RELATÓRIO DE APURAÇÃO

GOVERNADOR MANGABEIRA PREFEITURA MUNICIPAL

Exercício 2020

14 de abril de 2020

Controladoria-Geral da União - CGU Secretaria Federal de Controle Interno

RELATÓRIO DE APURAÇÃO Órgão: MINISTERIO DA EDUCAÇÃO Unidade Examinada: PREFEITURA MUNICIPAL Município/UF: Governador Mangabeira/

Missão

Promover o aperfeiçoamento e a transparência da Gestão Pública, a prevenção e o combate à corrupção, com participação social, por meio da avaliação e controle das políticas públicas e da qualidade do gasto.

Apuração o trabalho de apuração consiste na execução de procedimentos com a finalidade de averiguar atos e fatos inquinados de ilegalidade ou de irregularidade praticados por agentes públicos ou privados, na utilização de recursos públicos federais. QUAL FOI O POR QUE A CGU REALIZOU ESSE TRABALHO? TRABALHO A Ação de Controle originou-se de demanda externa da Controladoria-Geral da União. O REALIZADO PELA objetivo do trabalho consistiu em avaliar o CGU? regular uso dos recursos públicos federais aplicados, verificando a legalidade do processo de contratação; a correspondente motivação, em face da inviabilidade de competição; a justificativa do preço e a igualdade de Trata-se da análise da execução de recursos do FUNDEB oportunidades a todos com interesse em recebidos pelo Município de fornecer o serviço desejados e a eventual Governador Mangabeira/BA a execução dos contratos e processos de título de recuperação de pagamentos decorrentes. créditos provenientes de diferenças de QUAIS AS CONCLUSÕES ALCANÇADAS PELA complementação do Fundo CGU? de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Foram identificadas irregularidades na Fundamental e de Valorização contratação do escritório de advocacia para do Magistério – FUNDEF (Precatórios), bem como a recuperação de créditos provenientes de contratação de escritório de diferenças de complementação do Fundef advocacia com essa (Precatórios) pelo município de Governador finalidade. Mangabeira/BA.

A Contratação ocorreu, de forma indevida, por meio de inexigibilidade licitatória, sendo ainda pactuada com valores abusivos de honorários para uma única ação judicial, constituindo um ato antieconômico, lesivo e contrário ao interesse público, com prejuízos potenciais de cerca de R$ 6.618.042,54.

Contudo, o Município ainda não recebeu o pagamento dos precatórios, em razão do processo se encontrar em andamento e suspenso por uma medida cautelar do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

LISTA DE SIGLAS E BREVIATURAS

FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.

VMAA - Valor Médio Anual por Aluno.

ACP - Ação Civil Pública.

AI – Agravo de Instrumento.

ACO - Ação Cível Originária

ACP – Ação Civil Pública

AGU – Advocacia-Geral da União

FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

IGP-M – Índice Geral de Preços do Mercado

INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor

MEC – Ministério da Educação

MPF-SP – Ministério Público Federal no Estado de São Paulo

PGR – Procuradoria-Geral da República

RE – Recurso Extraordinário

REsp – Recurso Especial

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

TCM-BA – Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia

TCU – Tribunal de Contas da União

TRF-3 – Tribunal Regional Federal da 3ª Região VMAA – Valor Médio Anual por Aluno SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS E BREVIATURAS 5

SUMÁRIO 6

INTRODUÇÃO 7

1. HISTÓRICO: DIFERENÇAS DO VMAA DO FUNDEF, PERÍODO 1998-2006 (PRECATÓRIOS). 8

2. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE O TRÂMITE PROCESSUAL DA AÇÃO DE DIFERENÇAS DO FUNDEF DO MUNICÍPIO DE GOVERNADOR MANGABEIRA. 12

3. CONTRATAÇÃO IRREGULAR DE ADVOGADOS EM 2017 ATRAVÉS DE PROCESSO DE INEXIGIBILIDADE. POSSIBILIDADE DE NULIDADE CONTRATUAL (ART. 49 DA LEI Nº 8.666/93). NÃO CABÍVEL ALEGAÇÃO DE DESCONHECIMENTO POR PARTE DOS ADVOGADOS CONTRATADOS. 13

4. CONTRATAÇÃO DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA (2017) EM VALORES ABUSIVOS DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS PARA UMA ÚNICA AÇÃO JUDICIAL. ATO ANTIECONÔMICO, LESIVO E CONTRÁRIO AO INTERESSE PÚBLICO, COM PREJUÍZOS EFETIVOS E POTENCIAIS DE CERCA DE R$ 6.618.042,54 MILHÕES. 16

5. PATROCÍNIO DA AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA DAS DIFERENÇAS DE FUNDEF (JAN A SET/1998) PELO ESCRITÓRIO DE ASSESSORIA JURÍDICA DA PREFEITURA NÃO SE AMOLDA À RECOMENDAÇÃO CONJUNTA Nº 01/2018. MEDIDA DEVE SER ESTENDIDA À CONTINUAÇÃO DA AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA Nº 0008291-13.2017.4.013400. 20

6. VINCULAÇÃO EXCLUSIVA DOS RECURSOS RECEBIDOS E A RECEBER NA APLICAÇÃO DE DESPESAS DA EDUCAÇÃO BÁSICA, NÃO INCLUÍDOS AÍ GASTOS COM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS OU FINALIDADES DIVERSAS. 21

ANEXOS 23

I – MANIFESTAÇÃO DA UNIDADE EXAMINADA E ANÁLISE DA EQUIPE DE AUDITORIA 23

INTRODUÇÃO

A fiscalização teve como objetivo avaliar a execução de recursos do FUNDEB recebidos pelo Município de Governador Mangabeira/BA a título de recuperação de créditos provenientes de diferenças de complementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF (Precatórios), bem como a contratação de escritório de advocacia com essa finalidade.

Os trabalhos foram realizados à distância, no período de 06.02.2020 a 09.03.2020, e associados ao Programa 2080 - Educação de qualidade para todos e à Ação 0E36 - Complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB.

Como não houve execução de valores dessa natureza nem destaque de honorários contratuais em virtude do resultado dessa demanda judicial, o escopo da auditoria limitou- se à análise dos aspectos da regularidade e da economicidade da contratação de escritório de advocacia para patrocínio exclusivo da respectiva ação judicial.

1. Histórico: Diferenças do VMAA do FUNDEF, período 1998- 2006 (precatórios).

Essa ação de fiscalização teve por objeto o exame da aplicação dos recursos recebidos pelos entes municipais a título de PRECATÓRIOS do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), como ficaram conhecidas as inúmeras ações propostas pelos municípios brasileiros contra a União e que envolvem valores da ordem de R$ 90 bilhões.

A tese discutida disse respeito às diferenças devidas pela União aos demais entes federativos em razão da fixação do Valor Médio Anual por Aluno (VMAA) inferior ao definido pela Lei de criação do Fundo.

Segundo o art. 6º, caput e §1º, da Lei nº 9.424/1996, que já foi revogada pela legislação do FUNDEB,

Art. 6º A União complementará os recursos do Fundo a que se refere o art. 1º sempre que, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente.

§ 1º O valor mínimo anual por aluno, ressalvado o disposto no § 4º, será fixado por ato do Presidente da República e nunca será inferior à razão entre a previsão da receita total para o Fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas, observado o disposto no art. 2º, § 1º, incisos I e I. (grifos não originais)

No entanto, após a definição legal do valor absoluto para o primeiro ano, a União passou apenas a atualizá-lo monetariamente, sem observar a regra prescrita pelo citado §1º. Com isso, a partir de 1998, o VMAA ficou menor que o devido, gerando diferenças ou mesmo ausência de repasse a título de complementação, conforme demonstrativos a seguir.

Figura 1 – Diferenças entre os VMAA devidos e pagos pela União (1998 a 2006)

Fonte: Nota Técnica CGU-MA nº 430/2017.

Sobre esse fato, o Ministério Público Federal no Estado de São Paulo (MPF-SP) ajuizou a Ação Civil Pública - ACP nº 1999.61.00.050616-0, em 15.10.1999, pedindo, dentre outras coisas, que a União fosse condenada a ressarcir o FUNDEF no valor correspondente a toda a diferença entre o valor mínimo definido conforme o critério do art. 6º, parágrafo 1º da Lei nº 9.424/1997 e aquele fixado ilegalmente em montante inferior, desde o ano de 1998, e por todos os anos em que persistisse a ilegalidade, acrescidos de juros legais e correção monetária.

A partir dessa iniciativa do MPF-SP, os municípios começaram a propor centenas de ações de cobrança, tanto pela via de ação de conhecimento originária, quanto, posteriormente, como cumprimento de sentença da citada ACP ou mesmo como complemento do período inicialmente alcançado pela ação originária.

