se faz ultrapassando o último arco à direita de quem entra, penetrando-se na galilé. O teto de cada arcada da galilé é formado pela interseção de duas abóbadas de aresta, criando um jogo de luz e sombra muito interessante. As paredes, até a altura de 1,20m, possuem revestimento azulejar do tipo figura avulsa, formando pequenos painéis retangulares. Esses azulejos são imitações portuguesas dos famosos enkele tegels holandeses, também conhecidos como azulejos de Delft. Vamos encontrar azulejos desse tipo na entrada e confessionários do convento de Santa Tereza, hoje Museu de Arte Sacra, em Salvador. Os painéis são contornados por cercadura de acantos e volutas ou frisos de gomos e flores estilizadas, tendo ao centro motivos fitomorfos e antropomorfos isolados, e estão posi- cionados entre a cantaria que flanqueia os arcos e as portas.

Na galilé encontra-se a capelinha dedicada a São Benedito, quase imperceptível não só pelas pequenas dimensões, mas também porque a porta de acesso está permanentemente fecha- da, permitindo a sua visão apenas através de um postigo. Possui um retábulo bastante sim- ples, com características do século XVIII, mantendo ainda certa influ ência renascentista. Infelizmente foi descaracterizado, principalmente em sua policromia, estando grosseiramente repintado com esmalte sintético brilhante, de coloração branca. O nicho, com arcada, osten- ta a imagem de São Benedito, do século XIX. As paredes da capelinha são revestidas interna- mente, em toda a sua extensão, de graciosos azulejos do tipo figura avulsa.

Do outro lado da galilé há uma outra capelinha, desprovida de azulejos, dedicada a Nossa Senhora da Conceição. Possui um singelo retábulo de madeira entalhada e recortada, com características do final do século XIX, que se encontra bastante descaracterizado, ostentando uma pintura similar à do altar de São Benedito, nas cores branco e azul.

A CAPELADA O RDEM T ERCEIRA

Paralela à igreja, do lado direito, com um recuo de alguns metros, iniciou-se, no século XVIII, a construção da igreja da Ordem Terceira da Penitência, infelizmente nunca concluída, com certeza por falta de recursos. Como era de praxe, observou-se o recuo em relação à fachada do convento, sinal de obediência à Ordem Primeira. Até recentemente lá estavam suas ruínas, com suas paredes nuas, infestadas de vegetação, a desafiar o tempo. Essa situação está se modificando, já que a capela foi contemplada pelo projeto de restauro em curso, patrocinado pela Petrobras, a cargo da empresa Patrimoni.

O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 65

Certamente a igreja chegou a possuir telhado, podendo-se ver alguns remanescentes de telhas Ruínas da Ordem no seu beiral. Desconhece-se a data da construção da Ordem Terceira, assim como da institui- Terceira de São Francisco, em fase de ção da irmandade. Jaboatão informa, entretanto, que “do livro das eleyções desta Provincia restauração. 35 Foto de Caio Reisewitz, consta, que na congregaçaõ de 1703 se nomeou para ella o primeyro commissario”, o que 2007. nos faz acreditar que a irmandade deve ter sido fundada entre os últimos anos do s éculo XVII e primeiros do século XVIII. Há registro de contribuição para a Ordem Terceira nos primeiros Ruins of the Third Order of Saint Francis, during anos dos setecentos: “antigos monarcas atendendo à indigência desse convento, lhe conce- restoration. Photograph by Caio derão a ordinária de 30$rs que em provisão de 21 de março de 1708 mandou se pagasse per- Reisewitz, 2007. petuamente pelos cofres da fazenda pública desta província”36.

Como acontecia com as irmandades fundadas em Salvador, as ordens terceiras geralmente nasciam na ordem primeira, em cuja igreja construíam um retábulo destinado à colocação da imagem de sua padroeira. Só vários anos depois, quando o número de membros já havia aumentado, começavam a arrecadar dinheiro visando à construção de sua própria igreja. Deve-se ter pretendido o mesmo em Cairu, uma vez que a capela de Santa Rosa de Viterbo, pertencente à Ordem Terceira, está inserida no corpo da igreja, no exato local descrito por Jaboatão. É ele ainda que informa: “tem esta Capellinha a hum lado outra porta por onde sahem para a sua caza de exercicios, sobre a qual fica hum sobrado, que lhe serve de consis- torio, por detraz da mesma Capellinha”.37 O sobrado não mais existe, tendo sido certamente demolido para dar lugar à construção da igreja da Ordem Terceira, que, por razões financei- ras, não chegou a ser concluída.

O atual projeto de restauro da área arquitetônica foi concebido pelo professor Mário Mendonça de Oliveira e pelos arquitetos Manoel Altivo e Francisco Santana. O arco cruzeiro e as envasaduras das tribunas receberão, para o seu fechamento, vidro temperado. O recinto terá uma cobertura de telha termoacústica, sustentada por estruturas metálicas aparentes, a qual protegerá suas paredes das intempéries, principalmente dos fenômenos hidrolíticos. Receberão vidro temperado o fechamento do arco cruzeiro e envasaduras das tribunas. As paredes externas da capela receberão uma argamassa de cal e areia, mas será mantido o seu aspecto de ruína , mostrando as marcas provocadas pelo tempo.

Após o restauro de todo o convento, esse precioso espaço será destinado a espetáculos, pales- tras, exposições e outros eventos, funcionando como uma espécie de centro de convenções.

35. Jaboatão, fr. Antônio de Santa Maria. Op. cit., p. 582. 36. Accioli & Amaral, B. Memórias históricas e políticas da Bahia. Imprensa Oficial do Estado da Bahia. v.5, 1937. p. 148-9. 37. Jaboatão, fr. Antônio de Santa Maria. Op. cit., p. 582. 66 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

A IGREJADOCONVENTO

A igreja do convento, bastante ampla, é de nave única. A capela-mor une-se à nave por um belo arco cruzeiro confeccionado em calcário, que chegou a ser inteiramente policromado.38 Nesta página, à direita, interior do Convento de Apesar de sua forma arquitetônica permanecer inalterada, o arco cruzeiro teve sua policromia Santo Antônio de Paraguaçu. totalmente desfigurada ao longo dos anos, por causa das transformações estilísticas ocorridas Fonte: Artistas baianos, no interior do templo. de Manoel Querino. On this page, to the Prospecções realizadas p ela equipe do Studio Argolo, durante a elaboração do projeto de res- right, interior of the Santo Antônio de tauro, comprovaram a existência de policromia original, tendo como temática elementos fito- Paraguaçu Monastery. morfos estilizados. A camada pictórica, feita diretamente sobre a pedra, é bastante colorida e Source: Artistas baianos, by Manoel Querino. foi aplicada sobre fundo de ouro fosco. Trata-se de uma pintura bastante rara, já que sobrevi- veram poucos exemplares no Brasil de pedras douradas e policromadas, do período colonial.39 Esse tipo de pintura era maiscomum sobre suporte de madeira. À esquerda, interior da nave, com retábulos neoclássicos que O resgate das pinturas do arco cruzeiro somente será possível com a remoção de duas gros- substituíram os antigos, em estilo barroco. sas camadas de repintura. A última camada tem fundo de tom cinza, com algumas flores de Foto Studio Argolo, desenho grosseiro. Testes de solubilidade demonstraram ser muito difícil a remoção por meio 2007. de produtos químicos. Embora lenta, a decapagem somente será possível por meio mecânico To the left, interior of the nave, with the (bisturis cirúrgicos, jateamento com microesfera de vidro ou raio laser). neoclassical retables that replaced the former 38. Fragmentos de pintura de mesmo tipo foram encontrados nas duas pilastras em pedra que sustentam o coro. baroque ones. Photograph by Studio 39. O professor Túlio Vasconcelos Cordeiro de Almeida, da Universidade Federal da Bahia, está pesquisando esse Argolo, 2007. tipo de policromia, tendo realizado visitas ao convento e coletado elementos para sua tese de mestrado. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 67

Grade do coro e seu frontão barroco, após o restauro. Forro em fase de remontagem. Foto de Nelson Kon, 2009.

Choir trellis and baroque frontal, after restoration. Ceiling shown during reassembly. Photograph by Nelson Kon, 2009.

Acredita-se que o templo tenha possuído uma belíssima decoração barroca, possivelmente similar à da igreja do convento de Santo Antônio do Paraguaçu40. Apesar da inexistência de documentos, pode-se afirmar que a igreja do convento de Santo Antônio de Cairu teve sua decoração interna bastante modificada na segunda metade do século XIX, quando perdeu quase totalmente sua decoração barroca. Essa mudança certamente ocorreu porque seus bens artísticos, em especial o forro da nave e retábulos, encontravam-se atacados por agentes bio- lógicos. Essa circunstância forneceu a justificativa para destruí-los ou modificá-los, seguindo, assim, a moda neoclássica, então em voga, que contribuiu para a perda da decoração barro- ca de inúmeros templos em Salvador e no Recôncavo.

Da talha primitiva pode-se ainda admirar a grade do coro, composta por cinco retângulos em treliça, separados por peças verticais, com pin áculos, e seu belíssimo frontal com colunas salo- mônicas, cujo dossel é decorado com lambrequins, enfeitado de lírios abertos e borlas pendentes, tudo dourado. Esse frontal é bastante similar ao do convento de Santo Antônio de João Pessoa, na Paraíba. Em seu centro, ornado de “raios”, encaixa-se perfeitamente um belo Cristo Crucificado, preso a uma cruz que imita um tronco de árvore, com características do século XVIII.

O forro do baixo coro ostenta uma pintura de excele nte qualidade, com características de um barroco tardio, executada entre o final do século XVIII e início do século XIX. Sua leitura esta-

40. A decoração do convento de Santo Antônio de Paraguaçu é conhecida exclusivamente pela foto que aparece no livro Artistas baianos, de Manoel Querino, reproduzida na página anterior. 68 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

va dificultada pelo excesso de oxidação do verniz, fungos e sujidades. Na parte central foi pintado um medalhão em forma de octógono, represen- Tapa-vento com características do século tando Nossa Senhora da Conceição, de pé, braços cruzados sobre o peito, XVIII, todo entalhado portando uma coroa de estrelas. Nas partes laterais, está representado em madeira decorada, localizado sob o coro, Santo Antônio em meditação. A restauração desse forro revelou uma sur- em frente da porta principal. preendente descoberta de pinturas originais e de inscrição datada, porém Foto de José Spínola, essa ab ordagem será feita no capítulo referente ao restauro dos forros. 2007.

Sob o coro, bem em frente da porta principal, está colocado o tapa- 18th-century windscreen, all carved in vento, com características do século XVIII. É todo entalhado em madeira decorative wood, located under the choir, decorada com pintura à base de óleo, sobressaindo-se elementos fitomorfos estilizados e pin- in front of the tura escaiolada de tonalidade rosa, imitando mármore. É curiosa a colocação de roldanas de main door. Photograph by José metal nas extremidades da base, para facilitar sua movimentação, elementos pela primeir a vez Spínola, 2007. vistos por nós nesse tipo de artefato, que era usado para proteger a intimidade dos atos reli- giosos e impedir que o vento apagasse as velas que iluminavam os altares e as imagens sacras.

A CAPELADE S ANTA R OSADE V ITERBO

A peça mais antiga de toda a nave é a capela de Santa Rosa de Viterbo, mandada construir pela Ordem Terceira, localizada na parte central da nave, do lado do Evangelho. Aí vamos encontrar um belo altar barroco, do tipo românico, inteiramen- te talhado em cedro , datado possivelmente de 1720. É provável que esse altar tenha pertencido a outro local maior, quem sabe à capela-mor, tendo sido desmontado e um pouco reduzido, na segunda metade do século XIX, para adaptar-se ao recinto da capela da Ordem Terceira.

Painéis de azulejos remontados aleatoriamente nas paredes laterais da capela-mor, destoando totalmente da barra dos azulejos originais, indicam que outrora o altar-mor ocupava um espaço bem mais amplo. A adaptação de retábulos, transferidos de um local para outro, era comum na Bahia desde o século XVII, a exemplo dos altares das Santas Virgens e dos Santos Mártires, originalmente localizados na primitiva igreja do colégio da Companhia de Jesus de Salvador e reaproveitados quando da construção da atual, ocorrida entre 1657 e 1672. O altar-mor da igreja do Mosteiro de São Bento de Salvador, do século XVIII, também foi reaproveitado na capela-mor da igrejinha de Nossa Senhora do Monte Serrat, apenas para citar dois exemplos.

No caso do convento de Cairu, para adaptar-se à capela dos Terceiros, “esse altar foi 41 mutilado em sua arquivolta, que ficou reduzida a um quarto de círculo” . Esse retábu-

41. Bazin, Germain. Op. cit., p. 300. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 69

lo, até 2002, estava sensivelmente atacado por insetos xilófagos e com ameaça de desabamen- to, tendo sido recuperado por nossa equipe na primeira etapa de restauração do convento. O altar ostenta no nicho central a imagem do seu orago, Santa Rosa de Viterbo, belíssima escultu- ra de madeira, dourada e policromada, de tamanho natural, com características do final do sécu- lo XVIII ou início do século XIX. Essa imagem também mereceu intervenção na mesma época.

A capela de Santa Rosa tem suas paredes e o intradorso do arco que separa a capela da nave inteiramente cobertos de azulejos, cujos painéis atingem a altura de quatro metros, indo até a sanca. O conjunto azulejar está integro, porém, é preocupante o seu estado de conservação. Por causa do alto índice de umidade ascendente, as peças estão em parte afastadas da pare- de, formando grandes bolsões, com ameaça de desprendimento, além de provocar a degra- dação do biscoito e o descolamento de parte do vidrado.

Felizmente, essa azulejaria está contemplada pelo presente projeto de restauração. Os painéis retratam cenas da vida de Santa Rosa em duas grandes figurações, mostrando, do lado esquerdo de quem entra, a santa desafiando, com êxito, uma mulher da facção gibelina, 42 expondo-se à prova do fogo. Na parte inferior, vê-se a legenda: Flagrat et non flagrat . Do lado oposto, a santa é representada em seu leito de morte, com a seguinte le genda: Opero que ego facio e ipsa jaiet (sic)43. O desenho é de ótima qualidade, acreditando Santos Simões tratar-se de obra do pincel de Nicolau de Freitas. Foram certamente confeccionados na segun- da metade do século XVIII. À esquerda, Capela de Santa Rosa de Viterbo e seu belo altar barroco, O forro da capela é abobadado, nos dias atuais desprovido de pintura decorativa. Até recen- após o restauro. temente, porém, sob a camada de pintura branca lisa, deixava entrever, de forma tênue, a exis- Foto de Caio Reisewitz, 2008. tência de pintura subjacente, pintada diretamente sobre a arga massa, com flores entrelaçadas, bastante similares àquelas descobertas por nossa equipe, sob a arcada da sala do capítulo. É To the left, Chapel of uma área a ser investigada, pois poderá revelar uma grata surpresa. Saint Rose of Viterbo and its beautiful baroque altar, after É interessante notar que, em torno da arquivolta do altar, acompanhando a curvatura do teto, restoration. Photograph by Caio há uma barra de madeiras seccionadas, com 15 cm de comprimento, contendo pintura decora- Reisewitz, 2008. tiva, evidenciando vestígio da existência de um outro forro que foi eliminado, sendo suas madei- ras serradas na proximidade do altar. Esse fato será objeto de comentários quando se abordar a restauração do forro do baixo coro, onde tudo indica terem sido inseridas quatro tábuas com pin- tura artística agora revelada, tábuas essas talvez pertencentes ao forro da capela em foco.

A grade que protege a capela de Santa Rosa de Viterbo, um pouco mais alta que a que sepa- ra a nave da capela-mor, é também digna de nota. Com balaústres torneados, é confecciona- da em jacarandá, evidenciando excelente trabalho de marcenaria.

42. Tradução gentilmente feita pelo professor Cândido da Costa e Silva: “Queima ainda que não queime”. 43. Idem: “As obras que faço estão aqui”. 70 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

C APELA - MOR Painéis de azulejo com cenas da vida de Santo A capela-mor foi totalmente modificada no século XIX, quando perdeu seu forro e o retábulo Antônio, atribuídos ao barroco. De cada lado das paredes laterais existem painéis de azulejos figurativos montados pintor português Bartolomeu Antunes. aleatoriamente, com o aproveitamento de peças provenientes de outros painéis, na tentativa Foto de José Spínola, de completar a barra de azulejos originais, disfarçando a redução do espaço, antes ocupado 2007. pelo antigo altar. Foram certamente montados após a remoção do retábulo antigo ou após a Tile panels with scenes coloc ação do atual. from the life of Saint Anthony, attributed to Portuguese painter Resta da decoração barroca primitiva o revestimento azulejar. Do lado do Evangelho, os pai- Bartolomeu Antunes. néis retratam cenas da vida de Santo Antônio – O milagre da mula e A pregação aos peixes. Photograph by José Spínola, 2007. Infelizmente, o primeiro painel foi em parte mutilado, com a inserção de uma falsa porta. Do lado da epístola, temos as representações da Ceia na casa do incrédulo e da Cura da criança paralítica. Santos Simões vê nesses painéis a mão de Bartolomeu Antunes, um dos mais feste- jados pintore s de azulejos portugueses, ou de um dos seus melhores discípulos. Ele situa a data desses painéis em torno de 1740.

O atual altar-mor é de um estilo neoclássico tardio, sem dúvida uma interpretação popular do estilo erudito que se desenvolveu espetacularmente em Salvador, durante o século XIX. Até o momento, não foram encontrados documentos que permitam datar a sua confecção. Seria contemporâneo da reforma do forro da nave, datada de 1875?

É interessante ressaltar que os frontais das mesas do altar-mor e dos altares colaterais ao arco cruzeiro têm decoração barroca, bastante similar à do frontal de Santa Rosa de Viterbo, des- toando totalmente do padrão neoclássico. Teriam esses frontais sobrevivido quando da des- truição dos retábulos barrocos? É o que nos parece.

Na parede de fundo do amplo camarim do altar-mor, podemos ver uma bela imagem de Cristo Crucificado, de tamanho natural, confeccionada no século XIX. Na lateral direita do a ltar está a imagem de São Francisco e, na oposta, a de Santo Antônio, ambas confeccionadas em madeira, no século XIX, tendo sofrido intervenção em 1979 pela equipe do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)44. São obras de boa qualidade, com 1,35 m de altura aproximadamente.

Seis tribunas com seus balcões e frontões neoclássicos ornamentam a capela e contribuem para que a luminosidade natural penetre no recinto. O forro atual é totalmente liso, pintado de azul cerúleo e, segundo informações de antigos funcionários, sua confecção é recente. O forro original com certeza foi descartado e dele inexiste qualquer documentação.

44. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) tornou-se Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN), em 1946, ganhando em 1970 a denominação atual, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 71

Na parte frontal do presbitério, nas laterais da escada que leva ao altar-mor, há um belo tra- balho de cantaria. Sobressaem dois retângulos, com um losango no centro e folhas de acan- to nas laterais, envoltos por molduras, onde sobrevivem restos da policromia original, nos interstícios do delicado trabalho feito com cinzel.

A capela-mor é separada da nave por uma grade de jacarandá entalhada e torneada, com balaústres bem esculpidos, excelente trabalho de marcenaria d o século XVIII. 72 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

Os altares colaterais ao arco cruzeiro.

Os altares colaterais, o da direita dedicado a Nossa Senhora da Conceição, e o da esquerda a Cristo Crucificado e a Nossa Senhora das Dores, foram mais bem-resolvidos que o retábulo- Altar-mor e retábulos colaterais ao mor, possuindo uma talha de melhor qualidade. São de composição neoclássica, caracteriza- arco-cruzeiro. O frontal da pela presença de colunas clássicas gregas, com a parte inferior do fuste em caneluras. A da mesa do altar-mor contrasta com a talha presença de guirlandas na parte superior das pilastras é típica do estilo D. Maria I. Na parte neoclássica. Foto Studio Argolo, superior do frontão destaca-se um jarrão de flores e, nas extremidades do entablamento, pal- 2007. mas douradas. Toda a talha é pintada de branco com frisos, molduras e elementos fitomorfos estilizados em dourado brunido. Main altar and retables to the side of the crossing arch. The Os dois altares são bastante similares entre si, embora o de Nossa Senhora da Conceição pos- frontal at the main altar sua dois nichos, o superior ostentando uma bela imagem da santa, e o inferior a de São José table contrasts with the neoclassical carvings. de Botas. Já o outro altar colateral possui apenas um grande nicho em forma de arco e, na Photograph by Studio Argolo, 2007. parte inferior, um sacrário.

Em 8 de maio de 1938, esses altares e suas respectivas imagens foram reinaugurados. O livro de crônicas do convento diz textualmente: “O mez de Maria feito na mesma oçcasião que o anno próximo passado, e cantado pelo novo coro, e celebrado durante sete dias no altar-mór e depois no novo altar da Conceição dos Anjos, pois ao oitavo dia foram inaugurados festiva- mente os dois altares laterais do Convento de S. Antônio de Cayrú, bentas as imagens de Senhor Crucificado, N. S. das Dores, S. José e N. S. dos Anjos que ornam os referidos altares O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 73

e a imagem do Sagrado Coração de Jesus, que occupa o throno do altar-mor. O rvmº. vigário publicou terem sido encarnadas as imagens de Senhor do Bomfim e de S. José a custo do bene- mérito cidadão Francisco Ribeiro dos Passos; a de N.Sª dos Anjos e a da Virgem Dolorosa a custa do Convento; e a do S.S. Coração de Jesus pelos donativos do Apostolado e do povo (180$000)”. Inicialmente, essa notícia poderia nos levar a acreditar que os retábulos, que pos- suem características neoclássicas, poderiam ter sido confeccionados em 1938, porém mais abai- xo o próprio texto esclarece tratar-se de uma reforma: “A orchestra S. Cecília offreceu 60$000 e a professora Espiridiana Ferreira Pinto de Moura mandou da Bahia 50$000 para a obra da reconstrução dos altares”. Por ocasião da desmontagem do frontão da mesa do altar, em março de 2008, encontrou-se gravada na madeira da parte interna, em letra de forma escavada na madeira, a seguinte inscrição: “Restaurado em 1937 por Arlindo Pereira do Rosário”.

Das imagens acima referidas, destaca-se a de Nossa Senhora da Conceição (ou dos Anjos), que possui características do século XVIII, tais como a composição estilística, a movimentação das vestes e a peanha bastante volumosa. O globo terrestre está envolto em nuvens, na parte superior, e é decorado por cinco querubins graciosamente colocados, esculpidos no mesmo bloco de madeira.

Essa belíssima imagem, talvez a mais perfeita do acervo do convento, estava quase totalmen- te repintada. As imagens de São José e do Cristo Crucificado () e a de Nossa Senhora das Dores foram esculpidas no século XIX. A imagem da Virgem Dolorosa, de tama- nho médio, é do tipo imagem de vestir. Bastante venerada pela comunidade, é apresentada sempre vestida com túnica e manto de tecidos finos, impecavelmente brancos. Embora o documento não faça menção ao encarnador dessas imagens, existe a possibilidade de esse tra- balho ter sido executado pelo mestre santeiro Pedro Ferreira, considerado o último grande escultor sacro baiano, que também se dedicava à reencarnação das imagens antigas, sendo muito atuante naquele período.

Identificamos no convento outras peças que possuem as características das policromias cria- das por aquele escultor, inspiradas nas imagens de gesso importadas da Europa que passaram a invadir o mercado baiano a partir do final do século XIX.

Azulejaria da nave.Como o elemento artístico de destaque do convento é a sua monumen- tal azulejaria portuguesa, a decoração interna da nave não poderia, de forma alguma, dispen- sá-la. Um grande silhar, com uma altura correspondente a 11 azulejos, percorre toda a parte inferior das paredes, totalizando três mil peças que formam um admirável conjunto. São exem- plares do período joanino, como a maioria da azulejaria do convento, produzidos no período áureo dessa arte em Portugal, qua ndo aquele país foi governado por D. João V, um monarca sensível, apaixonado pelas artes e seu grande incentivador. Esses azulejos devem ter sido pro- duzidos em Coimbra45, segundo centro produtor português (o primeiro era Lisboa).

