Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC SP

MANUELA COSTA BANDEIRA DE MELO

Amor e cotidiano ficcional: uma análise dos modelos de amor presentes nas de Manoel Carlos.

Mestrado em Comunicação e Semiótica

São Paulo 2011.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC SP

MANUELA COSTA BANDEIRA DE MELO

Amor e cotidiano ficcional: uma análise dos modelos de amor presentes nas telenovelas de Manoel Carlos.

Mestrado em Comunicação e Semiótica

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica sob a orientação do(a) Prof.(a), Doutor(a) Jerusa Pires Ferreira.

São Paulo 2011.

Banca Examinadora

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Dedico este trabalho a quem, infelizmente, não pôde ver este meu sonho realizado, mas que eu carrego sempre em meu coração e nas minhas lembranças, meu pai Jorge Bandeira.

Ainda que eu falasse a língua dos homens. E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.

É só o amor, é só o amor. Que conhece o que é verdade. O amor é bom, não quer o mal. Não sente inveja ou se envaidece.

(composição: Renato Russo)

Agradecimentos

À Professora Jerusa Pires Ferreira, pela orientação, pela paciência e principalmente, pelo carinho e apoio durante a realização deste trabalho. As lições que eu aprendi durante o tempo de convivência ficarão para sempre em minha memória.

À minha mãe Fernanda, por sempre estar ao meu lado e embarcar nos meus sonhos.

À minha avó Rosa, meu padrasto Silvério, minha tia Rosângela, meu tio José Neto, minha tia Patrícia e à minha tia Marlene pelo apoio que tornou possível a realização deste sonho.

A toda a minha família, irmãos, tios e primos pelo carinho e apoio.

Aos meus amigos por me agüentarem falando sobre amor e e, mesmo assim, estarem sempre ao meu lado.

A Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior - CAPES, pela bolsa concedida.

RESUMO

. Essa pesquisa propõe uma análise das estruturas de modelos de amor que compõem as telenovelas de Manoel Carlos e como elas são construídas através de elementos oriundos dos referidos modelos, existentes ao longo do desenvolvimento das sociedades. Para realizarmos este estudo, analisaremos as três mais recentes telenovelas do autor: (2003), Páginas da Vida (2006) e (2009), veiculadas na Rede Globo de Televisão no horário das 20h. O objetivo principal deste trabalho é acompanhar como este autor reconstrói e insere os elementos que compõem os ideais de amor no cotidiano ficcional que ele cria em suas telenovelas. Para isso, procuramos entender, de acordo com a lógica da construção de uma telenovela, as aproximações desta ficção com aspectos da sociedade brasileira. Para esta compreensão, serão utilizados estudos referentes à cultura em suas várias dimensões e abordagens (aspectos filosóficos, comunicacionais e dos processos de criação). A metodologia adotada será a decupagem dos diversos elementos e sistemas que compõem os ideais de amor a partir dessas telenovelas, seguindo princípios e historicidades.

Palavras-chaves: Amor, telenovela, cotidiano, Manoel Carlos, ficção.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...... 01

CAPÍTULO I Telenovelas: breve histórico, cotidiano ficcional e estrutura do gênero...... 05 1.1 Os gêneros que antecederam a telenovela: o melodrama e o Folhetim...... 07 1.2 Do rádio para a TV: um breve histórico da telenovela no Brasil ...... 13 1.3 Telenovela: um espelho da sociedade brasileira?...... 17 1.4 Merchandising comercial x merchandising social...... 20 1.5 A estrutura narrativa da telenovela...... 24 1.6 As personagens...... 26

CAPÍTULO II Telenovela: a contadora de histórias de amor...... 29 2.1 Telenovelas e histórias de amor...... 30 2.1.1O amor na telenovela nas décadas de 50 e 60: romance igual ao dos folhetins?...... 32 2.1.2 O amor na telenovela nas décadas pós-revolução sexual até os dias de hoje...... 34 2.3 As principais estruturas de amor presentes nas telenovelas...... 37 2.3.1 O amor cortês: um amor que não se concretiza...... 38

2.3.2 O amor paixão: tudo ao mesmo tempo e agora!...... 41

2.3.3 O amor romântico: sentimento que ultrapassa qualquer obstáculo...... 43

2.3.4 O amor confluente: a possibilidade de vivermos vários amores...... 45 2.5.5 O amor conjugal: da caridade à legitimação da paixão...... 47

CAPÍTULO III O amor retratado no cotidiano ficcional...... 51 3.1 Manoel Carlos: o cronista do cotidiano...... 52 3.2 As novelas de Manoel Carlos: A vida imitando a arte ou a arte imitando a vida? ...... 55 3.3 Os amores de Manoel Carlos...... 62

3.3.1 Mulheres Apaixonadas ...... 63 3.3.2 Páginas da Vida ...... 65 3.3.3 Viver a Vida ...... 69 3.4 Felizes para sempre!...... 71

CONCLUSÃO...... 73

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...... 76

INTRODUÇÃO

Não há civilização que não possua poemas, canções, lendas ou contos nos quais a anedota ou o argumento – o mito, no sentido original da palavra – não seja o encontro de duas pessoas, sua mútua atração e os esforços e dificuldades que devem enfrentar para se unirem. (PAZ, 2001)

As histórias de amor, as narrativas que tem como principal temática o encontro amoroso, ou seja, a relação entre indivíduos que vão se conhecer e se apaixonar, sempre estiveram presentes em todas as sociedades, independente da época. Ao longo dos séculos, as idealizações em torno do amor sofreram diversas modificações, mas, até hoje, é comum associar amor e . O surgimento da Indústria Cultural, no século XX, facilitou e alavancou as idealizações a respeito do amor. O amor tornou-se o eixo principal, a temática mais repetida e difundida pelos produtos dessa indústria. “O amor torna-se o tema central da felicidade moderna e, por isso, é presença obrigatória nas produções da indústria cultural.” (LÁZARO, 1996: 216). No Brasil, as telenovelas são as grandes responsáveis pela criação e divulgação das temáticas amorosas, o amor, seus modelos e estruturas tornaram-se a questão central dessas tramas. Além disso, revistas, sites, jornais e programas de televisão são responsáveis por abastecer a população, diariamente, com os assuntos veiculados nas telenovelas. As histórias e as questões sócias levantadas pelas tramas não se restringem apenas aquele formato, pelo contrário, elas contam com uma rede que vai abastecer o imaginário da população. Esse formato de narrativa seriada é o produto da indústria cultural de maior destaque no País. As telenovelas, desde a década de 50, quando foram ao ar pela primeira vez, tornaram-se, além de uma fonte de entretenimento, fonte de informação. Ao longo dos anos, as telenovelas brasileiras sofreram diversas modificações, fazendo com que ficção e realidade se misturassem. Atualmente, a telenovela incorpora elementos do nosso cotidiano e é responsável pela criação de novos hábitos e costumes, além de preparar 2 terreno para a discussão de temas e tabus que entrarão em cena na sociedade brasileira. Mas, apesar dessa crescente aproximação entre o universo ficcional e a realidade, o sucesso dessas narrativas se deve ao fato de que suas tramas, sempre, giram em torno de uma história de amor que vai suscitar grandes paixões e despertar nos telespectadores uma gana de fortes emoções. As telenovelas contam e recontam, enfim, inúmeras histórias de amor. O amor vai ser o principal tema abordado por essas narrativas. Todos os dias, ao assistirmos qualquer capítulo de uma telenovela, nós vamos nos deparar com o encontro amoroso entre dois indivíduos que vão ser tomados pela força do amor e, a partir daí, vão lutar para o concretizarem, superando os obstáculos e as armadilhas que a sua recompensa pressupõe destruir. Os modelos de amor construídos pelas telenovelas brasileiras foram se modificando paralelamente às transformações sofridas pela sociedade. A independência das mulheres, as doenças sexualmente transmissíveis, o aumento no número de divórcios, tudo isso influenciou na construção dos modelos de relacionamentos amorosos mostrados nas telenovelas. Mas, apesar disso, esses modelos mantêm as principais características herdadas dos ideais de amor construídos ao longo das sociedades históricas, pois, as estórias de amor sempre estiveram presentes em todas as sociedades. Todos esses fatores foram relevantes na escolha de se trabalhar com o amor na telenovela. Mas, se o amor é o principal ingrediente para a construção das narrativas telenovelísticas, as personagens não vão buscar um amor qualquer, mas sim um modelo específico de amor, aquele que, em geral, deve durar a vida toda. Mas, este modelo de amor não é único, há vários modelos de amor concorrentes que vão ser vividos pelas várias personagens presentes na trama de uma telenovela. Nas telenovelas, encontramos amor para todos os gostos, de forma especial, na brasileira, nos quais estes modelos se projetam. Este trabalho tem como objetivo analisar a estrutura dos modelos de amor presentes nas telenovelas do autor Manoel Carlos. Para definirmos melhor o nosso campo de estudo, utilizaremos as três mais recentes obras do autor: Mulheres Apaixonadas (2003), Páginas da Vida (2006) e Viver a Vida (2009/2010). Todas as telenovelas escolhidas foram veiculadas pela Rede 3

Globo de Televisão no horário das 21h, ou como costumamos chamar “novela das oito”. A questão central deste trabalho não é apenas analisar as estruturas de amor presentes nessas tramas, e sim: como estes modelos de amor podem ser incorporados a um estilo de narrar de um autor cuja principal característica é retratar a realidade, fazendo uma crônica do cotidiano, como é o caso de Manoel Carlos? Como, enfim, a estrutura melodramática de uma telenovela que dá lugar a estes modelos amorosos pode se relacionar com o realismo cotidiano de Manoel Carlos, sem que se perdesse o contato intenso com a audiência que toda telenovela propõe? Portanto, a construção das estruturas modelares de que se configura o amor é feita durante toda a narrativa ficcional, aqui, uma relação direta com a construção do cotidiano ficcional. O encontro, a separação, a superação dos obstáculos e o reencontro entre os casais está, pois, recortado por este viés de análise. A escolha de se trabalhar com esse autor e suas obras se deve ao fato de que suas tramas sempre são sucessos de audiência e possuem como eixo central retratar o cotidiano da classe média carioca. Além disso, as relações familiares e amorosas são os temas mais discutidos nessas narrativas.

No primeiro capítulo, abordamos, assim, as características herdadas dos gêneros matrizes da telenovela (o melodrama e o folhetim); o surgimento da telenovela no Brasil; a evolução das tramas telenovelísticas; a aproximação entre ficção e realidade; procuramos, ainda, perceber como se dá a composição de uma personagem na estrutura narrativa de uma telenovela, além do conceito de narrativa. Baseamo-nos, portanto, como parte deste capítulo, no conceito de autoria em telenovela proposto por Nogueira (2002). E, para a análise do surgimento da telenovela, bem como dos gêneros que a antecederam e sua evolução, foram utilizados autores como: Pallottini (1998), Calza (1996), Alencar (2002), Costa (2002), Balogh (2002), Andrade (2003), Martín-Barbero (2009), Meyer (1996), Immacolata (2004), Pallottini (1998), e Andrade (2003).

Nesse sentido, fez-se necessário também, um estudo sobre quais elementos vão aproximar a trama de uma telenovela do telespectador; a 4 crescente inserção de temáticas sociais ( merchandising social) nas tramas através de um discurso pedagógico; a utilização da telenovela como espaço para a venda e anúncio de produtos ( merchandising comercial ) e o uso desses elementos como forma de estabelecer um pacto entre telenovela e seus expectadores.

Já no segundo capítulo, é feito um estudo sobre a relação entre as telenovelas e as histórias de amor; a evolução dos modelos de amor que são mostrados nas telenovelas e, por fim, fazemos um apanhado das estruturas que compõem os principais modelos presentes nesse gênero. Para essa tipologia dos modelos de amor serão utilizados diferentes autores do campo da sociologia, filosofia e literatura, com isso, abordaremos as principais idéias de cada um e onde eles pensam e conceituam de forma similar as diversas faces do amor. Para o estudo dos modelos de amor e sua evolução, bem como a tipologia criada, utilizamos: Priore (2006), Lázaro (1996), Rougemont (2003), Giddens (1993), Milan (1983), Ortega (2006) etc. Além disso, como a estrutura narrativa da telenovela vai criar uma coerência, vai tornar tudo compreensível para o telespectador. A telenovela vai mostrar a importância do amor, e que ele é um processo.

No terceiro capítulo, é apresentado um estudo sobre o autor de telenovelas mais conhecido quando se trata de retratar o cotidiano na telinha, Manoel Carlos e as suas obras escolhidas para esta análise. Neste capítulo, foi feito um breve histórico do autor, bem como a análise de suas obras partindo de um conceito geral de marcas de autoria, ou seja, que elementos o autor sempre traz em suas tramas e que podem ser relacionados com o seu modo de fazer novelas. Além disso, apresentamos uma breve apresentação das tramas escolhidas, bem como a análise e a inserção desses elementos herdados dos modelos de amor no cotidiano ficcional criado pelas telenovelas em questão.

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CAPÍTULO I Telenovelas: breve histórico, cotidiano ficcional e estrutura do gênero

“As novelas brasileiras apresentam um misto de memória narrativa popular tradicional e de modernidade.” (MATTELART, 1998: 81)

As telenovelas surgiram no Brasil na década de 50. Ao longo dos anos sofreram diversas transformações temáticas e estruturais. Passamos de diálogos rebuscados e cenários distantes para uma linguagem coloquial e paisagens facilmente reconhecidas pelo povo brasileiro. Foi no final da década de 60 que as telenovelas tiveram a sua estrutura temática modificada, passando a abordar temas do cotidiano dos brasileiros. Com essa mudança, ocorreu uma aproximação entre o real o ficcional. Elementos do cotidiano dos brasileiros passaram a figurar nas tramas telenovelísticas. Além disso, com essa aproximação, as telenovelas passaram a ditar moda, costumes e hábitos que foram incorporados pela sociedade brasileira. Atualmente, homens e mulheres, independente de classe social, raça, religião e idade assistem à telenovela. ”Todos vêem telenovela. Deixou de ser história só para mulheres. É assunto do cotidiano e responsável, inclusive por mudanças de horários (ou a sacralização deles).” (CAMPEDELLI, 1987: 16). Apesar disso, é inegável que as narrativas desse gênero abordem, principalmente, o universo feminino, construindo estereótipos e modelos de personagens femininas. Não é surpresa, portanto, que a maioria das pesquisas de recepção realizada na área utiliza a mulher como público alvo. Mas, a aproximação do ficcional com temas ligados ao universo masculino como esportes e lutas fez com que a audiência masculina crescesse. Atualmente, é cada vez maior o número de homens que assistem ou acompanham às tramas exibidas na telinha.

Nesse sentido, a audiência masculina tem de estar apta a acreditar que as personagens construídas no texto são pessoas reais, agradáveis ou não, com quem possuem 6

afinidades ou não. A realidade apresentada deve coincidir com a realidade social das pessoas ordinárias. 1

Cada vez mais, a telenovela funciona como um espelho da realidade vivida pela sociedade brasileira. Ainda que seja um espelho “invertido”, os brasileiros vêem elementos de sua vida na tela e se identificam com as personagens.