A Advocacia-Geral da União (AGU), em defesa da União Federal, questionou a fixação de um VMAA nacional, alegando que a média deveria ser regional (em cada Estado ou no Distrito Federal), porquanto o FUNDEF tem natureza de fundo regional.

A questão já foi pacificada nos Tribunais Superiores. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do Recurso Especial - REsp nº 1101015/BA, de 26 de maio de 2010, tido como representativo da controvérsia, firmou o entendimento de que a fixação do valor deveria ser feita considerando a média nacional, conforme ementa transcrita a seguir.

ADMINISTRATIVO. FUNDO DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO - FUNDEF. VALOR MÍNIMO ANUAL POR ALUNO - VMAA. FIXAÇÃO. CRITÉRIO: MÉDIA NACIONAL.

1. Para fins de complementação pela União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental - FUNDEF (art. 60 do ADCT, redação da EC 14/96), o "valor mínimo anual por aluno" (VMAA), de que trata o art. 6º, § 1º da Lei 9.424/96, deve ser calculado levando em conta a média nacional. Precedentes.

2. Recurso especial a que se nega provimento. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08.

Por seu turno, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu em julgamento de 09 de junho de 2011, no âmbito do Recurso Extraordinário - RE nº 636.978 – RG/PI, que essa discussão central da forma de cálculo não tinha repercussão geral, uma vez que a matéria era de índole infraconstitucional, consolidando assim a posição do STJ. Assim, com a condenação da União, estima-se que o valor total das diferenças de complementação seja de cerca de R$ 90 bilhões.

Nessa seara, ganha relevância o fato de os municípios terem contratado grupos de escritórios de advocacia do país com a remuneração pactuada em torno dos 20% do crédito respectivo pago pela União, o que representaria montante próximo a R$ 18 bilhões. Esses honorários, nitidamente firmados em percentuais abusivos e contrários ao interesse público, vêm sendo destacados/subtraídos dos precatórios, deixando de beneficiar milhões de estudantes brasileiros.

O Tribunal de Contas da União (TCU), no âmbito do Acórdão nº 1.824/2017 – Plenário e respaldando-se na independência das instâncias judiciais e administrativas, firmou entendimento de que a destinação de valores de precatórios relacionados a verbas do Fundef/Fundeb para o pagamento de honorários advocatícios é inconstitucional (art. 60, do ADCT) e ilegal (Lei nº 11.494/2007). Nesse mesmo julgado, determinou aos municípios beneficiados pela citada ACP que “não promovam pagamento de honorários advocatícios com recursos oriundos da complementação da União ao Fundef/Fundeb, bem como não celebrem contratos que contenham, de algum modo, essa obrigação”.

Nesse mesmo sentido, a Resolução do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia (TCM- BA) nº 1.346/2016, art. 1º, §2º, não admite a utilização dos recursos para pagamento de honorários1.

Mais recentemente, em 10 de outubro de 2018, a 1ª Seção do STJ fixou tese, no âmbito do Recurso Especial (REsp) nº 1703697/PE, no sentido de que os recursos financeiros da educação básica repassados a municípios a partir de decisão judicial não podem ser utilizados no pagamento de honorários advocatícios. O STJ passou a entender que as verbas do FUNDEB/FUNDEF, por terem destinação constitucional específica, não podem ser aplicadas em despesas que não sejam exclusivamente para o desenvolvimento e manutenção da educação básica.

O fato de tais verbas serem oriundas de decisão judicial não alteraria a vinculação prevista no art. 60, ADCT da CF/88. Por isso, o Colegiado entendeu “não ser possível a reserva de honorários prevista pela Lei 8.906/94, cabendo ao advogado buscar seu crédito por outros meios”.

E que essa vedação de destinação dos recursos do Fundo para honorários contratuais se estende para além da esfera judicial (ações originárias ou cumprimento de sentença), uma

1 § 2º Em decorrência da utilização vinculada à educação, não se admite, a qualquer título, a cessão dos créditos de precatório, nem sua utilização para o pagamento de honorários advocatícios, inclusive na hipótese dos contratos celebrados para propositura e acompanhamento da ação judicial visando obter os respectivos créditos, ressalvadas decisões judiciais em contrário, transitadas em julgado. vez que a tese da vinculação dos créditos à educação opera igualmente no campo dos pagamentos administrativos.

Frise-se que a União ingressou em 2017 com ação rescisória em relação à Ação Civil Pública, autuada junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) sob o nº 5006325- 85.2017.4.03.0000. Foi alegada a incompetência territorial do Juízo Federal de São Paulo, uma vez que o estado ou município paulista não recebiam complementação do Fundo e não estariam ligados ao “local de ocorrência do dano”.

Em decisão liminar de 22 de setembro de 2017, o Desembargador relator naquele Tribunal determinou a suspensão da eficácia do Acórdão impugnado (que havia transitado em julgado em julho/2015) e, como consequência, de todas as execuções dele derivadas.

Nessa mesma decisão e no tocante à contratação pelos municípios de escritórios de advocacia para ingressar com ação de cumprimento de sentença da ACP, asseverou o Magistrado:

Ao menos neste momento de juízo cautelar, parece que a opção dos Prefeitos é transferir, sem aparente justa causa, parte vultosa da complementação bilionária destinada a milhares de alunos e professores do ensino fundamental, a poucos escritórios de advocacia.

Os Prefeitos estão abrindo mão de crédito recebível, a custo zero, em benefício de alunos e professores localizados nas regiões mais desfavorecidas do País, em troca de endividamento bilionário, com alguns escritórios de advocacia.

Esclareça-se que o próprio MPF-SP já havia dado início à execução coletiva do julgado, bem como apresentou recurso na rescisória, que se encontra em trâmite.

O Desembargador ainda remeteu peças do processo à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que fossem adotadas, em relação a tais prefeitos, as providências cabíveis na área da improbidade administrativa.

Por seu turno, a PGR, os Ministérios Públicos de Contas e dos Estados emitiram a Recomendação Conjunta nº 01/2018, de 15 de outubro de 2018, dirigida aos Prefeitos, no sentido de que:

a) ABSTENHAM-SE de contratar escritório de advocacia para prestação de serviços visando ao recebimento dos valores decorrentes de diferenças do FUNDEF pela subestimação do valor mínimo anual por aluno (VMAA), previsto na Lei do FUNDEF (Lei n.º 9.424/96), por inexigibilidade de licitação, prevendo pagamento dos honorários contratuais com cláusula de risco ou vinculando o pagamento dos honorários contratuais a qualquer percentual dos recursos a serem recebidos a esse título;

b) SUSPENDAM os pagamentos a escritório de advocacia caso tenha sido contratado para tal finalidade com a consequente ANULAÇÃO da relação contratual e ASSUNÇÃO, pela Procuradoria Municipal (ou por quem execute a função) da causa, englobando a atuação extrajudicial e/ou judicial;

c) ADOTEM as medidas judiciais cabíveis para reaver os valores eventualmente pagos indevidamente a tal título.

Ademais, registre-se que o FUNDEF – Educação Fundamental (Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996) foi substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) – Educação Básica (Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007), tendo sido definida nova fórmula de cálculo aplicada a partir de 01 de março de 2007, conforme art. 44, 46 e Anexo – “Nota explicativa” do novo diploma legal.

Também já existem ações judiciais pleiteando diferenças a partir dessas novas regras de definição do “valor mínimo anual por aluno” e do parâmetro mínimo dos valores definidos no ano anterior à vigência do FUNDEB (2006), atualizado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e calculado conforme entendimento do STJ, e não pelo respectivo Decreto do Executivo. Até o momento são poucas as decisões no âmbito dos Tribunais para saber qual será o posicionamento final do Poder Judiciário.

Neste Relatório, serão examinados os resultados da ação judicial proposta pelo Município de GOVERNADOR MANGABEIRA/BA.

2. Considerações preliminares sobre o trâmite processual da ação de diferenças do FUNDEF do Município de GOVERNADOR MANGABEIRA.

Foi proposta cumprimento de sentença em 22.02.2017, sob o nº 0008291- 13.2017.4.013400 distribuída à 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF).

A petição inicial foi assinada pelo advogado Leonardo Ribeiro Passos Dourado (OAB/BA 16.405), que fora substabelecido pelo advogado Vinícius Machado Marques OAB/BA 16.292. A procuração foi outorgada pelo prefeito à época, Marcelo Pedreira de Mendonça.