45. Meco, José. Azulejaria portuguesa. 4 ed. Lisboa: Bertrand, 1985. p. 61. 74 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

Os painéis são formados por silhares de albarradas, apresentando vasos e cestos floridos, inse- Púlpito em estilo ridos em composição barroca com golfinhos, querubins etc. Possuem cercaduras barrocas de barroco. caracóis de folhagens de acanto, nas cores azul e branco. Esse tipo de azulejo foi largamente Foto Studio Argolo, 2007. utilizado em Portugal, nas ilhas atlânticas e no Brasil, tendo chegado também a Angola, por 46 causa do seu preço modesto e da facilidade de colocação . Baroque-style pulpit. Photograph by Studio Azulejos idênticos aos da nave podem ser vistos na igreja de São Quintino, na localidade de São Argolo, 2007. Quintino (Sobral do Monte Agraço), em Portugal. Segundo José Meco, datam de 173847. No Brasil, são encontrados no convento de Santa Tereza de Salvador, sede do Museu de Arte Sacra da UFBA, e no Convento de Santo Antônio do Paraguaçu.

Púlpito. Na parte central da nave, do lado da epístola, bem em frente à capela de Santa Rosa de Viterbo, existe um púlpito com características barrocas. Porém, segundo infor- mação de José Cosme Teles Coutinho, funcionário do Iphan em Cairu, há mais de vinte anos trabalhando no convento, o púlpito foi executado pelo entalha- dor Antônio Miguel, em 1986, reproduzindo fielmente o antigo, que se encontrava muito atacado pelos cupins. Na mesma época, Antônio Miguel confeccionou as peças para a substituição das cimalhas, fri- sos e molduras do forro da sala do capítulo.

Infelizmente muitos de nossos monumentos sacros foram vítimas dessas intervenções drásticas. Por mais danificada que estivesse a madeira do púlpito original, com certeza poderia ter sido salva por meio de processos de consolidação, preservan- do para a posteridade uma peça importante do patrimônio do convento. Aí reside o perigo de pessoas sem maiores conheci- mentos conceituais da ciência e da arte do restauro executarem intervenções em monumentos tombados, modificando ou destruin- do bens culturais, prática muito comum no Brasil.

Não devemos confundir habilidade com consciência ética, filosófica ou histórica. Para intervir em obras do patri- mônio artístico e cultural, faz-se necessário adquirir profundo conhecimento de história da arte, das técnicas tra- dicionais do período em que a obra foi realizada, familiari- dade com os materiais usados, além de grande sensibilida- de e amor ao patrimônio cultural.

46. Idem, ibidem. 47. Idem, ibidem. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 75

Pinturas. Na parede lateral direita da nave, próximas à capela de Santa Rosa de Viterbo, foram Forro da nave antes do colocadas, na parte superior, duas grandes pinturas a óleo sobre madeira, medindo cada uma restauro. Vista Parcial. Foto de Gina Leite, 2,19 m de altura. São pinturas de autoria desconhecida, possivelmente da escola baiana, 2007. representando os bispos São Luís de Tolosa e Francisco Gonzaga. Foram restauradas em 1963 pelo professor João José Rescala, a serviço do Iphan, e restauradas novamente por nossa Nave ceiling, before restoration. Partial view. equipe em 2002, na primeira etapa do projeto, mantendo, porém, a consolidação feita por Photograph by Gina Leite, 2007. aquele eminente professor. Houve necessidade de nova intervenção porque as duas obras apresentaram sérios problemas na camada pictórica (fungos, oxidação dos retoques) e no suporte (ataque de xilófagos).

Forro da nave. A nave possui um forro em forma de gamela, com pintura ilusionista de auto- ria desconhecida representando várias cenas alusivas à vida de São Francisco, Santo Antônio, São Domingos e outros, além da visão de Cristo e de Nossa Senhora por aqueles dois primei- ros santos. A propósito, Fernando da Fonseca comenta que “estranhamente a figura de Cristo empunha três raios e junto está a figura de S. Gabriel desembainhando uma espada”48.

48. Fonseca, Fernando da. Op. cit. 76 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

Trata-se de pintura naïf, ostentando figuras com anatomia desproporcional. O autor, pelas evidências, um pintor popular, sem conhecimento de perspectiva, tentou utilizar o ilusionis- mo para criar a sensação de três níveis, denunciando, ainda, primarismo no tratamento do vocabulário arquitetônico.

Na parte superior do coro, sobre o cadeiral, está gravada numa das tábuas do forro, em tinta escura, a data de 1875. As cimalhas possuem pintura marmorizada em tom rosado, de pouca qualidade.

Carlos Ott, em sua conhecida obra A Escola bahiana de pin- tura, refere-se ao forro da igreja do convento de Cairu com o seguinte comentário: “Há outra pintura ilusionista com tema igual ao da Ordem 3ª de São Domingos, existente na Igreja franciscana de Cairu, tratando-se porém de pintura meio pri- mitiva, executada por um pintor anônimo, mas de efeito decorativo excelente. Além disso ele aperfeiçoou a composi- ção def eituosa de J. J. da Rocha, certamente com a assistên- cia de um franciscano (se não se tratar de um pintor com burel da dita Ordem); acrescentou a cúpula da igreja latera- nense (a segunda de Roma, depois da de S. Pedro) querendo cair em ruínas, reproduzindo o sonho do Papa que não quis reconhecer as regras, consideradas demasiadamente severas e impossíveis de serem observadas, de São Francisco e São Domingos. Assim a atitude ameaçadora de Cristo tornou-se bem compreensível, podendo tomá-la como censura Dele ao papa por não querer reconhecer as ditas regras que deviam restituir à igreja seu espírito primi- tivo, já adulterado no séc. XIII e precisando de reforma”49. Detalhe do forro da nave, após a reintegração cromática. Durante a desmontagem do forro em 2007, para os procedimentos de restauro, a equipe teve Foto de Sylvia Braga, 2008. a grata surpresa de descobrir o que já conjeturava há anos, desde as primeiras visitas ao con-

vento: a pintura que o forro hoje ostenta é uma repintura, executada por algum pintor regio- Detail of nave ceiling, nal. A compro vação veio com a descoberta de uma inscrição, encontrada numa das últimas after chromatic reintegration. tábuas laterais, do lado direito, escondida na parte interna das cimalhas. Em tinta negra, feita Photograph by Sylvia com pincel, caligrafia tosca, evidenciando tratar-se de pessoa pouco ilustrada, porém bem legí- Braga, 2008. vel, está escrito: “Primeira pintura 1749. Reedificação da mesma 1875”.

49. Ott, Carlos. A escola bahiana de pintura: 1764-1850. São Paulo: MWM-IFK, 1982. p. 118. Edição de Emanoel Araújo. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 77

A informação contém dois dados importantes: confirma a existência de uma pintura execu- tada no século XVIII, certamente contemporânea da dos forros da sacristia e da sala do capí- tulo, e a data da intervenção – 1875. O termo reedificação, usado pelo autor, que infeliz- mente não assinou a obra, pode-se traduzir por repintura. Com relação à data de 1749, nada podemos supor, a não ser que tivesse sido gravada no próprio teto, tal qual fez o autor desconhecido, assinalando o ano de 1875, quando o repintou. Prospecções realizadas pela equipe na camada pictórica, em alguns trechos da pintura, comprovaram a existência de pintura subjacente.

A ausência de profissionais da área de restauro durante os séculos passados, e mesmo de um órgão de proteção ao patrimônio cultural, que só viria a ser criado em 1937, determinava essas soluções drásticas. Inexistiam leis de proteção, e o patrimônio ficava à mercê da sensibilidade de uns poucos ou da ignorânci a de muitos. Antes desse achado, era difícil acreditar que a nave da igreja, parte mais importante de qualquer monumento religioso, não tivesse possuído, no século XVIII, uma pintura ilusionista barroca, principalmente se levarmos em consideração a qualidade da pintura do teto da sacristia, da sala do capítulo e mesmo do forro do baixo coro.

Os documentos consultados no arquivo do convento silenciam sobre essa intervenção. Supomos que a pintura estivesse bastante degradada, com descolamentos e perdas provoca- das pela umidade e ataques biológicos, motivos usados para que o guardião contratasse um “profissional” para realizar uma ampla reforma. Infelizmente, razões de ordem econômica e também de tempo impedirão que a pintura original possa vir à luz atualmente.

É interessante assinalar que a grande reforma ocorrida no convento de Cairu em 1875 corres- ponde exatamente à época em que a comunidade franciscana passava por um período de muitas dificuldades financeiras, quando a província foi quase extinta, por causa da proibição de admissão de noviços e do controle do número de frades, imposto pelo governo imperial. Teria essa situação contribuído para a escolha de um pintor pouco qualificado para intervir na reforma do forro da nave?

Certamente a ida de um pintor erudito de Salvador, a exemplo de João Francisco Lopes Rodrigues ou seu filho Manoel Lopes Rodrigues, ligados à Academia de Belas Artes, ou de José Antônio da Cunha Couto, não estava ao alcance da comunidade franciscana naquele perío- do. Isso explicaria a opção de contratar, por preço módico, um pintor primitivo da região, que, não tendo condições de retocar as partes deterioradas, decidiu repintar o forro inteiramente, mantendo as mesmas figuras e a perspectiva barroca ilusionista, embora deturpada.

Piso da nave. O piso da nave é todo subdividido em pedra calcária, formando retângulos nos quais se encontram as campas, numeradas de 1 a 56, com cobertura de madeira, sem qual- quer alusão ao nome do morto. O piso é idêntico ao da igreja de Santa Tereza, em Salvador. 78 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

P ORTARIA : ESPAÇODE CULTOA S ÃO B ENEDITO

Devotos, turistas e visitantes penetram no inte- rior do convento pela lateral correspondente à capela de São Benedito. A primeira dependên- cia a ser visitada é a portaria, pequeno cômo- do retangular, onde se venera a imagem de São Benedito. Está sempre florida, tamanha é a devoção dos cairuenses por esse santo africa- no, como já mencionamos, e exala um forte perfume de angélica, a flor preferida d os fiéis.

A pequena sala tem três de suas paredes reves- tidas de azulejos de figura avulsa. A parede contígua à sala do capítulo é, estranhamente, desprovida de decoração azulejar.

Alguns bancos foram ali colocados, permitindo aos devotos fazer suas orações mesmo quando a igreja e o convento estão fechados. Esse recinto serve também de repositório de ex- votos, encontrando-se penduradas ao teto partes anatômicas feitas de cera, retratos, bilhetes com agradecimentos por graças alcan- çadas, pedidos etc.

O forro, dividido em quatro caixotões, com cimalha simples, estava apoiado na parte cen- tral por uma única coluna, sem função estrutu- ral. Tudo indica que se tratava de um acrésci- mo feito no século passado, conforme diag- nosticado pelo professor Mário Mendonça de Oliveira. O forro estava inteiramente pintado de branco, com tinta à base de cal. Sua restau- ração, já concluída em 2008, gratificou a equi- pe com a descoberta de um forro doecorado d final do século XVII ao início do XVIII. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 79

À esquerda, painel de azulejos de figura avulsa, localizado na portaria do convento. Foto Studio Argolo, 2007.

To the left, lone figure tile panels, located on the Monastery doorway. Photograph by Studio Argolo, 2007.

Nesta página, a portaria, cuja pintura do teto foi descoberta durante o restauro. Ao fundo, pequeno nicho com imagem de São Benedito. Foto de José Spinola, 2008.

On this page, the portico, with the ceiling painting discovered during restoration. On the background, small niche with image of Saint Benedict. Photograph by José Spínola, 2008.

O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 81

O CLAUSTRO EASALADOCAPÍTULO

Atravessando a pesada porta de madeira da portaria, penetra-se no claustro, cujas arcadas em Acima, claustro com asa de cesto apóiam-se em pilastras quadradas, enquanto a arquitrave do andar superior é sus- arcadas em asa de cesto (1654). Foto Studio tentada por elegantes pilares engrossados no fuste, de ordem toscana. Esse claustro estava Argolo, 2005. concluído em 1654, aproximadamente50. Carlos Ott admite que Francisco Pinheiro seja seu Above, cloister with autor51. Suas paredes são inteiramente decoradas com painéis de azulejos, tendo como temas basket-handle arches (1654). Photograph by golfinhos e jarrões de flores, semelhantes aos da nave da igreja, separados uns dos outros por Studio Argolo, 2005. uma fiada de pequenas albarradas.

Na parede do lado da igreja existe um raro Cristo Crucificado em azulejo, do mesmo período

À esquerda, rara da azulejaria do claustro. Apesar de íntegro, infelizmente algumas pedras encontram-se racha- representação em das, com perda de parte do vidrado, mais evidente no braço esquerdo e na parte inferior. azulejo do Cristo Crucificado. Foto de Caio Reisewitz, 2007. O pátio do claustro está sempre florido, com muitos vasos de plantas, tais como samambaias, rendas inglesas e antúrios, religiosamente cuidados por um dos maiores propugnadores da res- To the left, a rare tile representation of Christ tauração do convento, o guardião frei Hilton Francisco da Cruz Botelho, da Ordem dos Frades Crucified. Photograph Menores (OFM), apesar de suas numerosas atribuições nas áreas missionária e administrativa. by Caio Reisewitz, 2007.

50. Bazin, Germain. Op. cit., p. 145, v. I. 51. Ott, Carlos. Francisco Pinheiro. A Tarde, Salvador 18/06/83 – IPAC-BA. v. 5, p. 40. 82 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

Virando à direita, quando se adentra o claustro, vamos encontrar a pequena, porém graciosa, Pintura interna da porta sala do capítulo, uma das dependências que melhor conservaram sua decoração setecentista. do armário da sala do Possui um belo forro medindo 5,75 m x 5,70 m, composto de vários painéis de formato geo- capítulo. Foto de Sylvia Braga, 2009. métrico, sendo o central em forma de estrelas de oito pontas. Trata-se de composição típica

das pinturas da primeira metade do século XVIII, quando ainda se conjugava o enquadramen- Inside painting on to geométrico, de nítida influência renascentista, com pintura ilusionista típica do barroco. cupboard door of chapter room. Photograph by Sylvia No painel central, foi pintada a Virgem da Conceição, de pé sobre o globo terrestre. Quatro Braga, 2009. painéis em formato triangular contêm pinturas decorativas, sobressaindo-se cartelas sustenta- das por anjos, no centro das quais encontramos as seguintes inscrições latinas, gentilmente traduzidas pelo professor Cândido da Costa e Silva: Electa ut solis (Brilhante co mo o sol); Pulcra ut luna (Formosa como a lua); Quasi aurora consurgens (Surge como a aurora) e Quae est ista progreditur (Quem é esta que avança). No sentido diagonal, em cada um dos cantos, há um hexágono decorado com cartela e elementos florais. Na parte central das cartelas, foram pin- tados, de forma estilizada, o sol, a lua, uma estrela e uma flor.

A presença constante da representação da Virgem da Conceição nos conventos franciscanos explica-se pelo fato de ela ser considerada a padroeira da Ordem dos Frades Menores. Infelizmente, conforme já mencionado, o forro perdeu suas cimalhas e molduras originais em 1988, quando foram entalhadas as atuais, em madeira de pau-paraíba, obra do carpinteiro cairuense Antônio Miguel, que as manteve na madeira natural, apenas encerada. Durante a restauração do forro, demos às cimalhas e às molduras uma policromia, para melhor harmo- nizar-se com as pinturas do teto.

A sala é muito bem iluminada pela luz natural, que entra pela portada e pelas três janelas que dão para o quintal. Suas paredes são revestidas do mesmo silhar de azulejos – vasos e golfi- nhos, que ornam as paredes da igreja e o claustro. Não há, porém, guarnição de barra, assen- tando-se os painéis sobre um único azulejo de rodapé.

O observador mais atento perceberá que, na parede do fundo, abaixo da janela central, os pai- néis de azulejos dessa área são diferentes dos demais, evidenciando uma complementação posterior. Jaboatão informa: “No Claustro tem a Capella do Capitulo, consagrada à Senhora com o titulo do Rosario, em altar bem ornado, como toda a Capella, e se festeja todos os annos com Sermaõ e missa solemne”52. Essa notícia não deixa dúvida quanto à existência, no passado, de um retábulo naquele local, como é comum em todas as salas de capítulo dos con- ventos franciscanos. O “Livro de Crônicas” e demais documentos pesquisados no Convento não dão pistas sobre a data de seu de saparecimento ou simples remoção.

52. Jaboatão, fr. Antônio de Santa Maria. Op. cit., p. 567. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 83

Nas laterais da parede frontal, encontram-se embutidos dois armários com portas dotadas de pintura artística de razoável qualidade. O armário à direita de quem entra é mais simples e tem o interior desprovido de pintura decorativa. As madeiras da porta foram com o tema do “Encontro de São Francisco com São Domingos de Gusmão”. O armário do lado oposto é melhor elaborado, contendo prateleiras, gavetinhas e portinho- las internas. Durante o restauro, foram descobertas pinturas decorativas no seu interior. Na face interna da porta foi pintado um grande jarrão de flores e a face externa exibe uma pintura representando “São Francisco recebendo as chagas de Cristo”.

Da sala do capítulo é possível comunicar-se com a portaria atra- vés de uma rótula, existente na parede lateral direita. Bancos simples de madeira, sem dúvida colocados em torno das paredes após a destruição do altar dedicado a Nossa Senhora do Rosário, completam a decoração da sala.

Depois do restauro realizado em 2005, a sala do capítulo pas- sou a abrigar provisoriamente parte do acervo do convento, constituído de algumas imagens sacras restauradas por nossa equipe na primeira etapa. Entre elas destacam-se um raro Menino Jesus em marfim, do século XVIII, a imagem de Nossa Senhora da Lapa, do século XVII, peça mais antiga do acervo do convento, e as imagens de São Joaquim, São Domingos de Gusmão e Nossa Senhora da Piedade, peças de transição entre os séculos XVIII e XIX .

Merece destaque no recinto a bela portada em arco abatido. A sobreverga em arco é arrematada, na parte externa, por cartela de madeira contornada por curvas e contracurvas em volutas, encimada por concha estilizada. As ombreiras, tanto na parte interna como externa, são de madeira, assim como o intradorso.

Esse conjunto, como veremos mais tarde, encontrava-se repintado por várias camadas de tinta, tendo sido desc obertas, durante o restauro, delicadas pinturas com flores entrelaçadas, dou- radas e com fundo branco. A bandeira e as folhas da porta são vazadas, com balaústres colo- cados na vertical. Após a remoção de várias camadas de repintura de tonalidade verde, desco- briu-se que essas peças eram confeccionadas em jacarandá. Agora poderão ser vistas em toda a sua originalidade. A SACRISTIA

Após conhecer a sala do capítulo, o visitante poderá voltar-se para a esquerda e percorrer o corredor que o levará à sacristia, recinto mais nobre e autenticamente barroco de todo o convento, coroando, assim, a sua visita ao monumento.

Na passagem, o visitante poderá admirar mais um expressivo conjunto de azulejos forma- do por onze painéis, cujos centros são decorados com figuração de ermitões em oração, com o hábito franciscano, tendo ao fundo paisagem campestre, onde se veem montes, vales, casas, rios, árvores e barcos. As bases dos painéis são do tipo de almofadas marmo- readas em tom manganês. Os enquadramentos, confeccionados entre 1760 e 1770, são concheados, bem compostos.53

53. Santos Simões, J. M. dos. Op. cit., p.73. É difícil para qualquer visitante sensível, principalmente se ele for conhecedor de arte ou estu- Interior da sacristia, dioso do barroco, não se deslumbrar diante da monumentalidade da sacristia, com suas pare- após a restauração. Foto de José Spinola, des inteiramente cobertas por azulejos decorados com serafins, querubins, formas arquitetô- 2007. nicas, volutas, rocalhas etc.

Sacristy interior, after O forro, com pintura ilusionista, é de excelente qualidade, tendo readquirido sua beleza origi- restoration. Photograph by José nal após a restauração que realizamos. Durante as intervenç ões, recuperaram-se suas cores pri- Spínola, 2007. mitivas, antes prejudicadas por espessa camada de fungos e sujidades e, além disso, eliminou- se quase uma centena de perfurações provocadas por cravos oxidados e insetos xilófagos. Santos Simões ficou deslumbrado quando visitou a sacristia, assim se expressando: “A coroar este espantoso acervo de Cairu temos a decoração da sacristia, a mais notável de quantas vimos no Brasil e sem paralelo em Portugal!”.54

54. Idem, ibidem. p.74. 86 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

É difícil dizer o que mais chama a atenção nesse recinto sagrado, se a azulejaria, a pintura do forro, o arcaz e armários embutidos, o retábulo barroco ou o lavabo em pedra de lioz. Independentemente do valor individual de cada elemento, é o seu conjunto que deslumbra e comove.

O forro, executado a óleo, por volta da segunda metade do século XVIII, homenageia o patro- no do convento. Foi concebido em vinhático, com tábuas de 40 a 50 cm de largura, medindo 14,43 m de comprimento por 6,67 m de largura. Pela perfeição do desenho, correta perspec- tiva e tratamento das figuras, perguntaríamos se não só esse forro, bem como o da sala do capítulo, levariam a autoria de José Joaquim da Rocha, o maior pintor baiano do período, a quem Carlos Ott atribui as pinturas do espaldar do arcaz, ou, conjecturamos, levariam a auto- ria de algum dos seus melhores discípulos.

A cena central mostra um dos mais conhecidos milagres atribuídos a Santo Antônio, quando o Menino Jesus sai dos braços de Maria e é recebido pelo santo franciscano. O artista abor- dou o tema de forma poética: na área central aparece o Menino Jesus, de pé sobre o globo terrestre envolto em nuvens, abençoando com a mão direita, enquanto segura, com a esquer- da, uma cruz. À sua frente está Santo Antônio, ajoelhado em sinal de reverência, com os bra- ços cruzados no peito. Do lado oposto, no alto, sobre as nuvens, encontra-se sentada a Virgem Maria, com a mão direita sobre o peito e a oposta segurando um ramo de lírios.

Toda essa composição está envolta em nuvens de predominância ocre, repletas de anjos e querubins. Nas extremidades da cena central, apresentam-se grandes anjos sentados sobre colunas, segurando com a mão direita grandes cartelas com os símbolos das ordens francis- cana, mariana, jesuítica e terra santa. Vêem-se ainda, em outras áreas, a representação do sol, lua, estrela d’alva, vela acesa, turíbulo, castelo e outros elementos.

Muito interessantes são quatro pequenas cenas monocromadas, estrategicamente pintadas nos cantos, quase imperceptíveis, representando passagens da vida do santo, a saber55: exor- cizando o demônio de um pecador; falando aos peixes; retirando a alma do caldeirão do pur- gatório; segurando a hóstia consagrada, ao lado do sultão, tendo a mula curvada em reverên- cia ao Santíssimo; dando esmola a uma mulher; abençoando os frades franciscanos.

São dignos de nota os dois armários embutidos, com gaveteiros e belo frontão, e o arcaz em jacarandá e vinhático, com pesados gavetões guarnecidos por puxadores de metal dourado, excelentes exemplares da marcenaria do século XVIII. Chama a atenção o espaldar do arcaz, muito bem entalhado em jacarandá, onde foram colocadas oito pinturas com cenas alusivas à vida de Maria. Carlos Ott, além de atribuí-las a José Joaquim da Rocha, acredita que foram pin-

55. Conforme interpretação nossa, com a ajuda do guardião do convento. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 87

tadas em 178656. As cenas retratam os seguintes temas: o nascimento de Maria, sua apresen- tação ao templo por Ana e Joaquim, seu casamento com José, a visita a Santa Isabel, o nasci- mento do Menino Jesus e de São João Batista, a fuga para o Egito e, finalmente, a assunção.

São trabalhos de excelente qualidade técnica, inspirados em obras européias, principalmente da escola portuguesa e italiana. Não se conhece a formação desse admirável artista, mas é pro- vável que tenha aprendido a pintar com mestres portugueses em Lisboa, e, não achando tra- balho suficiente em Portugal, veio para a Bahia com 27 anos de idade. Seu local de nascimen- to ainda provoca dúvidas, mas tudo indica que era brasileiro, nascido em 1737, vindo a fale- cer em Salvador em 1807, com 70 anos57.

Como todos os pintores da época, José Joaquim da Rocha inspirava-se nas gravuras e repro- duções de obras européias, tanto trazidas por ele como por missionário s, as quais circulavam por todo o país. Isso foi provado recentemente pelo professor Luís Alberto Freire, da Universidade Federal da Bahia, que encontrou na biblioteca da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto uma série de gravuras da autoria de Eli du Bois, as quais serviram a José Joaquim da Rocha como modelos para as pinturas dos Passos da Paixão de Cristo, da antiga procissão dos Fogaréus, hoje no Museu de Arte da Bahia.