A telenovela oferece-lhe rara oportunidade para sentir-se e atuar como protagonista; pode identificar-se com os atores ou com personagens; experimentar sensações de uma situação- limite, sem se expor a dores, sofrimentos ou a prazeres implícitos que posteriormente lhe trarão culpa. (LOPES, 2002; 192)

Algumas vezes, as narrativas fundem o tempo real com o ficcional, retratando um momento político que o País vive ou trazendo temas e polêmicas que estejam em destaque no Brasil. “O princípio da realidade torna-se, assim, uma das razões do prazer que as audiências encontram ao assistir uma telenovela.” (ANDRADE, 2003:58). A telenovela, apesar de, cada vez mais, funcionar como uma espécie de crônica do cotidiano, ainda tem como foco principal o encontro amoroso. As histórias de amor mostradas pelas telenovelas mesclam elementos do cotidiano e elementos que compõem os modelos de amor conhecidos pela sociedade. “A maioria das telenovelas mostra temas sobre família e amor dentro de um stress urbano.” (LOPES, 2004:96). Os elementos base dos modelos de amor construídos pelas telenovelas tendem a se repetir, mas o que vai mudar de uma história para outra é como esses modelos vão aparecer, como as personagens vão viver esse sentimento. Trata-se de um formato narrativo que herdou suas principais características de dois gêneros narrativos de grande sucesso na tradição européia: o melodrama e o folhetim. Para entendermos como ocorre a

1 ANDRADE, Roberta Manuela Barros de. Telenovela é coisa de mulher? Uma etnografia da audiência masculina nas telenovelas brasileiras.

7 construção da narrativa telenovelística, iniciaremos falando dos seus antecessores.

1.1 Os gêneros que antecederam a telenovela: o melodrama e o folhetim

Desde 1790, vai-se chamar melodrama, especialmente na França e na Inglaterra, um espetáculo popular que é muito menos e muito mais que teatro. (BARBERO, 2009: 163)

Até o final do século XVIII, os teatros eram destinados às elites, enquanto à maioria da população só era permitido as encenações sem diálogos, nos locais públicos 2. Durante esse período, entre as classes menos favorecidas, eram comum as encenações ao ar livre, nas ruas e praças. Com a eclosão da Revolução Francesa, o melodrama passa a ser o gênero que melhor representa os anseios e as questões levantadas pela sociedade em geral, em termos de construção de uma nova moralidade que desce conta de uma nova ordem social. Esta moralidade irá se basear na exacerbação dos sentimentos.

Frente ao teatro culto, que é nesse tempo um teatro eminentemente literário, isto é, cuja complexidade dramática está dita e se sustenta inteiramente na retórica verbal, o melodrama apóia sua dramaticidade basicamente na encenação e num tipo de atuação muito peculiar. (BARBERO, 2009: 165).

O melodrama, com uma estrutura que mescla drama e música, exacerbação dos sentimentos e a forte presença do maniqueísmo (Bem X Mal), logo se torna popular entre todas as classes da sociedade européia, entrando, inclusive, nos teatros burgueses.

2 Para tentar frear o “ímpeto revolucionário popular” a recém-ascendente burguesia proibia, nas ruas, as agregações de toda ordem. Em relação ao teatro popular, não podendo interditá-lo, a burguesia baixa um edito autorizando somente a encenação, sem o uso de diálogos, nas peças populares. Esta tentativa de controle social fez surgir o gênero melodramático cuja principal característica é o uso da pantomina e da música encenadas na lógica do exagero. (Nota da autora) 8

O novo gênero teatral agradará a todas as classes sociais, por diferentes razões. As classes mais populares, que começam então a freqüentar o teatro, vêem-se a si mesmas nos espetáculos da virtude oprimida, porém triunfante, que o melodrama oferece, e é exatamente isso o que atrai o seu interesse. A burguesia, por sua vez, aplaudirá no melodrama a clara reação ao anticlericalismo reinante que ali se observa, o culto da virtude e da família ali estimulados, e finalmente o reforço dos valores tradicionais, também presente no melodrama. E por fim, a aristocracia freqüentará os Boulevards para assistir aos espetáculos que mostravam um senso de hierarquia e reconhecimento do poder estabelecido que pareciam perdidos no rescaldo da Revolução. (BRAGA, 2005) 3

O gênero melodramático vai mostrar uma clara preocupação com a moral, com a vitória das virtudes sobre os vícios. O herói, detentor das virtudes, vai lutar por justiça, enquanto o vilão vai ser o obstáculo que impede a manutenção da ordem e a felicidade do herói. Essa visão maniqueísta do mundo criará as situações típicas vividas pelas personagens melodramáticas. O tema da perseguição será abordado sob diferentes óticas o que possibilitará o uso da imaginação para desenvolver esse tema. Lances inesperados, golpes, revelações sucessivas, amores secretos, obsessões, equívocos, enfim, circunstâncias criadas para prender a atenção do espectador e que foram responsáveis pela dinâmica dos enredos melodramáticos e conseqüentemente pelo seu enorme sucesso junto ao público. Além disso, a abordagem desses temas pelo gênero melodramático tem como objetivo principal a restituição e manutenção de valores sociais vigentes nesse período. Nesse sentido, os comportamentos que devem ser incorporados pela população são transmitidos através dessa visão maniqueísta das personagens.

Há, assim, uma divisão moral em duas partes claramente definidas e distintas: de um lado temos os personagens que cultivam o Bem e as virtudes e do outro temos os representantes daqueles que cultivam o Mal e seus vícios. (Fernandes Braga, 2005) 4

3BRAGA, Cláudia. Melodrama: aspectos gerais do gênero matriz da telenovela . Trabalho apresentado na Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005. 4 FERNANDES, BRAGA. Juliana Assunção, Claudia Mariza. Melodrama: a escola moral da dramaturgia popular . Trabalho apresentado na Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005 9

Essa visão maniqueísta do mundo, herança do melodrama, pode ser vista, também, nas tramas de todas as telenovelas brasileiras. Durante toda a história, o vilão ou a vilã vai criar situações para prejudicar o herói ou heroína e separá-lo (a) de seu amor. Somente no final, é que as suas armações serão descobertas e o herói ou a heroína será recompensada com a felicidade plena ao lado da pessoa amada. Na telenovela (2003), por exemplo, a vilã Laura vai se aproximar da heroína Maria Clara e, através de um plano vai roubar toda a sua fortuna. Somente nos capítulos finais, a heroína consegue desmascará-la e retoma seu dinheiro e vai poder viver feliz ao lado do seu grande amor. Além disso, assim como as telenovelas, os melodramas vão construir modelos de vida. “A estrutura narrativa melodramática apresenta “modelos de vida”, de comportamento, enfatizando o sentimentalismo e mostrando uma clara preocupação moralizante.” (Fernandes Braga, 2005) 5. A estrutura melodramática vai, no século XIX, ser utilizada pelos populares romances folhetins. Estes vão fazer a transcrição de uma narrativa cunhada na realidade social existente. Com isto, o forte apelo da imprensa, neste século, vai ter como um de seus mais importantes suportes a narrativa folhetinesca. Como lembra Costa (2002):

Por esse forte apelo romântico da época e pelo sucesso que os espetáculos melodramáticos experimentam na Europa, é fácil compreender que as narrativas folhetinescas, que impulsionaram a imprensa do século XIX, tenham seguido essa mesma trilha, fazendo com que até hoje folhetins sejam sinônimos de melodramas. (COSTA, 2002: 50)

Nascido na França, em 1830, o folhetim, em princípio, designava um lugar específico na página do jornal: o rodapé. Esse local era destinado ao entretenimento, ou seja, trazia assuntos leves como dicas de culinária, piadas e críticas culturais. O passo decisivo, segundo Marlyse Meyer (1996), para a transformação do rodapé do jornal em romance folhetim ocorre em 1836, quando Émile Girardin resolve publicar histórias divididas em pedaços, ou seja seriadas. Cada dia o leitor lia a continuação do capítulo anterior. Essas histórias logo se tornaram sucesso, aumentando a venda de jornais. Apesar da

5 Idi. 10 crítica da cultura erudita 6, o folhetim agradava e ganhava cada vez mais espaço e público.

A almejada adequação ao grande público, a necessidade do corte sistemático num momento que deixe a atenção em "suspense” levam não só a novas concepções de estrutura (por exemplo, o problema dos fins dos capítulos ou de série, a distribuição da matéria seguindo aquele esquema interativo tão bem evidenciado por Eco) como uma simplificação na caracterização dos personagens, muito romântica na sua distribuição maniqueísta, assim como uma série de outros cacoetes estilísticos. (MEYER, 1996: 31)

Esse novo formato possibilita o surgimento de novos escritores, já que publicar em folhetim era mais barato do que lançar um livro. Posteriormente, as histórias publicadas em formato de folhetim também saíam em volumes. O sucesso dos romances folhetins chega ao Brasil praticamente ao mesmo tempo em que são lançados na França. Os jornais brasileiros além de publicarem as traduções das histórias francesas também publicaram autores brasileiros como José de Alencar e Machado de Assis. Entrementes, a estrutura dos romances folhetins sofreu modificações em seu próprio tempo e história. Desde o seu surgimento, o folhetim passou por três fases: a primeira (1836-1850), a fase romântica, das histórias de amor, dos heróis; a segunda (1851-1871), de cunho social é voltada para os problemas enfrentados, em sua maioria, pelas mulheres, e que também tinha como objetivo educá-las; e, por fim, a terceira (1871- 1914), que é a do romance popular burguês, cujo principal tema eram os dramas da vida cotidiana 7. É na primeira fase do romance folhetim, a partir de 1838 que aparecem as características que mais tarde seriam utilizadas pelas radionovelas e, posteriormente, pelas telenovelas. Surge o folhetim-folhetinesco. A partir desse período, uma nova fórmula de escrita foi criada: diálogos mais dinâmicos, retirando-se a ação do narrador e passando-a para as personagens; os elementos narrativos passaram a ser repetidos, com a criação de personagens e situações clichês; o cuidado com o corte dos capítulos passou a ser um

6 Alguns autores de folhetins, reconhecidos pela cultura erudita, como Alexandre Dumas, para fugir deste “estigma social”, usavam pseudônimos ao assinar seus romances folhetins. 7 Veremos mais adiante que as telenovelas de Manoel Carlos fazem uma mescla entre essas três fases do folhetim. 11 elemento fundamental, e, por fim, o uso exacerbado de elementos do melodrama.

A divulgação seriada, o corte bem tratado, a centralização no enredo, a não exigência de uma rigorosa verossimilhança e a utilização de elementos vindos do drama ou da dramaturgia são características que colocaram o folhetim-folhetinesco como o subgênero romântico mais adequado para a adaptação nos meios de produção comunicacional massiva no mundo: primeiramente, o rádio e, posteriormente, a televisão. (SANTOS, 2006) 8

Além dos elementos técnicos, as temáticas utilizadas pelos folhetins- folhetinescos, também passaram a fazer parte dos enredos das telenovelas: casamentos desfeitos, falsas identidades, a luta do bem contra o mal, a busca pelo amor, a vingança, a ascensão social, a presença de heróis e de vilões e etc.

O folhetim ficcional inventando fatias de vida servidas em fatias de jornal, ou os fait divers dramatizados e narrados como ficção, ilustrados ambos com essas gravuras de grande impacto, ofereciam às classes populares o que desde os tempos da oralidade e das folhas volantes as deleitava: mortes, desgraças, catástrofes, sofrimentos e notícias – tais como nossos folhetos de época nordestinos as continuam narrando – reatualizados nos termos da modernidade industrial e urbana. (MEYER, 1996: 224)

As histórias presentes nos folhetins tinham como característica uma situação de tensão, seguida por um desenlace, outra tensão, outro desenlace, e assim por diante. “A estrutura narrativa de um folhetim se realiza através de situações-limite, de um suspense sucessivo cujo desenlace sempre se dá no próximo capítulo.” (ANDRADE, 2000: 64). Além disso, valorizavam-se os conflitos externos, os fatos e situações vividas pelos personagens e deixavam- se de lado os conflitos internos, ou seja, as ações eram mais importantes do que as reflexões. Além da função de entretenimento, o folhetim também informava. Esta característica, em especial, será herdada pelas telenovelas brasileiras, como bem a demonstram as produções atuais.

8 SANTOS, BUENO, TEIXEIRA. Nadja Lígia Chagas, Maíra e Paula. O Discurso Narrativo das Telenovelas – O Folhetim. Trabalho apresentado para o Intercom Júnior, no XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, na sessão da sub-área Comunicação Audiovisual, 2006. 12

O folhetim sempre procurou informar, calcando os acontecimentos imaginários com fatos jornalísticos ou descobertas científicas. Daí, a natureza, frequentemente, datada da construção folhetinesca. Característica esta que seria incorporada mais de um século depois pelas telenovelas. (ANDRADE, 2000: 64)

Podemos observar tais características herdadas dos folhetins em várias telenovelas. Em Paraíso Tropical (2007) , por exemplo, a heroína Paula tem uma irmã gêmea Raquel que junto com vilão Olavo vai criar uma série obstáculos para atrapalhar a felicidade da irmã. Até conseguir ser feliz ao lado do seu amor do seu amor, Daniel, Paula deve superar todos os obstáculos que vão aparecer ao longo da trama. Nessa história, encontramos a forte presença do maniqueísmo, o tema da ascensão social através do casamento e a busca pelo verdadeiro amor. Além dessas temáticas, a novela trouxe à tona temas como a prostituição e a homossexualidade. Nesse sentido Meyer (1996) afirma que “no produto novo, os antigos temas: gêmeos, trocas, usurpações de fortuna ou identidade, enfim, tudo o que fomos encontrando nesta longa trajetória se haverá de reencontrar nas mais atuais, modernas e nacionalizadas telenovelas”. Com o advento dos meios de comunicação de massa, primeiro o rádio e posteriormente a televisão, os elementos melodramáticos e folhetinescos foram incorporados por esses novos meios e, logo, foram responsáveis por produtos de enorme sucesso perante o público.

O folhetim haveria de se metamorfosear noutros gêneros, em função de novos veículos, com espantoso alargamento de público. Entre eles, o gênero que parece tipicamente latino- americano, a grande narrativa de nossos dias, a telenovela. O Brasil deu-lhe a boa forma e a dimensão que faria dele o primeiro gênero narrativo de exportação. (MEYER, 1996: 417)

Nesse sentido, Barbero (2009) nos lembra que, na América – Latina, o melodrama é o gênero que mais reflete o nosso modo de viver.