No dia 24.11.2017, houve despacho suspendendo o feito com o seguinte teor:

À vista a decisão prolatada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região no dia 22 de setembro de 2017 na Ação Rescisória nº 500632585.2017.4.03.0000 movida pela União em que foi concedida a tutela cautelar para determinar a suspensão da eficácia de todas as execuções dele derivadas. Suspenda-se a tramitação do presente feito. A Seção de Execuções deve providenciar o bloqueio de requisição de pagamento eventualmente já expedida nestes autos. E em resposta à Solicitação de Fiscalização n.º 02/Precatórios FUNDEF, de 06.02.2020, o gestor local corroborou a informação de que não houve pagamento, conforme segue trecho do Ofício nº 011/2020:

3. Ressaltamos que não foram efetuados pagamentos ao Município referente aos precatórios do FUNDEF e/ou FUNDEB da União, em razão do Processo se encontrar em andamento e suspenso por uma medida cautelar do Tribunal Regional Federal da 3ª Região;

A petição da execução/cumprimento de sentença traz o demonstrativo com valor em discussão estimado em R$ 44.120.283,59 (atualização fevereiro/2017) e se encontra atualmente suspensa.

3. Contratação irregular de advogados em 2017 através de processo de inexigibilidade. Possibilidade de nulidade contratual (art. 49 da Lei nº 8.666/93). Não cabível alegação de desconhecimento por parte dos advogados contratados.

A regra constitucional para a Administração Pública é o dever de licitar, com as ressalvas trazidas pela legislação pertinente (art. 37, XXI). A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, por seu turno, estabelece como tais exceções os casos de dispensa e inexigibilidade.

É, pois, por constituírem-se em exceções à regra, que a norma geral também prescreveu procedimentos mínimos obrigatórios para a operacionalização das contratações por meio dessas categorias, no tocante à sua caracterização, motivação prévia e transparência.

Ocorre que a outorga da procuração aos advogados foi precedida de uma inexigibilidade de licitação com base na justificativa de notória especialização dos advogados, conforme Parecer Jurídico colhido do processo administrativo:

Registre-se, que os profissionais interessados juntaram aos autos o seu currículo vitae simplificado, anexo à proposta, onde resulta demonstrado à farta, que os profissionais contratados/escritório de advocacia possuem formação técnica consubstanciada em experiências pretéritas na área de atividade e docência em graduação superior.

O fato de os advogados contratados terem experiências pretéritas e atividade de docência não caracteriza por si só a notória especialização, posto que no mercado há vários profissionais com qualificação semelhante ou até melhor preparação. Em reforço às argumentações, traz-se orientações normativas do TCU, contida no Acórdão 3860-43/07-1, que de forma clara aduz que notória especialização é atributo aferido a determinado profissional/empresa pelas qualidades técnicas não encontradas nos demais:

... é necessária a presença de todos os requisitos estabelecidos pela Lei n° 8.666/93, e não de apenas parte deles, para que esteja devidamente caracterizada a alegada situação de inexigibilidade, conforme preceitua o art. 25, incisos I, II e III.

Assim, não basta comprovar que o serviço objeto do contrato seja de natureza singular ou técnico especializado (art. 13, Lei 8.666/93). É indispensável a demonstração inequívoca de que somente determinada empresa, ou profissional, estaria apta a realizar o serviço que se pretende contratar, isto é, que o executor possua notória especialização, nos termos do § 1° do art. 25 da mesma lei.

Dessa monta, existem diversas ações no Estado da Bahia onde vários escritórios advogados vêm patrocinando a mesma causa, assim, a notória especialização resta fragilizada. Outro ponto importante a se destacar é que a causa em si é simples não envolve conhecimentos especializados, posto que em algumas prefeituras os próprios procuradores municipais têm patrocinado tais casos.

Ressalta-se que a ação intentada sequer foi a ação de conhecimento, mas mera ação de cumprimento de sentença, com base na ação civil pública intentada pelo Ministério Público Federal, principal fator que comprova que o serviço não é especializado e que os advogados possuem notória especialização para o serviço que é comum.

No que tange à necessidade de justificativa do preço, prevista no inciso III do citado art. 26, o que se constatou é que, além de não haver qualquer parecer ou fundamentação de sua adequabilidade, os honorários contratuais foram estipulados de modo abusivo, antieconômico e contrário ao interesse público.

Quanto à conduta do contratante, tem-se, por um lado, que o Gestor de 2017 assina a procuração para um terceiro prestar serviços ao Município, sem que ele próprio tenha tomado e exigido as providências obrigatórias em relação ao necessário procedimento prévio.

Isso porque conforme destacado pelo procurador municipal fora juntado os currículos dos contratados e todos têm especialização e experiência na docência, assim, não é plausível a justificativa em contrário; até porque tal cabedal de conhecimento foi utilizado para justificar a suposta inexigibilidade.

Diante das evidências coletadas, observa-se que houve afronta às expressas exigências contidas no artigo 26 indicado acima, concluindo-se pela nulidade contratual, por força do art. 49 da Lei nº 8.666/1993.

O Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia (TCM-BA), em decisão recente do dia 15.08.2019 chegou a mesma conclusão julgando uma Representação do Ministério Público [PROCESSO TCM Nº 03793e19] contra o gestor municipal:

Votamos , com fulcro no inciso XX do artigo 1º da Lei Complementar Estadual nº 006/91, combinado com as disposições da Resolução pertinente, pelo conhecimento e procedência, ainda que parcial, na medida em que não houve desembolso de recursos públicos, da Representação consubstanciada neste processo TCM nº 03793e19, para, em decorrência, determinar a rescisão do contrato em apreço, no prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado deste decisório, advertindo o Gestor, aqui figurando como Denunciado, que o descumprimento do decisório pode ensejar a aplicação de penalidade de maior gravidade, bem assim que, em hipóteses de utilização da figura da inexigibilidade licitatória deve o processo administrativo demonstrar o preenchimento das respectivas condicionantes legais.

Assim, não resta dúvidas quanto à nulidade do procedimento, e, por conseguinte, do respectivo contrato. Destaca-se ainda que o gestor municipal mantém ainda como patrono da causa o advogado particular contratado de forma irregular.

3.a) Da Continuidade de patrocínio com o escritório de advocacia contratado. Prestação de informação contraditória.

Cumpre informar que apesar da decisão do TCM-BA julgando a representação feita pelo MP-BA, no qual consigna a irregularidade do processo de inexigibilidade 01/2017, que, por conseguinte, culminou no contrato de prestação de serviços advocatícios nº 02/2017, onde o foi contratado o escritório Caymmi Dourado Marques Moreira & Costa Advogados, ainda não houve a revogação/rescisão contratual.

Conforme pesquisa no andamento processual, na data 09/03/2020, ainda consta como patrono da causa o advogado Leonardo Ribeiro Passos Dourado (OAB/BA 16.405), que recebeu o substabelecimento através do advogado Vinícius Machado Marques, OAB/BA 16.292, sócio do escritório contratado pela municipalidade.

Conforme visto retro, o TCM-BA, proferiu decisão no dia 15.08.2019 determinando a rescisão contratual. Contudo, em 16.10.2019, o gestor apenas menciona que não houve pagamento de honorários advocatícios com recursos Fundef, segundo ofício nº 0124/2019, encaminhado ao MPF.

Em resposta à solicitação de fiscalização desta Controladoria, complementação ao ofício nº 011/2020, do dia 07 de fevereiro de 2020, o gestor informa:

4 – Salientamos que o Contrato de Prestação de Serviços nº 002/2017 teve seu prazo de vigência encerrado em 31 de dezembro de 2017, e não houve renovação.

Foi solicitado ao gestor cópias de documentação comprobatória (revogação de mandato, substabelecimento, ou qualquer outro documento) de rescisão do contrato e de encerramento do patrocínio privado, entretanto, não houve resposta ao quanto solicitado, configurando indícios de que o escritório particular ainda está no patrocínio da causa.

Em consulta feita ao sistema PJE, no TRF1, não há nos autos qualquer substabelecimento aos advogados públicos municipais. 4. Contratação de escritório de advocacia (2017) em valores abusivos de honorários advocatícios para uma única ação judicial. Ato antieconômico, lesivo e contrário ao interesse público, com prejuízos efetivos e potenciais de cerca de R$ 6.618.042,54 milhões.

Ainda que o processo de contratação tivesse seguido as exigências legais, o contrato firmado entre a Prefeitura e o advogado Vinícius Machado Marques OAB/BA 16.292, através do Escritório Caymmi Dourado Marques Moreira & Costa Advogados [c.n.p.j.: 23.789.918/0001-67] seria igualmente passível de nulidade, dada a abusividade do percentual fixado a título de honorários (15% sobre os valores totais recuperados).

Segundo o contrato, a remuneração pelo serviço foi estimada em R$ 6.618.042,54.

Determina a Lei nº 8666/1993, em seu art. 26, parágrafo único, III, que os processos de inexigibilidade deverão ser instruídos com a justificativa do preço, visando resguardar o Erário contra preços superfaturados e abusivos, ainda mais por tratar-se de um procedimento sem o crivo da disputa licitatória.

Esse requisito legal da “justificativa do preço” há que ser satisfeito em seu aspecto formal e material. Não basta, portanto, que haja simplesmente uma justificativa qualquer, mas que o preço estipulado, em seu conteúdo, seja razoável e proporcional à prestação do bem ou serviço contratado.