Na parte central do arcaz, foi colocado um belo retábulo de talha barroca, medindo 3,64 m de altura, com características do período rococó, que muito contribui para o enobrecimento desse espaço arquitetônico. No nicho há uma singular imagem de Cristo Crucificado, contemporânea do altar. Esse retábulo estava quase inteiramente oco, uma vez que os insetos xilófagos haviam destruído grande parte do seu suporte, reduzindo sua solidez mecânica. Do douramento origi- nal sobreviveram raros vestígios, porém, o bolo-armênio, de tonalidade amarelada, permanecia relativamente íntegro, razão por que, após o restauro, adquiriu a aparência atual.

É interessante observar que na parte superior do retábulo há um dossel recortado em cur- vas, contornado por friso em torçal e lambrequins com decoração de lírios abertos e borlas pendentes, muito similar ao que aparece em frente, estampado na azulejaria que decora o fundo do magnífico lavabo. Este, esculpido em pedra de lioz de Lisboa e em mármore de Extremoz, está incrivelmente integrado ao painel de azulejo, cujas longas cortinas são aber- tas por quatro serafins, para apresentá-lo, criando um cena quase teatral.

O lavabo possui bacia de formato triangular e parte inferior composta de friso côncavo. O espaldar é recortado em curvas e contornado por friso. Na parte central inferior, dois delfins entrelaçados apresentam torneiras embutidas nas respectivas bocas, para o escoamento da água. É fácil no tar que se trata de uma intervenção grosseira, em substituição aos esguichos

56. Ott, Carlos. Op. cit., p. 73. 57. Idem, ibidem. p. 16. 88 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

originais. Na parte superior, foi gra- vado um brasão com as armas da Nesta página, lavabo da sacristia. Foto de ordem franciscana, representado Ademir Rodrigues, 2006. pelo entrelaçamento dos braços de Cristo e São Francisco, os estigmas On this page, sacristy e as torres das primeiras casas pro- lavabo. Photograph by Ademir Rodrigues, fessas. No topo, figura uma grande 2006. coroa real, simbolizando a proteção do reino português à Ordem de São

Francisco. Nesse pequeno espaço, À direita, escadaria de foram colocados, nas paredes late- acesso ao primeiro pavimento, rais, singelos porta-toalhas com apresentando grande voluta barroca. No alto, frontões recortados e dourados. pequeno retábulo de Nossa Senhora do Rosário. Vejamos o que diz Silva Campos Foto de José Spínola, sobre a azulejaria da sacristia: 2008. “Mas, acima de tudo, são os azule- To the right, stairway jos que causam espanto! No gêne- leading to the first floor, ro dos da sacristia de Igarassu, mas featuring a great baroque volute. Above, mais completos, tão importantes small retable of Our Lady of the Rosary. como os de Nossa Senhora das Photograph by José Neves de Olinda, mas mais belos Spínola, 2008. ainda, melhores que os de Santo Antônio do Recife, não têm rival em convento franciscano. Cobrem os azulejos a totalidade das paredes livres de cantaria ou de mobiliário, numa altura de quase 3,80 m. incluindo o ro dapé de um azulejo marmoreado manganês. A orna- mentação ajusta-se perfeitamente aos menores acidentes da arquitetura, enquadrando, como molduras, as portas e janelas, coleando pelos recortes da talha do arcaz, acompanhando o arco do recesso onde está o lava- bo, entrando por este para enquadrar a fonte de mármore português! O azulejo sobe até à sanca do teto e o emolduramento encosta-se a esta, completando o revestimento no mais per- feito esquema ornamental que conheç o. É uma das mais belas expressões da arte do azulejo português do século XVIII e como tal deve ser preservada e defendida”58.

58. Santos Simões, J. M. dos. Op. cit., p. 74. A LTARDE N OSSA S ENHORADO R OSÁRIO

Deixando a sacristia pela porta principal e dobrando à esquerda, o visitante poderá subir os degraus de uma escada cujo parapeito tem terminação em grande voluta entalhada em madeira, muito semelhante às volutas do frontispício do convento. Logo em frente, encontra- rá um gracioso e pequeno altar barroco dedicado a Nossa Senhora do Rosário, confeccionado em cedro na primeira metade do século XVIII, tendo como principais características as colunas salomônicas e o dossel.

Antes do restauro, esse altar encontrava-se totalmente repintado com tinta branca à base de água. Tomou-se a decisão de apresentá-lo esteticamente em madeira natural, apenas encera- da, mantendo, entretanto, os vestígios do douramento encontrado. Outrora sua talha deveria ser inteiramente dourada a ouro brunido, mas nem tudo estava perdido.

Durante a restauração, foi encontrada a pintura sobre o dossel do altar, que mede 3 m de altu- ra. No nicho recolocou-se a imagem de Nossa Senhora do Rosário. 90 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

Coro com cadeiral e ambão, confeccionados em vinhático, à espera da restauração. Foto de José Spinola, 2007. Choir with stalls and almemar, made of vinhático wood, waiting for restoration. Photograph by José Spínola, 2007. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 91

O COROEOSESPAÇOSRESIDENCIAIS

Saindo do recinto do altar de Nossa Senhora do Rosário pela porta à direita, entra-se na parte superior do claustro e, seguindo em frente, tem-se acesso ao coro, que conserva seu cadeiral original em forma de U, um tanto similar ao da igreja da Graça, em Salvador, este datado do século XVII. No centro, situa-se o antigo ambão, também chamado estante de coro ou, ainda, antifo- nário, construído em madeira entalhada e torneada. Utilizado como estante para as partituras de canto litúrgico ou das antífonas, o móvel é dotado de parte superior giratória.

No coro, além se de apreciar a bela escultura de Cristo Crucificado, anterior- mente descrita, pode-se ter uma visão mais ampla da nave. Pode-se também admirar, de perto, após a restauração, a grade do coro em treliça e o lindo frontão, que da nave é visto somente pelo verso. Do coro tem-se acesso à torre sineira.

O SEGUNDOPISODOCONVENTO

Fazendo um pequeno giro pelo segundo piso do convento, poderão ser conhe- cidos o espaço da pequena biblioteca, as salas de repouso e os aposentos dos três frades residentes: frei Lucas Dolle, frei Luiz Ponciano Celestino e frei Hilton Francisco da Cruz Botelho, este ocupando o cargo de guardião. Ali se encon- tram também as antigas celas que hoje são usadas para hospedagem dos visi- tantes e fiéis, em períodos de retiro, dispostas lateralmente ao longo do corre- dor central. Tudo muito simples, como é próprio da Ordem Franciscana. Há poucos anos, com permissão do Iphan, duas celas foram adaptadas para a ins- talação de sanitários e banheiros, oferecendo ao hóspede um maior conforto.

No fim do corredor, disposta transversalmente, há uma sala que é um ver- dadeiro , decorada com uns poucos móveis de época que restaram do acervo do convento. Desse local pode-se desfrutar de uma bela vista panorâmica da cidade, com seu braço de mar, sua vegetação de mangue e as ilhas ao longe.

Outro mirante famoso do convento é o grande salão existente sobre a sacris- tia, guardando ainda suas antigas conversadeiras, nas laterais das janelas. É, sem dúvida, um local propício para a meditação e para desfrutar-se da beleza da natureza, de que essa região é tão pródiga. 92 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU

O UTROSRECINTOSNOTÉRREO

Descendo as escadas que conduzem de volta ao andar térreo, o visitante terá a oportunida- de de conhecer o refeitório, um antigo lavabo similar ao do convento do Paraguaçu e a cozi- nha. Esta é muito semelhante às grandes cozinhas monásticas da Idade Média européia. Trata-se de uma construção de planta quadrada, no centro da qual antigamente ficava o forno, cuja fumaça saía pelas aberturas de uma enorme chaminé cônica, que se sobrepõe à construção cúbica59.

59. Bazin, German. Op. cit., p. 142. O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 93

Documentos antigos fazem referência à existência, nas proximidades, de cômodos para açou- À esquerda, fundos da cozinha com chaminé gue, dispensa com tulhas e cárcere. A localização deste último foi recentemente identificada cônica, típica dos por frei Lucas Dolle. No Brasil, cozinhas semelhantes à descrita só existem no convento fran- monastérios medievais. Foto de Nelson Kon, ciscano de Penedo, em Alagoas, e no de São Cristóvão, em Sergipe. 2009. Finalizamos a visita pelo refeitório, que guarda em suas paredes os mais antigos exemplares To the left, back end of the kitchen with conical de azulejos do convento. Aí vamos encontrar guarnição de azulejos do século XVII, em chimney, typical of medieval monasteries. padrão massaroca, numa altura de cinco azulejos, incluindo a barra superior, de acantos e Photograph by Nelson pérolas. Informa Santos Simões: “Aqui e ali, misturados com estes azulejos, vêem-se elemen- Kon, 2009. tos de um painel figurado, policromo, do séc. XVII. Estes azulejos, tanto os de padrão, como os restos do painel, não seriam do convento, já que acusam um tipo corrente no meado do

Nesta página, vista dos fundos do convento, em fase de restauro. Foto Studio Argolo, 2009.

On this page, view of the Monastery’s back end, during restoration. Photograph by Studio Argolo, 2009. 94 O CONVENTO FRANCISCANO DE CAIRU O CONVENTO DE SANTO ANTÔNIO 95

À esquerda, azulejaria do refeitório em padrão massaroca (século XVII). Foto Studio Argolo, 2007.

To the left, refectory tile work in massaroca pattern (17th century). Photograph by Studio Argolo, 2007.

À direita, mesas originais do refeitório, com estrutura em pedra e tampão em madeira. Foto de Walmir Pinheiro, 2007.

To the right, original refectory tables, with stone structure and wooden tops. Photograph by Walmir Pinheiro, 2007.

séc. XVII, antes, logicamente, do início da construção. Parece mais plausível que os frades tenham aproveitado azulejos de outro local, provavelmente vindos do Convento do São Francisco do Salvador, onde encontrei exemplares muito semelhantes, mas que eram primiti- vamente deste último convento”.

O refeitório, simples e acolhedor, ainda conserva as mesas e bancos originais, com sua estru- tura de pedra e tampo de madeira. Na parede de fundo existe um belo Cristo Crucificado e, na entrada, um filtro de pedra muito antigo, ainda funcionando. O teto, feito com tábuas superpostas, tipo mata-junta, parece de confecção relativamente recente. Provavelmente subs- titui o original, de tábuas corridas, sem dúvida ostentando pintura decorativa.

Pela sua importância histórica e cultural, o convento de Santo Antônio de Cairu mereceu tom- bamento por parte do Iphan, através do processo nº 258-T, Livro das Belas Artes, fls. 55, em 17 de outubro de 194160.

60. Souza, Alcídio Mafra de. Guia dos bens tombados – Bahia. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1983. p. 48. PALAVRASFINAIS

A restauração de uma obra não garante sua perenização. A sua conservação diuturna é um mandamento obrigatório. Preservar para não restaurar, esse é o lema universal. Nossa espe- rança é de que a comunidade franciscana e o povo de Cairu passem a defender com mais vigor esse patrimônio que não é apenas cairuense, baiano e brasileiro; na verdade, ele per- tence a toda a civilização.

Por outro lado, a preservação de um patrimônio cultural nem sempre necessita de equipamen- tos sofisticados, mas de medidas muito simples, ao alcance dos responsáveis pelo monumen- to, tais como: limpezas periódicas com trinchas e pincéis macios, fechamento de janelas e por- tas em horários em que não houver visitantes, controle da exposição do acervo à luz tanto natural como artificial, reposição imediata de vidraças quebradas, vistoria freqüente das ins- talações elétricas, atenção à movimentação dos visitantes para evitar furtos ou atos de vanda- lismo, revisão periódica dos telhados e calhas, controle dos agentes biológicos (cupins, morce- gos etc.). A colocação de telas metálicas na abertura das torres, óculos e em outros vãos impe- de a invasão de morcegos e pombos. Finalmente, evitar que pessoas leigas, na melhor das intenções, interfiram na integridade dos bens, inclusive utilizando produtos inadequados.

Trata-se de medidas muito simples, porém extremamente importantes; eis que, em nossos 30 anos d e experiência na área de restauração, inúmeras vezes detectamos, para apenas exem- plificar, que um retábulo totalmente degradado ou destruído pode ser o nefasto resultado de uma simples telha quebrada ou deslocada que a negligência, ao longo do tempo, não procu- rou sanar.

Na atualidade, a grande preocupação dos profissionais envolvidos com a preservação dos monumentos reside na proteção de seu “envelope”, assim entendido o conjunto constituído por telhado, paredes, portas e janelas, elementos que – devidamente administrados – garan- tirão, em larga escala, a sobrevida do conteúdo dessa caixa arquitetônica, conforme magnifi- camente abordou, em recente curso promovido pela Fundação Vitae, em São Paulo, a grande especialista inglesa, Profa. Sharon Carther, da Universidade de Londres. BIBLIOGRAFIA

ACCIOLI , I.; AMARAL, B. Memórias históricas e políticas da Bahia. Salvador: Imprensa Oficial do Estado da Bahia, 1937. v. 5. ARQUIVO PÚBLICO DA BAHIA. Códice 1 2/28. Ordens Régias de 1730-1731. ATAS CAPITULARES DA PROVÍNCIA DE SANTO ANTÔNIO DO BRASIL: 1649-1873. Capítulo de 1685. ATAS CAPITULARES DA PROVÍNCIA DE SANTO ANTÔNIO DO BRASIL: 1649-1893. Capítulo de 1705. BAHIA. IPAC-BA – Inventário de proteção ao acervo cultural. Monumentos e sítios do litoral Sul. Salvador: Secretaria de Indústria Comércio e Turismo, 1988. v. 5. BAHIA. Roteiros ecoturísticos da Bahia. Costa do dendê. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, 2000/2003. BRUNETTO, Carlos Javier Castro. Franciscanismo y arte barroco en Brasil. Santa Cruz de Tenerife: Asociación Hispánica de Estúdios Franciscanos, 1996. BUENO, Eduardo. Capitães do Brasil. A saga dos primeiros colonizadores. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999. (Coleção Terra Brasilis.) CAMPOS, Silva. Crônica da capitania de São Jorge dos Ilhéus. Rio de Janeiro: MEC/CFC, 1981. CATÁLOGO PROVINCIAL 2004. Província franciscana de Santo Antônio do Brasil. ESTATUTOS DA PROVÍNCIA DE SANTO ANTÔNIO DO BRASIL. Lisboa, 1709. FONSECA, Fernando da. Convento de Santo Antônio de Cairu. Monografia inédita. CEAB-UFBA. Salvador. FRAGOSO, Hugo. São Francisco do Paraguaçu – Uma história sepultada sobre ruínas. Salvador: Secretaria de Cultura e Turismo, 2004. JABOATÃO, fr. Antônio de Santa Maria. Novo Orbe Seráfico Brasílico ou crônica dos frades menores da província do Brasil. Parte segunda, v. I, II e III. Reprodução fac-similar das edições de 1859, 1861 e 1862. Recife: Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco, 1980. LIVRO DAS CRÔNICAS. História eclesiástica de Cairu. c. 2, p. 5. (Manuscrito existente no Convento de Cairu.) LIVRO DAS CRÔNICAS. História profana de Cairu. (Manuscrito existente no Convento de Cairu.) LIVRO DOS GUARDIÃES DO CONVENTO DE SÃO FRANCISCO DA BAHIA (1587 - 1872). LORENZI, Harri. Árvores brasileiras. Manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. 2 ed. Nova Odessa: Plantarum, 2002. v. 2. LUZ, Manoel dos Santos. Cayru no anno de 1872. (Original perdido. Cópia datilografada existente no Convento.) MECO, José. Azulejaria portuguesa. 4 ed. Lisboa: Bertrand, 1985. OTT, Carlos. A escola baiana de pintura: 1764-1850. São Paulo: Editor Emanoel Araújo. 1982. ______. Francisco Pinheiro. A Tarde, Salvador 18/06/83. PITTA, Sebastião da Rocha. História da América Portuguesa. Bahia: Livraria Progresso Editora Aguiar & Souza, 1950. v. 7. (Coleção de Estudos Brasileiros. Série Marajoara.) QUIRINO, Manoel Raymundo. Artistas baianos. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909. RISÉRIO, Antônio. Tinharé: história e cultura no litoral Sul da Bahia. Salvador: BYI Projetos Culturais, 2003. SIMÕES, João M. dos Santos. Azulejaria portuguesa no Brasil (1500-1822). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1965. SOUSA, Alberto. A invenção do barroco brasileiro: a igreja franciscana de Cairu. João Pessoa: Editora da UFPB, 2005. SOUZA, Alcídio Mafra de. Guia dos bens tombados – Bahia. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1983. VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador: Itapoã. 1969. 3 v. (Coleção baiana.)

ENGLISHVERSION

FOREWORD

Detail of the altar of This publication of the Monumenta Program/Iphan is a summary of the first two chapters of St. Rose of Viterbo. Central portion of the the book The Franciscan Monastery of Cairu – Restoration of Artistic Elements, by Professor magnificent baroque José Dirson Argolo, responsible for the restoration of the rich collection of the monastery: carv- carving, after restoration. Photograph ings, ceilings, paintings, façade, furniture, sculptures and tiles. by Nelson Kon, 2009. The purpose of this reduced edition is very clear. On the one hand, it offers visitors of the Detalhe do altar de monastery necessary i nformation for better enjoyment of their visit, and on the other, con- Santa Rosa de Viterbo. Parte central da tributes to the maintenance of the monastery and its rich collection with the resources gained magnífica talha barroca, apó restauração. Foto from the sale of this publication. de Nelson Kon, 2009. According to many scholars, including Germain Bazin, this landmark, designed during the sec- ond half of the 17th century, was the first instance of baroque style in Portuguese-Brazilian reli- gious architecture. Not for many decades after that would this style become predominant, with its singular treatment of artistic elements. The innovative baroque features found in this Monastery’s façade – at once scenic, dramatic, illusionist and decorative – would soon be repeated on the Franciscan churches of Paraguaçu, Igaraçu and João Pessoa.

In these chapters, the author recovers the history of the Cairu Municipality and the Franciscan Monastery, places its construction and existence into context and tells us of the population, the custom s, the landscape and the local religious culture.

It is to this reading, fascinating in so many ways, that we invite all those interested in the con- servation and appreciation of our cultural heritage.

Luiz Fernando de Almeida President of the National Historic and Artistic Heritage Institute National Coordinator of Monumenta Program March 2010 100 THE FRANCISCAN MONASTERY OF CAIRU

INTRODUCTION

The conservation of historic memory is one of the most widely debated topics in contemporary societies. The fascination produced by monuments, works of art, customs, dances, landscapes, and the peculiar- ities of each people of the world has been feeding the tourism industry like never before. At the same time, getting to know the culture of other peoples – the movable and immovable goods, including immaterial manifestations, representing the past and the technological evolution of each point in time – has become essential towards the communication between nations. Thus, man has been growing in awareness that the past is the key to understanding the present and future, and that no country can achieve prominence unless it stands strongly upon the foundations of its memory. Only the passion for the preservation of our historic and cultural memory could justify the disposition of restorers and conservers to go on contributing, in spite of the countless obstacles in our path, to try and save the most fascinating manifestations left to us by our forefathers. As degraded as they may be, to the point of resembling “terminal patients” in some cases, these professionals focus all of their efforts to make sure they can be seen and enjoyed now and in the future. As much as public policies have evolved towards establishing a preventive conservation of our cultural heritage, we still have a long way to go. The lack of awareness from those who own or use heritage sites promotes their degradation, widely increasing the expense of their recovery, when it is still possible. In the restoration of the Monastery of Santo Antônio de Cairu, a jewel of Brazilian baroque, we have been using the best of our knowledge and work to provide an intervention that can be worthy not only of the monument’s importance, as a major instance of Brazilian faith and art in Southern Bahia, but also of the expectations of the Cairu community, who yearns for the redemption of its small town through an enhancement of its touristic potential. A visit to the monastery shows us Brazilians the innovations of the baroque style, and also awakens curiosity about the one in charge for the original church project. Already in the 18th century, Jaboatão attributed the authorship of the monasteries of Cairu and Santo Antônio do Paraguaçu to the Franciscan Fre i Daniel de São Francisco, an expert in science and literature. It was said, in reference to the Monastery of Cairu, “that the master of sacred theology and provincial custodian had cast the first stone, (...) in August 25, 1654”. The characteristics of the religious works allow us to affirm that boldness, creativity and expertise in architecture were some of his qualities. It is also known that he enjoyed great prestige within the Franciscan community, especially in Bahia, where he built, along the years, a brilliant career as adminis- trator, architect, and professor of theology and philosophy. Born in Portugal between 1600 and 1610, in Arrifana de Souza, also known as Panafiel, located close to the Cidade do Porto, he came to very young in order to join religious life as novice. He pro- fessed religious vows in the Monastery of Olinda, in approximately 1627. It is likely that there he has come into contact with the Dutch architecture at the time of the Batavian invasion, which helps to explain, according to Alberto Sousa, the architectural solution found by him to the design of the Monastery of Cairu. Later he was transferred to Salvador, where he devoted himself to his intellectual development, as a reader of a course of philosophy for three years and theology for the next four years. After that period, he travelled to Lisbon to deal with the separation of custody Brazil-Portugal. As he succeeded, he was elected the first guardian of the Monastery of Salvador, in 1647. He resigned, but was led back to office in the following period (1650-1653), when he carried out many works in the monastery. He had great ease to convince the rich and the powerful to make generous donations for the works of the Monastery of Salvador. There is no doubt that, during that time, he developed the design of the Monastery of Cairu. ENGLISHVERSION 101

He also participated, as a custodian, in the restoration of the Captaincy of Pernambuco against the Dutch subjugation. He was also guardian of the Franciscan Monastery of Olinda for three years, in the beginning of the decade of 1670, returning to Salvador to exercise again the role of superior of the monastery between the years 1673 and 1677. After his mandate, we find him later, in advanced age, as guardian of the Monastery of Olinda, in the Provincial Chapter of Fr. Aleixo de Madre de Deus. Frei Daniel died at the Monastery of Recife, on February 4, 1692. The exuberant nature of Cairu certainly has influenced the Franciscan friar in the design of the beauti- ful façade of the church of the monastery. Fernando da Fonseca made the same conjecture, when refer- ring to another impressive work of the religious – the Monastery of Paraguay: “who will deny that the valley Paraguaçu did not remind Frei Daniel of his homeland, pleasant a nd flat, cut by rivers, salutary and fertile? “ The Monastery of Santo Antônio de Cairu is the result of the proceedings of several entities and insti- tutions, particularly since 2007,when the monastery´s restoration, by then restricted to movable and integrated goods, started to receive major sponsorships that allowed for a total intervention, encom- passing also architectural and structural aspects. Next, we present an abridged list of the entities that were/are i nvolved in this recovery program: Sponsors: Ministry of Justice, through the Diffuse Rights Defense Fund, 2002 to 2005; Brazilian Petrol SA – Petrobras, since 2007. Proponents: Lower South of Bahia Development Institute – IDES, from 2002 to 2005; Humanistic Ecological Group Papamel, since 2007. Executors: Studio Argolo Antiques and Restoration Ltd., on the area of movable and integrated goods, since 2002; Patrimoni Restoration of Civil Works and Historic Heritage Ltd., since 2007, on the structur- al and architectural area.

D e d i c a t i o n I would like to dedicate this book to the dear, late masters, in memoriam, Valentin Calderón de la Vara e Roman Galeffi, who believed in my dream; to Lindaura Sousa Argolo, my mother, fully lucid at 97 years of age; to Waldemar Silvestre Carlos, my dearest friend, who follows and encourages my professional life; to the Scacciatti family – Bárbara, Fiorenza and Enrico (in memoriam) – for the ten- derness and the support during my stay in Florence and for the friendship of many years; and to the whole team of Studio Argolo, identified next in our studio’s personnel list. José Dirson Argolo

Studio Argolo team General coordinator: José Dirson Argolo. Administrative coordinator: Waldemar Silvestre Carlos. Subcoordinators: Cláudia Maria de Cerqueira Barbosa e Maria Marley Rodrigues Serravalle. Secretária: Lívia Santos Bahia. Restoration team: José Dirson Argolo, Cláudia Maria de Cerqueira Barbosa, Maria Marley Rodrigues Serravalle, Jayme Leopoldo Santana, Juarez Silva, Helane Barbosa dos Reis, Jacildes dos Santos Gonçalves, Ivanildo Moreira dos Santos, Helenilton Cruz do Rosário, José Raimundo Sousa de Jesus, Débora Cristina Santos, Tirson Fernandes e Silva, José Ricardo Oliveira da Silva, Marcio Navarro de Almeida Couto, Estácio Luiz Moreira P. Fernandes, Daniela Veloso Coelho, Franklin Conceição Gomes, Carlos Alexandre Conceição de Jesus, Nivaldo Oliveira Barbosa, Valter Lúcio da Silva Coutinho, Valdir Palma de Jesus Souza, Sérgio Luis Silva Santos, Antônio Hélio Silva Santos, Roberto de Lima Santos, Lais Ché, Ana Chistina O. Araújo. Photographers: Adenor Gondim, Walmir Pinheiro, José Spínola, José Dirson Argolo e Waldemar Silvestre Carlos.