Nenhum outro gênero conseguiu agradar tanto nesta região quanto o melodrama, nem mesmo o de terror – e não por falta de motivos – ou de aventuras – ainda que não faltem selvas e 13

rios. É como se estivesse nele o modo de expressão mais aberto ao modo de viver e sentir da nossa gente. Por isso, para além de tantas críticas e leituras ideológicas, e também das modas e dos revivals para intelectuais, o melodrama continua a constituir um terreno precioso para o estudo da não-contemporaneidade e das mestiçagens de que estamos feitos. (BARBERO, 2009: 305)

Por se tratar de um gênero híbrido, o melodrama é de fácil penetração em todas as classes sociais, além de ser o que mais se adapta às discussões de amor presentes na Indústria Cultural. Os elementos do melodrama estarão presentes na literatura, no cinema, no teatro, no rádio, e, principalmente, na televisão, com as telenovelas. A primeira radionovela surgiu em Cuba. E em seguida, esse gênero 9 chega ao Brasil, “A radionovela chega ao Brasil em 1941, ano em que são lançadas A predestinada pela Rádio São Paulo e Em busca da felicidade pela Rádio Nacional.” (ORTIZ, 1991: 25). Com a chegada da televisão, na década de 50, e com o seu grande sucesso e penetração na sociedade, os folhetins passaram a ser adaptados para este novo meio de comunicação de massa. No Brasil, esses elementos podem ser vistos na narrativa ficcional de maior sucesso no País: a telenovela 10 .

1.2 Do rádio para a TV: um breve histórico da telenovela no Brasil

A telenovela é uma forma de arte popular que não é literatura, cinema, teatro ou produto de outro meio qualquer. Uma telenovela é uma peça dramática que pode surgir da adaptação de um livro ou mesmo ser inspirada em um poema, mas nunca se confundirá com eles. (CALZA, 1996: 7).

9 Apesar de muitas dessas características dos folhetins terem sido herdadas pelas radionovelas, estas não são o foco deste trabalho.

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A telenovela chega ao Brasil 11 , na década de 50, quando produtores da TV Tupi, a primeira emissora de televisão do País, criada em setembro de 1950, tomam conhecimento das histórias seriadas melodramáticas veiculadas na TV Argentina e passam a adaptá-las para a televisão brasileira. No começo, a tarefa de criar as primeiras telenovelas brasileiras ficou a cargo de dramaturgos e produtores das já populares radionovelas. As histórias eram adaptações das radionovelas de sucesso, inspiradas em melodramas latino- americanos ou nos folhetins europeus. Em dezembro de 1951, pela TV Tupi, é veiculada a primeira telenovela brasileira: Sua Vida me Pertence , uma adaptação de uma radionovela cubana para a televisão brasileira. A novela era exibida em 15 capítulos, duas vezes por semana. Somente em 1963, com a chegada do videoteipe 12 , é exibida a primeira telenovela diária, 25499 Ocupada , adaptação do texto argentino 0597 Ocupado . O primeiro grande sucesso de audiência do gênero, no Brasil, foi O Direito de Nascer, exibida em 1964 pela TV Tupi. A história foi adaptada de uma radionovela cubana, El Derecho de Nacer , veiculada pela Rádio Havana em 1946. Ela trazia elementos até hoje utilizados pelas telenovelas: amor proibido, eterna busca pela felicidade, luta entre o bem e o mal (heróis e vilões) e final feliz. No dia 26 de abril de 1965, a Rede Globo de Televisão dá início a sua programação. Nesse mesmo ano, a Globo lança a sua primeira telenovela: Ilusões Perdidas , tendo como par romântico Reginaldo Farias e Leila Diniz. Em 1966, vai ao ar a telenovela Redenção , exibida pela TV Excelsior. Essa telenovela foi um marco na história das telenovelas do Brasil, pois, além de ser a mais longa da história, durando 596 capítulos, foi a primeira a apresentar um texto mais com expressões e personagens típicos do povo brasileiro e a ter uma cidade fictícia construída para ambientar a trama. Até então, as histórias transmitidas pelas telenovelas eram sobre nobres europeus,

11 A telenovela brasileira tem como origem as radionovelas cubanas. As histórias transmitidas pelas rádios cubanas eram inspiradas nos folhetins. Mas, antes de Cuba, durante a década de 30, nos Estados Unidos, as fábricas de sabonetes descobriram uma forma de chamar a atenção dos ouvintes e criaram a primeira radionovela, Painthed Dreams . Por conta da origem elas foram chamadas de soap opera , ou seja, “ópera de sabão”. Esse tipo de ficção tinha como característica principal a ausência de um final previsto. 12 O videotape possibilitou a gravação dos capítulos e com isso as telenovelas passaram a ir ao ar diariamente. 15 sheikes árabes, ou que se passavam no México ou na Argentina, já que a maioria das histórias eram adaptadas desses países.

Ainda nesse período, as novelas trazem enredos folhetinescos, ocorrido preferencialmente em países distantes; os personagens são claramente divididos de forma maniqueísta, os ambientes são inusitados, exóticos, de preferência com muito romance de capa e espada, entre outros” (BALOGH, 2002: 158).

Em 1968, a TV Tupi revoluciona o gênero da teledramaturgia no Brasil, exibindo , que tinha como fio condutor a história de um homem simples da classe média brasileira que queria subir na vida. Foi nesse período que a TV Tupi lança horários de telenovelas divididas em faixas. Em 1970, a TV Globo exibe a novela Irmãos Coragem, que tinha como personagem principal um jogador de futebol. Uniam-se, assim, duas paixões do povo brasileiro: futebol e novela . Irmãos Coragem colocou a Globo como líder de audiência e detentora de um padrão de qualidade em telenovelas: “o padrão Globo de Qualidade”. (ALENCAR, 2002: 134). A partir dessa época, a TV Globo passa a investir em tramas que tratam do cotidiano, da contemporaneidade e que trazem elementos que fazem com que os telespectadores se reconheçam na telinha, mas sem abandonar as características do gênero ficcional. “A telenovela é uma narrativa que trata da contemporaneidade, mas ela não pode prescindir de ser uma ficção” (ANDRADE, 2003:73). No início dos anos setenta, a TV Globo, cria a Central Globo de Produção e constrói a infra-estrutura necessária para a produção de telenovelas em massa. Com isso, a emissora padroniza seus horários, a duração de cada novela e os capítulos são postos de uma maneira fixa. Cria-se uma unidade da programação. É nesse período, que as telenovelas da Globo passam a ser escritas para determinado público-alvo de acordo com a faixa etária, horário e temas. O horário das dezoito horas se consolida como o horário dos romances, das adaptações e tem como público principal as donas de casa e as crianças, já que nesse horário a maior parte da população está no trabalho. A característica central desse horário é a recorrência histórica. “A novela das 16 seis, da Globo, tem recorrido com grande freqüência ao drama de época ou histórico, adaptado ou não. Podemos considerar A Escrava Isaura como protótipo desse tipo de série” (BALOGH, 2002: 160). Além desse exemplo podemos citar: Sinhá Moça (2006), Alma Gêmea (2005), (2004 ), (2003) . O horário das dezenove horas ficou destinado às comédias e às experimentações. “O espaço das novelas da sete tem sido reservado pela Globo, em muitos programas, para a oportuna experimentação.” (BALOGH, 2002: 161). As histórias são leves e com elementos humorísticos. No ano de 1979, Feijão Maravilha abre espaço para as “comédias pastelões”. Sílvio de Abreu, com (1984), foi o grande nome desse estilo de novela. A novela das vinte horas, ou como ela é mais conhecida atualmente a novela das oito, traz também acontecimentos do dia-a-dia, do cotidiano do brasileiro, mas com temas mais polêmicos. Tornou-se, assim, a grande líder de audiência de suas congêneres. “A novela das oito (e meia) destina-se a um público eminentemente adulto e vai ao ar num horário em que, ao menos teoricamente, as crianças menores estariam indo dormir reserva-se, por essa razão, o horário para veicular temas mais fortes ou polêmicos.” (BALOGH, 2002: 162). Nesse sentido, Agnaldo Farias (Ferreira, 1985), afirma que a novela das oito tem um papel fundamental junto à sociedade brasileira: “de tentar recompor pela imagem do amor as energias dissipadas pelo trabalho dos corpos cansados que se postam frente a ela.”. A TV Globo é o grande nome quando se trata de telenovela no País. A emissora transformou o gênero e foi a responsável pela produção em massa e exportação desse gênero para todo o território internacional 13 . “A Globo responde pelo abrasileiramento total da telenovela e por sua transformação em produto de consumo em território nacional e internacional.” (ALENCAR, 2002: 53). Cada vez mais, as telenovelas exibem elementos que permitem com que o telespectador se reconheça nas personagens ou nas situações vividas por eles. No entanto, este sentido de verossimilhança esbarra com elementos

13 Apesar de que nos últimos dez anos, as concorrentes estão investindo maciçamente neste gênero de produção. 17 que Borelli (2002) chamou de estruturas ou matrizes culturais de cunho universal. Apesar de ter como pano de fundo questões ligadas à realidade material vivida pelos homens, a narrativa da telenovela brasileira, como a de suas congêneres, gira em torno da mais básica questão do ser humano, como encontrar o que literatura denomina de amor e como conservá-lo. Assim, embora a telenovela seja uma narrativa que trata de elementos da contemporaneidade e de suas audiências buscarem sempre a relação da ficção com o cotidiano, o seu sucesso e a sua popularidade se dá em grande parte porque as telenovelas trazem temas que se relacionam com a busca do amor e de sua concretização.

2.1 Telenovela: um espelho da sociedade brasileira?

Assistir à telenovela é muito mais do que vê-la, é estar envolvido em sua trama, é deixar levar pelo suspense, é compartilhar emoções com as personagens, discutir suas motivações psicológicas e suas condutas, decidindo o que é certo ou errado, em outras palavras, é viver seu mundo. (ANDRADE, 2003: 52)

As conversas nas rodas de famílias, nas mesas de bar e nos corredores de trabalhos, muitas vezes, giram em torno do capítulo “de ontem” de uma telenovela. Jornais, revistas e até programas de televisão possuem um espaço destinado às telenovelas. Essas narrativas seriadas servem de pauta para alimentando os meios de comunicação e servindo de assunto para as conversas informais entre as pessoas. Neste sentido, “a telenovela se firma como um referente universal por ultrapassar largamente sua audiência, já suficientemente expressiva por si mesma, e alcançar todo o conjunto social.” (IMMACOLATA, 2004: 264). A trajetória e o desfecho final de cada personagem são discutidos, analisados e acompanhados pelos telespectadores. A telenovela ocupa assim, um espaço significativo no nosso dia a dia. Ela desperta emoções e controla sentimentos.

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Um universo de imagens afetivas, presentes e convincentes passou a manter com o público uma relação íntima e cotidiana, introduzindo-se na vida das pessoas, dirigindo-lhes cumprimentos, dando-lhes conselhos, entabulando conversas, comentando fatos e enchendo os ambientes de música, lágrima e risos. (COSTA, 2002: 65)

O cotidiano retratado na trama de uma telenovela possui elementos que o aproximam da realidade dos brasileiros. Além dos cenários, as situações e os diálogos retratados pelas personagens vão ser fundamentais para que ocorra essa aproximação entre realidade e ficção. A telenovela funciona, assim, como uma crônica do nosso dia-a-dia. Mas, essa crônica construída não corresponde a nossa realidade tal qual ela é. “No enredo, o essencial é sempre inventado. As personagens e as histórias não correspondem à realidade total, apesar de nascer delas.” (ANDRADE, 2003: 73). A realidade funciona como fonte de inspiração tanto para a criação da trama novelística como para a aproximação dela com a audiência. É comum vermos as personagens em atividades que são realizadas cotidianamente pela população, como por exemplo, ir às compras, trabalhar, andar pelo calçadão etc. Os diálogos simples contribuem para a construção do cotidiano ficcional vivido pelas personagens. “Certamente, a cotidianização promove o envolvimento necessário à percepção da obra ficcional e à sua apreciação.” (COSTA, 2000: 165). Desde a exibição de Beto Rockfeller , em 1969, pela TV Tupi, as telenovelas passaram a narrar uma espécie de crônica do nosso cotidiano. A partir daí, observamos vários exemplos de histórias que trazem elementos vividos, paralelamente, na ficção e na vida real. A ditadura militar, a corrupção dos políticos, o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo são alguns elementos que fizeram e fazem parte de nossas vidas e são expostos, também, nas telinhas. Mas, não houve somente uma absorção dos elementos do real pela telenovela, o contrário também ocorreu. As telenovelas influenciaram a vida dos brasileiros, criando modas, modificando os nossos costumes e contribuindo para a construção do nosso imaginário.

Em termos gerais, as telenovelas são, de um lado, uma fonte de entretenimento, mas o reconhecimento e a relevância que a audiência imputa às narrativas revelam o significado social, 19

cultural e até mesmo a função política que pode ser atribuída às telenovelas. Em muitos casos, a ficção televisiva prova maior relevância e ainda mais significado do que as notícias do jornal da noite. (IMMACOLATA, 2004: 298)

Os elementos e as situações que fazem parte do cotidiano dos brasileiros e que são retratados nas telenovelas aproximam ficção e realidade, mas, o elemento fundamental para essa aproximação é o apelo emocional, ou seja, o realismo emocional, “e o que é visto com mais freqüência como ‘verdadeiro’ em todas as novelas são aspectos afetivos, das relações, como crises e disputas familiares, a luta pela felicidade no amor e no casamento” (ALMEIDA, 2003: 208). As situações expostas nas tramas não correspondem totalmente à realidade dos brasileiros. Durante uma trama telenovelística, várias crises e tragédias vão ocorrer, vão ser solucionadas e vão ocorrer de novo, funcionando quase como um círculo, na qual uma situação leva à outra e assim por diante. O que move a história, em uma telenovela, é a eterna situação de um problema, sua resolução e o surgimento de outro problema. Na vida real, todos passam por situações desse tipo, mas a velocidade com que elas aparecem é totalmente diferente de como elas ocorrem nas telenovelas. Até porque, nas telenovelas, essas situações é que vão dar ritmo à trama. Por conta disso, os elementos que vão fazer essa aproximação são as emoções vividas pelas personagens e quais os sentimentos que elas vão despertar no telespectador. “As emoções, paixões e afetos, elementos prioritários para a configuração da vida cotidiana, são o cenário, por excelência, das telenovelas.” (ANDRADE, 2003: 51). Alguns recursos narrativos vão ser utilizados para fazer com que o telespectador tenha a impressão de que a história e as personagens podem ser reais e se identifiquem com elas: a familiaridade, que é o conhecimento e o entendimento dos eventos que vão ocorrer; a repetição de situações-chaves que permitem que os telespectadores construam um sentido de tempo-espaço ficcional; e a verossimilhança, que, segundo Aristóteles, não é aquilo que aconteceu, mas que poderia ter acontecido; são alguns desses recursos. Essa identificação vai ser a garantia do sucesso e da popularidade da telenovela. 20

As telenovelas, ao focalizarem, principalmente, a vida das classes médias, especificamente, do Rio de Janeiro, mostram um estilo de vida diferente do da maioria da população. Trata-se de uma classe média burguesa que possui patrimônio e status social. A população vai ver um modo de vida e vai tentar buscar algo semelhante. Assim, as telenovelas são um excelente espaço para a venda de comerciais e produtos dentro da própria telenovela (merchandising comercial) e durante os intervalos .