Observa-se, desde logo, que o valor contratado com o escritório Caymmi Dourado Marques Moreira & Costa Advogados para uma única ação judicial nem se mostra razoável nem é proporcional ao serviço executado.

Nesse contexto, como decidiu a Justiça Federal em -BA em processo similar2, não se trata de “interesse privatístico ilimitadamente disponível”, não podendo o gestor municipal dispor livremente do dinheiro público. A contratação do escritório de advocacia, portanto, deve responder ao interesse público também quanto ao valor estipulado.

A seguir são listadas as evidências que corroboram o caráter abusivo da definição desse valor contratual, consistente num ato administrativo antieconômico e lesivo ao interesse público, sujeito à decretação de nulidade e eventual responsabilização dos agentes públicos que lhe deram causa.

2 Decisão da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Feira de Santana – BA de 15.08.2014, nos autos do processo nº 4677-41.2010.4.01.3304. a) Ausência de complexidade do feito; causa de pedir idêntica à já formulada pelo MPF- SP e decidida pela Justiça Federal e cópia da fundamentação jurídica daquele Parquet.

Ao analisar as peças do processo judicial, observa-se que o objeto da ação está circunscrito à discussão sobre a forma de cálculo do valor médio anual por aluno, contida no §1º do art. 6º da Lei nº 9.426/94. É um debate essencialmente de direito, sobre a mera inteligência do texto legal abaixo transcrito.

§ 1º O valor mínimo anual por aluno, ressalvado o disposto no § 4º, será fixado por ato do Presidente da República e nunca será inferior à razão entre a previsão da receita total para o Fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas, observado o disposto no art. 2º, § 1º, incisos I e I.

Nesse contexto, é fundamental considerar ainda que a causa de pedir desta ação originária de Governador Mangabeira é idêntica à já formulada pelo MPF-SP em 1999, no âmbito da Ação Civil Pública nº 1999.61.00.050616-0.

Todo o capítulo “Fixação do Valor Mínimo em Desrespeito à Lei” (págs. 10 a 18) da petição inicial do MPF foi copiado pelos advogados, em seus parágrafos, citações, quadros e expressões, alterando-se apenas algumas poucas palavras para aparentar distinção. Frise- se que tal capítulo trata da questão central do direito discutido.

Ademais, como mencionou a AGU na Apelação, “verificou-se o ajuizamento de centenas de ações similares [na Bahia], cujas teses autorais eram essencialmente idênticas”. Mesmo se tratando de escritórios e municípios distintos, as petições iniciais são praticamente as mesmas. Os advogados aqui contratados, por exemplo, patrocinaram inúmeras ações deste tipo para municípios baianos.

À época da proposição de todas essas ações, incluindo a relativa a Governador Mangabeira, já havia sido deferida a tutela antecipada da ACP promovida pelo MPF-SP, determinando à União abster-se de definir o valor mínimo anual por aluno em importância inferior àquela resultante dos critérios impostos pelo art. 6º, §1º, da Lei nº 9.424/96. Isso demonstra que a tese jurídica, mesmo em análise preliminar, já encontrava guarida por parte do Poder Judiciário.

Além disso, o próprio MEC já havia instituído, por meio das Portarias nº 71 e 212/2003, um Grupo de Trabalho - GT “com a finalidade de estudar e apresentar, para 2003, propostas relacionadas à fixação do valor mínimo nacional por aluno/ano do FUNDEF”. Em seu Relatório Final, de 25.03.2003, o citado GT, ao comparar a metodologia de cálculo adotada pelo Ministério da Educação com àquela prevista na Lei nº 9.424/96, assim se manifestou:

Verifica-se que entre 1998 e 2002, o valor mínimo nacional tomou como base apenas a atualização do valor de R$300,00 inicialmente fixado pela Lei de regulamentação do FUNDEF (...) a correção do valor mínimo repôs apenas o efeito da inflação no período. Nesse período não foram adotados, na definição do valor mínimo do FUNDEF, mecanismos que guardassem vinculação com a relação das variáveis: receita do FUNDEF e nº de alunos do ensino fundamental; prevista na lei como parâmetro a ser observado.

Ou seja, reconhecia-se, desde aqui, que o VMAA apenas vinha sendo corrigido, sem considerar os parâmetros mínimos definidos na norma. Por isso mesmo, concluiu asseverando que:

A fixação do valor mínimo nacional por aluno/ano para 2003, vem sendo realizada sem a integral observância dos critérios que orientam sua definição, tanto no que diz respeito à diferenciação de valores (...), quanto no que se refere à metodologia de cálculo que recomenda a observância do valor médio nacional como limite mínimo. (grifos não originais)

E não foi só. Na verdade, desde 2002 (isto é, mais de um ano antes de os advogados terem proposto a ação do Município), o TCU já havia enfrentado a questão no âmbito do Processo TC nº 014.041/1999-5. Em sessão de 17 de julho de 2002, o Plenário do Tribunal firmou idêntico entendimento (Decisão nº 871/2002):

8.1.3 - antes de expirado esse prazo [§4º, art. 60, ADCT], permanecia aplicável a fórmula de cálculo do limite inferior do Valor Mínimo Anual por Aluno estabelecida no § 1° do art. 6º da Lei n° 9.424/96, que deve ser entendida como uma média nacional, correspondente à razão entre o somatório das receitas de todos os Fundos e a matrícula total do ensino fundamental público no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas. (grifos não originais)

Dessa forma, não se tem qualquer inovação ou complexidade na causa de pedir da ação para a qual foram contratados os causídicos a justificar a fixação de honorários contratuais em patamares tão desproporcionais e abusivos.

Evidente que há de se valorar os 3 anos de tramitação, bem como os trabalhos de apuração e atualização do valor por contadores/calculistas (custo em torno de R$ 10 mil3). No entanto, tais serviços, integrantes da rotina de qualquer escritório de advocacia, definitivamente não têm o condão de tornar razoáveis os R$ 6.618.042,54 de recursos públicos do FUNDEF afetados ao particular por meio do mencionado contrato. b) Ato antieconômico e lesivo ao interesse público em afronta ao art. 26, parágrafo único, III, da Lei nº 8.666/1993.

De início, é preciso constatar que o próprio Código de Ética da OAB (1995) prevê que os honorários profissionais devem ser fixados com moderação (art. 36).

3 Valor obtido a partir de referências de custos em processos idênticos, atualizados pelo IGP-M para jan/2017. Como se vê, a definição de honorários contratuais em 15% não é uma regra absoluta. Ao contrário, devem ser eles fixados com moderação e ajustados a valores compatíveis, quando houver motivo justificável.

Ora, o valor da causa, a prévia definição da tese pelo MPF-SP (confirmada em liminar), a ausência de complexidade e dificuldade das questões versadas, aliado ao fato de não se tratar de recursos privados plenamente disponíveis, são motivos mais que justificáveis para que o gestor público pactuasse uma remuneração proporcional aos serviços a serem prestados.

Segundo o Glossário de Termos do Controle Externo do TCU (2013), ato antieconômico é o “ato que onera, indevidamente, o erário, mesmo que praticado com a observância das formalidades legais, não atendendo ao interesse público ou afrontando os princípios constitucionais da eficiência, eficácia e efetividade”.

Na verdade, o interesse público dirige e limita a discricionariedade do gestor. Nesse caso, o ato do Prefeito (assinatura do contrato) que definiu os valores dos honorários em patamares dessa ordem onerou indevidamente o Erário. E mais, causando grave prejuízo ao interesse público, na medida em que retira direitos dos milhares de alunos do ensino público que poderiam ser beneficiados caso não houvesse essa transferência irregular ao particular.

Como dito, é evidente que o tempo de tramitação e a elaboração/atualização dos cálculos devem ser considerados no trabalho profissional. O que não é legítimo, é que por tais serviços referentes a uma causa, cerca de R$ 6.618.042,54, sejam destinados a um único escritório de advocacia em prejuízo à manutenção e desenvolvimento de toda a educação básica de um município como Governador Mangabeira, tão carente de recursos nessa área.

Nesse particular, vale transcrever um trecho da Decisão da Justiça Federal em Feira de Santana/BA citada anteriormente, para contrastar com a abusividade do valor pactuado neste processo em análise:

O caso enseja juízo de razoabilidade. (...) Tomando por baliza os valores fixados nos cálculos de fls. 470/471, a correção da lesividade originária, ora operada, ofertará ao causídico honorários contratuais superiores a R$200.000,00, montante que atende com folga ao labor dispensado na presente demanda e a dignidade do nobre exercício da advocacia. (grifos não originais)

Em manifestação nos autos de processo similar, o MPF asseverou que a nulidade da inexigibilidade e, consequentemente, do contrato opera efeitos ex tunc, com base no art. 59 da Lei nº 8.666/1993. Assim, continuou o Parquet, a fixação dos honorários deve se dar por arbitramento judicial, “em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão”, por força do previsto no art. 22, §2º, da Lei nº 8.906/1994. Pelo exposto, conclui-se que, além da nulidade pela inobservância das exigências de contratação (inexistência de inexigibilidade), a escolha na fixação de honorários em percentuais que afetam todo esse montante dos recursos do Fundo se constitui em ato antieconômico, contrário e lesivo ao interesse público, igualmente passível de anulação.