ENGLISHVERSION 103

I.THEMUNICIPALITYOF CAIRUANDITSHISTORY

The municipality of Cairu, on the Palm Oil Coast (Costa do Dendê), is unquestionably one of the earliest areas of European settlement in Brazil. The first reports of this fertile and well-watered land date from the voyage of Martim Detail of the tiles from Afonso de Sousa, who surveyed the coastline in 1530, by command of Dom João III, the Portuguese King. His fleet chapter room, after restoration consisted of five ships (Capitânia, his flagship; the nau São Miguel; the galleon São Vicente; and two caravels, Rosa procedures. Photograph and Princesa) and 400 men. His mission had geographical, military and colonizing objectives, and his fleet carried by Nelson Kon, 2009. soldiers, sailors, colonists (who brought with them seeds and agricultural implements to cultivate the land), law- men, and naturally, a chaplain. The expedition had orders to survey the Brazilian coast from Maranhão to Rio de la Plata; to deny the French access to brazil wood; and to establish small commercial entrepôt (feitorias ) which, in Detalhe dos azulejos da time, served as the nuclei of the earliest settlements. sala do capítulo, após restauração. Although Martim Afonso de Souza was one of the first Europeans to tread upon the white sand beaches of the Foto de Nelson Kon, Costa do Dendê, he had been preceded in this by Diogo Álvares Correia – known as Caramuru. A well-known story 2009. recounts how Caramuru, around 1526, found an image of Our Lady of Grace, among the wreckage of a Spanish ship, on the Island of Boipeba. This image was said to have appeared in dreams to his wife, the Indian Catarina Álvares Paraguaçu, and attracted much veneration1. Martin Afonso anchored his fleet in a natural harbor on the lee of a sandstone cliff by what is now the town of Morro de São Paulo, on the island known to the Indians as tý-nhã-ré, “beyond the waters”2. Our earliest reports of the Island of Tinharé are from members of Martin Afonso’s entourage, and include the letters of his brother, Pero Lopes de Sousa. In his account of the journey, Pero Lopes wrote: “and at sunset we sighted land and recognized it as the southern portion of the mouth of the Tinharé river”. Lopes’ reference to Tinharé as a familiar feature to nav- igators and cartographers is evidence that the region had received earlier visits. “Prior to the journey of Martim Afonso, the island had certainly been visited by certain Spanish, French and Portuguese mariners, and its name remembered and passed on by word of mouth to other seafarers who sailed under the tropical skies of Brazil”3. It should be remembered that, since 1500, such navigators as Gaspar de Lemos, Gonçalo Coelho Pereira, Americo Vespucci (who discovered the Bahia de Todos os Santos on November 1, 1501), Cristóvão Jacques and others, had reconnoitered and founded entrepôt on the coast of the recently-discovered new world. It is also known that cast- aways, outlaws and adventurers were a feature of the Brazilian coast in the early years of the colonial period. The illegal trade of bra zil wood, exotic birds, and animal skins, especially by the French (often aided by Indians and adventurers such as Caramuru) was not uncommon in the first thirty years following the discovery. One of the mem- bers of Martim Afonso’s entourage was Pero Capico, a specialist on the “brazil-wood coast”. All this reinforces the evidence that the Tinharé archipelago was known to mariners even prior to Martim Afonso’s journey. Three years earlier, Martim Afonso de Sousa had been appointed, by King Dom João III, “commander-in-chief and governor of the lands of Brazil”. In 1532, however, the King decided to divide Brazil into 15 large parcels of land, known as Hereditary Captaincies. A letter from King Dom João III conveying news of this decision (taken at Évora on September 28, 1532) was dispatched to Martim Afonso, who was then at São Vicente on the coast of São Paulo. This letter was carried by Captain João de Sousa, who had been in Brazil with Martim Afonso the previous year, but was delivered only in January 1533. Upon receiving this news, Martim Afonso surmised that he was being dis- missed from his appointment. Nonetheless, he postponed his return to Portugal until late May, arriving in Lisbon, after a brief sojourn in the Açores, only in mid August 1533. Portugal was in the grip of a serious financial crisis, and had been obliged to contract loans from Flemish bankers, at exorbitant interest rates. Moreover, Lisbon had suffered a terrible earthquake in the final months of 1531. The upshot was that no funding was available for colonization efforts in Brazil, despite threats posed by French inter- lopers, avid for brazil wood. Brazil wood, the source of a red dye much prized by European cloth makers and the favorite color of nobles and high clergy, was Brazil’s primary export. Only after much pondering did King Dom João III heed the advice of Dom Antônio de Ataíde, and delegate “to private enterpri se the task of settling the colony – on pain of loosing it to the French.”4.

1. To this day this image is worshipped in the Graça Church, in Salvador, built by Catarina Álvares. Thus the name of the traditional borough of Graça. 2. COSTA DO DENDE. Secretaria da Cultura and Turismo. Superintendência de Desenvolvimento do Turismo. Roteiros ecoturísticos da Bahia. Salvador. p. 14. 3. RISÉRIO, Antonio. Tinharé : História and Cultura no Litoral Sul da Bahia. Salvador, BYI Projetos Culturais Ltda. 2003. p. 24. 4. BUENO, Eduardo. Capitães do Brasil. A saga dos primeiros colonizadores. Coleção Terra Brasilis. Editora Objetiva Ltda. Rio de Janeiro, 1999. p. 78. 104 THE FRANCISCAN MONASTERY OF CAIRU

Immediately following Martim Afonso’s return to Portugal, Brazil was divided into 15 vast tracts of land, each approximately 300 km in width. The divisions were based upon a map by astronomer Gaspar Viegas. The territory that comprises the modern State of Bahia was divided into three captaincies: Porto Seguro, granted to Pero do Campo Tourinho; Bahia, to Francisco Pereira Coutinho; and Ilhéus, to Jorge Figueiredo Correia.

C OLONIZINGTHE C APTAINCYOF I LHÉUS Around 1535, the first Portuguese colonists arrived at the Captaincy of Ilhéus, having been brought by Donatory Jorge Figueiredo, a scribe of the Royal Exchequer, considered “one of the richest men in Portugal”5. The grant of this Captaincy was signed by King Dom João III on April 1, 1535. This “opulent and influential man on no account considered exchanging his position and court connections for the hazards and toil of governing his remote captain- cy”, wrote historian Pedro Azevedo (quoted by Eduardo Bueno). According to the same author, who quotes Carlos Malheiro Dias, Jorge de Figueiredo “was a practical man, with seasoned faith in the power of money” and thus, “though disposed to invest in the colonization of his captaincy, he maintained a prudent distance from Brazil”. In his place he sent Francisco Romero, a Castilian who resided in Lisbon. Romero probably arrived in Bahia in late December, 1535, or early January, 1536. From there (according to Bueno), after a few days of well-earned rest, he journeyed south to the captaincy he was to govern. Historian Francisco de Varnhagen supposes “that the wealthy Jorge de Figueiredo had managed to enlist some 250 men, and had purchased three ships. This implies that he invested a considerable amount of money – no less than 150,000 cruzados – in his tropical adventure”6. Romero initially settled on the island of Tinharé, on the site that is now Morro de São Paulo. Little is known about Romero, except what can be garnered from a report of Pero de Borges (the Ouvidor-Geral) who, in 1550, inspected the Captaincy of Ilhéus on behalf of the King, during the administration of Governor Thomé de Sousa. According to Pero de Borges, Francisco Romero was “a good man, but inept to govern, being ignorant and very poor, qualities that often lead men to do what they ought not”. Though a poor administrator, Romero was considered “skilled and experienced in affairs of war”7. Romero remained only a short time on the island of Tinharé, where his colonists made a large clearing in the dense and luxuriant vegetation that covered the summit of Morro de São Paulo. A detachment, sent to explore the sur- rounding region, “returned after a few weeks reporting that it had identified a more favorable site for the seat of the captaincy.”8. This new site was strategically perfect, on a peninsula sheltered by four islands, behind which the Cachoeira river flowed into the Atlantic. The site was easily defendable, protected by the sea and by the river, and provided an excellent anchorage for ships. Aside from these favorable features, “the land was fertile, watered by clear streams, and covered in luxuriant vegetation9”. The site received the name São Jorge dos Ilhéus. Aside from being the name of the Donatory (Jorge de Figueiredo), St. George was also his patron saint, whereas “Ilhéus” was a reference to the four small islands. Though the region was inhabited by the formidable Aimoré Indians, considered the most warlike of the Brazilian coastal tribes, initially everything seemed to be running smoothly at the Captaincy of Ilhéus. By the end of 1536, Francisco Romero had sent his first shipment of brazil wood to Portugal. This ship carried good news: the settle- ment had been established and fortified, and a small chapel had been built.10 The success of the settlement was such that, in the following year, the Donatory resolved to distribute, in Lisbon, three land grants (sesmarias). One such grant was made to Mem de Sá (later to become Brazil’s 3rd Governor- General); another to Fernão Álvares de Andrade (Donatory of Maranhão); and the third to Lucas Giraldes, a rich Florentine banker and investor who had been living in Lisbon for many years. According to historian Eduardo Bueno, “these grants show that, though endowed with a large fortune, Jorge de Figueiredo sought partners to invest in sugar production in his captaincy”.11

5. BUENO, Eduardo. Idem, ibidem. p. 220. 6. BUENO, Eduardo. Capitães do Brasil. A saga dos primeiros colonizadores. Coleção Terra Brasilis. Editora Objetiva Ltda. Rio de Janeiro, 1999. p. 221. 7. Idem, ibidem. p. 221. 8. Idem, ibidem. p. 222. 9. Idem, ibidem. p. 222. 10. Idem, ibidem p. 223. 11. Idem, ibidem p. 223. ENGLISHVERSION 105

T IMESOFWAR Peace between colonists, Indians, and the administration of the captaincy was maintained by means of trade goods, sent out from Lisbon by the wealthy Donatory, for use by Romero in a barter system: hundreds of machetes and axes, colored beads, fish hooks, mirrors, etc. Exchanges of these goods usually took place between settlers and the Tupiniquim Indians that roamed the region, rather than with the much wilder Aimoré, who lived in the depthsf o the Atlantic forest. By 1546 there were eight sugar mills in the region, and peace was breached as they began to demand ever-larger contingents of slave labor. To fulfill this demand, the Portuguese began to enslave not only Indians captured through warfare (índios de corda – bound captives of intertribal conflicts, often instigated by the Portuguese) but also members of those tribes that had lived peacefully alongside the colonists since the earliest days of Portuguese settlement. Romero, a rude Castilian, further exacerbated tensions with his haughty treatment of subordinates and colonists alike. In 1540, Romero was arrested for blasphemy. Upon seeing a crucifix recently brought from Portugal by one of his rivals, he purportedly said “I hate this crucifix”. The colonists reported him to the ecclesiastical authorities. Though he was returned to Lisbon in chains and incarcerated in the Limoeiro prison, such was the prestige of Jorge Figueiredo that, by late 1541, he was back in Bahia. Jorge Figueiredo used all his influence to have him released and, to spite his adversaries, reinstated him to his post at Ilhéus12. Upon his return, Romero took revenge upon those who had conspired against him, thus further stirring up con- flict within the colony. At the same time, however, he redoubled efforts to build sugar mills, with funding from “the abundant coffers” of Florentine banker Lucas Giraldes. Thus, increasing numbers of slaves were needed to man the sugar mills. Since African slaves (brought in from afar) were costly, the most economical alternative was to round up the local Indians, despite the fact that, since the earliest days of colonization, these had proven recalcitrant slaves. It was during this period that the Portuguese colonists began encroaching upon territories of the feared and war- like Aimoré or Botocudo Indians. The reaction was brutal and immediate, and by the second half of 1546 attacks by this tribe had become a constant menace. It was not long before the natives had overrun Ilhéus and Porto Seguro, laying waste to sugar mills and spreading terror among the Portuguese colonists, who sought refuge on the islands of Tinharé, Boipeba, Cairu, and other offshore localities. War with the Aimoré was still raging in late 1550, when Donatory Jorge Figueiredo Correia died in Lisbon. Shortly after, his son, Jerônimo de Figueiredo de Alarção, sold out his interests in the captaincy to Banker Lucas Giraldes. Romero was dismissed from his post as administrator, and Tomaso Alegre, an Italian, was dispatched to Brazil to replace him. Some years later, upon the death of Lucas Giraldes, his son Francisco Giraldes inherited the Captaincy of Ilhéus.

C AIRU , FROMITSFOUNDATIONTOTHISDAY It was Lucas Giraldes, the 2nd Donatory of the Captaincy of Ilhéus who, in 1565, ordered his proxy, Baltazar Ferreira Gaivoto, to found the villages of Cairu, Boipeba and Camamu. Gaivoto, in turn, delegated the task to João d’Andrade13. According to Historian Silva Campos, the aim was to “institute centers of white settlement to face up to bellicose Indians of the region while, at the same time, attracting and settling tame Indians who were allied to the Portuguese. Aside from these advantages, the settlements had the merit of promoting development in the region”. Notwithstanding the newlyfounded villages, the Aimoré persisted in spreading destruction and fear among the settlers, and when they attacked the Portuguese, half-breed and acculturated-Indian populations would flee to the islands of Tinharé and Boipeba. There they were safe from the Aimoré who, not knowing how to swim and having no familiarity with canoes or boats, would not pursue them off shore. With war against the Aimoré still in full swing, and the newly-founded settlements under threat, C airu became the main center of resistance against Indian attacks. According to Vilhena, Vila de Cairu was the first judicature in the region. “The town was founded on an island, some two or three leagues in circumference, on the channel that separates the large island of Morro de São Paulo from the mainland, owing to the great number of heathen (Indians) that infested the mainland”14. By the end of the 16th century, in view of the decline of São Jorge dos Ilhéus, the best cultivated areas of the Captaincy were (according to historian Silva Campos) Camamu, Cairu and Boipeba. As warfare declined (the same author reports), the Portuguese gradually resumed their colonization efforts. Many

12. BUENO, Eduardo. Capitães do Brasil. A saga dos primeiros colonizadores. Coleção Terra Brasilis. Editora Objetiva Ltda. Rio de Janeiro, 1999. p. 225. 13. CAMPOS, Silva. Crônica da Capitania. 1981. p. 67. 14. VILHENA, Luis dos Santos. A Bahia no Século XVIII. Vol. 2. Editora Itapoá. Coleção baiana. p.494. 106 THE FRANCISCAN MONASTERY OF CAIRU

who had been forced to flee attacks of the Aimoré on the mainland of Tinharé began to return. They tended to prefer the security of the islands of Cairu, Boipeba and Morro de São Paulo, that were less exposed to hostile Indian attacks, and Cairu underwent considerable growth. At the onset of the 17th century, “Cairu was the star of the coast of Southern Bahia, and Boipeba took second place”15. According to various sources, the town of Cairu aro se between 1608 and 1610. It can thus be perceived that the town grew out of efforts made by the founders of the Captaincy of Ilhéus, and it retained its importance for many years as a center for sugar-cane cultivation. The original name of the Island of Cairu was Aracajuru, meaning “Home of the Sun” in the indigenous language (according to Jaboatão). The municipality includes a number of other islands, the most important being Boipeba, Galeão and Gamboa. The small town of Ca iru is located on an eponymous island, 166 km from Bom Despacho on the Island of Itaparica.

O NEFAMILYINTHETOWN ’ SHISTORY One of the first settlers of the region was a wealthy Portuguese nobleman, Sebastião da Ponte, who owned a sugar mill in the Recôncavo region. He was to make considerable investments, including a sugar mill located at the first waterfall on the Una river, and a cattle ranch at a point still known as Ponta do Curral, which stretches from the beach of Gamboa to Morro de São Paulo. Another notable early settler was Antônio de Couros, who owned a sugar mill in Cairu, and (according to Friar Vicente do Salvador) prior to the 1624 Dutch invasion of Bahia, had been friendly with Dutch Captain Francisco Vilhena. Other early residents of the island were the couple Domingos da Fonseca Saraiva and Dona Antônia de Pádua Góes. He was considered “the earliest of the second group of settlers” to occupy the mainland of Cairu. He was the son of Diogo Aff onso de Veyga and grandson of “the great Francisco da Fonseca Saraiva, Lord of the Vila de Trancozo”16. His wife, Antônia de Pádua Góis, though born in Portugal, had arrived in Brazil as a child. She was the daughter of Gaspar de Araújo, a nobleman from Vila dos Arcos, one of the aristocratic Araújo family, and of Catharina de Góes of the city of Lisbon. The couple moved to Brazil in 1563 and established residence in the Captaincy of Ilhéus (or São Jorge) during the period when the region was undergoing settlement, producing prof- its for its investors and hope for the future of its populace.17 Apart from the two children who accompanied them on their arrival, Antônia de Pádua and Simão de Araújo, the cou- ple later had another four: Francisca de Araújo, Maria de Góes, Clara de Góes, and Jorge de Araújo Góes. The reli- gious piety of the family was such that, upon the death of Catharina de Góes, her widower Gaspar de Araújo moved from Ilhéus to Salvador, with the aim of entering the Jesuit Order. According to Jaboatão, despite his wealth in farms and sugar mills, the Jesuit fathers were most reluctant to admit Gaspar into the Company of Jesus. To demonstrate to the Jesuits the authenticity of his vocation, this nobleman submitted to the most lowly tasks, such as carrying firewood and water, to the gates of the Jesuit mission. In the face of such abnegation, the Jesuits were won over, and received him into their Order. He took the habit and, upon his death, was much lamented by the community18. The immense religious fervor exhibited by these people and particularly by this family, that had left Portugal to come to Brazil in the earliest days of the colony, is reflected in the choice of the names of their children. As devotees of St. Anthony, their firstborn daughter was christened Antônia de Pádua, the latter name becoming almost a byword for the Góes family. Domingos da Fonseca Saraiva and Antônia de P ádua initially established residence in the district of Vila de Ilhéus where, using her dowry, they built a home and a sugar mill, manned by a vast number of Indian slaves and ser- vants. Alongside the sugar mill they built a “very ornate chapel, dedicated to that great Portuguese favorite, St. Anthony, to whom they were particularly devoted. Each year they would celebrate his feast day with catholic zeal, and give thanks for their affluent lives, the fruits of the land, and for their ten children (three boys and seven girls) all of whom were brought up in fear of the Lord”.19 After twenty years in the District of Ilhéus, they were obliged to abandon their sugar mill and estates, owing to insecurity and constant depredations by the wild Indians. They moved to the mainland of Cairu, which by then was showing signs of prosperity, and where they established a new sugar mill and plantations. In these new lands, the

15. RISÉRIO, Antônio. Tinharé: História and Cultura no Litoral Sul da Bahia. Salvador: BYI Projetos Culturais Ltda. 2003. p. 90. 16. JABOATÃO, Fr. Antônio de Santa Maria. Novo Orbe Seráfico Basílico ou Chronica dos Frades Menores da Província do Brasil. Parte Segunda, v. I, II e III. Facsimile of the 1859, 1861 1862 Editions. Recife, Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco. 1980. p. 570. 17. Idem, ibidem. p. 569. 18. Idem, ibidem. p. 569/70. 19. Idem, ibidem. p. 570. ENGLISHVERSION 107

couple forged alliances, especially by marriage of their children to other expatriate Portuguese families, who received land grants (sesmarias) from local governors, with a view to promoting development in the region. These early settlers of Cairu built the main church (igreja matriz), dedicated to Our Lady of the Rosary, and also a small chapel dedicated to St. Anthony, “that was later donated to friars who then founded a monastery”20. Faith, virtu e, and charity appear to have been features of Dona Antônia de Pádua, the first great matriarch of Cairu, who (according to Jaboatão) left an indelible mark on the region. Jaboatão cites notes, allegedly left by her grand- son, that were to serve this great Franciscan writer as the basis for a chronicle of events of that period. “One still finds, in the Country of Cayrú, many descendents and vestiges of that great matriarch and handmaiden of the Lord, Antônia de Pádua Góes, a veritable symbol of charity and love of one’s neighbor. There, upon entering the town, you meet the Friars of St Francis, who live by alms, and who will guide you and tell you of her legacy, and how she inspired the people of the land, by her outstanding piety and devotion, feeding and clothing them, in the year of Our Lord 1649. She gave to the Village the Church of the Glorious St. Anthony for their hospice and home of their spiritual father”21. Even at that time, the Franciscan chroni cler Jaboatão regretted having no information on the original site of the home of Domingos and Antônia. It is however probable that it was located in the vicinity of the monastery, which some historians claim was built alongside the Saraivas’ sugar mill. Dona Antônia, as a sister of the Third Order of St Francis, appears to have dedicated her entire life to works of charity. Jaboatão tells us that, on one occasion, her husband suspected that she had bestowed too great a gift to charity. Though she pleaded that the gift had not been all that great, he remained unconvinced. To prove her innocence, she knelt down before her husband and ordered one of her maids to place a red-hot iron on her hands, and bore the pain for a considerable time. After this manifestation of piety, her husband prostrated himself at her feet, “begging her pardon, for the love of God; as she had proven her truthfulness and innocence by placing her hands into the burning flames”22. Upon becoming a widow, and after contracting “marriages of great honor” for her daughters Catharina and Mariana, Dona Antônia dedicated even more time to her faith. She would spend her time in mortification of the flesh, fasting, penances and disciplines. After the marriages of her sons, Simão and Antônio (who were to become outstanding masters of politics) and of her daughters Susana and Francisca, “her other child having been taken unto God in a state of innocence, she was released from burdens and obligations, and could dedicate herself to the care of her soul”23. Upon her death, at the age of 82, Dona Antônia de Pádua’s children, grandchildren and great-grandchildren num- bered 116. These, together with the offspring of her two brothers and three sisters, populated the greater part of the region of Cairu24.

T HEDEFENSEOF C AIRU During the 17th century, the island of Cairu became an important center for the production of manioc flour and tim- ber, and boasted various sugar mills. The Dutch, during their invasion of Brazil (from 1624, when they first arrived in Bahia, until 1654, when they were finally expelled from Pernambuco), landed at the archipelago on various occa- sions seeking supplies at Boipeba, Cairu, Tinharé and Camamu. In 1631, under the administration of Governor Diogo Luiz de Oliveira, work began on the Fortress of Morro de São Paulo, with the aim of protecting the island from Flemish and French pr ivateers that preyed upon the Brazilian coast, especially after the Dutch occupation of Pernambuco. The Portuguese were concerned that foreign interlopers might also seize the strategic port of Morro de São Paulo. Only after 1664, however, did the Fortress acquire a per- manent garrison, after which time it played an important role in the defenses of the coast of Bahia, the Bay of Todos os Santos, and of the City of Salvador itself, then capital of Portuguese America. In the 18th century (Vilhena informs us), “to defend the bar or entrance to the Bay, and prevent invasion of the mainland, a stronghold was built on a hill. The main fortress holds eighteen artillery pieces, though it could hold more. These face out from the various portions of the walls, that have salient and oblique angles that accompany the contours of the hill, leaving only a sparse terreplein on which to station artillery, and on which, only a few years ago, a total of fifty-two iron pieces were mounted.”25

20. Idem, ibidem. p. 571. 21. Idem, ibidem. p. 566. 22. Idem, ibidem. p. 571. 23. Idem, ibidem. p. 572. 24. Idem, ibidem. p. 576. 25. VILHENA, Luis dos Santos. A Bahia no Século XVIII. Editora Itapoã. Coleção Baiana. 1969. v. I, p. 232. 108 THE FRANCISCAN MONASTERY OF CAIRU

With respect to the importance of the fortress and its state of repair, Vilhena remarked: “I believe that stronghold to be of utmost importance, and the state of ruin in which many years of neglect have left it is deplorable....”. Rocha Pitta also made emphatic remarks about the fortress: “Sailing along the coast to the south, the imposing Fortress of Morro de São Paulo, with regular-shaped bulwarks and curtains, comes into view. Garris oned by a paid Company and commanded by a Captain, this fort serves the defenses of the coastal villages of Cairu, Camamu, Boypeba, and Rio das Contas, which are the breadbasket of Bahia, as was Egypt to Rome, and Sicily to all of Europe. These towns supply most of the manioc flour consumed in the City of Salvador and the surrounding region. The garrison consists of two veterans and valorous professional Infantrymen, Artillery and Grenadiers; four Regiments of distinguishedOrd inance Infantry, one of Privileged Companies of the Corte, and the three from outlying districts; performing on many occasions the functions of a paid militia”.26 The fortress today is the most outstanding landmark in the landscape of Morro de São Paulo, a living testimony of military architecture of the period and of the political history of Bahia. Despite the damage suffered over years of neglect, the fortress remains an imposing structure that delights tourists, scholars, and other visitors. In 1635, new settlers arrived in Cairu, fleeing an attack on the port of Ilhéus by a Dutch fleet under Lichthardt. Among these new arrivals were descendents of the original Donatory of the Captaincy27. In 1644, Governor Antônio Teles da Silva obliged inhabitants of the archipelago to supply manioc flour to troops in Salvador. In 1673, Governor Afonso Furtado forbade the planting of sugar cane and the building of sugar mills in the region, so as to stimulate the production of manioc flour. With the development of the sugar industry in the Recôncavo (the hin- terland of the Bay of Todos os Santos), the real breadbasket of Colonial Brazil, especially the municipalities of Cachoeira, Santo Amaro, and Maragogipe, the incipient sugar industry of southern Bahia ceased to receive gov- ernment incentives and, increasingly, its economy became focused on production of food crops and timber.