Ao enfatizar a vida das camadas médias e altas dos grandes centros urbanos, a novela permite a exposição constante de vários estilos de vida e produtos que podem ser consumidos para a construção destes estilos. (ALMEIDA, 2003: 31).

Além do merchandising comercial , as telenovelas brasileiras são, atualmente, as grandes responsáveis por inserir ou iniciar campanhas sociais que mobilizam diversos meios de comunicação (merchandising social).

O nosso modo ‘moderno’ de produzir esse tipo de ficção mostrou-se mais próximo à crônica do cotidiano, abrindo-se até mesmo para as discussões de grandes tabus, de valores morais, políticos, religiosos, de questões como o homossexualismo, drogas, virgindade, temas impossíveis de serem abordados em outras culturas mais conservadoras. (CALZA, 1996: 9).

No entanto, teria esta recorrente inserção do merchandising social , a partir dos anos 90, modificado drasticamente a orientação emocional das telenovelas?

2.4 Merchandising comercial X Merchandising social

Por ser a atração mais rentável em termos de programas de televisão, as telenovelas tornaram-se ótimos espaços para a exibição de produtos, gerando assim enormes lucros para as emissoras. As telenovelas atingem um público enorme e diversificado, com isso o telespectador terá 21 conhecimento de diversos produtos utilizados pelas personagens e que, também, são vendidos no mercado. O telespectador não precisa sair de casa e escolher o produto, a personagem já escolheu por ele. Os figurinos, as marcas de telefones celulares, as vantagens de um ou outro banco, os móveis da casa, tudo isso está veiculado na trama de modo que o telespectador conheça as vantagens desses produtos e, também, opte por eles.

O merrchandising comercial caracteriza-se por inserir no enredo das ficções seriadas anúncios publicitários de determinadas marcas ou produtos cujas qualidades são propagadas por certas personagens da narrativa, em geral, as que caíram mais rapidamente no gosto popular. (ANDRADE, 2006) 14

As personagens das telenovelas estão sempre escolhendo marcas de perfumes, telefones celulares, comidas para seus bichinhos domésticos ou até mesmo, escolhendo o banco em que vão abrir suas contas. Através disso, o telespectador conhecerá as “vantagens” de se adquirir determinado produto. “A telenovela irradia um modo de vida que vai influenciar as preferências de parte significativa dos telespectadores.” (IMMACOLATA, 2004: 265). As telenovelas, em grande parte, são responsáveis pela criação de modas e costumes que serão copiados pela sociedade brasileira. Um exemplo disso são as expressões ditas por alguns personagens que, durante o período de exibição de determinada telenovela, foram adotadas pelos telespectadores: “Isso é um must !” expressão muito utilizada pela vilã Altiva da telenovela (1997); “tô certo ou tô errado” do Sinhozinho Malta em (1986). Além das expressões, os figurinos, as maquiagens e os cortes de cabelo das personagens também são imitados pela população. Em Dancin´Days (1978), por exemplo, o figurino da atriz Sônia Braga foi imitado por milhares de brasileiros. “Nenhuma novela mudou tanto o guarda-roupa e a trilha sonora dos brasileiros como Dancin´Days . As clássicas e multicoloridas meias lurex viraram mania no Brasil.” (MAIOR, 2006: 173). Outro exemplo de

14 ANDRADE, Roberta Manuela Barros de . Uma análise do merchandising social nas telenovelas brasileiras: em destaque “laços de Família”. Trabalho apresentado ao NP-14- Núcleo de Pesquisa Ficção Seriada do XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação- Unb -2006 22 figurino que saiu das telenovelas e ganhou as ruas do País foi o usado por , (20001). Lenços, anéis e maquiagens inspiradas na personagem foram vendidos e consumidos pela população. As telenovelas são, ainda, excelentes espaços não somente para a venda de produtos e inserção de comerciais, mas também para a abordagem e discussão de questões sociais. Cada vez mais, as histórias trazem, através de seus personagens, temas sociais que estejam em evidência no País. A inserção de questões sociais nas telenovelas brasileiras ocorre desde a década de setenta 15 . Mas, a “inserção intencional, sistemática, estruturada e com propósitos educativos bem definidos de questões sociais na produção teleficcional brasileira. 16 ”, ou seja, o merchandising social, só ganha terreno durante a década de 90. O merchandising social tem como principal função aumentar a audiência da telenovela na qual ele é veiculado. Além disso, vai ter a função de aproximar ainda mais a realidade e a ficção, se configurando numa estratégia para angariar audiência. As personagens irão servir para informar os telespectadores, trazendo seus discursos, de forma clara e objetiva, numa relação óbvia com o discurso jornalístico.

Este discurso, muitas vezes, se choca com a linguagem folhetinesca, construindo uma inserção que aparece, quase sempre, descolada da trama. As informações veiculadas por personagens relacionados à temática posta em discussão lembram, não raro, o discurso jornalístico pelo seu apelo a uma linguagem objetiva, clara e direta, típica da práxis incorporada pelos profissionais do campo. Envoltos por esse discurso, as personagens, quase sempre, são “suspensas” dos conflitos emocionais da narrativa para repassarem informações que os autores julguem pertinentes para esclarecer a questão posta em debate, chegando, em determinados momentos, a se criar um verdadeiro monólogo entre a personagem-pedagoga e o telespectador-aluno. 17

15 Em 1973, a TV Globo exibe a telenovela Cavalo de Aço que discute temas como a reforma agrária, mas devido à censura esse tema foi tirado do foco central e substituído por uma história de amor. 16 ANDRADE, Roberta Manuela Barros de . Uma análise do merchandising social nas telenovelas brasileiras: em destaque “laços de Família”. Trabalho apresentado ao NP-14- Núcleo de Pesquisa Ficção Seriada do XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação- Unb -2006. 17 Idi.

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Entrementes, essa estratégia de comunicação é diferente das discussões e comentários relativos ao contexto social presentes nas tramas. As questões sociais vão servir para aproximar, ainda mais, as narrativas ficcionais das audiências. O merchandising social, geralmente, estará relacionado com temas que estarão presentes na mídia em geral, como por exemplo, a novela Páginas da Vida que abordava o tema da inclusão social de crianças com Síndrome de Down . A questão da inclusão permeia, hoje, diversas discussões no País, além da questão do alcoolismo, também presente nesta trama. Os assuntos abordados nas telenovelas, através do merchandising social, sairão das telas e serão inseridos nas discussões e conversas da população em geral 18 . O telespectador passa a falar sobre o assunto e, muitas vezes, toma partido de uma das posições postas pelo autor de acordo com um ou outro personagem. O merchandising social , apesar de estar presentes em todos os horários de exibição de telenovelas, estará mais presente na novela das oito, pois esta atinge um maior contingente social. Além disso, as temáticas sociais abordadas nas tramas estarão presentes em outros meios de comunicação como revistas, jornais e programas de televisão. Esses temas saem não se restringem às telenovelas. Há toda uma rede de veículos de comunicação que se servirão dos temas discutidos nas telinhas. Entretanto, o merchandising social não obscurece o foco principal da trama, as conflituosas relações de amor entre as personagens. Pelo contrário, ele é utilizado muitas vezes nas construções das fórmulas de amor presentes nas tramas. Essa estratégia deve estar, pois, a serviço do tom melodramático do enredo. Este tom acompanha ainda a mais popular das telenovelas: a novela das oito. Em Mulheres Apaixonadas (2003), por exemplo, a questão da violência contra a mulher serviu como ingrediente para a construção da história de amor entre a professora Raquel e o estudante Fred, tendo como principal obstáculo as agressões do ex-marido Marcos. Além de criarem moda e costumes, as histórias exibidas nesse horário, geralmente, trazem temas polêmicos e contemporâneos. São as grandes responsáveis pela inserção de campanhas sociais 19 , como, por

18 Conceito de agenda setting proposto por Mc Combs e L. Shaw na década de 70 19 Merchandizing social 24 exemplo, o drama sofrido pelos dependentes químicos, em O Clone (2001); a luta dos parentes para acharem crianças desaparecidas, Explode Coração (1995); a campanha para a doação de medula óssea, Laços de Família (2000) e a inclusão dos deficientes físicos em Viver a Vida (2009), ambas do autor Manoel Carlos. A estrutura narrativa seriada da telenovela permite a inclusão e o desenvolvimento dessas temáticas que correm paralelamente as histórias de amor. Para que se entenda como ocorre a inclusão de uma história de amor, ou de várias histórias, dentro de um cotidiano ficcional criado por determinado autor, faz-se necessário compreender como funciona a estrutura narrativa de uma telenovela.

1.5 A estrutura narrativa da telenovela

Compreender uma narrativa não é somente seguir o esvaziamento da história é também reconhecer nela estágios, projetar os encadeamentos, horizontais do fio narrativo sobre um eixo implicitamente vertical; ler (escutar) uma narrativa não é somente passar de uma palavra a outra, é também passar de um nível para outro. (BARTHES, 1973: 26)

A estrutura narrativa de uma telenovela, em geral se repete e é composta por histórias, uma trama central e várias tramas secundárias. Essas tramas vão se interligando e o desenvolvimento da história central vai influenciar as histórias secundárias. Essa relação de uma história com outra, no decorrer da trama, fará surgir, sempre, novas histórias, pois, “toda narrativa deve criar outras”. (TODOROV, 1970:132).

Segundo Etienne Souriau (1993), a abundância de acontecimentos é uma característica do gênero melodramático. Cada ação deve levar à situação e por conseqüência a situação deve conduzir à ação. Por conta disso, a narrativa de uma telenovela conta com um ingrediente fundamental que é a ação das personagens. As tramas são recheadas de ação e cada uma leva à uma seqüência de fatos e assim surgem várias tramas que se cruzam. 25

Uma das características estruturais presentes nas telenovelas e que foram herdadas dos folhetins é o fato de ela ser uma narrativa seriada, ou seja, uma história que é contada em fatias. Cada dia o telespectador acompanha uma parte do desenrolar da história. Além disso, os autores, tanto das telenovelas como dos romances folhetins, se utilizam de uma estratégia para atrair a atenção do leitor de um capítulo para o outro: o gancho. O momento de corte do capítulo é fundamental para despertar a curiosidade para o dia seguinte.

Tomemos como exemplo de estrutura de narrativa as telenovelas de Manoel Carlos. Em suas obras, temos a presença de um núcleo central e vários núcleos secundários. Suas telenovelas possuem algumas características narrativas que se repetem: “discutir as relações humanas a partir do terreno da afetividade que se desenvolvem em uma metrópole contemporânea.” (SANTOS, 2006) 20 . Temas como o amor e as relações familiares são o foco das histórias desenvolvidas por este autor. Essas estruturas que se repetem criam uma coerência, uma certa lógica, com isso torna possível a compreensão por parte dos telespectadores. Além disso, essas repetições estruturais e temáticas criam as marcas de autoria, que estão presentes nas tramas de determinados autores e que são facilmente reconhecidas pelos espectadores. Nas narrativas das telenovelas é comum observamos que os núcleos de personagens são divididos de acordo com as famílias que vão aparecer ao longo da história. Cada família vai viver a sua trama, sua história, mas todas elas estarão interligadas, de uma forma direta ou indiretamente, uma interferindo no desfecho da outra. “Parece evidente que, na narrativa, a sucessão de ações não é arbitrária, mas obedece a uma certa lógica.” (BARTHES, 1973:219). Nesse sentido, Nogueira (2002) afirma que a sucessividade dos fatos se encarrega da narração, ou seja, nas tramas das telenovelas há a ausência de narrador. Além disso, os diálogos presentes nas telenovelas reproduzem o modo de falar de uma parcela da população brasileira e se utilizam,

20 SANTOS, Luciene dos. Apontamentos para uma trilogia em Manoel Carlos: o tratamento discursivo nas telenovelas. Trabalho apresentado NP Ficção Seriada, do VI Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom 2006.

26 constantemente, de fatos que estão ocorrendo na vida real para aproximar ficção e realidade. É fundamental para o desenvolvimento da narrativa o fato de que o telespectador passou a ser uma espécie de co-autor da novela, uma vez que a reação da audiência interfere no desfecho da trama. “Quando o Ibope é alto, há uma tendência a respeitar as exigências ou supostas tendências do público, que se torna, assim, um vasto co-autor da novela.” (BALOGH, 2002: 163). A produção, redação e gravação de uma telenovela é feita paralelamente à sua exibição, isso faz com que pesquisas de opiniões estejam sempre ocorrendo e a reação e aceitação do público seja fundamental para o desfecho da história.

Nas telenovelas, ser uma obra aberta significa que, ao longo de seis meses, temos uma criação ficcional onde o autor está sintonizado com as reações do público via pesquisas, redirecionando e alterando seus núcleos, ajustando a importância das personagens e aperfeiçoando as interpretações. (ANDRADE, 2003: 110).

A sucessão de acontecimentos, as ações das personagens, o aparecimento de novas personagens são fundamentais para o desenrolar da narrativa. “Onde não há sucessão não há narrativa. Onde não há integração na unidade de uma ação, não há narrativa, mas somente cronologia, enunciação de uma sucessão de fatos não coordenados.” (BARTHES, 1973: 114). Além das características estruturais mencionadas, o ingrediente fundamental para a construção da estrutura narrativa de uma telenovela são as personagens. Serão elas que darão agilidade à trama e construirão o elo emocional entre público e novela.

1.6 As personagens

A força das grandes personagens vem do fato de que o sentimento que temos da sua complexidade é máximo; mas isso, devido à unidade, à simplificação estrutural que o romancista lhe deu. (Candido, 2005: 59)

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As personagens que compõe uma narrativa são as responsáveis pela identificação do telespectador para com a trama. Neste sentido, Nogueira (2002) afirma que “o que aprisiona não é a história, e sim a identificação com os personagens”. Além de serem as responsáveis por essa identificação, as ações das personagens, ao longo da história vão dar seqüência à narrativa. Por conta disso, sem elas não haveria uma narrativa.

De um lado os personagens (por qualquer que lhes chame: dramatis personar ou actantes ) formam um plano de descrição necessário, fora do qual as pequenas ações narradas deixam de ser inteligíveis, de sorte que se pode bem dizer que não existe uma só narrativa no mundo sem personagens. (BARTHES, 1973: 43)

As personagens que compõem as tramas de uma telenovela não correspondem às pessoas “de verdade”. “No que toca às personagens, todavia, reproduz apenas os elementos circunstanciais (maneira, profissão etc); o essencial é sempre inventado.” (CANDIDO, 2002: 67). Durante o desenrolar de uma telenovela, personagens aparecerão e sairão da trama de acordo com a função que ela vai possuir na história. Para Todorov (1970), “o homem é apenas uma narrativa; desde que a narrativa não seja mais necessária, ele pôde morrer”. Além disso, o autor afirma que “toda nova personagem significa uma nova intriga”. Com isso, são as personagens que dão ritmo à trama. Através delas, de suas ações, é que novas histórias surgirão paralelamente ou de forma a dar sucessão às que estavam sendo narradas. Em uma telenovela, as personagens são divididas em núcleo principal e núcleos secundários, mas elas se interrelacionam entre si. Além dessa divisão das personagens em núcleos, elas também são divididas em protagonistas e antagonistas, ou seja, os heróis e os vilões. Podemos observar que essa divisão é uma herança o modelo de conto que Propp discute. O herói deve enfrentar todos os obstáculos que vão surgir e, no final da trama, a recompensa será a felicidade ao lado da pessoa amada. Nesse sentido, os vilões também possuem um papel fundamental para o desenrolar da trama: “O seu papel é perturbar a paz da família feliz, provocar uma desgraça, fazer mal, 28 causar prejuízo.” (Propp, 1983: 68). Essa divisão também vai influenciar os modelos de amor, já que o amor que vai ser vivido pelos heróis será diferente do vivido pelos vilões. Os encontros e desencontros, as relações amorosas, a busca pelo verdadeiro amor, o surgimento de novas personagens são situações que aparecem na narrativa das telenovelas. Em uma telenovela, cada personagem vai ter um papel, vai ser responsável por determinadas ações, com isso, surgirão, também, diferentes formas de amar, diferentes estruturas de amor e elas se diferenciaram de acordo com as personagens e suas funções na da trama telenovelística.