5. Patrocínio da ação de cumprimento de sentença das diferenças de FUNDEF (jan a set/1998) pelo Escritório de assessoria jurídica da Prefeitura não se amolda à Recomendação Conjunta nº 01/2018. Medida deve ser estendida à continuação da Ação de Cumprimento de sentença nº 0008291-13.2017.4.013400.

O trânsito em julgado da ACP nº 1999.61.00.050616-0 em 2015 (que alcança todos os municípios do país) possibilita o ingresso de ação de cumprimento de sentença para as parcelas prescritas nas ações individuais, porquanto a citada ACP foi proposta pelo MPF-SP em 1999.

No caso de Governador Mangabeira-BA, tal ação de cumprimento de sentença foi protocolada em 22 de fevereiro de 2017, sob o nº 0008291-13.2017.4.013400 distribuída à 2ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, e com valor da causa atribuído em R$ 44.120.283,59. Este processo atualmente4 se encontra suspenso, aguardando julgamento da ação rescisória nº 5006325-85.2017.4.03.0000.

O que importa destacar é que esta ação está sendo patrocinada pelo advogado Vinícius Machado Marques (OAB/BA 16.292), proprietário do escritório Caymmi Dourado Marques Moreira & Costa Advogados [CNPJ 23.789.918/0001-67].

Esta empresa foi contratada pela Prefeitura para “prestação de serviços técnicos profissionais especializados de consultoria e assessoria em direito público municipal no âmbito judicial e administrativo”, no âmbito da Inexigibilidade nº 001/2017, com fulcro no art. 25, II, da Lei nº 8.666/935.

Note-se que esta medida não se amolda às diretrizes da Recomendação Conjunta nº 01/2018, emitida pela PGR em parceria com os Ministérios Públicos de Contas e dos Estados e dirigida aos Prefeitos no sentido de que:

4 Consulta site TRF-1 em 09.03.2020. 5 há registro de vários processos de inexigibilidade ou contrato relativos ao advogado Vinícius Machado Marques OAB/BA 16.292 (ou Caymmi Dourado Marques Moreira & Costa Advogados) nos seguintes municípios: Vitória da Conquista, , , Caetité, Feira de Santana, , Jequié, Ilhéus, , Valença, Alcobaça, Maetinga, Caldeirão Grande, , Caém, , , , Iuiú, São José da Vitória, Sento Sé, Curaçá, Uauá e , para além da citada Inexigibilidade nº 001/2017. a) ABSTENHAM-SE de contratar escritório de advocacia para prestação de serviços visando ao recebimento dos valores decorrentes de diferenças do FUNDEF pela subestimação do valor mínimo anual por aluno (VMAA), previsto na Lei do FUNDEF (Lei n.º 9.424/96), por inexigibilidade de licitação, prevendo pagamento dos honorários contratuais com cláusula de risco ou vinculando o pagamento dos honorários contratuais a qualquer percentual dos recursos a serem recebidos a esse título;

b) SUSPENDAM os pagamentos a escritório de advocacia caso tenha sido contratado para tal finalidade com a consequente ANULAÇÃO da relação contratual e ASSUNÇÃO, pela Procuradoria Municipal (ou por quem execute a função) da causa, englobando a atuação extrajudicial e/ou judicial.

Assim, na medida em que Município outorga a representação dessas ações de FUNDEF a escritórios de assessoria geral já contratados ou ainda à sua Procuradoria Pública (ou mesmo a ambos), a Administração não tem qualquer custo adicional a título de honorários contratuais.

Situação diversa se observa na ação de cumprimento de sentença nº 0008291- 13.2017.4.013400, cujos patronos apresentaram contrato firmado com remuneração de 15% sobre o valor do crédito recebido pelo Município.

Como vimos em Achado anterior, tal contrato firmado em 2017 é passível de nulidade, dada a irregularidade de devido procedimento de contratação. Repita-se aqui que a nulidade da inexigibilidade e, consequentemente, do contrato opera efeitos ex tunc (art. 59 da Lei nº 8.666/93), sendo que a equitativa fixação dos honorários deve se dar por arbitramento judicial.

Ademais, também se verificou que a remuneração pactuada foi abusiva, antieconômica e contrária ao interesse público e absolutamente desproporcional ao serviço prestado numa única ação judicial de baixa complexidade e com fundamentação jurídica copiada da ACP proposta pelo MPF-SP.

Dessa forma, aplica-se o item “b” da citada Recomendação PGR nº 001/2018, no sentido de que sejam declarados nulos os contratos com tal configuração e, após a devida notificação administrativa para eventual manifestação pelos contratados, outorgada a representação judicial ao Escritório de Assessoria e/ou a Procuradoria-Pública.

Vale frisar que a Prefeitura de Governador Mangabeira já foi comunicado dessa Recomendação Conjunta desde 25 de setembro de 2019, por meio do Ofício Circular nº 01/2019 da Rede de Controle da Gestão Pública na Bahia.

6. Vinculação exclusiva dos recursos recebidos e a receber na aplicação de despesas da educação básica, não incluídos aí gastos com honorários advocatícios ou finalidades diversas. Os créditos oriundos dessas ações judiciais de diferenças do FUNDEF possuem destinação específica, conforme art. 60, do ADCT da CF/88 e Leis nº 9.424/96 e 11.494/2007, não importando que tais verbas sejam oriundas de decisão judicial. Por isso, aquela Seção decidiu “não ser possível a reserva de honorários prevista pela Lei 8.906/94, cabendo ao advogado buscar seu crédito por outros meios”.

Essa questão também está posta no STF, quando a PGR pediu, em 15 de dezembro de 2018, a suspensão de todas as decisões judiciais que autorizavam repasse de honorários a escritórios de advocacia com precatórios do FUNDEF (SL 1186 MC /DF). Ainda não há julgamento final sobre a matéria6.

Todavia, quando da apreciação das ACOs nº 648/BA, 660/AM, 669/SE e 700/RN em 2017, o Plenário do Supremo já se pronunciou sobre essa vinculação exclusiva das verbas do FUNDEF recebidas retroativamente à educação.

No âmbito administrativo, o Acórdão PL nº 1.824/2017 do TCU, firmou o entendimento de que a destinação de valores de precatórios relacionados a verbas do Fundef/Fundeb para o pagamento de honorários advocatícios é inconstitucional.

Nesse mesmo sentido a Resolução TCM-BA nº 1.346/2016, art. 1º, §2º, que prescreve o seguinte:

Em decorrência da utilização vinculada à educação, não se admite, a qualquer título, a cessão dos créditos de precatório, nem sua utilização para o pagamento de honorários advocatícios, inclusive na hipótese dos contratos celebrados para propositura e acompanhamento da ação judicial visando obter os respectivos créditos, ressalvadas decisões judiciais em contrário, transitadas em julgado. (grifos não originais)

E evidentemente que essa vedação de destinação dos recursos do Fundo para honorários contratuais se estende para além da esfera judicial (ações originárias ou cumprimento de sentença), uma vez que a tese da vinculação dos créditos à educação se projeta igualmente para o campo dos pagamentos administrativos.

6 Consulta ao site STF em 20.09.2019 ANEXOS I – MANIFESTAÇÃO DA UNIDADE EXAMINADA E ANÁLISE DA EQUIPE DE AUDITORIA

Achados n. º 01 e 02.

Como os dois primeiros itens de registros do relatório se referem apenas à contextualização das circunstâncias que precederam o direito aos créditos de recursos dos precatórios e do Fundef e disseram respeito a todos os municípios, indistintamente, não coube manifestação da Prefeitura acerca desses itens.

Achados n. º 03, 04, 05 e 06.

A resposta do gestor foi composta de registros próprios de argumentação acompanhados de alguns anexos, contemplando 02 pareceres de juristas, a recomendação 36 do Conselho Nacional do Ministério Público, a Súmula 04/2012/COP/OAB/Conselho Federal e o ofício nº 13/2020.

Dessa maneira, em atenção às diretrizes de elaboração de relatórios da CGU que prezam pela objetividade e concisão dos textos, mas considerando que os fundamentos jurídicos colacionados pelos anexos foram contemplados na argumentação de defesa do Gestor, o inteiro teor de tais anexos não foi transcrito para não sobrecarregar o relatório final, tornando-o demasiadamente longo e cansativo

Porém, o teor dos anexos será apenas citado de forma sintética quando necessário, considerando que sequer fizeram parte do processo licitatório de inexigibilidade para a contratação do Escritório de Advocacia Caymmi Associados para o patrocínio da ação visando apurar as diferenças do FUNDEF, o objeto dessa fiscalização.