A TRAGEDYINCHURCH The parish of Nossa Senhora do Rosário de Cairu was founded between 1608 and 1610, when Dom Constantino Barradas was Archbishop of Bahia, and encompassed the islands of Cairu, Tinharé and all other islands of the archi- pelago, except for Boipeba, which was part of a separate parish, created in 1616. Construction work on the Main Church, situated on a small hill a little above the Franciscan Monastery, began in the first decade of the 17th cen- tury, since it was already in place when the Order of the Friars Minor founded the Monastery of Santo Antônio. It is quite plausible that the church really was built alongside Saraiva’s sugar mill. This church was the scene of a great tragedy, circa 1670, when the settlement found itself under attack by Indians. Rocha Pitta reports that “wild heathen of the hinterland would suddenly swoop down upon the settlements, caus- ing great loss of life and damage to crops.” One such attack descended upon the village of Cairu, wher e“… since many people inhabited it, a redoubt was built on an appropriate site for their defense, garrisoned by an Infantry Company, paid for by the Local Council, a third of which was relieved at three-month intervals, and which served to put down the Indians.”28 Heading this company was Captain Manoel Barbosa de Mesquita, who had been sent out from Lisbon in 1670. This noble gentlemen, so recently instated in his post, died heroically in combat, according to the following report: “It happened on a day when the Main Church of the Settlement was celebrating its principal feast, one of the most solemn events in the Parish, attended by local gentry with their wives and daughters, dressed in their best finery, and quite unprepared for the attack of savages, which had never before taken place there. The heathen arrived, thus varying the focus of their attacks, perhaps knowing that on this feast day the settlers would be unprepared for their hostilities. The savages arrived in a great multitude, breaching the peace with their wild cries and barbarous weapons, as is their custom in battle. The Minister of the Parish, and those who were inside the Church, closed the church doors”29. Captain Manoel Barbosa de Mesquita, who was inside the church with seven soldiers, ordered that the doors be opened and boldly sallied forth to combat the Indians, though at a numerical disadvantage and with few weapons at hand. The settlers, caught unawares, and unwilling to engage in combat, being mostly concerned with protect- ing their womenfolk, again closed the church doors. The brave captain flung himself upon the barbarous hoard, first discharging his pistols, then advancing sword and shield in hand. He slew several Indians, but finally perished,

26. ROCHA PITTA, Sebastião da. História da América Portuguesa. Coleção de Estudos Brasileiros. Série Marajoara, v. 7. Livraria Progresso. Editora Aguiar & Souza Ltda. Bahia, 1950. p. 64. 27. IPAC-BA. Litoral Sul. v. 5. Secretaria da Indústria, Comércio and Turismo. Salvador 1988. p. 33 28. ROCHA PITTA, Sebastião. Idem, ibidem. p. 241. 29. Idem, ibidem. p. 241. ENGLISHVERSION 109

succumbing to various arrow wounds. The same fate befell two of his soldiers; the others, on the pretext of seek- ing reinforcements from the barracks, had abandoned their comrades to their fate. Troops were brought in from the Fort of Morro de São Paulo and from the Jailhouse of Bahia, under the command of João Amaro, “a soldier of great valor and skill in fighting the heathen”. To defray their expenses, the Governor requested contributions from wealthy s.ettlers João Amaro, with very few casualties on his side, committed a veritable bloodbath, slaying and capturing an uncountable multitude of Indians. Live captives were taken to Salvador where they were sold as slaves, at low prices.30 Only in 1723 did the invasions come to an end, when Governor Vasco Fernandes César de Menezes ordered fortifications to be built at the headwaters and entrances to Cairu.

T HETIMESCHANGE In the 17th century, rice production was first introduced in Cairu. Interestingly, when restoration work was under- way on the sacristy of the Monastery, a large quantity of rice husk was found in the altar niche, though no one has been able to explain what the purpose of this was. The town continued to prosper, so much so that when, in 1755, much of Lisbon was destroyed by a huge earth- quake, “on November 1 of that same year, Cairu pledged 166$666 a year for a period of 30 years”31. Silva Campos cites correspondence, dated August 8, 1783, from the Ouvidor, Nunes da Costa, to the Governor, informing him that coffee and cocoa plants had been introduced to the islands. Logging remained one of the main- stays of the local economy in the 18th century, aided by the four rivers: the Una, Galé, Camuruji and Jequié, and also the Mapendipe, Mutupiranga and other streams that form the channel or gulf, “whereby much lumber of excellent quality for the building of ships, cabinetmaking, or construction of buildings is extracted from the vast forests of the hinterland...”32. Up until the first decades of the 19th century, logging was one of the main sources of wealth in the region, though it caused vast devastation. In 1779, Judge Silva Lisboa, an early defender of the forests, persistently denounced the dev- astation of the Atlantic Forest. This protest appears to have fallen upon deaf ears since, in 1887, the local economy remained heavily dependant upon logging and cutting of piaçava straw for thatch and brooms, that complemented revenues from manioc, coffee, cocoa, rice, sugarcane, corn (maize), fruit, fisheries and small-scale cattle-ranching33.

S TAGNATIONANDDECADENCE Some of the earliest historical texts cite the ‘electoral rage’ of 1852 as a cause of the town's economic stagnation. Political strife divided the people of Cairu into two rival parties: “… conservatives known as boi [bulls] and the lib- erals known as vacca [cows]. For many years, these rival factions promoted hostilities, causing many good people to leave the area, and contributing toward the decadence and backwardness of the Town”34. Vilhena, for his part, had remarked on the decline of Cairu as far back as the 18th century: “The town of Cairu, the first judgeship of the North, was once home to various noble families, and to this day names such as Menezes, Bezerras, Barretos, Castros, Lacerdas, are found hidden among the poverty of indigent folk”35. It would appear, from Vilhena’s Letters, that the decadence of Cairu was mostly due to the emergence of Camamu, which, in the 18th century, began to play the leading role in the region36. The aforementioned Livro de Crônicas refers to the death of Friar José do Rosário, born in Cairu and guardian of the Monastery, as an intrinsic part of the “slow demise of the religious community”. In 1872, the town had three temples: the Main Church (Matriz), the Monastery of Santo Antôni o, and the Chapel of Nossa Senhora da Lapa, by then in ruins, without a roof, despite reconstruction work carried out in 1864 by Friars Gabriel and Justino, and “finished through the effort and care of a most worthy and dedicated devotee”37.

30. ROCHA PITTA, Sebastião. Idem, ibidem. p. 246. 31. LIVRO DE CRÔNICAS. História profana de Cairu. Chap. 1, p. 3. Manuscript found on the Monastery of Cairu. 32. VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no Século XVIII. v. 2, p.495. 33. BAHIA, Secretaria de Indústria Comércio e Turismo. IPAC-BA – Inventário de Proteção ao Acervo Cultural; Monumentos e sítios do Litoral Sul. 1st edition. Salvador, 1988. v. 5, p. 33. 34. LIVRO DAS CRÔNICAS. História Profana de Cairu. Chap. 1, p. 4. Manuscri pt found in the Cairu Monastery. 35. VILHENA, Luis dos Santos. A Bahia no Século XVIII. v. 2, p. 495. 36. BAHIA, Secretaria de Indústria Comércio and Turismo. IPAC-BA – Inventário de Proteção ao Acervo Cultural;Monumentos and Sítios do Litoral Sul. 1st edition. Salvador, 1988. v. 5, p. 33. 37. LIVRO DAS CRÔNICAS. História Eclesiástica de Cairu. Chap. 2, p. 5. Manuscript found in the Cairu Monastery. 110 THE FRANCISCAN MONASTERY OF CAIRU

The Chapel of Lapa “was located by the sea, on a most picturesque site and, seen from afar, its white walls had the aspect of a seagull bathing at the waters edge”38. On February 4, 1942, the Mayor of Cairu, Raul Miranda, dispatched a document to Friar Guilherme Halm, on the subject of the “much discussed and immediate demolition of the Church of Nossa Senhora da Lapa, that has so long been delayed”39. The document further requests “an urgent solution to the problem, not only in view of the unaesthetic prospect of the temple and the manner in which it blocks our main thoroughfare, but also the danger of its imminent collapse since, with its main walls undermined and its woodwork rotten, it may cause losses to the municipality that must be prevented”.40 From this document, it can be inferred that the chapel was demolished at about this time. The image of its patron saint is now part of the collection of the Monastery of Santo Antônio and underwent restoration in 2001. From its stylistic characteristics, it is deemed to be a 17th-century piece. The demolition of the chapel of Nossa Senhora da Lapa, which can only be viewed as a crime against the town's historical heritage, is hardly the only such act of vandalism perpetrated by municipal administrators in the past fifty years. The demolition of various colonial houses testifies to the lack of awareness of the value of Cairu's architec- tonic heritage. Moreover, many property owners have demolished or sought to “modernize” their buildings, and in doing so have destroyed significant portions of the historical record. Many new buildings, such as the current City Hall, and another municipal building near the docks erected for the same purpose, are totally devoid of architectural merit and mar the landscape by breaching the symmetry and har- mony of the ancient colonial roofscapes. It is indeed a pity that the magnificent colonial building on Rua Barão Homem de Melo, built in 1770 and refurbished in 1950 (as a plaque on the main gatepost attests) has not been used to house the municipal administration.

R ELIGIOUSTRADITIONSANDFOLKLORE The folklore of Cairu has deep historical roots, harking back to ancient customs and religious feasts, during which cavalhadas, alardos, cheganças, congos and taieiras featured prominently among the entertainment available to locals and visitor s, especially during three-day feasts dedicated to the Patron Saint, Our Lady of the Rosary.

The Reisado of St. Benedict, one of the saints most venerated by the populace of Cairu, harks back to a Royal Charter dated 1777. According to tradition, “a black man, dressed in short pants, an embroidered cape, formal shoes, with a crown and scepter, accompanied by a black girl, also dressed up, with bracelets, necklace and gold chains, parades through the streets on December 26 and on January 6, accompanied by congos, cheganças and taieiras. The Brotherhood (Irmandade) goes to fetch him at his home, and conveys him to the Monastery, where he is received at the main gate by the Guardian, wearing a hair shirt. He is then guided to a throne placed on the side of the Gospel. During the procession he has a place of honor, immediately after the palanquin, and it is customary to treat him to a sumptuous dinner”41.

A typed copy of the (now vanished) original Oath of the Brotherhood of the Glorious St. Benedict of the Monastery of Santo Antônio da Vila de Cairu, dated 1777, can be found in the Monastery archives. This document should be published in full, in view of the light it sheds on culture of that time. The 1st Chapter prescribes, under name and title, that “… this Brotherhood shall be named for the Most Glorious St. Benedict, under whose protection we grow in our devotion for this Monastery of Santo Antônio da Villa de Cayrú, and we ce lebrate his feast with the solem- nity of this Pledge. We ordain that, when officers serve at the Board, they shall read this Pledge, so that each shall know the duties of his office”.

It is interesting to note that Chapter 2 determines that the posts of Treasurer and Scribe are reserved for white men: “There shall be in this Brotherhood twelve brothers of the Board and one cleric who shall serve as Chaplain (not included among this number the two white men who shall serve as Scribe and Treasurer)”.

38. LUZ, Manoel dos Santos. Cayrú no anno de 1872. p. 4. Typed copy of a lost original, kept in the Monastery. 39. Office N. 19 from Cairu Municipal Hall, to the Monastery’s Guardian, kept in the files of the Monastery of Santo Antonio de Cairu, folder n. 14. 40. Idem, ibidem. 41. LUZ, Manoel dos Santos. Cayrú no anno de 1872. p. 4. Typed copy of a lost original, kept in the Monastery. p. 4/5. ENGLISHVERSION 111

With respect to the selection of the “King” and “Queen”, central characters of the Reisado, Chapter 3 determines that “the Brother with the most votes shall be elected King, and, provided he belongs to the Brotherhood, he shall be obliged to accept his instatement, and shall pay alms of four thousand réis. The same applies to the Sister who is appointed Queen and, in the event that one of them should refuse this office appointed to them by the Board, they shall pay two thousand réis, unless they are not members of the Brotherhood. In this case, another Brother will be selected to fill that office, on a new election held on the day subsequent to the election feast, under the King whose mandate ends that year”. Chapter 4 expressly forbids whites and pardos from filling the posts of “King” and “Queen”.

Care for the property of the Brotherhood is the subject of Chapter 7, that lists the responsibilities of the Treasurer, who is exhorted t o “... keep the Books of the Brotherhood and the keys to the Safe where the jewels are stored, as these are the responsibilities of his office. We do not desire that he make any loans or contract expenses with- out express consent of the Board, and in the event that he does so by himself, even though to the benefit of the Brotherhood, he shall be expected to cover whatever losses and to explain whatever expenses he may incur”.

At the beginning of Chapter 12 there are references to criteria for the admission of new brothers to the Brotherhood: “all persons who wish to join, be they black, white, or pardo, shall pay two patacas of alms on the day of their admission, when their names shall be inscribed in the Book of the Brotherhood by our honorable Brother Scribe. But, in the event that this Brotherhood admits Brothers who are not black, these shall never be elect- ed to the Board, in view of the great disorder this might cause. In the event that the Board consents t o the admis- sion of a Brother without payment of the stipend stipulated in this Pledge, shared responsibility for payment of said sum shall be assumed by all members, with no exceptions. We also desire that the Brother who is to serve as King in that year, and the Sister that is to serve alongside him as Queen, be allowed to admit two Brothers, without pay- ment of said alms. In the event that a white, black, or pardo person of advanced age wishes to become a Brother, he shall be admitted upon payment of five patacas worth of alms on the day of his admission”.

Popular traditions, or what we now refer to as “intangible assets”, are part of the rich cultural heritage of the municipality of Cairu. Its most important manifestations are the zambiapunga, the barquinha and the congada, which delight visitors in civic and religious feasts. One such visitor was Ms. Danielle Mitterrand, wife of the former French President, who visited the Municipality in June, 2008.

The taieiras are a group of colored girls, dressed in regional costume, with an abundance of necklaces and bangles, and of colored men, dressed in white pants, no shirts, with necklaces, who sally forth into the streets singing Ô Lê Lê Ô, followed by a brief samba de roda, performed at the front doors of houses, to the accompaniment of a sin- gle drum. The chants, though they make reference to St. Benedict and Our Lady of the Rosary, are light-hearted and good-humored, with little of the solemn rites associated with the chegança and congos.

The congos are groups of black men, who take to the streets at Christmas and during the feast of St. Benedict, in January. Their outfits include lace-lined shirts, and a skirt of red or blue calico, embroidered with stars and stiffened with wire. On their heads, the congos bear crowns with two red feathers. All the men play the ganzá, a bamboo percussion instrument, except for the chief, who uses drumsticks to beat a large square adufe, a single-faced drum held by a wooden handle.

The zambiapunga is a mixed group, that wears papier-mâché masks of great originality and improvised costumes, and plays on hoes to produce very singular rhythms and sounds.

Other popular groups include bumba-meu-boi, that walks the streets after the festivals in honor of St. Benedict; the ternos de reis; and the dondoca. During carnival, there is a traditional celebration of lavagem da reversa, that take s place near the Municipal Chamber. On July 2, to celebrate the Independence of Bahia, there is the samba dos índios which lasts three days, and is a variant of candomblé de caboclo, with deep roots in African traditions.

The village of Cairu contributed actively toward the struggle for the Independence of Bahia. Alongside Camamu and Valença, Cairu lent support to the efforts of patriots from Cachoeira and Maragogipe, that ultimately led to the expulsion of the Portuguese, on July 2, 1823. 112 THE FRANCISCAN MONASTERY OF CAIRU

P OTENTIALFORTOURISM

The political-administrative unity of the Captaincy of Ilhéus was breached in 1833, with the creation of judge- ships in Valença (of which Cairu was part) and in Ilhéus42. Indeed, Cairu only achieved the status of a “town” on March 30, 1938, with the enactment of state decree-law 10.724.

Today, Cairu is a small quaint town, with memories harking back to a long-gone era, when logging, piaçava cut- ting, and sugarcane, rice and manioc crops in its fertile soil were sources of wealth and development.

According to the most recent census data, the entire municipality has a population of 13,659, of which 2,263 live in the town. Cairu is the main town of the only archipelago municipality in Brazil, made up of numerous islands, of which Tinharé is the most important. The lovely villages of Morro de São Paulo and Gamboa do Morro, on the island of Tinharé, are well-known tourist destinations, as is the island of Boipeba with its pristine beaches.

The municipal authorities view tourism as one of the most promising opportunities for stimulating the local econ- omy and creating employment, as it has done in Morro de São Paulo and Boipeba, which now attract many tourist from Brazil and abroad. As for tourist attractions, historical heritage, natural beauty, and a strong folk- lore tradition exert strong appeal. Complete restoration of the monumental Franciscan Monastery of Santo Antônio will, undoubtedly, open up opportunities for Cairu, enabling it to attract tourists, as do other locations within the municipality, given that it is one of the most important architectural sites in the vast region known as the Lower-South of Bahia.

Though the Franciscan Monastery had not yet been entirely restored, it was already attracting large numbers of tourists, especially in the peak season, when an average of 100 visitors per day arrived by boat, launch and small yachts, mostly arriving from Morro de São Paulo and Boipeba. Among visitors, there are tourists from all parts of Brazil and many foreign countries, notably the United States, Portugal, Italy, France and Spain, and countries of South America.

With the recent discovery of petrol and gas on the Municipality’s oceanic coast, the Cairu City Hall’s financial sit- uation was greatly improved through royalty payments, and the whole archipelago sees new prospects. The Rural Union of Cairu, through its vice-president Manoel Altivo, a prominent figure in local public life, issued a report which states that “Cairu currently benefits from a Strategic Plan, sponsored by the IDB – Inter-American Development Bank, by request of the Atlantic Forest Free University and the WWI – Worldwatch Institute. This instrument, named CAIRU 2030, was presented to the municipal government and to the community during a ceremony held on the Church of Santo Antônio, in 2006. In terms of long-term planning, the territory’s strong points were identified as: (a) the existing natural and cultural heritage; (b) valuable, diverse and well-distributed natural resources; (c) wealthy woodlands, offering useful resources; (d) scarce circulation of automotive vehicles; and finally (e) the local population’s receptivity to the importance of conservation and environmental policies. Thus, the area’s touristic and real-estate potential are clearly levers of sustainable development”43.

42. BAHIA, Secretaria de Indústria Comércio and Turismo. IPAC-BA – Inventário de Proteção ao Acervo Cultural; Monumentos and Sítios do Litoral Sul. 1st edition. Salvador, 1988. v. 5, p. 33. 43. SINDICATO PATRONAL DE CAIRU. Apud “Resumo dos Projetos Qualificados no Global Fórum” ENGLISHVERSION 113

II.THEMONASTERY OFSANTOANTÔNIO

Not only is the Monastery of Santo Antônio de Cairu an ancient monument and living testimony of our historical past, it is also one of the most important examples of Franciscan religious architecture in Brazil. Moreover, it was the prototype for other monasteries in the region, including those of Santo Antônio do Paraguaçu and of São Francisco do Conde. Its architecture, and especially its façade, served as inspiration for other notable buildings in Northeastern Brazil, including the Monasteries of Santo Antônio in João Pessoa and in Recife. Such renowned Brazilian and foreign scholars as German Bazin, Mario Barata, Valentin Calderón, Santos Simões, Paulo Ormindo de Azevedo, Mario Mendonça de Oliveira, Robert Smith, Carlos Ott, Alberto Souza, and many others have succumbed to the spell of its architectonic beauty. The builders selected a most propitious site. The Monastery sits o n a hill overlooking the ancient village and, along- side the main church (matriz), it is the most outstanding feature of the landscape. Travelers arriving by launch have their first view of the impressive structure and monumental baroque façade from afar and, as they approach the port, it gradually comes into focus. Those arriving by car catch their first glimpse of the back of the building, its roof, its pyramid-shaped tower covered in ceramic wall tiles, and stucco darkened with age, when they are still sev- eral kilometers away. Having arrived at the port, if the visitor continues on foot to Rua Barão Homem de Melo, and turns to the right, he is rewarded by a most imposing view of the Monastery on top of the hill. The narthex, a common feature of Franciscan architecture, also adopted by the Carmelites and Benedictines, to some extent eases the weight of its vast frontispiece. The façade is very similar to that of the Monastery of Paraguassu1, especially its triangular-shaped narthex with five arches and a tower towards the rear of the building. According to Bazin, its pyramid-topped tower and that of the Church of Maragogipe were the first of the kind to be built in Bahia. In the Monastery's courtyard, now paved with cobblestones alongside a well-kept garden, mounted on a stone pedestal is an imposing wooden cross. This is a characteristic element of Franciscan architecture, to be found in other contemporary monuments such as the Church of São Francisco in Salvador, the Monastery of Paraguaçu, and the Monastery of Santo Antônio in João Pessoa.