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CAPÍTULO II Telenovela: a contadora de histórias de amor

O amor é um nó no qual se amarram, indissoluvelmente, destino e liberdade. (PAZ, 2001: 39)

Ao assistirmos um filme ou um programa de televisão, ao lermos uma revista ou um livro, nos deparamos sempre com uma história de amor. Muitos produtos da Indústria Cultural trazem em seus enredos histórias de encontros e desencontros amorosos. O encontro entre dois indivíduos que vão se apaixonar, se separar, enfrentar obstáculos, se re-encontrarem, e viver felizes para sempre é o tema mais recorrente na produção feita para a grande massa.

A cultura de massa parece querer nos garantir que é no encontro apaixonado que se pode apreender o sentido e o significado de nossa existência incerta. (LÁZARO, 1996: 12)

Nesse sentido, podemos observar que essa estrutura não se restringe aos produtos da Cultura de Massa. Pelo contrário, está presente nas narrativas mais antigas como os contos populares e os folhetins. Trata-se de uma estrutura mítica que está presente em diversos gêneros ao longo da história do homem. No Brasil, as telenovelas são as grandes responsáveis pela construção e divulgação de histórias de amor e, conseqüentemente, pela idealização dos modelos de amor presentes no imaginário dos telespectadores. Desde a que foi ao ar pela primeira vez, em 1950, a telenovela brasileira tem como temática principal uma história de amor. A telenovela é um dos mais importantes produtos culturais do País, dominando o horário nobre das principais emissoras de televisão e tornando-se presença constante no cotidiano dos brasileiros, independente de classe social, faixa etária e sexo.

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2.1Telenovela e as histórias de amor

A telenovela conta uma história de amor, mas não de um amor qualquer. Tem que ser um amor que custe a alcançar, manter, recuperar. Tem que ser mais forte que a classe social e os laços de sangue; deve superar o tempo, a distância e as desgraças mais terríveis. (ANDRADE, 2000; 67)

Toda telenovela gira em torno de uma grande história de amor, ou de várias histórias de amor. O casal de protagonistas se conhece e se apaixona. E partir daí vão ser arrebatados por um sentimento que vai mudar suas vidas.

A idéia de encontro exige, por sua vez, duas condições contraditórias: a atração que experimentam os amantes é involuntária, nasce de um magnetismo secreto e todo poderoso; ao mesmo tempo, é uma escolha. Predestinação e escolha, os poderes objetivos e os poderes subjetivos, o destino e a liberdade se cruzam no amor. (PAZ, 1994: 35)

Apesar desse forte sentimento que nasce do encontro entre os amantes, eles vão ter que enfrentar as dificuldades provocadas pelos vilões, os obstáculos e as adversidades do próprio destino para concretizarem o seu amor. Neste sentido, Andrade (2003: 84) afirma: “As telenovelas tratam, sempre, da história de um homem e de uma mulher que se encontram e se enamoram, mas até a concretização desse amor, deverão superar obstáculos." A concretização do amor é a recompensa que os heróis-protagonistas terão após passarem por todos os problemas que surgirão durante o desenrolar da trama. Nesse sentido, podemos observar uma herança dos contos de encantamento. Nessas narrativas, os heróis encontram princesas, se apaixonam, mas para concretizarem esse amor devem enfrentar vários obstáculos. Para Propp, o herói passa por provações e no final casa-se. “O amor feliz não tem história. Só existem romances do amor mortal, ou seja, do amor ameaçado e condenado pela própria vida.” (ROUGEMONT, 2003: 24). Por conta das dificuldades enfrentadas para a realização plena do amor, o par romântico fica separado durante quase todo período de exibição da telenovela, mantendo assim o suspense característico desse gênero até o final, ou último capítulo. “Quando os amantes se casam e vão viver felizes para 31 sempre, o romance acaba.” (PRIORE, 2006: 71). O tempo, a distância, a falta de comunicação, as armadilhas e os obstáculos criados pelos vilões são algumas das dificuldades enfrentadas pelos heróis para a realização do encontro amoroso. As telenovelas mantêm as características do gênero folhetinesco e do melodramático: amores impossíveis, o bem contra o mal, heróis que sofrem e vilões que se vingam. Apesar de abordar vários assuntos, como ambição, vingança, relações familiares, desemprego, preconceito, a telenovela é movida à amor. O amor é o elemento principal das tramas das telenovelas. Uma novela sem uma história de amor, sem a busca pelo amor, por um grande amor, não se tornará popular 21 . Independente da época em que a novela está ambientada, as histórias de amor sempre estarão presentes, norteando e dando suporte a trama. Nesse sentido podemos citar exemplos de telenovelas que possuem suas tramas ambientadas tanto na atualidade como aquelas que recriam um período histórico do Brasil. (2010 ) e Alma Gêmea (2005) são exemplos de novelas que possuem contextos históricos completamente diferentes: a primeira se passa no século XXI e a segunda se passa em 1920; mas apesar disso, possuem como temática principal uma história de amor. Além disso, podemos notar que em Cama de Gato a heroína, Rose, é moderna; é uma mulher divorciada e mãe de quatro filhos. Já em Alma Gêmea , percebemos a presença de uma heroína tradicional, jovem, virgem e pobre, semelhante às dos romances folhetins. Os heróis e heroínas vão passar por diversas provações ao longo da trama para poderem ficar juntos no final. O que vai mudar são os elementos utilizados para a construção das histórias de amor, ou seja, o encontro amoroso sempre vai existir, mas os elementos que farão parte dessas estruturas de amor vão variar de acordo com a trama da telenovela, de acordo com o retrato que se faz da sociedade brasileira.

21 Exemplo disso foi a novela (1991). O tema central da novela era a vingança da protagonista contra o vilão da história. Neste núcleo central, a busca do autor foi focada pela presença da justiça. A novela, imediatamente, despencou de audiência. Somente quando o autor resolve trazer à obra como núcleo central da trama a história de amor de uma prostituta com um homem “humilde e trabalhador" é que a novela entra novamente nos eixos. 32

As telenovelas contam e recontam, nos mais diferentes contextos, histórias de amor. Esse termo genérico, que engloba inumeráveis teorizações tão variadas quanto as formas de sua expressão, é o terreno privilegiado sobre o qual a narrativa se move. (ANDRADE, 2003: 83)

Os modelos de amor construídos pelas telenovelas 22 , vão se modificar ou absorver elementos da cultura brasileira de acordo com as transformações vividas pela sociedade, tais como: a emancipação feminina, o aumento no número de divórcios, a revolução sexual, a busca pelo prazer etc. Nesse sentido Ortega (2006) afirma que as peculiaridades assumidas pelo amor em determinado período histórico ou por determinada sociedade refletem os valores dominantes nos homens desse período ou dessa sociedade. Assim, essas várias formas de amar são herdadas dos sistemas de preferências vigentes em determinados períodos e grupos sociais que antecipam as diferentes orientações da história.

2.1.1 O Amor na telenovela nas décadas de 50 e 60: romance igual aos dos folhetins?

Durante as décadas de 50 e 60, quando foram ao ar as primeiras telenovelas, prevalecia a estrutura de romance e amores herdados das histórias publicadas no formato de folhetim. Nesse período, as protagonistas apresentavam traços das heroínas folhetinescas, como por exemplo, serem castas, puras e dedicadas ao lar. Prevalecia a estrutura do amor romântico. “Em 1966, entrou no ar mais um folhetim rasgado, que Glória Magdan assinou e supervisionou sem medo de ser feliz (ou infeliz também): Eu compro essa mulher, adaptação do rocambolesco O Conde de Monte Cristo 23 .” (MAIOR, 2006:27). Nessa telenovela, exibida pela TV Globo, o casal de protagonistas enfrentaria a perversidade e os obstáculos criados pela vilã da trama. Estava em cena uma fórmula de sucesso garantido: o triângulo amoroso. Essa fórmula

22 O enfoque será nas telenovelas exibidas pela Rede Globo de Televisão, pois são as produzidas em maior escala e de maior audiência no Brasil. 23 “O mais famoso folhetim e mais aproveitado posteriormente pelo cinema e pela televisão foi O conde Monte Cristo , de Alexandre Dumas”. (ANDRADE, 2000: 64) 33 já havia sido introduzida com a telenovela Ambição exibida 1964, pela TV Excelsior. Duas irmãs disputavam o amor do mesmo homem. A utilização do triângulo amoroso é, até os dias de hoje, um elemento presente em todas as tramas das telenovelas e serve como uma forma para o adiamento da realização e concretização do encontro amoroso. Além disso, podemos observar que durante as décadas de 50 e 60, muitas telenovelas traziam em seus enredos histórias de amor nas quais as personagens ascendiam socialmente através do casamento. Em , veiculada pela TV Globo em 1968, por exemplo, a história gira em torno do amor proibido de Roberto Albuquerque e Maria Cristina, ele milionário e ela pobre. Até hoje, podemos perceber que as histórias de um amor que nasce entre pessoas de diferentes classes sociais e que muitas vezes resulta em casamento, está presente em diversas tramas. Até o final da década de 60, as tramas das telenovelas traziam modelos de amor baseados nos romances folhetins, nos quais a heroína deveria ser pura, virgem, somente tendo relações com o seu amado após o casamento. “A virgindade antes do casamento, por parte das garotas, era apreciada por ambos os sexos.” (GIDDENS, 1993: 19). A virgindade das mulheres era um fator de atração para o sexo masculino. “A longa espera, as dificuldades, a recusa em nome da pureza eram os ingredientes que atraíam o sexo masculino.” (PRIORE, 2006: 283). Já para os homens, era permitido que eles tivessem relações sexuais antes do casamento. Durante esse período, o verdadeiro amor tinha de ser com cautela e juízo, a paixão avassaladora não resultava numa união legal, ou seja, num casamento. Esse tipo de sentimento, o amor paixão ou apaixonado era vivido pelos amantes, ou vilões. “Dificilmente surpreende que o amor apaixonado não tenha sido em parte alguma reconhecido como uma base necessária ou suficiente para o casamento, e na maior parte das culturas tenha sido refratário a ele.” (GIDDENS, 1993: 48). Para os heróis, prevalecia o amor romântico, que uma vez encontrado, duraria a vida toda. No final da década de 60, ocorre uma reviravolta, nada de histórias do século XIX. Em 1969, a TV Globo exibe a sua primeira novela baseada na sociedade brasileira: Véu de Noiva . Apesar de abandonar os romances ambientados no século XIX, essa telenovela ainda tinha como tema central 34 uma história de amor. “Trama ágil, linguagem coloquial... e generosas doses de folhetim apaixonado, que Janete 24 preparava como ninguém.” (MAIOR, 2006: 64). A linguagem utilizada nas telenovelas se aproximava cada vez mais da utilizada pelo povo brasileiro. Em Véu de Noiva, por exemplo, foi realizado um julgamento de verdade, com um júri de verdade para decidir o destino das personagens, nem a autora da novela sabia o desfecho. Com isso, as histórias de amor vividas pelas personagens incorporavam elementos do cotidiano dos brasileiros e as idealizações em torno do amor passaram a ser reconhecidas e absorvidas pela população. “Por influência dos meios de comunicação e, sobretudo, da televisão, o vocabulário para dizer o amor passa a evitar eufemismo.” (PRIORE, 2006: 301). A partir daí, as telenovelas captam as transformações vividas pela sociedade e passam a veicular tramas que misturam realidade e ficção, com isso, as histórias de amor e seus elementos também sofreram mudanças.

2.1.2 O amor nas décadas pós-revolução sexual até os dias de hoje

Com a chegada dos anos 70, uma série de transformações vai tomar conta da sociedade brasileira. É o período da revolução sexual e esse movimento irá influenciar diretamente a concepção que se tinha sobre amor e, conseqüentemente, sobre o sexo. “Seja na imprensa, na música, no cinema ou na televisão os temas amor, casamento e sexualidade apareciam de forma a mostrar os conflitos que a sociedade vivia.” (PRIORE, 2006: 306). A telenovela capta sintomas presentes na sociedade e prepara ambiente receptivo para a discussão dessas questões. As pílulas anticoncepcionais chegam e com elas a possibilidade dos casais ultrapassarem os beijos, sem serem surpreendidos com uma gravidez indesejada. Neste sentido Giddens (1993) afirma que “a ‘virtude’ começa a assumir um novo sentido para ambos os sexos, não mais significando apenas inocência, mas qualidades de caráter que distinguem a outra pessoa como ‘especial’.”. A partir daí, distingue-se sexo de amor.