Assim, por meio de Ofício não numerado, de 23 de abril de 2020, a Prefeitura Municipal de Governador Mangabeira-BA apresentou a seguinte manifestação, a qual será dividida por tópicos para melhor compreensão:

“... 1 - Inicialmente, cumpre-me registrar que, como Prefeito municipal, tomei conhecimento de que muitos municípios, num passado remoto, haviam ajuizado Ações Judiciais contra a União para obriga-la a restituí-los de diferenças de Valor Mínimo Anual por Aluno (VMAA) resultantes de sua ilegal e incorreta fixação pelos Excelentíssimos Senhores Presidentes da República Federativa do Brasil. Muitos Municípios brasileiros, dentre os quais algumas dezenas de baianos, já receberam essas diferenças, pagas por meio de Precatórios Federais. 2 - Uma vez que o Município não havia ajuizado Ação individual com esta finalidade, por um lado, e, considerando que o FUNDEF foi definitivamente extinto em fevereiro de 2007, por outro lado, nada se poderia fazer, naquele momento, para garantir-se que o Município também receberia os valores a que fazia jus, haja vista a ocorrência da prescrição. Saliento, mais uma vez, nenhuma providência havia sido adotada antes e, tudo levava a crer, o Município não receberia as diferenças a que tinha direito.

3 - Sucede que, logo depois de minha posse, fui informado de que ainda havia algo a se fazer. Em 2016, uma Ação Civil Pública proposta pelo MPF em São Paulo, cujo trâmite se deu na 19º Vara Federal, transitou em julgado, tendo se solidificado o entendimento de que a União era realmente devedora dos Municípios. Nos cabia, assim, a fim de materializar este direito, a proposição, em juízo, de um cumprimento de sentença.

4 - Dados estes fatos, busquei informações sobre advogados que pudessem nos auxiliar neste intento de recuperar os valores que foram ilegalmente negados ao Município pela União. Após pesquisa, identifiquei escritório de advocacia que, desde a sua fundação, atua na defesa dos interesses de Municípios, especialmente em demandas que têm por objeto a cobrança de valores que lhes são devidos pela União em razão de ilegalidades por ela praticadas no âmbito do FUNDEF. As primeiras ações individuais ajuizadas por Municípios com o objetivo de promover a correta fixação do Valor Mínimo Anual por Aluno (VMAA) datam do ano de 2003. Tal escritório encaminhou ao município uma proposta de trabalho e de honorários advocatícios, acompanhada de documentos comprobatórios de sua expertise na matéria.

5 - Importa muito registrar que a atuação pioneira do escritório não está adstrita à cobrança das diferenças resultantes da incorreta fixação do VMAA. Para além disto, mas ainda no contexto do FUNDEF, atuou destacadamente em centenas de Ações que tinham por propósito a reversão de decisões administrativas da União, que impunham aos Municípios a perda abrupta de valores a título de ajuste de contas. Os efeitos financeiros das Portarias Ministeriais 239/2002, 252/2003 e 400/2004 foram implacavelmente atacados nas tantas Ações Judiciais por ele promovidas.

6 - Por outro lado, a Procuradoria Judicial do Município não estava, à toda evidência, devidamente aparelhada para cuidar de uma Ação tão complexa e que estava à margem absoluta daquelas que são próprias da rotina da Procuradoria. Uma Ação como a que fora ajuizada em favor do Município tem uma complexidade intrínseca que se inicia pelo fazimento dos cálculos do quantum debeatur e alcançam a impugnação da União que afirma nada dever. Sem mencionar o fato de que transcorre no Tribunal Regional Federal da 3º Região uma Ação Rescisória proposta pela União no âmbito da mencionada ACP, em que se deferiu, liminarmente, uma medida cautelar que suspendeu a tramitação de todos os cumprimentos de sentença ajuizados com fundamento naquela ACP, incluindo, evidentemente, o cumprimento de sentença nº 0008291-13.2017.4.01.3400, em curso na 2º Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, proposta em favor deste Município de Governador Mangabeira/BA. 7 - Assim sendo considerada a complexidade da causa e a notória especialização, determinei que fosse realizada a contratação deste escritório na modalidade Inexigibilidade de Contratação, vez que presentes os requisitos estampados na Lei nº 8.6066/93.

8 - Releva ainda destacar que todo o acervo de trabalho produzido pelo CDMMC foi levado ao detido exame do Eminente Doutor ARISTÍDES JUNQUEIRA ALVARENGA, jurista de escol, que, entre os anos de 1989 e 1995, ocupou o prestigioso cargo de Procurador-geral da República. Da sua análise resultou um Douto Parecer (cópia anexa) em que Sua Excelência, o Doutor ARISTÍDES ALVARENGA, consignou que, nos termos do inciso II do art. 25 da Lei 8.666/93, quanto às Ações que tem o FUNDEF como tema de fundo, o CDMMC é escritório dotado de notória especialização.

9 - Destaco que o Professor ARISTIDES JUNQUEIRA ALVARENGA apenas reconheceu que o longo histórico de bem-sucedidas ações judiciais patrocinadas pelo escritório contratado em favor de Municípios que se viram lesados pela União em razão das ilegalidades que ela praticou na execução do FUNDEF preencheu satisfatoriamente o primeiro requisito insculpido no 81º do art. 25 da Lei 8.666/93, qual seja a especialidade decorrente de desempenho anterior. Como dito antes, e reconhecido pelo parecerista, o escritório contratado é especializado “no ajuizamento, na Justiça Federal, de feitos contra a União, seja em processo de conhecimento, seja em processo de execução, com o objetivo exclusivo de obter para os municípios contratantes valores pecuniários decorrentes do descumprimento de disposições da Lei que instituiu o FUNDEF.” Verbis (página 30 do Parecer).

10 - Para além disto, os itens 3, 4 5 e 6 do Relatório Preliminar desta CGU afirma que este contrato padece de outras duas ilegalidades, consubstanciadas na impossibilidade de celebração de contrato de risco e na impossibilidade, igualmente, de pagamentos dos honorários com os recursos resultantes da Ação Judicial em razão de se tratarem de recursos vinculados à Educação.

11 - Quanto ao contrato de risco, cumpre-me dizer que a sua celebração é a que melhor atende ao interesse do Município. Primeiro porque o Município transfere ao contratado todo o risco da Ação Judicial, que, como qualquer outra Ação, tem um resultado futuro incerto e imprevisível. Ora, neste modelo de contrato, o Município não paga um centavo sequer antecipadamente. O processo é iniciado e se desenvolve às expensas exclusivamente do escritório contratado, que só receberá seus honorários se e quando garantir efetivamente o proveito financeiro ao seu contratante, neste caso, o Município de Governador Mangabeira/BA. Ao contratar neste modelo de contratação, o Município garantiu uma assistência jurídica e judicial altamente qualificada sem precisar dispender um vintém sequer por antecipação. Data maxima venia, longe de ferir, este contrato foi o que melhor atendeu ao interesse público.

12 - Apenas para não deixar de tratar de todos os elementos colacionados no Relatório, saliento que esta contratação por Inexigibilidade de Licitação, realizada na modalidade ad exitum, não confronta, nem poderia, com a regra do concurso público. Afinal, repita-se, não houve dispêndio, pela Municipalidade, que pudesse ser deslocado da contratação do escritório para a contratação de um Procurador efetivo.

13 - No que diz respeito à impossibilidade de pagamento dos honorários advocatícios por destaque da verba a ser paga a este Município, quando do encerramento bem-sucedido da demanda judicial, importa salientar que a posição adotada contida no aludido Relatório contraria frontalmente o entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça sobre o mesmo tema. A Primeira e a Segunda Turmas do STJ sedimentaram que é possível e legal o pagamento, por destaque, dos honorários advocatícios contratados em Ações que tenham como objeto a cobrança das diferenças de VMAA no âmbito do FUNDEF.

14 - Veja-se ainda as seguintes ementas, de AMBAS AS TURMAS da SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 83 E 568 DO STJ APÓS A VIGÊNCIA DO NOVO CPC. POSSIBILIDADE. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. FUNDEF. RETENÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

1. Na hipótese, a decisão agravada está amparada na jurisprudência dominante desta Corte, razão pela qual não há falar na inadmissibilidade do julgamento monocrático. Incidência da Súmula 568/STJ e do art. 932, VII do CPC/2015 c/c art. 255, 8 4º, II do RISTJ.

2. É vedada a utilização dos recursos do FUNDEF /FUNDEB no financiamento de despesas não consideradas como de manutenção e desenvolvimento da educação básica.