A HISTORICALPERSPECTIVE Before 1650, near the site of the Monastery of Cairu, stood a modest rammed-earth chapel built by Domingos da Fonseca Saraiva and his wife Antônia de Pádua Góis on their estate. Occasionally, Franciscan fathers who preached the Gospel on the islands of the Bay of Tinharé would stop at Cairu, where they were most hospitably received by Dona Antônia de Pádua, at the small chapel dedicated to St. Anthony, alongside which they built simple sleeping quarters2. This is unquestionably the origin of the Monastery. In January 1650, one of the first decisions of Friar Sebastião do Espírito Santo (upon succeeding Friar João Baptista as Custodian of the Franciscan Missions) was to dispatch his advisor, definidor3 Friar Gaspar da Conceição, to the village of Cairu, in the company of a Preacher namedFriar Francisco de Lisboa, and of Lay Brother João da Conceição, “to accept alms and found a monastery, in response to requests from the inhabitants of the land”.4 Upon arrival at the village, they were received with festivities by the inhabitants, who lodged them in a small house next to the shrine of St. Anthony, at the top of a hill, near the main church.5 In response to repeated requests, on March 21 of that same year, the Franciscan Congregation decided to found the Monastery.6 These friars remained in Cairu until the beginning of November, charged with the task of fundraising locally, though one of them “returned to Bahia to assist the congregation, on the 21st of said month and year. Subsequently, Friar

1. Regrettably, today practically a ruin, though IPHAN is making great efforts to restore the monument, under Architect Francisco Santana, and in recent years various elements have undergone restoration. 2. FONSECA, Fernando da. Convento de Santo Antônio de Cairu. p. 27. Unpublished paper. CEAB-UFBA. Salvador, Aldate. 3. According to Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, definidor is “the advisor to a major superior in a religious order”. 4. JABOATÃO, Fr. Antônio de Santa Maria. Novo Orbe Seráfico Basílico ou Chronica dos Frades Menores da Província do Brasil. Parte Segunda, v. I, II e III. Facsimile reproduction of the Editions of 1859, 1861 and 1862. Recife, Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco. 1980. p. 564. 5. Idem, ibidem. p. 565. 6. LUZ, Manoel dos Santos. Cayrú no anno de 1872. p. 1. A typed copy of which can be found in the Monastery’s archives. 114 THE FRANCISCAN MONASTERY OF CAIRU

Sebastião dos Martyres was appointed First Superior responsible for alms collection”.7 His prelacy lasted three years. Only after this time did construction work begin on the Monastery, following a decision of the Chapter, on September 14, 1653, presided by the Provincial, Friar Cosme de São Damião, to appoint master-builder Father 8 Daniel de São Francisco as Custodian. He, unquestionably, was the person responsible for building this great work. The site selected for the Monastery was on a high point, with a magnificent view over the landscape, close to the ancient Church of Santo Antônio, modestly built of rammed earth by local devotees, which was to serve the Franciscans prior to and during the construction of the new Monastery. The geographic and economic situation was a factor of utmost importance in the choice of sites for new Monasteries. One of the factors that influenced the Chapter was wheth er the local population would be able to support the future Monastery with donations since, as a mendicant order, the Franciscans had no funding available for this purpose. The very Bylaws of the Franciscan Province of Santo Antônio prescribed that: “the Provincial may decide, together with the Board, to accept the founding of any monastery, but only where there is sufficient sup- port from the settlers and where alms can be collected, without exploiting other monasteries, for the support of Friars, as is our custom”9. The foundation stone was laid on August 25, 1654, on land donated by Bento Salvador and his wife Dona Izabel Gomes, the deed of which was transferred on December 25 of that same year, by judge Antônio Ceiros Carneiro, Governor of the Village of Nossa Senhora do Rosário de Cairu.10 According to Jaboatão, the churchmen spent over a year on preparations, and “Divine Services, during the period of fundraising and construction, were held in the small Church of Santo Antônio, which the local people had built on the site. It was there that the Churchmen per- formed religious observances and collected alms, while the new church was being built”. Construction work on the Monastery (according to Bazin and other scholars) was started under the guidance of Friar Gaspar da Conceição. With respect to the building of the church, Jaboatão found in the provincial notary’s office only one mention, as follows: “This church, according to the Provincial Notary, was built by Guardian, Friar Miguel da Conceição, in stone and mortar, thereby implying that the former church was of rammed earth. The th foundation stone was laid by Friar Daniel de S. Francisco, Master of Theology and Provincial Custodian, on the 25 of August of 1654, though this is not recorded by the Notary”11. The design of the façade was truly revolutionary, unlike any other hitherto built in Brazil. Its frontispiece is “of gre at originality and of Brazilian invention, there being none similar in Portugal or in other European countries renowned for their architecture. It was thus the first formal frontispiece on a building in Brazil that was not a copy of a Portuguese model, and also the first erudite architectonic structure that can be called truly Brazilian”12. It embod- ies “Baroque style, by its scenographic characteristics, its dramatic outlines and its decorative effect, thus defini tive- ly marking the arrival of baroque architecture in Brazil, long before its zenith a century later”13. According to Alberto Souza, its pioneering character also contradicted the chronological nature of architectural trends, as it meant that colonial Brazil had a church with an outstanding baroque façade, even before any existed in Portugal. Alberto Souza, in his meticulously documented study, demonstrates that inspiration for the frontispiece of the Francisca n Monastery of Cairu stems from German renaissance architecture. He postulates that, to have conceived these stepped gables, common in German and Danish architecture, Friar Daniel de São Francisco must have had access to contemporary engravings. It is likely that he came into contact with illustrations of such buildings during travels in Europe (Lisbon and Rome, 1646-47); in Recife where, during the Dutch occupation of Pernambuco, he could have met several Germans; or even in Salvador, where he might have seen them in books. It should not be forgotten that painters in colonial Brazil were often inspired by European models, that circulated in the form of prints and engravings. These influences notwithstanding, the conception of the frontispiece of Cairu bears various innovative aspects.

7. JABOATÃO, Fr. Antônio de Santa Maria. Op. cit. p. 565. 8. FONSECA, Fernando. Op. cit. 9. Estatutos da Província de Santo Antônio do Brasil. Lisboa, 1709. Chap. LXXIX. n.1. 10. JABOATÃO, Fr. Antônio de Santa Maria. Op. cit. p. 565. 11. JABOATÃO, Fr. Antônio de Santa Maria. Op. cit. p. 565. 12. SOUSA, Alberto. A Invensão do Barroco Brasileiro. Ed. Universitária. UFPB. p. 11. 13. Idem, ibidem. p. 11. ENGLISHVERSION 115

S CARCESOURCES , IMPRECISEFACTS ... As was common among ventures of this type, the construction of the Monastery took many years, conditioned as it was by collection of alms from the faithful, since official sponsorship (generally meaning royal beneficence) was scarce, and never sufficient to cover the cost of so ambitious a project. Regrettably, few documents or bibliographic sources have survived to elucidate the history of construction or the day-to-day life of the Monastery. This is unfortunate because only by means of such documentary records can we shed light on the real significance of many moments of our history. Generally speaking (with rare exceptions) the religious orders were not in the habit of preserving records. This lack of documents, and especially of accounting records, makes it difficult to ascertain responsibility for works, etc. Fortunately, many builders of the period followed the custom of inscribing the date of conclusion of each phase of construction work, generally above a doorway. It is possible that the main architectural structure had been con- cluded by 1661, which is the date inscribed above the door connecting the sacristy to a hallway on the right side of the chancel, which was also used for burial of members of the Order14. The dearth of documentary sources has hampered the efforts of scholars, both past and present, with respect to ascertaining what life was like at the M onastery. Thus, in the words of Fernando da Fonseca: “Jaboatão complained of the lack of information at the notary office. He was unable to determine when the work was concluded, and when the churchmen moved into the new building”. Jabotão was, however, able to ascertain that “work on the sacristy, behind the chapel, was finished before 1750”. With respect to the church, he reported that “it has three altars and part of the choir sits beneath arches of dressed stone, that provide a visual boundary”15. On the basis of dates engraved on the building, it can be assumed that the greater part of the monument was fin- ished by 1739, the date above the doorway to the right of the narthex, which provided access to a space where, today, there is a small niche for the veneration of St. Benedict. The works proceeded slowly, at the rate that could be funded by alms collected from faithful parishioners. Huge sacrifices must have been required to deliver to the villa ge of Cairu construction materials that were unavailable on the island, especially stone, lime, and wood, all of which had to be carried by boat. Luckily, sandstone could be quarried on Boipeba, not too great a distance away. Above the portal of the main access to the Monastery's church is engraved the date 1742, the year in which (his- torian Santos Simões believes) the main portion of the building work was completed, including the interior and exterior decoration of the Monastery. Not all of the work had been completed by that date, since above the portal of the left entrance to the narthex is the date 1750, the last chronological record anywhere on the monument.

R ECORDINGTHEDIFFICULTIES The economic decline of the municipality of Cairu, unquestionably, had effects on the day-to-day life of the Franciscan Monastery, leading some to argue for its dissolution, such was the penury of the friars. It must have been no easy task for the Provincial Franciscan Order to maintain four large monasteries, almost exclusively from alms, and especially those farthest removed from the main cities, as was the case of Cairu. With respect to relations between the Monastery of Cairu and other Franciscan establishments in Bahia, the Provincial Chapters determined areas in which each monastery was allowed to beg for alms and, on occasion, altered earlier decisions. At one point, an order was issued, stating “that the district of Aporá, which had former- ly belonged to Paraguaçu, shall henceforth pertain to Cairu, for collection of alms in the form of cattle”.16 Fourteen years later, another change was instituted, ordering “… that the past Chapter allotted to the Monastery of Cairu the district of Aporá for collection of alms in the form of cattle, and does now allot to it also alms of tobacco from said district of Aporá”.17 Jaboatão discusses the difficulties the Franciscan community was undergoing in 1695, when Father Jacome da Purificação was Provincial Abbott. Appalled by the Monastery's poverty, and concerned about the upkeep of the monks and the provision of supplies for celebration of divine services, the Chamber of Cairu, the Ouvidor of Justice Manoel Botelho Carneiro, and the Vicar of the Church petitioned the King of Portugal, Dom Pedro II, in the follow- ing terms: “As loyal vassals of Your Highness, officials of the Chamber, the Ouvidor of Justice, and theVi car of the Church of this Vila of Cairu, in the Captaincy of Bahia de Todos os Santos in the States of Brazil, bring to Your

14. Recently Frei Lucas Dolle found six hides in this area. 15. FONSECA, Fernando da. Op. cit. 16. ATAS CAPITULARES DA PROVÍNCIA DE SANTO ANTÔNIO DO BRASIL: 1649-1873. Chapter for 1685, p. 111. Apud FRAGOSO, Hugo. São Francisco do Paraguaçu – Uma história sepultada sob ruínas. Secretaria de Cultura e Turismo. Salvador, 2004, p. 28. 17. Idem, ibidem. Chapt er for 1699, p. 112. 116 THE FRANCISCAN MONASTERY OF CAIRU

Majesty’s attention the dire consequences that would afflict the entire district, and also the Vilas of Camamu, Boipeba and Ilhéus, were the local inhabitants of these remote parts to lose the ministrations of the Franciscan Monastery of Santo Antonio de Cairu, which Capuchin Brothers did many years ago build in the Vila de Cairu”. The petition describes the poverty of the entire area, where the only meager crop produced is manioc, and the dam- age caused by the previous years’ Indian incursions. So impoverished was the population of the entire district that it was unable to provide relief for the Capuchin friars. Further on, the same text relates that “… the whole Monastery was demolished, save only the church, where but a few remaining friars find sanctuary, of the twenty that had formerly administered the sacraments and preached the Word of God there”. The petition argues that loss of the Monastery, andof religious guidance provided by the friars, would bring dire consequences for the four vil- lages. “… Experience has shown”, it stated, that the presence of such churchmen “… causes the numbers of faith- ful to grow, and to produce fruits. Therefore, thy vassals prostrated at thy feet entreat Your Highness, to succor with Thy benevolence this Monastery, by bestowing upon it alms, as are commonly granted to the Monasteries of the City of Bahia, comprising a cask of wine, twobarre ls of olive oil, three bushels of wax, and a quarter-measure of wheat flour, each year, for celebration of the Holy Sacrifice of Mass and to illuminate the altar. The friars are resigned to living in poverty as do people of the land, there being no cattle here, and their only sustenance through- out the year being some fish and local flour.”18 The wheat flour was needed for the making of hosts; the wine for celebration of mass; olive oil was for lamps; and wax for the making of candles. At a later point in his text, Jaboatão tells us: “The records of this Monastery make no mention of this plea, but it was almost certainly well received by His Majesty, since another Provision, dated February 22,1701, states that: ‘…given that the period of five years has lapsed since I ordered the grant of thirty thousand réis each year to the Monastery of the Vila of Cayrú, for oil, wine, and wax for celebration of Divine Services; I hereby extend this grant to the Churchmen for an additional five year period, during which they shall receive thirty thousand réis each year’.”19 The difficulties persisted, and on May 4, 1704, the Provincial Vicar, Father Cosme do Espírito Santo, submitted a new petition to the Court in Lisbon, requesting that Royal Sponsorship be made permanent. On October 7, 1704, the reigning monarch (who besides being Infanta of Portugal was also Queen of England) sent a letter requesting further information to Francisco Liberato, Purveyor of Bahia. We do not know exactly when the petition arrived in Portugal. However, on December 9, 1706, Dom João V was instated King and, on March 21, 1707 he authorized disbursement of funds for the Monastery, on a permanent basis.20 In the early 1740s, the Franciscan community in Bahia was still facing funding difficulties for the continuing con- struction of their monasteries, including the Monastery of Cairu. On January 30, 1731, the Governor of Bahia inter- ceded in a request to the Attorney-general of the Province of Santo Antônio and to the King of Portugal, pleading for permission for the Franciscan friars of Bahia to beg for alms in the rich goldfields of Minas Gerais. There follows a portion of this petition: “… on behalf of Friar Baltasar do Rosário, who informs me that certain monasteries of the aforementioned Province face penury and cannot complete works they have started, as they receive paltry alms that provide only for their survival. I am thus entreated to intercede with Your Majesty for said monasteries... that they may be granted permission to send churchmen to the mines to seek alms to finish said works”.21 The Count of Sabugosa replied to the petition on September 25, 1731, as follows: “The petition is in a just cause and merits Your Majesty’s attention, and it is seemly that permission be granted, for three years only, and only for the monasteries of this State that face ruin and have unfinished works. It requests that the monasteries be allowed to send some churchmen to the Mines to seek alms. Such journeys should not, however, last longer than one year, after which time the friars shall return to their monasteries, so that they do not become engaged in tasks at vari- ance with their religious calling, Your Majesty’s interests, and the tranquility of your vassals, as may happen to those that sojourn too long in the hinterlands and in Minas. In this manner, and under the terms stated herein, I hereby grant authorization for one year, as Your Majesty has ordained”.22 Despite all these financial difficulties documented in the Minutes of the Chapters of Royal Orders and recorded by Jaboatão, construction and ornamentation work continued at the Monastery of Cairu. Indeed, it was during the course of the 18th century that most of the work on the Monastery was carried out, especially decoration of the church, sacristy, chapter room, and cloisters. Dates above the portals of the access to the narthex (1739) and above the main entrance (1742) bear witness to works concluded at this time, when fund-raising efforts were intensified, both in Bahia and outside the province.

18. JABOATÃO, Fr. Antonio de Santa Maria. Op. cit. p. 580. 19. Idem, ibidem. p. 581. 20. Idem, ibidem. p. 581. This provision can be found on Book 5th in the Registros da Secretaria da Fazenda do Estado do Brasil, fol. 10, June 11, 1707. 21. Arquivo público da Bahia, códice 1 2/28 Ordens Régias 1730-31. fls. 231 r e v. 22. Idem, ibidem. fls. 231 v. ENGLISHVERSION 117

T HERESULTSWEREREWARDING From what remains of the original decoration, especially the baroque carvings, polychrome ceilings, and holy images, and indeed the wall tiles, it is clear that the Franciscans spared no effort in providing their Monastery in Cairu with the best arts and craftsmanship available in the period. Astonishing quantities of Portuguese wall tiles of the highest quality, dating from the reign of King Dom João V, were imported from Lisbon. These cover practi- cally all of the walls of the formal portions of the Monastery, excepting the cells and living quarters of the friars and novices, which were characterized by simplicity. Faced with this evidence of the financial difficulties under which the Franciscan Province operated, we can hardly fail to ask: how, in face of such penury, was it possible to build a monument of such imposing dimensions? This question becomes even more intriguing when we consid er that all four monasteries in Bahia were built or refur- bished in approximately the same period, as is evidenced by their baroque decoration, including both that which survives, and that which has been lost. Among the latter category is the lovely baroque carvings from the Monastery of Paraguaçu, the only surviving record of which is a photograph in a book entitled “Artistas Baianos” by Manoel Querino, published in 1911. A portion of this exuberant decoration is coming to light as a result of restoration work, such as is currently under- way at the Monastery of Cairu. Perhaps only the faith and determination of our forbearers can explain how they surmounted all difficulties and created works of such rare beauty that, to this day, leave us perplexed and moved. The Minutes of the Chapter, one of our most important sources for unveiling the history of the Franciscan Order, provide a continuous record right up to the 18th century, especially with respect to the monasteries’ financial diffi- culties and sources of revenue. Such difficulties were experienced by all the monasteries in Bahia, including those of Paraguaçu, São Francisco do Conde, and Salvador, and the Hospice of Boa Viagem. “That alms from pottery of the Jaguaripe river valley be shared among the four monasteries of Bahia, according to the month of the year, as follows: ... January, February and March for the Monastery of Cairu”23. Many decades later, it would seem that little had changed: “to assuage the poverty of the Monastery of Cairu, it is hereby authorized to collect alms from tobacco throughout the districts of Muritiba, Oiteiro-Redondo, Cedro and Embira; but it shall not collect alms on beans, for this is the prerogative of the Monastery of Paraguaçu”.24 Depending upon the degree of difficulties, one monastery might assist another, including those in far-distant regions, as we are informed by Friar Hugo Fragoso in his aforementioned work on the Monastery of Paraguaçu, quoting from the Minutes of the Congregation of the Chapter for 1804, (page. 151): “…that, to make up for the lack of alms and the large numbers of novices in Olinda and Paraguaçu, monasteries from Penedo down to Cairu shall assist the Monastery of Paraguaçu”. The Minutes of the Chapter for 1816 also provide the information that “the four monasteries of Bahia that collect alms on pottery [louça] in the district of Jaguaripe, shall not do so for more than three months each, as was earli- er determined, beginning in January with Cairu, followed by Paraguaçu, then Vila de São Francisco do Conde, and finally Bahia, though the latter retains the right to seek alms, other than on pottery, in that district throughout the year”. The word “louça” is used in these ancient documents to refer to fired red pottery, a characteristic product of the Recôncavo region of Bahia, and especially of Maragogipinho, a village in the vicinity of Jaguaripe, where the famous Feira dos Caxixis, in Nazaré das Farinhas, is held on Thursday of Holy Week.

T HEMISSIONARYWORKS The Franciscan community that resided in the region throughout the 18th and 19th centuries must have faced diffi- culties for the maintenance, not only of the Monastery, but also of their social and missionary activities. Indeed, the mission of the Franciscan Order in Brazil during the colonial era was essentially tospre ad the Gospel, and this mis- sion was implicit in the King of Portugal’s decision to admit the Order of Friars Minor to Brazil, in 1591. Initially, missionary efforts focused on the Indians, whose souls the Brothers sought to attract to the Catholic fold. Later, such efforts were targeted at the thousands of black slaves brought from Africa and their descendants, and to all other immigrants, including Arabs and Jews, generally referred to as New Christians, after conversion. Serving the spiritual needs of Portuguese colonists was, naturally, also within the scope of their missionary activities. Legally speaking, the arrival of the Franciscans in Brazil, like that of other religious orders, including the Jesuits, Benedictines, and Carmelites, was not a result of their own initiatives. It was incumbent upon the Kings of Portugal

23. ATAS CAPITULARES DA PROVÍNCIA DE SANTO ANTÔNIO DO BRASIL: 1649-1893. Chapter for 1705, p. 114. 24. Idem, ibidem. Chapter for 1782, p. 134. 118 THE FRANCISCAN MONASTERY OF CAIRU

to dispatch missionaries to their newly-discovered lands, to spread the Gospel of Christ, in compliance with resolu- tions of the Council of Trent. This competence of the kings was acknowledged by the Pope, under a set of attrib- utes conferred upon the Portuguese Kings by Papal Concession, known as Royal Patronage. However, such pow- ers at times were interpreted to imply that the Kings were the patrons of the church.25

T HECULTURALWORKS The monasteries were also engaged in spreading art and culture, and some offered classes in various subjects. During the 18th century, several offered free classes to poor students, especially in grammar. With respect to the Monastery of Cairu, Jaboatão informs us: “… it also offers classes in Grammar for the sons of laymen and, since July 4, 1718, such courses have been ministered by the Master of the Congregation who charges no fees, selfless- ly attending to the needs of these peoples”.26 This custom was continued until 1785, when the government appointed lay teachers to replace the Franciscan friars. As much as we would like to know what these classes consisted of, not even the largest Franciscan establishments, such as the Monastery of Salvador, kept records of these activities, and the scarce materials that have survived are generally in deplorable condition. By examining the statutes of the Franciscan Order, it is possible to imagine what the content of these books was like. Chapter LXXXV provides that: “Brother Ministers shall take care to ensure that all libraries of the province are stocked with the necessary books, especially on Morals, Explanations of the Holy Scriptures, & related issues, so that Preachers need not produce their own books; making use to this end of those left by deceased Churchmen & those donated or bequeathed to the Province by devout persons”. Farther along we find: “each Gu ardian, during his one- and-a-half-year term of Guardianship, shall order from Portugal six volumes of books for the library of the Monastery, beginning with Explanations of the Holy Scriptures, & in this manner shall successive Guardians provide the library with books, especially on Morals and Sermons, each ordering six volumes, as explained above; (...) & the Guardians of the Monastery of the City of Bahia and of the City of Olinda shall order also certain classics of Philosophical & Theological speculation, so that the Masters in these two Houses of Study shall have the necessary books for teaching these subjects...”.27 The statutes also clearly state that no churchman may print a book or sermon of his own without prior permission from the Provincial Minister, on pain of “privation of freedom for more than a year”. However, if a churchman wished to compose books for “edification or utility of the people” the Brother Minister would provide support to secure its publication. The Monastery of Cairu possesses a small library (though in deplorable condition) of books and publications of a liturgical nature published in the 19th century, mostly in German. Often mentioned in documents of the Franciscan Order is the need to stimulate the production of books for the improvement and saving of souls. However, in a land of low schooling where literacy was relatively rare, religious teachings were conveyed by means of sermons, catechism, and artistic representations. Stories of miracles and scenes from the lives of Jesus, Mary, and the saints, represented on polychrome ceilings and large panels, and espe- cially on tile-covered walls, helped spread the faith. The Franciscan Monastery of Cairu provides a vivid example of this approach. All the main halls and rooms con- tain polychrome and tiled depictions of the life of St. Francis, of St. Rose of Viterbo, of Our Lady, and other reli- gious themes.

D ECLINEANDRESTORATIONONTHE P ROVINCEOF S ANTO A NTÔNIODO B RASIL During the 19th century, the Franciscan community suffered constraints imposed by Royal Provisions aimed at reduc- ing the number of novices. The earliest of these demands from the Portuguese Crown were issued in the 18th cen- tury. The Royal Decree that established the Provincial Custodianship stipulated that there should be no more than 200 friars in the Province. Nevertheless, by 1739, there were 420 friars (321 priests and clerics, and 99 brothers).28 A subsequent Royal Decree, of May 25, 1740, forbade the monasteries to receive any further novices until, as a

25. FRAGOSO, Hugo. Op. cit., p. 17. 26. JABOATÃO, fr. Antônio de Santa Maria. Op. cit., p. 582. 27. PROVÍNCIA DE SANTO ANTONIO DO BRASIL: Estatutos da Província de Santo Antônio do Brasil. Lisboa, 1709. p. 137/8. 28. Catálogo Provincial 2004. Província Franciscana de Santo Antonio do Brasil. p. 4. ENGLISHVERSION 119

consequence of deaths, their number had been reduced to 400. By means of notably creative interpretation, how- ever, by 1764 the number of friars had risen to 47029. Under the administration of the Marquis of Pombal, on January 30, 1764, a new and much more stringent Royal Decree forbade admission of novices for a period of 14 years, “although, through royal dispensation, some excep- tions were made”.30 A survey conducted on January 6, 1801 found that thenumber of churchmen had declined drastically, to a mere 158. Concessions were secured, allowing the number to rise to 227, by 1845. In this same year (according to the 2004 Provincial Catalogue) a decree from Emperor Dom Pedro II forbade admission of novices to the Order, except by special authorization from the Government. This decree was reissued on May 19, 1855, with a provision absolutely forbidding admission of novices “until such time as a concordat between the Empir e of Brazil and the Holy See is signed”. In view of the innumerable difficul- ties to the reaching of such an agreement, the number of churchmen declined dramatically. This, inevitably, had an effect on the monasteries, especially those dedicated to training novices, as was the case of Santo Antônio do Paraguaçu. Denying them the right to recruit new novices was thus the major cause of the gradual demise of the Franciscan monasteries. A Decree of the Congregation of Bishops and Churchmen, issued on March 27, 1886, abolished the monasteries’ “privileged exemption”, thus bringing the remaining religious orders under the authority of the Bishops. After many years of privation, during which the Province of the Franciscan Order faced the threat of extinction owing to the governmental ban of 1855 on the admittance of novices, on March 2, 1893, a solemn ceremony held in marked the restoration of the Province of Santo Antônio do Brasil. Among those p resent were Dom Manoel dos Santos Pereira, Capitular Vicar of the Archdiocese of São Salvador da Bahia and Apostolic Delegate to superintend business relating to Brazilian religious orders in the diocese; teachers of religion in the Province; high-ranking churchmen from within the jurisdiction; and certain Guardians of the monasteries. Friar José do Rosário, Guardian of the Monastery of Cairu, was not present, owing to illness. At this same meeting, Friar Antônio de S ão Camilo Lélis, who had been elected to the Chapter in 1878, was confirmed in his post of Provincial Minister, by apostolic delegation. The meeting then went on to approve admission into the Franciscan Province of Brazil of two German brothers who had acquired Brazilian citizenship: Friar Armando Bahimann, and Friar Ticiano Thesing.31 From that time forth the monasteries began to recover, though their restoration was gradual, owing to a scarcity of funding. It should nonetheles s be acknowledged that the German monks made herculean efforts to restore the monasteries, in both physical and spiritual terms.