24 Janete Clair (1925-1985) autora de telenovelas durante as décadas de 60 e 70. (Fernandes, 1997) 35

É nesse período, também, que os divórcios e as separações tornam- se comuns. Os casamentos não são mais para sempre, os casais passam a se separar como uma maior freqüência, e a sociedade passam a ver isso de uma maneira mais natural. Todas essas transformações vão influenciar diretamente às histórias de amor veiculadas nas telenovelas. Agora, em vez de uma heroína pura e virgem, vai aparecer um novo modelo: uma mulher mais madura e, em alguns casos, divorciada. A virgindade da heroína deixa de ser uma característica principal na construção dessas personagens. “Hoje em dia, no entanto, um relacionamento tem de ser posto à parte do que ocorreu antes e também dos outros envolvimentos, sexuais ou de outro tipo, que os indivíduos teriam tido.” (GIDDENS, 1993: 151). Além disso, um novo estilo musical toma conta do País e vira tema de algumas telenovelas. “ O rock and roll , feito sobre e para adolescentes, introduzia a agenda dos tempos: férias, escola, carros, velocidade e, o mais importante, o amor!” (PRIORE, 2006: 301). Selva de Pedra , exibida pela TV Globo em 1970, não fugiu a regra, o rock and roll embalava as cenas de romance entre o casal de protagonistas. A telenovela é sucesso de exibição conquistando o maior índice de audiência do País até então. “No ar a sofrida história de amor do novo casal 20 da TV brasileira: Francisco Cuoco e Regina Duarte.” (MAIOR, 2006: 88). Mas, apesar da sociedade brasileira estar vivendo o auge da revolução sexual, esse período coincide com a ditadura militar no Brasil (1964 até 1985) e, por conta disso, algumas histórias veiculadas nas telenovelas sofriam repressões e cortes da censura. As cenas de relações sexuais entre os casais eram cortadas. Além disso, as questões sociais retratadas pelas telenovelas também sofriam vigilância da censura. Em 1976, é exibida pela TV Globo a telenovela Anjo Mau , a história da babá Nice que, apesar da diferença de classe social entre ela e Rodrigo, seu patrão, consegue através de muitas armações, casar com ele. Na trama, Nice morre ao dar à luz ao filho do casal. “A sentença de morte da babá nada perfeita teria sido assinada pela censura, que decidiu vetar a vitória do mal contra o bem na ficção.” (MAIOR, 2006: 147). Em uma segunda versão, que foi ao ar em 1997, Nice se arrepende de suas maldades e escapa da morte, vivendo feliz ao lado do seu filho e do seu marido. É o amor como força capaz 36 de superar barreiras sociais e transformar as pessoas. Essa mudança no final dessa telenovela, também, mostra uma tolerância maior por parte da sociedade brasileira para com as pessoas que são capazes de tudo para conseguir o que querem, pagam por suas maldades e, no final, se arrependem e são merecedoras do final feliz. Outro exemplo de telenovela que teve cortes da censura foi Cabocla , exibida em 1979. A história de caboclinha do interior que se apaixona pelo moço da cidade grande invade as telas do País. Mais uma vez, o amor supera as barreiras, os obstáculos e as classes sociais. Vinte e cinco anos depois, em 2004, Cabocla ganha uma nova versão, desta vez bem mais apimentada. Se na primeira versão o casal não passava de uns beijos, nunca ficava a sós no mesmo quarto, por conta da censura imposta pela ditadura militar, na segunda, eles têm relações sexuais antes do casamento, mostrando mais uma vez as mudanças sofridas pelas telenovelas ao longo do desenvolvimento da sociedade brasileira. Com o final do período da Ditadura Militar no Brasil, as tramas das telenovelas ficaram livres da censura oficial e isso acarretou algumas mudanças nos modelos de amor construídos pelas telenovelas: um aumento nas cenas de sexo, um aumento no número de relações extraconjugais exibidas pelas telenovelas etc. Apesar dessas mudanças, ainda há uma tendência ao casamento, por parte dos apaixonados, no final das histórias. O casamento, em todas as telenovelas, aparece como o auge da relação amorosa. “O amor passa a ser na telenovela, o fundamento do casamento; a virgindade é desvalorizada; a maldição que se abatia sobre a sexualidade é aliviada; efetua-se a osmose entre amor carnal e espiritual, entre as barreiras de classe e raça.” (ANDRADE, 2000: 114). Atualmente, observamos que a busca pelo prazer imediato que quebra rotina, a busca pela paixão, é um dos elementos mais presentes nas telenovelas. Muitas vezes, primeiro vem o sexo e depois o amor. “O relacionamento amoroso é visto neste modelo, como um desdobramento do relacionamento do erótico, o precipitado de todas as suas experiências positivas, o resíduo sólido do prazer que a pessoa experimentou.” (ALBERONI, 1997: 137). 37

Apesar de, cada vez mais, ser comum o sexo antes do casamento, isso não é uma regra. Em algumas telenovelas como Por Amor (1997), Maria Eduarda, a protagonista, casa-se virgem; outro exemplo é em Páginas da Vida (2006), na qual a personagem Thelma, também casa-se virgem. Mas, diferente do que ocorria nas histórias exibidas pelas telenovelas nos anos 60, as personagens que têm relações sexuais antes do casamento, no final, também estão aptas a se casarem. A virgindade das heroínas é posta de lado. Apesar das mudanças ocorridas na sociedade brasileira, os modelos de amor a que assistimos em uma telenovela incorporam elementos de modelos surgidos nos séculos passados. Nas narrativas ficcionais, os modelos se repetem o que vai mudar é o contexto em que ele vai estar inserido, ou seja, as situações que vão levar o amor a acontecer e como as personagens vão senti-lo, como por exemplo, os ideais a respeito do amor romântico, que estarão presentes em todas as telenovelas, mas que vão ser inseridos cada vez dentro de uma história diferente.

2.2 As principais estruturas de amor presentes nas telenovelas

É como se tivéssemos passado de um período em que o amor fosse uma representação ideal e inatingível, a Idade Média, para outra em que vai se tentar, timidamente, associar espírito e matéria, o Renascimento. Depois, para outro, em que a Igreja e a medicina tudo fazem para separar paixão e amizade, alocando uma fora, outra dentro do casamento – a Idade Moderna. Desse período passamos ao romantismo, do século XIX, que associa amor e morte, terminando com as revoluções contemporâneas, momentos nos quais o sexo se tornou uma questão de higiene e o amor parece ter voltado à condição de ideal nunca encontrado. (PRIORE, 2006:14)

Não há apenas um modelo de amor, e sim vários. O amor, tal qual nós o conhecemos hoje, não é igual ao do século passado ou retrasado, apesar de possuir elementos herdados desses modelos. Nesse sentido, Ortega (2006) afirma que cada época possui o seu estilo de amor, ou seja, algumas épocas privilegiam a união dos corpos, outras a união dos espíritos, assim como há épocas em que se privilegiam os valores masculinos e outras os 38 femininos. Esse sentimento que domina os corações dos apaixonados vai aparecer em diferentes estruturas.

Tudo muda e se transforma: só o amor parece permanecer como selo e garantia de nossa humanidade. Pelo amor nos definimos como seres humano, pelo amor nos humanizamos, e a perda da capacidade de amar equivale à nossa desaparição no indiferenciado mundo dos duplos desalmados. (LÁZARO, 1996: 14)

Ao longo dos séculos, os elementos que fizeram e que fazem parte dos modelos de amor conhecidos pela sociedade, sofreram uma série de mudanças de acordo com as transformações sociais, culturais, econômicas e tecnológicas vividas pela sociedade. Essas mudanças ocorreram paralelamente e influenciaram diretamente às transformações sofridas pelas estruturas do amor.

As tramas das telenovelas vão exibir modelos de amor baseados em modelos já utilizados pela literatura, pelos romances folhetins, pelo cinema e pelas radionovelas. Durante o desenrolar da história, podemos perceber vários modelos de amor presentes na narrativa ficcional, mas percebemos também que um modelo não é puro, ou seja, ele mescla elementos de vários tipos de amor. Um amor à primeira vista leva a um amor romântico, uma paixão pode levar a um amor para a vida toda e assim por diante. Amor cortês, amor romântico, amor paixão, amor confluente e amor conjugal, enfim, são vários os tipos de estruturas de amor. Cada uma delas vai possuir elementos que vão caracterizá-las e construir seus conceitos. Desses, vão derivar os outros modelos que serão construídos e exibidos para os telespectadores 25 .

2.2.1 O amor cortês: um amor que não se concretiza

O primeiro desses modelos que surgiu foi o amor cortês, durante a Idade Média, século XI.

25 A divisão dos tipos de amor foi feita através de diferentes autores (sociólogos, filósofos e comunicólogos) e épocas históricas. Tomamos as idéias em comum e construímos os conceitos aqui apresentados. (nota da autora) 39

Nessa época, a aventura do amor cortês erigiu como tema a exaltação carnal e espiritual nas relações amorosas entre homens e mulheres. Exaltação mais idealizada do que prática, mais descrita do que vivenciada. [....] Associada aos ideais da cavalaria, a erótica trovadoresca prometia aos que servissem na corte a alegria de serem distinguidos com um amor nobre e desinteressado. Era o amor cortês e dele deriva a palavra cortesia. (PRIORE, 2006:70).

O amor cortês opõe-se à satisfação plena do amor, ou seja, o amante cortês não esperava relações carnais com sua amada, era um enlace de corações e não de corpos. Um amor impossível, uma idealização do amor carnal. (ROUGEMONT, 2003). Ortega (2006) vai além e afirma que no amor cortês a mulher é encarada como algo superior, ou seja, é um amor que se restringe ao psíquico e distante, a mulher amada não está ao alcance do homem que lhe faz a cortesia. O principal tema dos romances medievais foi o amor proibido entre um jovem rapaz e uma mulher casada. “O amor cortês afirma a primazia da paixão sobre uma ordem brutal onde as transações conjugais, isto é as mulheres, aparecem como instrumento na guerra dos interesses feudais.” (CARDOSO, 2009: 209) Um exemplo da literatura dessa época é Tristão e Isolda , do século XII. Nesta história, o casal, após beber uma porção mágica, se apaixona. Mas esse amor é impossível já que Isolda havia sido prometida ao tio de Tristão. Apesar do casamento de Isolda, eles continuam apaixonados. Para viver esse amor, o casal foge para a floresta onde passa a viver em estado de castidade e “vê seu amor afundar em desastre e sofrimento. Era um triste destino, o desses enamorados. A história do casal aparece como o símbolo do amor, ao mesmo tempo em que perfeito, mas, sobretudo, impossível.” (PRIORE, 2006:71). Neste romance, percebemos alguns elementos que vão estar presentes nas atuais representações do amor: paixão sinônimo de sofrimento, casamento e paixão como opostos, surgimento de obstáculos contrários à realização do amor e a busca pelo amor impossível. Além disso, o amor cortês vai introduzir alguns elementos utilizados, posteriormente, nos modelos de amor construídos: “(...) o amor cortês opõe uma fidelidade independente do casamento legal e fundada exclusivamente no amor.” (ROUGEMONT, 2003: 48). 40

A principal característica, portanto, do amor cortês, cantado pelos trovadores, é a exaltação de um amor que não se concretiza. “Ao tratar do tema, o trovador costumava anunciar a promessa de uma felicidade futura. Nele, o amor é sempre ‘amor de longe’. Ele é impossível.” (PRIORE, 2006: 71). Esse modelo de amor, geralmente, apresentava histórias em que o amante não passava de um fiel servo de sua amada, já que essa era, em sua maioria, casada e mais velha. “O que ele exalta é o amor à margem do casamento, pois o casamento significa apenas a união dos corpos.” (ROUGEMONT, 2003:103). Os amantes das histórias de amor cortês vão viver um sentimento que vai estar mais presente no plano espiritual do que carnal. A impossibilidade de esse amor ser realizado vai ser o mote principal das histórias desse período. “Ao mesmo tempo em que se opõe ao casamento, a fidelidade passional cortês se opõe também (curiosa e misteriosamente) à própria satisfação da paixão amorosa.” (LÁZARO, 1996: 210). Nesse sentido, nas tramas das telenovelas podemos perceber a presença de elementos do amor cortês nas histórias que trazem personagens que começam a trama como amigos, um deles é apaixonado pelo outro sem que esse saiba e priorizam a amizade em nome do amor. No decorrer da trama, esse sentimento pode ser correspondido ou não. Em Laços de Família (2000), por exemplo, Miguel apaixona-se por Helena, mas abre mão desse amor em nome da amizade dos dois. No decorrer da trama, Miguel estará sempre ao lado de Helena como seu melhor amigo e companheiro. Somente no final, é que Helena também se apaixonará por ele. Eles casam e vivem felizes para sempre. Também nessa novela, há a presença de outro casal que inicia a história como amigos e se apaixonam: Edu e Camila. No início da trama, Edu namora Helena, mulher madura e bem mais velha que ele. Quando conhece Camila eles logo se tornam amigos, trocam confidências e planos para o futuro. Percebendo a aproximação dos dois, Helena se afasta e deixa o caminho livre para que o casal transforme a amizade em amor. Outro exemplo de telenovela que possui elementos desse tipo de amor é Por Amor (1997). Léo e Catarina começam a trama como amigos, ele sempre satisfazendo todos os desejos dela e cortejando-a. Com o desenrolar da história, ela se apaixona e eles vivem uma história de amor com direito à casamento, filhos e final feliz. 41

Além dessas características, podemos observar outras que estão presentes em nossa sociedade: a possibilidade de amor fora do casamento, amores impossíveis, relacionamentos entre homens mais novos e mulheres mais velhas etc. Algumas das características desse modelo de amor vão servir de base para a construção de outras estruturas que vão suceder o amor cortês, como por exemplo, o amor paixão, que vai unir carne e espírito.

2.2.2 O amor paixão: tudo ao mesmo tempo e agora!

O apelo à paixão torna-se lugar comum nos meios de massa, e o amor só é legitimado enquanto intensidade arrebatadora capaz de colocar em risco tudo o que diz respeito à estabilidade dos seres amantes. (LÁZARO, 1996: 197)

Surgido no século XVII, o amor paixão antecedeu o amor romântico. Ele é marcado pelo excesso e é a justificativa para que, por exemplo, “a mulher possa abrir mão de suas preocupações com a virtude em nome de uma paixão arrebatadora.” (LÁZARO, 1996: 166). O amor paixão “é marcado por uma urgência que coloca à parte das rotinas da vida cotidiana, com a qual, na verdade, ele tende a se conflitar.” (GIDDENS, 1993: 48). Diferente do amor romântico, o amor paixão busca a realização do prazer, esse modelo está mais ligado à sexualidade. “O amor passion busca sua naturalização através do prazer, por sua vez legitimado pela atividade-passividade a que a natureza do objeto induz.” (LÁZARO, 1996: 166). Por conta dessa característica, o amor-paixão vai estar mais ligado às relações entre os amantes, por exemplo, ou entre os vilões das tramas das telenovelas, já que o relacionamento entre essas personagens, dificilmente resultará em algo duradouro. “A sociedade em que vivemos – e cujos costumes quase não mudaram ao longo dos séculos – compete o amor paixão, em nove entre dez casos, a assumir a forma de adultério.” (ROUGEMONT, 2003: 24). Entretanto, atualmente, o amor paixão também vai aparecer como o modelo de amor dos personagens mais jovens e modernos. 42

O amor paixão vai ter como características principais a intensidade do sentimento e a inclusão do prazer, da sexualidade no relacionamento entre os amantes. Apesar da intensidade do sentimento que vai surgir entre os apaixonados, a duração desse amor tende para a brevidade. O mais importante esse modelo de amor vai ser a glorificação do momento, o importante para os amantes é o aqui e agora. “Estar apaixonado não é necessariamente amar. Estar apaixonado é um estado; amar é um ato.” (ROUGEMONT, 2003: 415).

Em Por Amor (1997), por exemplo, os personagens Nando e Milena se apaixonam e vivem intensamente esse amor. Eles protagonizam cenas quentes com direito a beijos apaixonados e tórridos. Além disso, a novela veiculou inúmeras cenas de sexo entre esse casal. Na areia da praia, na banheira de um hotel ou no meio do mato. Para eles, o desejo que eles sentiam um pelo outro não podia esperar e devia ser vivido intensamente. Em Laços de Família (2000), também foi marcante a presença de um casal que colocava tudo de lado para satisfazer o desejo. A veterinária Cíntia e o administrador de haras Pedro não escolhiam hora e nem lugar para se amarem intensamente. O desejo tinha que ser satisfeito a qualquer custo.