3. Contudo, não há desvio de finalidade, por parte do ente federativo credor, quando requer que parte dos valores, recebidos por força de decisão judicial, sejam destinados a cobrir o custo que teve com o próprio processo, na hipótese em que, judicialmente, resta reconhecido que a União não cumpriu integralmente a sua obrigação de complementar os recursos do Fundo.

4. "A Segunda Turma do STJ, no julgamento do REsp 1509457/PE, Rel. Min. Humberto Martins, em idêntica questão jurídica, firmou compreensão de que é legítima a retenção da verba honorária, pois a previsão constitucional de vinculação à educação da verba do FUNDEF não retira do patrono o direito de retenção dos honorários" (REsp 1.585.265/CE e REsp 1.604.440/PE, Segunda Turma, Rel. Ministro Humberto Martins, julgados em 14/6/2016, DJe 21/6/2016).

5. Agravo interno não provido.

(Aglnt no REsp 1629108/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 23/02/2017) ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ORÇAMENTÁRIO. DIREITO DO ADVOGADO A HONORÁRIOS CONVENCIONAIS. ART. 22, 8 40. DO ESTATUTO DA OAB. PRERROGATIVA ADVOCATÍCIA, QUALQUER QUE SEJA O OBJETO DA LIDE. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL: RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA 1.152.218/RS. RECURSO ESPECIAL DA UNIÃO PARCIALMENTE CONHECIDO E NESTA EXTENSÃO DESPROVIDO.

1. Por desempenhar função essencial à justiça (art. 133 da Carta Magna), o Advogado tem a prerrogativa de, apresentando ao Juízo o contrato respectivo, reter da liberação do valor disponibilizado ao seu constituinte a sua verba honorária convencional (art. 22, 8 40. do Estatuto da OAB).

2. No caso, os honorários advocatícios contratuais devem ser deduzidos do montante a ser recebido pelo credor, ou seja, deduzidos do valor integral do precatório, não havendo qualquer justificativa para que, como no caso dos autos, o Município proceda à negociação com a UNIÃO a fim de quitar seus débitos tributários, para só então chegar à base de cálculo da verba honorária.

3. O trabalho profissional do Advogado foi essencial para a provisão orçamentária municipal; em casos assim, parece inquestionável que o Advogado deva receber a sua justa remuneração calculada sobre o valor global dos recursos do FUNDEF, cuja liberação foi por ele obtida na via judicial, mediante o seu competente labor profissional.

4. Recurso Especial da UNIÃO parcialmente conhecido e nesta extensão desprovido.

(REsp 1516636/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 13/02/2017).

15 - Registre-se a existência de decisões monocráticas, no mesmo sentido, dos Ministros REGINA HELENA COSTA (REsp 1.635.785/PB), GURGEL DE FARIA (REsp 1.487.603/PB), BENEDITO GONÇALVES (REsp 1.558.607/PE), NAPOLEÃO NUNES MAIA (REsp 1.516.636/PE), HERMAN BANJAMIN (REsp 1.581.774/PE), ASSUSSETE MAGALHÃES (REsp 1.646.241/PE), OG FERNANDES (REsp 937.391/AL), HUMBERTO MARTINS (REsp 864.749/PE), MAURO CAMPBELL (Resp 1.509.535/PE) e FRANCISCO FALCÃO (Resp 1.629.619/PB).

16 - Como se vê, a posição desta CGU, com base em enunciados técnicos dos Tribunais de Contas contrasta flagrantemente com a que é pacificamente adotada pelo Superior Tribunal de Justiça.

17 - No mais, quero destacar que, relativamente à contratação de Escritório de Advocacia pelo Poder Público, em 14 de junho de 2016, o Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, editou a Recomendação nº 36, que diz: art. 1º. A contratação direta de advogado ou escritório de advocacia por ente público, por inexigibilidade de licitação, por si só, não constitui ato ilícito ou improbo, pelo que recomenda aos membros do Ministério Público que, caso entenda irregular a contratação, descreva na eventual ação a ser proposta o descumprimento dos requisitos da Lei de Licitação. Disto decorre que a contratação de escritório de advocacia por inexigibilidade de licitação é sempre possível desde que, como no presente caso, estejam presentes os requisitos da singularidade do objeto da contratação, bem como a notória especialização do contratante.

18 - Sobre este tema, saliento ainda o Parecer do Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, que cuidando do assunto, assentou a possibilidade de contratação pelo Poder Público de advogado segundo a regra insculpida no art. 25 da Lei nº 8.666/93. Destaque-se ainda o conteúdo da Súmula 04 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que estabeleceu que, desde que atendidos os requisitos da Lei de Regência, é possível à Administração Pública contratar escritório de advocacia por inexigibilidade.

19 - Mesmo diante de toda a fundamentação aqui esposada que nos tranquiliza com relação a legalidade da contratação efetivada por esta municipalidade, não procedemos, como devidamente esclarecido a esta CGU, a renovação do Contrato em questão, estando o mesmo rescindido desde 31 de dezembro de 2017.

20 - Por fim, repelimos o conteúdo do Relatório Preliminar quando, por certo, por mero lapso, consigna que “Foi solicitado ao gestor cópias de documentação comprobatória (revogação de mandato, substabelecimento, ou qualquer outro documento) de rescisão do contrato e de encerramento do patrocínio privado, entretanto, não houve resposta ao quanto solicitado, configurando indícios de que o escritório particular ainda está no patrocínio da causa” (grifo nosso). Conforme documentação acostada, a solicitação foi devidamente respondida através do Ofício de n.º 013/2020, de 20 de fevereiro de 2020. Anexo ao referido ofício, estão todos os documentos que atestam a revogação de mandato, demonstrando que o escritório contratado está desabilitado em relação ao patrocínio da causa.

21 - Considerando, portanto, que não houve irregularidade na contratação, de que a mesma está rescindida desde dezembro de 2017, que o mandato constituído pelo Município para o escritório contratado está devidamente revogado e que não houve qualquer pagamento, deve-se, pelo princípio da legalidade, ser a presente fiscalização arquivada.

22 - Finalmente, quero registrar que sigo à inteira disposição de Vossa Senhoria para quaisquer informações e/ou esclarecimentos adicionais que se revelem necessários.”

Análise da Equipe de Auditoria (Achado n. º 03).

Como já anotado, a resposta do gestor foi composta de registros próprios de argumentação acompanhados de alguns anexos, os quais foram considerados na argumentação de defesa. Nessa análise, contudo, o teor desses anexos será citado de forma sintética, apenas quando necessário, em função de não fazerem parte do processo licitatório de inexigibilidade para a contratação do Escritório de Advocacia Caymmi Associados para o patrocínio da ação visando apurar as diferenças do FUNDEF, objeto dessa fiscalização.

O gestor dividiu a resposta preliminar em 22 tópicos, primeiramente contextualizando o conhecimento do direito do município aos créditos decorrentes de precatórios do Fundef, em seguida justificando sua posição da contratação do escritório de advocacia e a possibilidade de pagamento de honorários com o valor a ser recebido da União, relacionadas ao extinto Fundo.

Não comprovação do requisito para contratação via inexigibilidade

Nos capítulos 1 a 5, o gestor resumiu o histórico da contratação, considerando que até então nunca houvera ação por parte do município para recuperar as diferenças de Valor Mínimo Anual por Aluno (VMAA), e que após sua posse foi informado que era possível a recuperação desses valores. Após pesquisa chegou ao seu conhecimento o escritório de advocacia Caymmi Associados, o qual enviou documentação da expertise na causa. O Gestor argumentou ainda que tal escritório se destacou em várias ações com êxito de reversão em decisões administrativas da União, assim os municípios deixaram de perder tais valores.

Nos capítulos 6 a 9, o gestor afirmou que a procuradoria municipal não tinha estrutura adequada para o patrocínio da causa, considerando a causa dotada de complexidade tanto pelos cálculos a serem realizados como pelo alcance das alegações da União; E reafirmou mais uma vez a complexidade da causa e a notória especialização do contratado, assim, em sua visão, atendeu os requisitos da Lei de Licitação – Lei 8.666/1993, e finalizou a contratação, por inexigibilidade.

Na tentativa de justificar sua atitude, o gestor faz alusão a parecer do Sr. Aristides Junqueira Alvarenga fls. 12 a 51, em que “consignou que, nos termos do inciso II do art. 25 da Lei 8.666/93, quanto às Ações que tem o FUNDEF como tema de fundo, o CDMMC é escritório dotado de notória especialização”.