T HE M ONASTERYOF C AIRU : WEALTHANDSTATEOFCONSERVATION The Monastery of Cairu, in view of its location in a small town far from the capital and of a lack of funding to carry out large-scale restoration work, was spared major alterations to its architectonic structure, thus preserving its authenticity. Such changes as were made mostly aff ected its decoration, especially within the interior of the Church. In 1946, Architect Anísio Luz inspected and inventoried the property on behalf of the National Historical and Artistic Heritage Service (SPHAN), created in 1937. In 1957, the building was once again inspected by Architect Fernando Leal. In 1962, Professor Jair Brandão (also of SPHAN) visited Cairu to assess damages caused by the collapse of the altar of St Rose, which underwent restoration in 1963, under the guidance of Professor João José Rescala. In 1964, the Order carried out some restoration work under the orientation of SPHAN and, in 1967, the second phase of restoration work was concluded, under the guidance of Engineer P. Ghislandi. In the late 1960s and early 1970s, SPHAN restored the façade of the sacristy and two staircases. Three years later, cleaning works were carried out and toilets installed in the Monastery’s living quarters32. In the words of Santos Simões, who visited the Monastery in 1959, “the Monastery of Cairu is today, unquestion- ably, the most perfect example of 17th and 18th-century Franciscan architecture, not only in Brazil but in the entire Portuguese-speaking world.” He also observed that: “Compared to the Monasteries of São Francisco do Conde

29. Idem, ibidem. 30. Idem, ibidem. 31. Livro dos Guardiães do Convento de São Francisco da Bahia (1587-1862). Op. cit., p.78. Apud Frei Armando Bahimann’s Diary. p. 82-89 32. IPAC-BA. Volume 5. Monumentos e Sítios do Litoral Sul. Secretaria da Indústria, Comércio e Turismo. Salvador, 1988. p. 40. 120 THE FRANCISCAN MONASTERY OF CAIRU

(Bahia), Penedo (Alagoas), São Cristóvão (Sergipe), Ipojuca, Serinhaém, Alagoas (Marechal Deodoro), or João Pessoa, the Monastery of Cairu is altogether superior in terms of its architectural purity and orthodoxy, and is indeed comparable (with certain reservations) only to those of Olinda, Recife, or Igarassu. As a monument, it is indeed exceptional, and should be regarded as one of the most important relics of Portuguese architect ure in Brazil”.33 Its lovely frontispiece is, at the same time, imposing and unpretentious. It is a magnificent pyramidal composition, obtained by superimposition of three stories, each of a lesser width. The lower floor comprises a narthex with five arcades, separated by large Tuscan-order pillars. Other pillars divide the middle floor into three spans; at the center of each are glazed windows with curved pediments that provide lighting and ventilation for the choir. The edges of this story are decorated with huge baroque whorls, flanked by pinnacles. The third story has a niche at its center, flanked by pillars identical to those mentioned earlier, which shelters a large statue of St. Antony, wrought in light-colored stone, approximately 1.50 m high. Whorls and pinnacles identical to those on the middle story complete the composition, endowing the façade with a fine balance. The narthex is adorned with whorls, and on its apex there is a cross wrought in stone. On the upper central por- tion are two round ports that provide air and natural illumination for the church choir. A tower, located on the right or Gospel side, has a pyramid-shaped belfry, lined with 17th-century tiles, mostly of the types known as “tapete” and “massaroca”. The mixture of tile patterns lends credence to the theory that leftover tiles from other areas of the Monastery were used. Tiles similar to those on the tower are found only in the refectory. Aside from the back- ground tiles, the tower also has areas where 18th-century figurative tiles and lone figures were inserted, similar to those in the narthex and church entrance. At the four extremities of the tower, pinnacles complete the decoration. Bazin conjectures that “this frontispiece certainly dates from prior to 1686, the date inscribed on the frontispiece of the Monastery of Santo Antônio do Paraguaçu, which clearly imitates it, with a more de veloped baroque style”.34 The date engraved on the two medi- um-sized bells in the tower is 1856. The five arches that form the narthex are enclosed by hardwood railings and a turned balustrade, that are current- ly painted blue. Except on feast days and for Sunday services, access to the Monastery is through the last arch to the right, by means of the narthex, the roof of which is formed by the meeting of two domes, which creates a most interesting play of light and shadow. The walls, up to the height of 1.20m, are covered with tiles of the single fig- ure type, forming small rectangular panels. These tiles are Portuguese imitations of the famous Dutch “enkele tegels”, also known as Delft tiles. Other examples of these lovely tiles are to be found in the entrance and confes- sionals of the Monastery of Santa Tereza, now the Museum of Sacred Art (Museu de Arte Sacra) in Salvador. These panels are enclosed by leaves and whorls, or edges of stylized buds and flowers , centered on isolated plantlike and anthropomorphic motifs, placed between flagstones that flank its arches and doorways. In the narthex there is a chapel dedicated to St. Benedict that is almost imperceptible, not only for its smallness, but also because the access door is permanently closed so that it can be viewed only through a wicket. It has a very simple retable, with 18th-century characteristics, but displaying renaissance influence. Regrettably, it’s original char- acteristics have been much altered, especially the polychromes, which have been covered with a bright white syn- thetic enamel paint. The arched niche contains a 19th-century image of St. Benedict. The inside walls of this small chapel are covered with lovely individual-figure type tiles. On the other side of the narthex, there is another small chapel with no wall tiles, dedicated to Our Lady of the Immaculate Conception. It has a curious carved wooden retable, characteristic of the late 19th century, the orig- inal characteristics of which have been considerably altered as it was painted white and blue, similarly to the altar of St. Benedict.

T HE C HAPELOFTHE T HIRD O RDER On the right, alongside the church, just a few meters farther back, construction work began in the 18th century on the Church of the 3rd Order of Penitence. Regrettably, this building was never completed, most certainly owing to the scarcity of funding. As usual, a distance was maintained in relation to the façade of the Monastery, as a sign of obedience to the 1st Order. Until recently the ruins of this structure, with bare walls overgrown with vegetation, stood in defiance of time. This is now changing, as the chapel has been selected to undergo restoration, at the hands of Patrimoni with sponsorship from Petrobrás. That the building must at one time have had a roof is attested by a few remaining roof tiles topping its walls. The

33. SANTOS SIMÕES, J. M. dos. Azulejaria portuguesa no Brasil (1500-1822). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1965. p.70. 34. BAZIN, Germain. Op. cit., p. 149. ENGLISHVERSION 121

date of construction of the Third Order is unknown, and no information about the Brotherhood has survived, except a mention by Jaboatão that “… the record of elections of this Province shows that, in 1703, the congregation appointed its first commissioner”.35 This leads us to suppose that the Brotherhood was founded in the final years of the 17th century or early years of the 18th century. There are records of dues paid to the Third Order dating from the early 1700s: “… ancient monarchs, moved by the poverty of this monastery, bestowed the sum of 30$rs on March 21, 1708, and ordered that this sum be paid in perpetuity by the public treasury of the province”.36 As was also the case with Brotherhoods in Salvador, the third orders were generally offshoots of the first order, in whose church they build a retable to place the image of their patron saint. Only many years later, when their num- bers had grown, did they begin collecting contributions to build their own church. This must have been the inten- tion at Cairu, since the chapel of St Rose of Viterbo, belonging to the Third Order, stands within the premises of the church, on the exact spot described by Jaboatão. The same author also informs us that: “… this small chapel to one side has another entrance from whence they go to their offices, above which is a two-story house serving as a consistory, behind the same small chapel”.37 The two-story house no longer exists, and was most certainly demolished to make way for the church of the Third Order which, owing to lack of funds, was never finished. The current restoration project for the area was drawn up by Professor Mario Mendonça de Oliveira, and by Architects Manoel Altivo and Francisco Santana. The crossing arch and alcoves of the tribunes will be enclosed with tempered glass. The structure will be covered with thermo-acoustic roof tiles, supported by a metallic lattice that will also protect the walls from the weather, and especially rainfall. Tempered glass will be used to close the cross- ing arch and alcoves of the tribunes. The external walls will receive lime and sand mortar, but will retain a ruin-like appearance, displaying weathering. Once the entire Monastery has been restored, this precious space will be used for performances, lectures, exhibi- tions, etc., serving as a sort of convention center.

T HECHURCH The Monastery's church is quite large and consists of a single nave. The chancel is connected to this nave by a love- ly crossing arch, in sandstone, that was once entirely covered in polychrome38. Although the architectonic charac- teristics have remained unaltered, the polychromes of the crossing arch have been totally disfigured over the years, owing to stylistic alterations to the church’s interior. Pre-restoration studies carried out by the Studio Argolo team confirmed the existence of original polychromes, com- prising stylized plant patterns. The polychrome, applied directly to stone, used a variety of colors on a matte gold background. Examples of such stone polychromes are quite rare, and indeed, few works of polychrome on gilded stone from the Brazilian colonial period have survived to the present day39. It is more common to find this color-on- gold-leaf technique on wood. Recovery of the polychromes on the crossing arches can only be achieved by removing two thick layers of paint. The final layer has a grey background, with some crudely wrought floral designs. Solubility tests have shown paint removal using chemical products to be extremely difficult. Thus, only painstaking manual removal, using surgical instruments, and sand blasting with glass micro-spheres or laser rays, can reveal the original polychromes. The temple must once have had a beautiful baroque decoration, possibly similar to that of the church at the Monastery of Santo Antônio do Paraguaçu40. Though unsupported by documentary evidence, it would appear that the internal decoration of the church at the Monastery of Santo Antônio de Cairu was significantly modified, and much of its baroque decoration lost, in the second half of the 19th century. Such alterations were made, most cer- tainly, because the artwork, and especially the ceiling of the nave and retables, were threatened by rot and termites. Moreover, the neoclassical fashion then in vogue disparaged the baroque decoration of the temples of Salvador and the Recôncavo region. The early carvings on the choir's wainscot comprises five trellised rectangles, separated by vertical pieces with pin-

35. JABOATÃO, fr. Antônio de Santa Maria. Op. cit. p. 582 36. ACCIOLI & AMARAL, B. Memórias históricas e políticas da Bahia. Imprensa Oficial do Estado da Bahia. v. 5, 1937. p. 148/9. 37. JABOATÃO, fr. Antônio de Santa Maria. Op. cit. p. 582. 38. Fragments of paintings of the same type were found on two stone pillars that support the roof of the choir. 39. Prof. Túlio Vasconcelos Cordeiro de Almeida, of the Universidade Federal da Bahia, is researching this type of polychromes, and has visited the Monastery to collect material for his masters’ thesis. 40. The decoration on the Monastery of Santo Antônio de Paraguaçu is known only from photographs published in the book “Artistas Baianos”, by Manoel Querino. p. 66. 122 THE FRANCISCAN MONASTERY OF CAIRU

nacles, and a beautiful frontal with Solomonic columns, the dossal of which is decorated with lambrequins embel- lished with open lilies and hanging tassels, all in gold. This frontal is very similar to the one at the Monastery of Santo Antônio de João Pessoa, in Paraíba. At its center, surrounded with rays, is a perfectly wrought Christ Crucified, hung to a cross like the trunk of a tree, probably dating from the 18th century. The ceiling of the lower choir bears a polychrome of excellent quality, with late baroque features, dating from the late 18th or early 19th century. It had been much obscured by excess oxidation of the varnish, fungus, and grime. The central part bears a polychrome in the shape of an octagonal medallion, representing Our Lady of the Immaculate Conception, standing, arms crossed over her breast, wearing a crown of stars and, at one side, a rep- resentation of St. Anthony in meditation. The restoration of this ceiling unveiled a great surprise. Original poly- chromes and inscriptions were revealed, as will be fully discussed in the chapter dedicated to the wooden ceilings restoration. Under the choir, in front of the main door, is a typical 18th-century screen, entirely covered with wood carvings dec- orated with oil paints, the main elements of which are stylized plant forms and pink stucco, imitating marble. This screen is mounted upon a set of metal rollers, to make it easier to move. The restorers had never before seen such a mobile artifact, used to protect the privacy of religious observances, and to stop the wind from extinguishing can- dles illuminating altars and holy images.

T HE C HAPELOF S AINT R OSEOF V ITERBO The most ancient portion of the nave is the chapel of St. Rose of Viterbo, commissioned by the Third Order, locat- ed on the Gospel side of the central nave. Within it is a beautiful baroque altar, in roman style, carved entirely in cedar, possibly dating from 1720. It is likely that this altar had previously sat in a larger setting, perhaps the chan- cel, and had been slightly reduced in size and adapted to the chapel of the Third Order, in the second half of the 19th century. Panels of randomly placed tiles on the side walls of the chancel, clashing totally with the bar of original tiles, indi- cate that, at one point, the main altar occupied a much larger space. Adaptation and transfer of ret ables from one place to another was common in Bahia, in the late 17th century. To give but two examples, the altars of the Holy Virgins and of the Holy Martyrs, that had originally been on the primitive Church of the College of the Company of Jesus in Salvador were reutilized after that church's reconstruction, between 1657 and 1672; and the 18th-cen- tury main altar of the Church of São Bento Monastery in Salvador was later placed in the chancel of the little church of Nossa Senhora do Monte Serrat. In the case of the Monastery of Cairu, to adapt the chapel to the needs of the Third Order, “the staves were reduced to a quarter of their original size and the altar mutilated”.41 This retable, up until 2002, was threatening to collapse owing to termite damage. It was, however, restored during the first phase of restoration work at the Monastery. The altar has a central niche containing a life-size image of the patroness, St. Rose of Viterbo, a beautiful gilded and polychromed sculpture in wood, characteristic of the late 18th or early 19th century, which also recently under- went restoration. The walls of the chapel of St. Rose and the underside of the arch that separates it from the nave is entirely covered with tiles, up to a height of 4 m, right up to the cove. The tile panels are all complete, but in a lamentable state of conservation, owing to high levels of humidity that forms large hollows, which threaten to detach them from the walls, spoiling the tiles and separating the glaze. Fortunately, the present phase of restoration encompasses these tiles. The panels portray scenes from the life of St. Rose in two large tableau: one on the left showing her defying a Ghibelline woman, by standing in a burning pyre, with the inscription below: Flagrat et non flagrat42; and one on the right, portraying the saint lying on her deathbed, with the inscription: Opero que ego facio and ipsa jaiet (sic)43. The drawing is of exceptional quality, and has been attributed (by Santos Simões) to Nicolau de Freitas. They were most certainly produced in the second half of the 18th century. The ceiling of the chapel is domed, and currently bears no decorative paintings. Until recently, however, beneath the layer of white paint, it was possible to perceive signs of an underlying painting with interlaced flowers directly on the mortar, very similar to those revealed by the restorers on the ceili ng of the chapter room. This area requires further investigation and may yet reveal agreeable surprises.

41. BAZIN, Germain. Op. cit. p. 300. 42. Translation provided by Prof. Cândido da Costa e Silva: “It burns even if it doesn’t burn”. 43. Idem: “My works surround me”. ENGLISHVERSION 123

It is interesting to note that around the archivolt of the altar, accompanying the curvature of the roof, there is a bar of cut timber, 15 cm in length, containing decorative paintwork, as vestiges of an earlier ceiling that was removed. These timbers will be alluded to again in the section on restoration of the ceiling of the lower choir, where four boards with artistic polychromes have now been revealed, which may have been part of the chapel ceiling. The t rellis that protects the chapel of St. Rose of Viterbo, slightly higher than the one that separates it from the chancel, is also worthy of note. With turned jacaranda balustrades, it is an excellent piece of carpentry.

C HANCEL During the 19th century, the chancel was totally modified, losing its ceiling and baroque retable. On each of the side walls there are randomly-assembled figurative tile panels, that reutilized pieces from other panels, in an attempt to complete the bar of original tiles and conceal the reduced space, previously occupied by the old altar. Such panels were most certainly assembled after the removal of the old retable and installation of the current one. All that remains of the original baroque decoration are the tiled surfaces. On the Gospel side, the panels portray scenes from the life of St. Anthony – “the Miracle of the Mule” and “Preaching to the Fish”. Unfortunately, the first panel has been partly mutilated, owing to the installation of a false door. On the Epistle side, there are repre- sentations of the Supper of the Incredulous and the Cure of the Paralytic Child. Santos Simões attributes these pan- els to Bartolomeu Antunes, one of the most celebrated Portuguese tile painters, or to one of his best disciples, and estimates the date of their production at around 1740. The current main altar is in late neoclassical style, and is unquestionably a popular interpretation of the erudite style, developed so spectacularly in Salvador during the 19th century. To date, no documents have been found to deter- mine when it was made. Might it date from the reform of the ceiling of the nave, carried out in 1875? It should be observed that the frontals of the main altar and side altars at the crossing arches bear baroque decora- tion, markedly similar to that on the frontal of the altar of St. Rose of Viterbo, and thus totally different from the neo- classical standard. Could these frontals have survived the destruction of the baroque retables? It would appear so. On the wall behind the ample camarin of the main altar, stands a beautiful life-size image of Christ Crucified, dat- ing from the 19th century. On the right side of the altar is an image of St. Francis and, on the left, of St. Anthony, both carved in wood in the 19th century, and restored by the Iphan team in 197944. Both are works of outstanding quality, approximately 1.35 m high. Six tribun es with neoclassical balconies and frontals decorate the chapel and enhance the space’s natural lighting. The current ceiling is totally plain, painted sky blue and (according to some older staff members) quite recent. The original ceiling was almost certainly discarded, and no documentation relating to it has been found. On the front of the presbytery, flanking the stairway leading to the main altar, there are beautifully wrought flagstones. Most notable are two rectangles, with a lozenge in the center and acanthus leaves along the sides, surrounded by frames on which vestiges of the original polychromes can be perceived, on the edges of the delicate chisel work. The chancel is separated from the nave by an excellent piece of 18th-century carpentry, comprising a carved and turned jacaranda trellis, with well sculpted balustrades.

S IDEALTARSOFTHETRANSEPT The side altar on the right is dedicated to Our Lady of the Immaculate Conception, and the side altar on the left to Christ Crucified and Our Lady of Sorrows. They are in better condition than those of the main retable, and their carvings are of better quality. Both are of neoclassical composition, characterized by the presence of classical Greek columns, and the lower part fluted with grooves. The presence of garlands on the upper portion of the pillars is typical of the Dona Maria I style. A jar with flowers embellishes the upper part of the frontal, and gilded palms the extremities of the entablement. All of the woodwork is painted white, with frames and stylized leaf motifs, in bur- nished gold. The two altars are quite similar, though the altar to Our Lady of the Immaculate Conception has two niches, the upper housing a lovely image of the saint, and the lower one of Saint Joseph in Boots; whereas the other side altar has only one large arched niche and, in its lower portion, a sacrarium. On May 8, 1938, these altars and their res pective images were re-inaugurated. The Book of Chronicles of the

44. The National Historical and Artistic Heritage Service (Sphan) was renamed National Historical and Artistic Heritage Department (Dphan) in 1946, and once more in 1970, when it got the current name, National Historical and Artistic Heritage Institute (Iphan). 124 THE FRANCISCAN MONASTERY OF CAIRU

Monastery says: “In the month of Mary, as occurred the year before last, seven-day celebrations were held, with singing of the choir at the main altar, and later at the new altar of Our Lady of the Angels, followed, on the eighth day, by festive inauguration of the two side altars of the Monastery of Santo Antônio de Cayrú, and the blessing of the images of the Lord Crucified, Our Lady of Sorrows, St. Joseph, and Our Lady of the Angels that adorn the aforesaid altars and the image of the Sacred Heart of Jesus which occupies the throne of the main altar. The Reverend Vicar announced that the painting of the images of Senhor do Bomfim and St. Joseph had been spon- sored by honorary citizen Francisco Ribeiro dos Passos; and that of Our Lady of the Angels and of the Virgin Dolorosa had been paid for by the Monastery; whereas that of the Sacred Heart of Jesus had been funded by dona- tions of the Apostolate and the people (180$000)”. At first sight, this might lead us to believe that these retables, with their neoclassical characteristics, were made in 1938; however, the same text makes it clear that it was a reform: “the orchestra of St. Cecilia offered 60$000 and teacher Espiridiana Ferreira Pinto de Moura sent from Bahia 50$000 for the reconstruction work on the altars”. When the frontals of the altar table were disassembled in March 2008, engraved on the inside of the wood in capital letters was the message: “Restored in 1937 by Arlindo Pereira do Rosário”. Of the aforementioned images, the most outstanding is that of Our Lady of the Immaculate Conception (or of the Angels), displaying 18th-century characteristics, in view of its stylistic composition, the movement in the garments and the large pedestal. A terrestrial globe covered in clouds, on the upper part, is decorated with five graciously positioned cherubim, sculpted from a single block of wood. This exquisite image, perhaps the most perfect in the entire collection of the Monastery, had been almost totally repainted. The images of St. Joseph and of Christ Crucified (Senhor do Bonfim) and of Our Lady of Sorrows were carved in the 19th century. The half-sized image of the Virgin Dolorosa is of the type that can be dressed. It is much venerated by the community, and is always displayed dressed in a tunic and mantle of impeccably fine white cloth. Although the document makes no ment ion of the incarnator of these images, it is possible that they were sculpt- ed by master saint-maker Pedro Ferreira, considered the last of the great sculptors of sacred art in Bahia. Various other polychrome pieces in the Monastery’s collection may have been made by this sculptor, who was much inspired by plaster images imported from Europe which were becoming common in Bahia in the late 19th century.

Tiles in the nave The most outstanding artistic elements of the Monastery are its magnificent panels in Portuguese tile, and especial- ly those that embellish the internal decoration of the nave. Huge facing stones, with a height corresponding to 11 tiles, cover the entire lower portion of the walls, totaling 3,000 pieces, forming an admirable scene. Like most of the tile work in the Monastery, these panels were produced in the golden age of Portuguese tile making, during the reign of King Dom João V, a sensitive monarch who was a lover and a patron of the arts. These tiles must have been produced in Coimbra45, the second most important center for tile production, after Lisbon. The panels are formed by facing stones (albarradas), with representations of vases and baskets of flowers, within a baroque composition with porpoises, cherubim, etc. They have baroque borders, with snails and acanthus foliage, in blue and white. Tiles of this type, in view of their modest price and the ease with which they could be laid, were 46 widely used in Portugal, on the Atlantic islands, and in Brazil, and are also to be found in Angola. Identical tiles to those on the nave can be seen in the Church of São Quintino (Sobral do Monte Agraço) in Portugal (where, according to José Meco, they date from 1738)47 and in Brazil, at the Monastery of Santa Tereza de Salvador, now the Museum of Sacred Art (Museu de Arte Sacra) of the Federal University of Bahia (UFBA) and at the Monastery of Santo Antônio do Paraguaçu.

T h e p u l p i t In the central portion of the nave, on the Epistle side, in front of the chapel of St. Rose of Viterbo, there is a pulpit with baroque characteristics. However, according to José Cosme Teles Coutinho, a member of the local Iphan staff who has worked at the Monastery in Cairu for over 20 years, this pulpit was made by sculptor Antonio Miguel, in 1986, as a faithful reproduction of the original that had been badly damaged by termites. During the same period, this sculptor also prod uced gables, cornices and frames for the ceiling of the chapter room.

45. MECO, José. Azulejaria portuguesa. 4th ed. Bertrand, 1985. p. 61. 46. Idem, ibidem. 47. Idem, ibidem. ENGLISHVERSION 125

It is regrettable that many of our sacred monuments have suffered such drastic interventions. However badly dam- aged the wood of the original pulpit may have been, it could surely have been saved by means of processes of con- solidation, preserving for posterity an important piece of the Monastery’s heritage. Therein lies the danger of inter- ventions carried out by persons lacking in conceptual knowledge of the science and art of restoration. All too often in Brazil, interventions at preserved monuments have led to the destruction of cultural heritage. We must not mistake skill for ethical, philosophical, or historical awareness. Any type of intervention in works of artis- tic and cultural heritage requires a deep knowledge of the history of art, of traditional techniques of the period when the artwork was created, familiarity with the materials used, and great sensibility and love for our cultural heritage.