O amor paixão vai ser a justificativa para que os amantes sejam capazes de atos extremos, sempre, justificados por esse sentimento. Neste sentido, Cardoso (2009) afirma que “os apaixonados são todos irresponsáveis” e vai além, para ele “o amor paixão é aquele que de certa forma me prejudica, ou que prejudica, pelo menos, a minha integração na sociedade – a minha imagem pública, externa”. Nesse modelo de amor, assim como no modelo de amor romântico, o espiritual e o carnal estarão presentes, mas diferente do amor romântico, no amor paixão a questão duração será uma de suas principais características, ele será breve.

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2.2.3 O amor romântico: sentimento que ultrapassa qualquer obstáculo

É como se o amor romântico tivesse a capacidade de conceder significado a um mundo percebido como desumano, frio e insensível. (LÁZARO, 1996: 170)

As histórias de amor romântico, que surgiram no final do século XVIII, têm como principal característica o amor entre duas pessoas que vão lutar contra qualquer obstáculo para concretizarem seu amor.

Os desejos são expressos no tempo futuro, também o tempo submete o desejo a uma condição: é preciso superar os obstáculos que se interpõem, seja a distância física, seja a distância social, ou mesmo a disritmia do próprio desejo. (LÁZARO, 1996: 98)

Quando achamos o ser amado, nós nos completamos. Neste sentido, Giddens (1993) afirma que “o outro, seja quem for, preenche um vazio que o indivíduo sequer necessariamente reconhece — até que a relação de amor seja iniciada”. Nesse sentido Ortega (2006) afirma que quando amamos alguém, nós não admitimos a existência de um universo sem o ser amado. Os ideais que estão presentes no amor romântico giram em torno de uma união única e para sempre. No amor romântico, o sentimento que vai haver entre duas pessoas assume a característica de uma ligação sublime que vai se sobrepor ao relacionamento sexual. “Nas ligações de amor romântico, o elemento do amor sublime tende a predominar sobre aquele do ardor sexual.” (GIDDENS, 1993: 51).

Enquanto o amor cortês se opõe à concretização do amor, o amor romântico, surgido na Idade Moderna, traz a idéia de uma atração instantânea, que envolve mais o âmbito emocional dos amantes do que o físico. “O amor romântico permite descobertas mais sofisticadas de prazer do que o sexo.” (COSTA, 2000: 111). O amor romântico, por trazer à tona as emoções, os sentimentos, vai mexer com a imaginação dos amantes e ultrapassar qualquer obstáculo. Além disso, o amor romântico vai ter como características principais os ideais de eterno e único. Uma vez achado, o amor é para sempre. 44

O amor romântico há muito tem mostrado uma qualidade igualitária, intrínseca à idéia de que um relacionamento pode derivar muito mais do envolvimento emocional de duas pessoas do que de critérios sociais externos. (GIDDENS, 1993: 72).

Nesse sentido, Ortega (2006) afirma que o casal de apaixonados está “enamorado”. Para ele, o enamoramento é um encantamento. Esse tipo de relacionamento vai possuir dois fundamentos básicos: o encantamento e a entrega. O amante se encanta e por isso se entrega. Além disso, o amante vai se encontrar em estado de plenitude, de felicidade, de bem estar. Os amantes são absorvidos um pelo outro, o enamorado está totalmente entregue a quem ama. Stendhal (2007), afirma que “amar é ter prazer em ver, tocar sentir, através de todos os sentidos, e tão perto quanto possível um objeto amado e que nos ama”. Para ele, uma pessoa apaixonada vê a pessoa amada como perfeita e mais, “basta um mínimo grau de esperança para provocar o amor”. O amor romântico rompe barreiras, não importando a classe social ou econômica dos amantes. Para Lázaro (1996), “o amor romântico favorece o modelo da experiência radical e democrático: está dentro de cada um a possibilidade de senti-lo e é antes o caráter, a coragem, a sensibilidade, que o definem mais do que a classe ou o lugar social”. Neste sentido, o amor vai aparecer como um sentimento de liberdade e de auto-realização. O surgimento dessa nova concepção de amor vai coincidir com a emergência de novelas e dos romances. Com isso, os ideais do amor romântico vão ser amplamente divulgados. “O consumo ávido de novelas e histórias românticas não era em qualquer sentido um testemunho da passividade. O indivíduo buscava no êxtase o que lhe era negado no mundo” (GIDDENS, 1993: 55). A história de Romeu e Julieta, de Shaekespeare, é um dos exemplos das histórias de amor romântico mais conhecidas. “Ali as tensões entre os indivíduos e papel social, escolha e obediência à regra, vontade e destino encontram uma expressão que adquire um valor paradigmático para a compreensão do que é o amor moderno 26 .” (LÁZARO, 1996: 134). Esse modelo foi, durante muito tempo, o mais divulgado na

26 No livro do Lázaro (1996), ele apresenta como sinônimos: amor romântico e amor moderno. 45 literatura, no cinema e, até hoje, na televisão, fazendo com que ele seja relacionado ao amor dos heróis-protagonistas. Nesse sentido, podemos citar algumas telenovelas que possuem os ideais do amor romântico em seus enredos. Em O Clone (2001), por exemplo, o casal de protagonista se apaixona só pelo olhar. Jade e Lucas vão lutar durante anos para conseguirem, somente no final da novela, viver a plenitude do amor. Durante toda a trama, eles são separados por obstáculos culturais e do acaso. Apesar de separados, eles sempre pensam um no outro e no grande amor de juventude que eles viveram. Em Mulheres Apaixonadas (2003), também encontramos a presença de um casal que se apaixona à primeira vista e vai lutar contra todos os obstáculos para viver esse amor. Edwiges e Cláudio são de classes sociais e culturais diferentes. Ele é um jovem rico e com idéias modernas, ela é pobre e sonha em casar virgem. Apesar de todas as diferenças, eles se apaixonam e lutam para ficar juntos, se casando no final da história. As características desse modelo serão as mais difundidas pela indústria cultural. Para Lázaro (1996), o cinema, o rádio e a televisão, vão nos mostrar, diariamente, através de modelos baseados na estrutura de amor romântico, que a felicidade pode estar ao alcance de todos, mas que, para que isso ocorra, é necessário acharmos a nossa outra metade, o ser amado. Entretanto, muitas vezes, para que se encontre a pessoa especial, nós passamos por diversos relacionamos com várias pessoas. Esses tipos de relacionamento vão ser caracterizados pela estrutura de amor que Giddens (1993) vai denominar de amor confluente.

2.2.4 O amor confluente: a possibilidade de vivermos vários amores

A possibilidade de vivenciarmos muitos amores ao longo de nossa existência é uma das características do que se chama o amor confluente. Nesse modelo, o relacionamento vai ser mais importante do que o indivíduo. “Quanto mais o amor confluente consolida-se em uma possibilidade real, mais 46 se afasta da busca da “pessoa especial” e o que mais conta é o “relacionamento especial”.” (GIDDENS, 1993: 72).

Esse modelo de amor vai entrar em conflito com a principal característica do amor romântico, que é a busca pela pessoa única, pelo ser amado. Neste sentido, Giddens (1993) afirma que “diferente do amor romântico, o amor confluente não é necessariamente monogâmico, no sentido da exclusividade sexual [...]. A exclusividade sexual tem um papel no relacionamento até o ponto em que os parceiros a considerem desejável ou essencial.” (GIDDENS, 1993: 74).

Ortega (2006) também levanta essa questão quando atesta para a possibilidade de um relacionamento amoroso acabar e ser substituído por outro. Para ele, os vários problemas enfrentados pelo casal, como a ausência do ser amado, pode diminuir o “volume” do amor até o seu desaparecimento.

O modelo de amor confluente vai buscar uma lealdade, sem ser necessário uma exclusividade ou uma fidelidade. “A fidelidade não tem razões – ou então não é- como tudo que encerra uma possibilidade de grandeza.” (ROUGEMONT, 2003: 409). Além disso, esse tipo de relacionamento “pressupõe uma abertura em relação ao outro, uma igualdade na doação e no recebimento emocionais, durante o período em que os parceiros desejarem”. (SIMÕES, 2005) 27 .

Os elementos presentes no amor confluente podem ser encontrados em diversas tramas telenovelísticas. Nas telenovelas de Manoel Carlos, por exemplo, as protagonistas (Helenas) são mulheres que já viveram inúmeros relacionamentos amorosos. Em Laços de Família (2000), por exemplo, Helena viveu um grande amor de adolescência com seu primo Pedro, casou com outro, namorou vários homens, inclusive Edu que era bem mais novo que ela, depois reencontrou Pedro e terminou a novela nos braços do seu melhor amigo e confidente Miguel. Em Por Amor (1997), Helena vai ser uma mulher divorciada que já teve diversos namorados e que reencontra o amor nos braços

27 Simões, Paula Guimarães. Representações do amor no diálogo entre ficção e realidade:telenovela e sociedade brasileira. Trabalho apresentado no Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Uerj – 5 a 9 de setembro de 2005.

47 de Atílio, homem sedutor que ao longo da trama também se envolveu com diversas mulheres.

Os relacionamentos baseados nos ideais do amor confluente vão ter a durabilidade dos benefícios adquiridos pela relação, ou seja, “é a aceitação, por parte de cada um dos parceiros, ‘até segunda ordem’, de que cada um obtenha da relação benefício suficiente que justifique a continuidade”. (GIDDENS, 1993: 74).

Por conta dos elementos que compõe o modelo de amor confluente, este vai entrar em choque com os ideais buscados pelo casamento. Mas, isso não exclui, totalmente, este modelo das relações matrimoniais.

2.2.5 O amor conjugal: da caridade à legitimação da paixão

Quando falavam de amor no casamento, os teólogos preferiam tratar de Deus, da caridade e, certamente, dos atos. (VAINFAS, 1988: 50).

Durante séculos, casamento e amor foram tidos como relacionamentos incompatíveis, um excluía o outro. As relações matrimoniais eram realizadas através de acordos econômicos. As famílias eram as responsáveis por escolher os noivos. “O casamento é uma instituição básica para a transmissão do patrimônio, sendo sua origem fruto de acordos familiares e não da escolha pessoal do cônjuge.” (PRIORE, 2006: 27).

A Igreja pregava que o relacionamento ideal que deveria existir entre marido e mulher era o da amizade, da caridade. Além disso, as relações sexuais eram restritas à procriação. “O amor no casamento só era, assim, “verdadeiro” quando submetido à disciplina da continência.” (VAINFAS, 1988:50).

Como o desejo e o prazer dentro do casamento eram proibidos, não existia amor e nem paixão entre os casados. “Na visão da Igreja, não era por amor que os cônjuges deviam se unir, mas sim por dever; para pagar o débito 48 conjugal, procriar e, finalmente, lutar contra a tentação do adultério.” (PRIORE, 2006:28). Por conta disso, as relações de paixão eram realizadas à margem do casamento, sendo assim consideradas como ilícitas, ou de luxúria.

Nesse sentido, Ortega compactua com essa visão e, para ele, o amor matrimonial é mais um sentimento de simpatia e estima. Quando escreve sobre esse tipo de relacionamento, Ortega (2006) o descreve como uma relação de carinho, não possuindo o encantamento e o arrebatamento do amor de enamoramento (amor romântico), por exemplo. Ele o define como adesão e fidelidade ao parceiro.

Esse ideal de casamento, no qual o amor era excluído, durou até o século XVIII, quando entra em cena os ideais do romantismo, que tinha como uma de suas principais características a valorização das emoções . Com isso, a sociedade burguesa passa a dar maior importância para as relações familiares e, com isso, exigiu-se uma aproximação maior entre marido e mulher. “No início do século XVIII, no entanto, nas elites sociais, nota-se uma certa aproximação entre amor e casamento” (LÁZARO, 1996: 156). Mas, esse amor, que começava a fazer parte dos casamentos, não podia ser excessivo, apaixonado, tinha de ser razoável, sensato e contido.

É somente com o nascimento do amor romântico, em meados do século XIX, que o casamento com amor se torna quase que uma obrigatoriedade. O casamento torna-se, assim, uma legitimação do amor romântico. Quando os apaixonados de conhecem e enfrentam todos os obstáculos para ficarem juntos, a realização desse amor será marcada pelo casamento.

Com as transformações vividas pela sociedade, tanto no campo da economia, da urbanização como no campo do social, o que se busca cada vez mais é o prazer, a liberdade de escolha e com isso a liberdade sexual. Hoje em dia, homens e mulheres possuem um tratamento similar, ambos os sexos buscam, acima de tudo, o prazer, a realização de seus desejos. “O casamento fundado sobre o amor, não é mais obrigatório e ele escapa às estratégias religiosas ou familiares; o divórcio não é mais vergonhoso e os cônjuges têm o mesmo tratamento perante a lei.” (PRIORE, 2006:312). 49

Apesar da atual fragilidade do casamento, ele continua sendo, na maioria das vezes, o regulador, o legitimador, a expressão maior do sentimento dos apaixonados. E, no caso do Brasil, as telenovelas, produto cultural de maior importância, vão ser as responsáveis por divulgarem o ideal de que o casamento é o ápice da realização do amor. Essa relação entre amor e casamento é, muitas vezes, mostrada nas telenovelas de forma ambígua. Ao mesmo tempo em que o casamento aparece como ápice da relação amorosa, ele também é mostrado como instituição desgastada que leva à morte dos relacionamentos amorosos. Os casais que iniciam a novela casados passam sempre por crises e muitas vezes se separam. Não é comum vermos nas telenovelas a história de um casal casado há muitos anos felizes. Mas, ao mesmo tempo, o capítulo final da trama é recheado de casamentos. Em Laços de Família (2000), por exemplo, o casal Fred e Clara é casado e vive uma crise conjugal. No decorrer da trama, são mostradas as dificuldades do casamento deles até a separação. No final, cada um se casa de novo e refaz sua vida. Fred casa com seu antigo amor Capitu e Clara se casa com um milionário. Nessa trama, também há a presença de outro casal que vive uma crise, mas que a supera e terminam juntos no final: Alma e Danilo. Apesar de mostrar o desgaste nos casamentos, o último capítulo mostra que todos encontraram sua “alma gêmea” e viveram felizes para sempre. Não deixando de mostrar que o auge do amor é o casamento.

É claro que casamentos felizes e amor conjugal acontecem. Quando existem, eles se estabelecem a partir de um amor tranqüilo que às vezes nem é, de início, recíproco. O grande amor de um dos cônjuges pelo outro acaba não seduzindo-o, mas convencendo-o, cativando-o, e marido e mulher se amam então para sempre. (MEYER, 1996: 251)

Nas telenovelas, esses modelos de amor estarão sempre presentes, mas o que vai mudar de uma história para outra é a forma com que eles vão aparecer. Em uma novela das vinte horas, por exemplo, que aborda temas e situações do cotidiano dos brasileiros, como se dará a representação desses 50 modelos e como eles serão inseridos na construção que é feita do cotidiano ou do “real” pela ficção 28 ?