Em nossa avaliação, apesar de ter trazido informações novas, considerando que o referido parecer sequer fora utilizado no processo de licitação original de contratação do escritório referido, não houve afastamento das alegações de forma consistente, considerando os seguintes fatores: a) o fato de não existir Procuradoria com especialização estruturada no município não qualifica o gestor a contratar advogado, mormente, via inexigibilidade, posto que a norma que rege a matéria não prevê esse fato como requisito. A contratação deveria ter ocorrido, como é corriqueiro entre os municípios, através do processo licitatório de acordo com as normas de regência. b) o fato de o gestor ter trazido um parecer de um jurista não atende ao requisito legal da notória especialização, considerando ainda mais que tal parecer foi de iniciativa da própria parte que o aproveita, e que também não fora utilizado no processo de contratação, para ser avalizado, naquele momento, como requisito legal; c) destaca-se que o TCM-BA já julgou a questão e determinou de forma expressa que o contrato fosse rescindido por não atender os requisitos necessários para a caraterização da inexigibilidade; d) por fim, o gestor informou que através de pesquisa própria optou pelo escritório Caymmi, contudo, não esclareceu as condições do procedimento nem trouxe como elemento argumentativo tal pesquisa, pois ajudaria a avaliar se outros concorrentes do ramo teriam ou não conhecimento sobre a causa, considerando que o Estado da Bahia possui inúmeros municípios que ingressaram com a mesma ação, o que enfraquece o argumento da notória especialização.

Da contratação antieconômica

Nos capítulos 10 a 12, o gestor defendeu que a contratação se deu ad exitum, ou seja, o escritório só receberia se tivesse êxito na ação, com o risco da empreitada sendo integralmente transferido para o escritório particular, não havendo desembolso de recursos financeiros do erário público até o julgamento final da ação.

A nossa avaliação é de que os argumentos de risco da empreitada e ausência de desembolso financeiro prévio são frágeis e desprovidos de sustentação técnica.

Em primeiro lugar, a probabilidade de derrota do município com a ação na justiça era mínima, uma vez que se tratou de uma cópia da ação civil pública (ACP) interposta pelo MPF na seção judiciária de São Paulo, com argumentação jurídica reconhecidamente suficiente, portanto de baixo risco de insucesso.

E como no caso em questão se tratava apenas de execução de sentença, o mérito já fora julgado procedente, restando ao escritório contratado aproveitar essa argumentação original e proceder ao ajuizamento de ação específica do município de Governador Mangabeira-BA com acompanhamento subsequente dos trâmites judiciais.

Dessa forma, o grau de incerteza existente envolveria, fundamentalmente, a conferência e validação dos cálculos de recuperação de créditos do FUNDEF apresentados na ação e o tempo de tramitação do processo até o devido reconhecimento do feito e, consequentemente, o pagamento dos valores financeiros devidos ao município pela União.

Em que pese inicialmente o município não ter desembolsado valores, ao final da demanda a União pagaria, de forma destacada, os honorários no percentual de 20% valor da ação proposta, correspondendo a soma de mais de R$6.000.000,00.

Pela argumentação expostas, mantém-se o registro da constatação nesse aspecto de forma integral.

Impossibilidade de pagamento de honorários com os valores recuperados do FUNDEF

Nos capítulos 13 a 16, o gestor tratou sobre a possibilidade de pagamento dos honorários com valores recuperados do FUNDEF, afirmando que “importa salientar que a posição adotada contida no aludido Relatório contraria frontalmente o entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça”, e ainda cita precedentes para consolidar sua tese [Aglnt no REsp 1629108/PE, e REsp 1516636/PE].

Novamente, os argumentos do gestor não têm amparo, pois, conforme relatório preliminar, já houve superação destes precedentes, pelo próprio Superior Tribunal de Justiça - STJ. 1ª Seção. REsp 1.703.697-PE, julgado em 10/10/2018, sendo vedada a retenção de honorários advocatícios contratuais sobre crédito relativo a diferenças do FUNDEF.

Os valores relacionados ao FUNDEF, hoje FUNDEB, encontram-se constitucional e legalmente vinculados ao custeio da educação básica e à valorização do seu magistério, sendo vedada a sua utilização em despesas diversas, tais como honorários advocatícios contratuais.

Como a matéria é de ordem constitucional, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal – STF ao julgar o recurso (ARE 1066359 AgR/AL, julgado em 26/11/2019) decidiu que a última palavra cabe ao STJ.

A discussão envolvendo a possibilidade ou não de retenção de honorários advocatícios contratuais sobre crédito relativo a diferenças do FUNDEF possui natureza infraconstitucional, de forma que não cabe recurso extraordinário para apreciá-la considerando que não há matéria constitucional a ser analisada.

Assim, enquanto não houver julgado em contrário, pelo STJ, é vedado o destaque do valor do FUNDEF para pagamento dos honorários advocatícios, razão pela qual mantém-se o registro da constatação também nesse aspecto de forma integral.

Da possibilidade de contratação de advogado por inexigibilidade quando comprovado o requisito legal.

Nos capítulos 17 a 19, o gestor retomou a questão da contratação de escritório de advocacia por meio de inexigibilidade, juntando a Recomendação 36 do Conselho Nacional do Ministério Público, em que o Chefe do MPF orienta aos procuradores sobre a possibilidade dessa contratação. Adicionalmente, junta parecer do renomado professor José Afonso da Silva sobre a temática, e, por fim, a súmula 04/2012/COP/OAB/Conselho Federal.

Contudo, a discussão inicial ventilada nesse relatório não foi sobre a impossibilidade de contratação, via inexigibilidade, de escritório advocatício. Ao contrário, a lei permite e não há discussão sobre o assunto. O achado referiu-se à ilegalidade de contratação quando não preenchidos os requisitos da Lei n.º 8.666/1993 (Lei de Licitação), como foi o caso da contratação do Município de Governador Mangabeira-BA.

Ressalta-se que essa ilegalidade foi decidida, com trânsito em julgado, pelo TCM-BA, assim, não há sobre o que discutir.

Da falta de revogação expressa dos poderes ao escritório Caymmi.

Nos capítulos 20 a 22, o gestor afirmou que enviou a esta Controladoria a documentação relativa à revogação de poderes ao escritório Caymmi, através do ofício nº 13/2020, de 20.02.2020. Em reforço a argumentação anexa o citado ofício em sua resposta preliminar.

Contudo, não foi enviado documento com revogação, tanto que foi necessário reiteração de pedido de documentação por meio da Solicitação de Fiscalização n.º 04/Precatórios FUNDEF, de 18 de fevereiro de 2020, que não foi atendida, justificando seu registro como constatação no relatório preliminar.

Ademais, salienta-se que, de fato, os processos que tramitavam de forma física que foram digitalizados estão suspensos para novas petições, até nova ordem do presidente do TRF- 1ª Região; contudo, isso não exime o gestor de emitir um documento revogando de forma expressa o patrocínio da causa, o que ainda não ocorreu. Ou como alternativa, o atual advogado substabelecer, sem reservas de poderes, o que também não ocorreu.

Apesar de o contrato não ter sido renovado, não significa automática exclusão do escritório Caymmi do patrocínio da causa, até porque, como ressaltou o gestor local, o contrato foi ad exitum, assim, enquanto não houver revogação e declaração de nulidade do contratação, ou rescisão do contrato, conforme determinou o TCM-BA, haverá a possibilidade do escritório receber os honorários no valor que fora contratado, quando o município receber os valores, assim provavelmente o escritório irá ingressar com ação de cobrança de honorários; a questão de maior de dificuldades que isso poderá ocorrer daqui alguns anos e ocorrer sem o conhecimento dos órgãos de controle [TCM-BA, MPF e CGU].

Como boa prática, é necessário que o gestor publique em diário oficial a rescisão do contrato ou declare oficialmente a nulidade, considerando que o TCM-BA declarou que a contratação ocorreu de forma irregular/ilegal.

Em sua resposta, o gestor enviou uma petição com uma suposta revogação, contudo o documento não tem validade jurídica, pois quem assina é o Procurador do município e não o próprio Prefeito. Ressalta-se que os poderes de revogar mandato são da parte contratante e não do procurador municipal, ao qual cabe apenas a capacidade postulatória judicial, de peticionar a revogação assinada pelo prefeito.

Em sua resposta, o gestor anexou também o e-mail enviado à Diretora de Secretaria da 2ª Vara, contudo sem indicação de data, reforçando que as medidas de revogação foram tomadas apenas após as provocações do trabalho de fiscalização desta Controladoria.

Da conclusão.

O gestor municipal, apesar de apresentar resposta preliminar e pedir o arquivamento da fiscalização, em nosso entendimento, não afastou as constatações lançadas no relatório.

Como medida para regularização da contratação irregular e para salvaguarda do erário público, a Prefeitura deve proceder a revogação dos poderes outorgados na procuração e a publicação da rescisão contratual, por nulidade do procedimento, no diário oficial para que surtam seus efeitos regulares.

Assim, enquanto não sobrevier documentos que possam modificá-los, não há como acolher as argumentações do gestor.