T h e p a i n t i n g s On the upper portion of the right side wall of the nave, next to the chapel of St. Rose of Viterbo, hang two large oil-on-wood paintings, each measuring 2.19 m in height, representing Bishop Saint Louis of Toulouse and Bishop Francisco Gonzaga. These are paintings by unknown artists, possibly of the Bahia school. They were restored in 1963 for Iphan by Professor João José Rescala, and restored again by the present team in 2002 during the first stage of the project, whil e maintaining the consolidation effected by that eminent professor. The need for this second intervention arose from the fact that two of the works presented serious problems on the pictorial layer (fungus, oxidation of the retouches) and of the support (attack by xylophagous agents).

The ceiling of the nave The nave has a bowl-shaped ceiling, with an illusionistic painting by an unknown artist, representing various scenes in the lives of St. Francis, St. Anthony, St. Do minic and others, and a vision of Christ and Our Lady by the former two saints. Fernando Fonseca remarks that, “strangely, the figure of Christ is grasping three lightning bolts, and next to him the figure of St. Gabriel is unsheathing a sword”.48 It is a naïf painting, as shown by the two figures with badly proportioned anatomy. Also, it is evidently the work of a local artist, who had little command of perspective and who attempted to use illusionism to provide a sensation of thre e levels, displaying evident amateurism in the treatment of architectonic vocabulary. In the upper part of the choir, above the choir stalls, on one of the boards of the ceiling, the date 1875 is inscribed in dark paint. The cornices are painted in a poor-quality imitation-marble pink. Carlos Ott, in his book A Escola Bahiana de Pintura, refers to the ceiling of the church at the Monastery of Cairu as follows: “Another illusionist painting on the same theme as that of the 3rd Order of Saint Dominic is to be seen in the Franciscan church of Cairu. Though it is a rather primitive work by an unknown artist, it produces an excel- lent decorative effect. Moreover, it improves upon a defective composition by J. J. da Rocha, most certainly with the assistance of a Franciscan (if not by a painter who was a member of that Order) by adding the dome of the Lateran church (the second in Rome, after St. Peter’s) threatening to fall into ruin. It reproduces the dream of the Pope who would not acknowledge the rules of St. Francis and St. Dominic, which he considered too strict and hard to observe. In the light of this, the threatening attitude of Christ becomes quite understandable, and can be viewed as His anger at the Pope for refusing to acknowledge said rules that could restore the Church to its primitive spir- it, already adulterated by the 18th century and in need of reform”49. When the ceiling was removed during restoration in 2007, it was a pleasant surprise to discover (as we had sus- pected since our first visit) that the current painting is a repainting, performed by a regional artist. Corroboration came in the form of an inscription, found on one of the last lateral boards on the right side, partly concealed on the inner portion of the cymas. In black paint, with brushstrokes that betray the poor but quite legible calligraphy of a person with little schooling, it says: First painting 1749. Re-edification thereof 1875. This information is important for two reasons: it confirms the existence of an 18th-century painting that was most certainly contemporaneous with the ceilings of the sacristy and chapter room; and also the date of the intervention (1875). The term re-edification, used by the painter, who regrettably did not sign the work, could be construed to mean repainting. With respect to the first date (1749) it can be surmised that it had been engraved on the ceiling itself, just as the later artist recorded the date of his own work (1875) of repainting. Investigations by the current restoration team have shown that, on certain parts of the ceiling, the older work underlies the more recent painting. It was the absolute lack of professionals in the field of restoration, and of bodies responsible for preservation of cul-

48. FONSECA, Fernando. Op. cit. 49. OTT, Carlos. A escola baiana de pintura 1764-1850. Raízes Artes Gráficas. 1982. Editor Emanoel Araújo. p. 118. 126 THE FRANCISCAN MONASTERY OF CAIRU

tural heritage (the first of which in Brazil was founded only in 1937) that led to the adoption of such drastic solu- tions. There were no laws to protect our cultural heritage, and our historical sites were at the mercy of the instinc- tive sensibilities of the few, and the ignorance of the many. Prior to this finding, it defied all understanding that the nave, the most prominent part of any church, had not, in the 18th century, had a baroque illusionist painted ceiling, especially if we take into consideration the quality of the painting of the ceiling on the sacristy, the chapter room and the lower choir ceilings. Documents in the Monastery archives make no mention of this intervention. It can be surmised that the painting was quite degraded, with flaking and losses due to humidity and attacks by biological agents, and that the Guardian considered this sufficient justification for the hiring of a “professio nal” to perform a large-scale reform. Unfortunately, questions of expense and of time make it impossible to restore the original painting at this moment, as will be explained in the chapter on restoration. It is noteworthy that the period (1875) during which the large-scale reform was carried out at the Monastery of Cairu coincided with a time of great financial difficulties for the Franciscan community. The Franciscan Province had been practically disbanded, owing to the ban on admission of novices and the control on the number of friars imposed by the Imperial Government. Could such factors explain why so poorly qualified a painter was hired to restore the ceiling of the nave? Unquestionably, hiring the services of a learned artist from Salvador, such as João Francisco Lopes Rodrigues or his son Manoel Lopes Rodrigues, both affiliated to the Academy of Fine Arts, or José Antônio da Cunha Couto, would have been beyond the means of the Franci scan community at that time. Thus, the decision was taken to hire, for a paltry sum, the services of a local primitive artist who, finding himself incapable of restoring only the degraded portions of the original, resolved to repaint the entire ceiling. In this manner, though much of the fine original art- work was lost, the figures and baroque illusionist perspective were maintained.

The floor of the nave The floor of the nave is entirely laid out in sandstone, forming rectangles, which include tombs, numbered 1 to 56, with wooden covers, none of which bear any reference to the name of the deceased. The floor is identical to that of the Church of Santa Tereza in Salvador.

T HEPORTICO : DEDICATEDTOTHECULTOF S AINT B ENEDICT Devotees, tourists and visitors enter the Monastery through a side door that gives access to the chapel of Saint Benedict. The first room they enter is the portico, a small rectangular space, where the image of St. Benedict is ven- erated. It is always filled with flowers, such is the devotion of the local citizens for this African saint, and with the scent of angelica, the preferred offering. Three of the walls in this room are covered with single-figure painted tiles, in contrast to the contiguous wall of the chapter room which, strangely, is devoid of any decorative tile work. There we can find some benches that enable the faithful to perform their devotions, even when the church and Monastery are cl osed. This space also serves as a store of votive offerings (ex-votos), and from the ceiling hang body parts in wax and wood, pictures, notes, petitions, and expressions of thanks for grace conceded. The ceiling, divided into four areas, with simple cyma, is supported by a central column that has no structural func- tion, and which, according to Professor Mário Mendonça de Oliveira, appears to have been a 20th-century addition. As recounted in the chapter on the restoration of the ceilings, this particular ceiling was entirely painted white with a lime-based paint. Restoration efforts concluded in 2008 were rewarded with the revelation of a late 17th or early 18th-century decoration.

T HECLOISTERANDTHECHAPTERROOM Upon passing the heavy wooden door of the narthex, one enters the cloister, the basket-handle arches of which are supported by square pillars, whereas the architrave of the upper floor is supported by elegant Tuscan-order pillars, thickened at the shaft. These cloisters were finished by approximately 165450, and Carlos Ott speculates that they are the work of Francisco Pinheiro.51 The walls are entirely covered with tile panels, with designs of porpoises and vases with flowers, similar to those in the nave of the church, separated from each other by a thin line depicting water jars.

50. BAZIN, Germain. Op. cit., v. I, p. 145. 51. OTT, Carlos. Francisco Pinheiro. A Tarde, Salvador 18/06/83 – IPAC v. 5, p. 40. ENGLISHVERSION 127

On the side wall of the church there is a rare Christ Crucified in tile, dating from the same period of the cloister wall tiles. Though the design is complete, some tiles have cracked and lost part of their glaze, especially those near the left arm and at the lower portion. The cloister yard is always filled with ferns, lace plants, anthurium, etc., religiously cared for by one of the greatest proponents of the restoration of the Monastery, Guardian Friar Hil ton Francisco da Cruz Botelho OFM, despite his many other duties as a missionary and administrator. Turning to the right, upon entering the cloister, one comes upon a small but gracious chapter room that conserves the best 17th-century decoration in the Monastery. It has a lovely ceiling measuring 5.75 m x 5.70 m, comprised of various panels with geometric shapes, the centerpiece of which is an eight-pointed star. The composition is typical of paintings from the first half of the 18th century, when it was still common to combine geometric frames of ren- aissance influence with illusionist paintings so typical of the baroque period. On the central panel is a rendering of the Virgin of the Immaculate Conception, standing on the terrestrial globe. Four triangular-shaped panels contain decorative paintings, with captions held by angels, at the center of which are the following Latin inscriptions, kindly translated for us by Professor Cândid o da Costa and Silva: Electa ut solis (Brilliant like the sun); Pulcra ut luna (Lovely as the moon); Quasi aurora consurgens (Resurgent as the aurora) and Quae est ista progreditur (Who is it that approaches?). Diagonally, at each of the corners, is a hexagon decorated with sets of floral elements. On the central part is a stylized rendering of the sun, the moon, and a flower. The Virgin of the Immaculate Conception is a constant presence in Franciscan monasteries and is consid ered the patron saint of the Order of Friars Minor. Regrettably, as was mentioned earlier, the ceiling lost its original cymas and frames in 1988, when new ones were carved in pau-paraíba wood by local craftsman Antônio Miguel, who left the wood in natural color, applying only wax. During the restoration of the ceiling, the cymas and frames received a polychrome finish, so as to provide better harmony with the paintings on the ceiling, as will be explained in the chapter on the restoration of the chapter room. The room receives much natural sunlight, through the portal and the three windows that look out onto the yard. Its walls are covered with tiles bearing the same motifs (vases and porpoises) that decorate the walls of the church and the cloister, but without the top bar and mounted on a single skirting tile. An acute observer will perceive, on the back wall below the central window, that the tiled panels in this area are different, and evidence later complementation. Jaboatão provides the following explanation: “In the cloisters is the Chapter Chapel, dedicated to Our Lady of the Rosary, with a well apportioned altar where, every year, a Sermon and solemn mass are celebrated”.52 Such news leave us in no doubt that, in the past, there was a retable in this room, as is usual in chapter halls of Franciscan monasteries. The “Book of Chronicles” and other such documents available in the Monastery offer no clues as to the date of its disappearance or removal. On the sides of the front wall are two built-in closets with doors painted with fairly good pictures. The closet on the right of those entering the room is more simple, and its inside bears no decorative paintwork. Its wooden doors bear representations on the theme “Meeting of St. Francis and St. Dominic of Osma”. The left hand cabinet is more elaborate, and contains shelves, drawers, and pigeonholes. During restoration work, decorative p aintings were revealed inside this closet. The inside of the door bears a painting of a vase of flowers, and the outside a painting of “St. Francis receiving the stigmata of Christ”. The chapter room communicates with the narthex through a trellis on the right wall. Simple wooden benches, that must have been placed along the walls after the destruction of the altar dedicated to Our Lady of the Rosary, com- plete the decoration of the room. Since it underwent restoration in 2005, the chapter room has served provisionally as the repository for items from the Monastery’s collection, including several sacred images restored during the first phase of the most recent restoration. Foremost among these are a rare 18th-century Baby Jesus in ivory; a 17th-century image of Our Lady of the Cave, the oldest piece in the collection of the Monastery; and images of St. Joaquin, St. Dominic of Osma, and Our Lady of Piety, all dating from the transition between the 18th and 19th centuries. Worthy of mention is the lovely portal of the room with its flattened arch. The external upper part of the wooden doorframe is ornamented with carvings of curves and whorls, with a stylized shell design at the top. The wooden shoulders of both the inner and outer door posts are carved, as is the underside of the arch. As will be described in a later section, this doorway had been covered with various layers of paint which, once removed during restoration, revealed delicate painting, with interlaced gilded flowers against a white background.

52. JABOATÃO, fr. Antônio de Santa Maria. Op. cit., p. 567. 128 THE FRANCISCAN MONASTERY OF CAIRU

The structure of the door, with vertical bars, has open frames. Having removed several layers of green paint, these pieces were found to be made of jacaranda, and can now be viewed in all their originality.

T HESACRISTY Having visited the chapter room, visitors can proceed to the corridor leading to the sacristy, the most authentically baroque part of the Monastery, and the crowning moment of any visit to the monument. On the way, the visitor can admire a marvelous set of tiles that comprise eleven panels, the centers of which are decorated with figures of hermits in prayer, wearing Franciscan habits, against backgrounds of countryside with mountains, valleys, houses, rivers, trees, boats, etc. The background bases of these panels are of a marbleized man- ganese tone. The frames are of beautifully wrought seashells, dating from between 1760 and 1770.53 It is impossible for any visitor with artistic sensibilities, having any appreciation of art and particularly of baroque, not to be greatly moved by the monumental aspect of the sacristy, with its walls entirely covered in tiles, decorat- ed with seraphim, cherubim, architectural motifs, whorls, and rococo designs. The ceiling, with its illusionist painting of excellent quality, has reacquired its original beauty after the present restoration. Interventions have restored the original colors, which had previously been obscured by layers of fungus and grime and, worse, by thousands of holes caused by rotted nails and xylophagous insects. Santos Simões was so impressed when he visited, that he remarked: “The crowning glory of this amazing collection of Cairu is the dec- 54 oration of the sacristy, which is the most magnificent in Brazil and without peer in Portugal!”. It is hard to say which is the most impressive feature of this holy site – the tile panels, the painted ceiling, the arch- way and built-in closets, the baroque retable or the limestone lavabo. In spite of each element’s individual value, it is the ensemble as a whole that is fully capable of delighting and enchanting the observer. The ceiling, painted in oils, dates from the mid -18th century and honors the patron saint of the Monastery. It is made of boards of vinhático (Plathymenia reticulata) wood, 40 to 50 cm wide, and the ceiling is 14.43 m long by 6.67 m wide. The perfect design, perspective, and treatment of the figures raise the question: could this ceil- ing, and that of the chapter room, be the work of José Joaquim da Rocha, the foremost painter in Bahia in that period? Carlos Ott affirms that he was the painter responsible for the underside of the arch, though it might have been one of his best followers. The central scene shows one of the best-known miracles of St. Anthony, when the Franciscan saint receives the Baby Jesus from the arms of Mary. The artist adopted a p oetic approach: in the central area, the Baby Jesus stands on the terrestrial globe surrounded by clouds, extending his right hand in blessing, while holding a cross in his left. Before him, St. Anthony kneels in reverence with arms crossed over his chest. On the opposite side, up on high, above the clouds, sits the Virgin Mary, with her right hand on her breast and holding a garland of lilies in her left. The entire composition is surrounded by predominantly ochre clouds, repl ete with angels and cherubim. At the edges of the central scene are large angels seated on columns, holding in their right hands large captions bearing the symbols of the Franciscan, Marian, Jesuit and Holy Land Orders. In other areas are to be seen representations of the sun, moon, morning star, a lighted candle, a thurible, a castle, and other elements. Most interesting are four small, almost imperceptible, monochromatic scenes, strategically painted in the corners, repre senting passages in the life of the saint, such as55: exorcism of a demon from a sinner; preaching to the fish- es; removing a soul from purgatory; holding out the consecrated host, next to a sultan, with a mule bowing down in reverence to the Holy Spirit; giving alms to a woman; and blessing Franciscan friars. Also worthy of note are the built-in closets with drawers and magnificent backdrop, and the chest in jacaranda and vinhático wood with heavy drawers and gilded metal handles, excellent examples of 18th-century cabinetmaking. Most impressive is the beautifully carved backdrop in jacaranda, on which there are eight paintings with scenes from the life of Mary. Carlos Ott attributes these paintings to José Joaquim da Rocha, and believes they were paint- ed in 1786.56 The scenes portray: the birth of Mary, her presentation at the temple by Anna and Joaquin, her wed- ding to Joseph, the visit to St. Elizabeth, the birth of the Baby Jesus and Saint John the Baptist, the flight to Egypt, and finally the Assumption.

53. SANTOS SIMÕES, J. M. dos. Op. cit., p. 73. 54. Idem, ibidem, p.74. 55. Our interpretation, with assistance from the Guardian of the Monastery. 56. OTT, Carlos. Op. cit., p. 73. ENGLISHVERSION 129

These are all works of excellent quality, inspired by European works, especially of the Portuguese and Italian schools. Little is known of the artist’s background, but it is probable that he learned to paint from master painters in Lisbon and, unable to secure commissions in Portugal, came to Bahia at the age of 27. Though his place of birth is not known, it would appear that he was born in Brazil in 1737, and died in Salvador in 1807, at the age of 70.57 Like all painters of the period, he was inspired by engravings and reproductions, some of which he probably brought back from Portugal himself, and others that he would have seen in the hands of European missionaries, many of whom traveled around Brazil at this period. Recently, Professor Luís Alberto Freire of the Federal University of Bahia discovered, in the library of the Faculty of Fine Arts at the University of Oporto, a set of engravings by Eli du Bois, which had served as models for José Joaquim da Rocha when he was painting the banner for the Steps of the Passion of Christ, used in the ancient torch-light procession (procissão dos Fogaréus), now hanging in the Museu de Arte da Bahia. On the central part of the chest is a beautifully carved baroque retable, 3.64 m in height, with characteristics of the rococo period, which greatly enhances the atmosphere of the room. In this niche is a singular image of Christ Crucified, contemporaneous with the alta r. This retable was almost entirely hollow, since xylophagous insects had destroyed most of the base. Of the original gold leafing there are but a few vestiges; however, the yellowish base clay has remained relatively intact, and after restoration has taken on the current look, as will be explained in anoth- er section. It is interesting to observe that on the upper portion of the retable there is a dossal with a curved cut, surrounded by a drape with tassels and lambrequins, w ith a decoration of open lilies and hanging tassels, very similar to the one in front of it, on the tiles that decorate the bottom of the magnificent lavabo. This piece, sculpted in limestone from Lisbon and Extremoz marble, fits beautifully into the tile work, and its long curtains are opened by four ser- aphs, presenting an almost theatrical scene. The lavabo is formed by a triangular basin and its lower part is comprised of concave folds. The backdrop is cut in curves and surround ed by a frame. On the lower central part, two intertwined dolphins serve as faucets. It is easi- ly perceived that this is a crude intervention to replace the original spouts. On the upper part is a rendering of the coat of arms of the Franciscan Order, represented by the interlinked arms of Christ and St. Francis, the stigmata, and the towers of the first monastery. On top, a great regal crown symbolizes the protection offered by the Portuguese monarchy to the Order of St. Francis. Within this small space, on the side walls, delicate towel racks with gilded fronts were installed. With respect to the tiles in the sacristy, Silva Campos remarks: “…above all, it is the tiles that amaze us! In the same style as the tile work in the sacristy of Igarassu, but more complete; as imposing as that of Nossa Senhora das Neves in Olinda; more lovely than that of Santo Antônio in Recife; it is unrivaled among the Franciscan monas- teries. The tiles cover the entirety of the area of walls free of flagstone or furniture, up to a height of almost 3.80m, including a skirting of marbleized manganese tile. The ornamentation adjusts perfectly to the smallest architectural details, framing doors and windows, accompanying the contours of the carved chest of drawers and the arched recess of the lavabo, and extending to frame the Portuguese marble font! The tiles rise up to the cove of the ceiling, touching the frames, and thus composing the best and most perfect ornamentation scheme of which I am aware. It is one of the most beautiful expressions of 18th-century Portuguese tile art and, as such, needs to be preserved and defended”.58

A LTAROF O UR L ADYOFTHE R OSARY Exiting the sacristy by the main door and turning to the left, the visitor can climb a stairway with a parapet ending in a great whorl of carved wood, very similar to the whorls on the frontispiece of the Monastery. Farther ahead, there is a small gracious baroque altar dedicated to Our Lady of the Rosary, carved in cedar in the first half of the 18th century, with Solomonic columns and a dossal. Prior to restoration, the altar had been entirely painted white with a water-based paint. Though the restorers uncov- ered flakes of gold leaf, that at one point must have covered the entire altar, for aesthetic reasons they decided to leave it in natural wood, merely applying wax, through which vestiges of gold can be seen. The painting on the dossal of the altar, up to a height of 3 m, was revealed during restoration, and an image of Our Lady of the Rosary was replaced in its niche.

57. Idem, ibidem, p. 16. 58. SANTOS SIMÕES, J. M. dos. Op. cit., p. 74. 130 THE FRANCISCAN MONASTERY OF CAIRU

T HECHOIRANDLIVINGQUARTERS Upon leaving the altar of Our Lady of the Rosary by the door on the right, one enters the upper part of the clois- ter and, moving ahead, comes upon the access to the choir, which conserves its original U-shaped choir stalls, and Vista parcial do altar de is somewhat reminiscent of the 17th-century Igreja da Graça, in Salvador. At the center there is an ancient almemar Santa Rosa de Viterbo. (also known as choir stand or bema) of carved and turned wood; the upper part of this piece of furniture revolves, Foto de Nelson Kon, and can be used as a music stand for liturgical chants. 2009. From the choir one has a sweeping view of the nave, and can admire from up close the choir trellis and the lovely frontal (after restoration), generally seen only from the back by those who view it from the nave, and also the love- Partial view of the altar of Saint Rose of Viterbo. ly sculpture of Christ Crucified described earlier. From the choir, one has access to the bell tower. Photograph by Nelson Kon, 2009. S ECONDFLOOROFTHE M ONASTERY

A short tour of the 2nd floor of the Monastery entails a visit to the small library, the living rooms, and the quarters of the three resident friars: Friar Lucas Dolle, Friar Luiz Ponciano Celestino and Friar Hilton Francisco da Cruz Botelho, the latter occupying the post of Guardian. The cells, used today as accommodation for visitors on retreats, are laid out very simply, in typical Franciscan fashion, along a central corridor. A few years ago (with permission of Iphan) two of these cells received plumbi ng for toilets and showers, thereby providing greater comfort for guests. At the end of the corridor there is a room with a panoramic view, decorated with very few period pieces from the Monastery’s collection. From this window one has a magnificent view over the town, the harbor, the mangroves and distant islands. Another famous view can be appreciated from the great hall above the sacristy. Both these rooms are furnished with antique window seats. Truly, this is an apt spot for meditation and from which to behold the beauty of nature for which this region is rightly famous.

O THERSGROUNDFLOORAREAS Going downstairs, back to the ground floor, the visitor has the opportunity to visit the refectory, with its ancient lavabo similar to the one at the Monastery of Paraguaçu, and the kitchen. This kitchen has much in common with those of medieval monasteries in Europe. It is built on a square floor plan, and originally had a large stove in the center, and a huge conical chimney that sat above the cubic construction.59 Ancient documents make reference, in this area, to a butchery, a pantry with an oil press, and a prison cell, the location of which was recently identified by Friar Lucas Dolle. In Brazil, kitchens similar to this one can be seen only in the Franciscan monasteries of Penedo, in Alagoas, and São Cristóvão, Sergipe. We conclude our visit in the refectory, the walls of which are covered with some of the oldest til es in the Monastery. These include a considerable variety of 17th-century “massaroca” style tiles, up to a height of 5 tiles, including the upper bar with acanthus leaves and pearl motifs. According to Santos Simões: “Here and there, mixed among these tiles, we can perceive elements of a 17th-century figurative polychrome panel. These tiles, both the standard types and the figurative panels, appear not to have originally come from this Monastery, since they are of a type made in the mid-17th century, and thus prior to its construction. It would seem plausible that the friars reused tiles from another site, most probably the Franciscan Monastery of Salvador, where I found very similar tile work”. The refectory, simple and welcoming, still contains its original tables and benches of wood and stone. On the back wall is a beautiful Christ Crucified, and at the entrance, a very ancient stone filter that is still in use. The ceiling of overlapping b oards would appear to be recent, and probably replaced an original board ceiling which, undoubted- ly, bore decorative paintwork. In view of its historical and cultural importance, the Monastery of Santo Antônio de Cairu was declared an Iphan heritage building, under process 258-T, registered in the Book of Fine Arts, page 55, on 17 October 194160.

59. BAZIN, German. Op. cit., p. 142. 60. SOUZA, Alcídio Mafra de. Guia dos bens tombados – Bahia. Expressão e Cultura. Rio de Janeiro, p. 48.