28 Esse assunto será melhor discutido no próximo capítulo, no qual iremos analisar como se dá a inserção no cotidiano dos modelos de amor presentes nas telenovelas. 51

CAPÍTULO III O amor retratado no cotidiano ficcional

Assim, uma história de amor (romantismo) corre em paralelo com o desenvolvimento de temáticas sociais (realismo) pinçadas na dinâmica da vida social como questões às vezes embrionárias e nebulosas, marginalizadas como tabus, objetos de proscrição e silêncio, ou difusas como mitos nascentes, objetos de temor, enlevação, encantamento e perplexidade. (IMMACOLLATA, 2004)

A telenovela, apesar de, cada vez mais, ser uma crônica do cotidiano, tem como foco principal o encontro amoroso. As histórias de amor mostradas pelas telenovelas mesclam elementos do cotidiano e os que compõem os modelos de amor conhecidos e reconhecidos pela sociedade. “A maioria das telenovelas mostra temas sobre família e amor dentro de um stress urbano.” (LOPES, 2004:96). As telenovelas apresentam tramas que revelam infinitos amores: impossíveis, secretos, amores que vão além da vida. As histórias de amor veiculadas pelas telenovelas vão despertar os mais variados sentimentos nos telespectadores. Eles vão acompanhar diariamente os encontros e desencontros dos casais, torcer pela união deles e se emocionar até o final da trama, quando depois de superados todos os obstáculos os personagens viverão felizes para sempre. Independente do período histórico que a telenovela vai retratar, as histórias de amor sempre estarão presentes. Atualmente, há uma tendência a criação de tramas que aproximam cada vez mais ficção e realidade. Com isso, os telespectadores vão se identificar com as situações vividas pelas personagens e, buscar na “vida real” amores semelhantes aos mostrados nas telinhas. Os elementos base dos modelos de amor construídos pelas telenovelas tendem a se repetir, mas o que vai mudar de uma história para outra é como esses modelos vão aparecer, como as personagens vão viver esse sentimento. Se os elementos se repetem, quais são eles? Como eles serão inseridos nas tramas das telenovelas? Como os autores de telenovelas 52 se utilizam desses elementos para construir suas tramas e como eles são inseridos no cotidiano ficcional que eles retratam?

3.1 Manoel Carlos: o cronista do cotidiano

As telenovelas exibidas no chamado horário nobre, das 20 horas, são as grandes campeãs de audiência. Milhares de brasileiros param e se juntam para acompanhar o desenrolar da “novela das oito”. O desfecho dos personagens é acompanhado com fidelidade pelos telespectadores. Um dos mais expressivos nesta área é, com certeza, Manoel Carlos. As novelas de Manoel Carlos, nos últimos anos, têm se apropriado da estratégia do merchandising social para compor suas tramas. No entanto, diferente de alguns autores como que traz, sempre, histórias de suspense, de assassinatos misteriosos, e de Glória Perez que focaliza temas polêmicos como a clonagem humana 29 e o transplante de órgãos 30 ; Manoel Carlos tem como característica principal colocar seus personagens em situações corriqueiras como trabalhar, andar no calçadão do , visitar um amigo, além de utilizar de diálogos coloquiais sobre assuntos do dia a dia. “Na novela, gosto de tratar desse dia-a-dia frugal, trivial, que acontece na vida de todos nós.” (Manoel Carlos in Memória da Globo, 2008: 110). Apesar de retratar esse universo do cotidiano, o autor sempre traz em suas tramas questões sociais. Elas possuem grande destaque na história e são responsáveis por algumas campanhas nacionais, como, por exemplo, a de doação de medula óssea iniciada paralelamente a exibição do drama vivido pela personagem Camila em Laços de Família (2000). A diferença de estilos entre os autores, na telenovela brasileira, reflete uma especificidade estrutural que só é comente no Brasil, o princípio da autoria. Este princípio desconstrói o estereótipo de que a telenovela é um produto cultural padronizado e serializado. De fato, a criatividade dos autores é

29 O Clone (2001/2002) 30 De Corpo e Alma (1992/1993) 53 um dos elementos que mais se destacam na telenovela brasileira. Como bem lembra Nogueira (2002): Observando-se a tensão entre criar e seguir regras dessa indústria, constata-se que, mesmo numa produção serializada e estandardizada, a criatividade exerce alguma força e ocupa um espaço. (NOGUEIRA, 2002: 137)

O autor de uma produção, qualquer que seja ela, é aquele que faz o ato de produzir, que cria que inventa. O autor de uma telenovela é o responsável por criar a trama e seus personagens e, é também, responsável pelo sucesso ou fracasso de sua obra. Através de suas histórias e de seus personagens, o autor passa para o telespectador alguns de seus valores, pensamentos ou idéias a respeito de acontecimentos do mundo e das relações interpessoais. “Ao organizar os elementos ficcionais, o autor está comunicando ao público seu ponto de vista sobre determinados temas, além de simplesmente contar uma história.” (PALLOTTINI, 1998; 177). Neste sentido, diálogos simples, situações corriqueiras que se apresentam no cotidiano de qualquer brasileiro e a abordagem de questões sociais são alguns dos elementos que caracterizam as obras de Manoel Carlos, que desde a década de 90, aparece como um dos grandes nomes em termos de autores de telenovelas. “Os autores, por sua vez, acabam desenvolvendo determinado tipo de estrutura narrativa e caracterizando-se por um determinado gênero de telenovela, se é que se pode dizer que existem gêneros definidos dessa forma de narrativa.” (COSTA, 2000: 169) Manoel Carlos nasceu em São Paulo no ano de 1933. Começou sua carreira como ator, depois passou pela direção e pela produção de programas variados como: a Família Trapo (humor) e Brasil 60(show), ambos pela TV Tupi. Em 1972, é contratado pela TV Globo para dirigir o programa Fantástico . Em 1978, o autor faz sua estréia como escritor de telenovelas com Maria, Maria e, no mesmo ano, escreve A Sucessora , grandes sucessos no horário das dezoito horas. Mas, foi a década de 90 que o consagrou como escritor do horário nobre. O cotidiano carioca, as relações familiares e a busca pelo amor romântico marcaram os sucessos dessa época. São eles: Felicidade (1991), História de Amor (1995) e Por Amor (1997). 54

Nos anos de 2000 e 2003, o autor escreveu dois grandes sucessos do horário nobre: Laços de Família e Mulheres Apaixonadas , respectivamente. A burguesia carioca e seu cotidiano é o grande fio condutor de suas telenovelas. Nessas tramas, o autor debate temas como o alcoolismo, a infidelidade, o homossexualismo, o casamento por interesse, os conflitos familiares e a eterna busca pelo amor. “Por isso, uso os elementos do dia-a-dia nas minhas novelas. Isso aproxima muito o telespectador da trama.” (Manoel Carlos in Memória da Globo, 2008: 109). O amor retratado nas telenovelas de Manoel Carlos possui características que estão presentes em todas as suas obras como, por exemplo, para o autor, o verdadeiro amor só é encontrado quando a personagem amadurece. Os modelos de amor são construídos através de personagens que já possuem certa estabilidade. É raro ver em suas obras, modelos de amor construídos por personagens adolescentes e imaturas. O autor tem como uma das principais características o retrato do universo feminino. Suas personagens principais são, geralmente, mulheres simples, mas batalhadoras e que estão à procura de um grande amor. Através de perfis femininos, o autor apresenta questões que fazem parte do cotidiano de todos, homens e mulheres. As mulheres são as grandes personagens das histórias do autor. “Onde está a mulher, a meu ver, estão duas coisas contraditórias, mas não são: a paixão e o equilíbrio.” (Manoel Carlos in Memória da Globo, 2008). Essas características se devem ao fato de que, ainda hoje, apesar do aumento da audiência masculina, a audiência feminina é bastante superior. Além disso, as mulheres são as grandes responsáveis pelo consumo do amor, ou seja, de produtos da indústria cultural que tenham como foco esse sentimento. As mulheres vão estar mais sujeitas a se envolver emocionalmente nas tramas das telenovelas via questões amorosas. “Agora, o universo feminino está sempre presente no meu trabalho porque sempre achei, e continuo achando, como muitas pessoas que a mulher move o mundo.” (Manoel Carlos in Memória da Globo, 2008: 88). Em 2006, a TV Globo exibiu a telenovela Páginas da Vida que leva a assinatura de Manoel Carlos. Nessa obra, mais uma vez, o autor retrata o cotidiano dos brasileiros, através do universo feminino, das relações familiares, dos diálogos simples e da inserção de campanhas sociais. E por fim, em 2009, 55 o autor assinou sua mais recente obra Viver a Vida . Mas, apesar do destaque dado às questões sociais como a inclusão social de pessoas com Síndrome de Down e das dificuldades enfrentadas pelos deficientes físicos respectivamente, o foco principal dessas narrativas é a busca pelo amor, pelo companheiro ideal e pela felicidade plena que só pode ser alcançada através da realização e da concretização do verdadeiro amor.

3.2 As novelas de Manoel Carlos: A vida imitando a arte ou a arte imitando a vida?

A novela é uma ficção, um modelo, um exemplo ou uma série de metáforas sobre alguns aspectos da vida cotidiana. (ALMEIDA, 2003).

As telenovelas que levam a assinatura de Manoel Carlos são facilmente identificadas pelo público. O autor mantém, sempre, em suas obras suas principais características: histórias ambientadas no Rio de Janeiro, no Leblon; conflitos familiares; questões sociais, como a Síndrome de Down e o alcoolismo; e o cotidiano e as situações corriqueiras como elementos chaves; e a eterna busca pelo amor, pelo companheiro ou companheira ideal motivando a conduta de todas as personagens. As protagonistas são sempre personagens femininas, são mulheres fortes, humanas, que lutam pela felicidade. São as Helenas: “É nome de mulher que erra, cai, tropeça, cai, mas sempre se ergue e segue adiante.” (Manoel Carlos in Memória da Globo, 2008: 107). Para ele, essas personagens não devem ser perfeitas, sem defeitos, pelo contrário, são personagens humanizadas que vivem conflitos semelhantes aos vividos pelos telespectadores. Aproximando assim, os telespectadores das personagens. Além disso, podemos perceber que a visão de mundo maniqueísta presente na maioria das telenovelas, é de certa forma suavizada nas novelas do autor. As vilãs e os vilões possuem características boas e más. “Nenhum ser humano é 100% mau. As pessoas têm maldade ou são más, mas com rasgos de 56 generosidade, bondade e compreensão.” (Manoel Carlos in Memória da Globo, 2008: 89).

Apesar do destaque dado às questões sociais, o amor é o tema central das histórias. Ao longo das narrativas, vários casais se conhecem, se apaixonam, se separam e lutam para que, no fim, eles possam ficar juntos. Todos os núcleos de suas tramas, sejam eles principais ou secundários, são movidos pela busca incessante do amor. Assim creio que, semelhante a Janete Clair, Manoel Carlos se utiliza do realismo emocional para dar o “tom de suas obras”. No entanto, este realismo emocional não pode existir, na atualidade, desvinculado das questões do cotidiano. Como lembra Andrade (2003), “Esta capacidade de exacerbar emoções decorre, em parte, do fato de que a telenovela é uma dramatização e representação da vida cotidiana com todos os seus problemas, conflitos, resoluções e comportamentos.” Nesse sentido, o autor cria suas tramas sempre aproximando ficção de realidade. É comum, observarmos em suas novelas, diálogos e situações que remetem a algum evento ou acontecimento do “mundo real”. Como por exemplo, em Por Amor (1997), na cena em a personagem Lídia, dona de um salão de beleza, conversa com seus empregados sobre a reforma da previdência social, ou sobre a questão segurança no Rio de Janeiro. Além disso, não podemos esquecer das campanhas sociais presentes nas telenovelas do autor e que ao longo dos anos tornaram-se uma marca de suas tramas. Como, por exemplo, em História de Amor (1995) onde o autor abordou, pela primeira vez em suas tramas, o merchandising social , trazendo à tona uma personagem com câncer de mama .

Procuro pegar um dado real e confrontá-lo com a fantasia, ficcionando essa realidade para que a história não seja apresentada de maneira tão crua. Meu trabalho, portanto, está entre o romântico e o realista. Digamos que eu faço ou tento fazer um realismo poético. (Manoel Carlos in Memória da Globo, 2008: 103).

Nas telenovelas de Manoel Carlos, tudo serve de inspiração para o autor compor suas tramas, desde uma situação do dia a dia até alguma notícia de 57 jornal que conte uma história interessante. São tramas acompanhadas diariamente pela população e que escapam da televisão e invadem outros meios como a internet, programas de rádio, televisão e de auditório, além de jornais e revistas. Durante o desenrolar da história, outras mídias se alimentam de questão levantadas nas tramas e também dão ingredientes para o desenvolver da narrativa, fazendo com que ficção e realidade caminhem juntas. As obras de Manoel Carlos podem ser divididas em duas fases: as novelas exibidas às 18h ( Maria Maria e a Sucessora , ambas de 1978; Felicidade de 1991 e História de Amor de 1995), e as novelas exibidas no horário nobre, às 20h: Por Amor (1997), Laços de Família (2000), Mulheres Apaixonadas (2003), Páginas da Vida (2006) e Viver a Vida (2009). Para o nosso estudo só utilizaremos as novelas exibidas às 20h, pois são as que possuem uma maior e mais diversificada audiência. Além de um maior destaque na mídia em geral.

Por Amor

Exibida em 1997, no horário das 20h, Por Amor marcou a entrada Manoel Carlos no horário nobre da Rede Globo. A trama principal girava em torno da história do amor incondicional de uma mãe por sua filha. Helena e sua filha Maria Eduarda engravidam e dão a luz no mesmo dia, Eduarda tem complicações no parto e perde o útero, em seguida, o seu bebê morre. Helena decide trocar o seu filho vivo pelo filho morto de Eduarda. A troca dos bebês só vai ser descoberta no final da novela. A trama de Manoel Carlos apresentou, ainda, o drama dos alcoólicos através do personagem Orestes, que passa a trama lutando contra o vício. Além disso, a novela apresentou as marcas de autoria do autor: situações corriqueiras, trama ambientada nos bairros cariocas do Leblon e da Barra da Tijuca, universo visto sob o olhar feminino, diálogos simples misturando ficção e realidade; destaque às questões sociais como o alcoolismo e o desrespeito aos trabalhadores da terceira idade. A trama possuía, ainda, um núcleo que estava ambientado em Niterói – RJ. Através de inúmeros casais, Manoel Carlos mostrou que o amor vence qualquer barreira. Ciúmes, diferenças sociais e culturais, obstáculos do acaso 58 ou provocados pelos vilões nada disso impediu que os casais se encontrassem e vivessem plenamente suas histórias de amor.

Laços de Família

Uma notícia publicada em um jornal sobre uma mãe que engravidou para salvar a filha que tinha leucemia foi o mote inicial para Manoel Carlos escrever sua segunda novela do horário nobre: Laços de Família . A trama ambientada, mais uma vez no Leblon, contou a história de Helena que se apaixona por Edu, um rapaz 20 anos mais jovem, mas abre mão desse amor em nome da filha, Camila. Mais uma vez, a Helena de Manoel Carlos se mostra como uma mãe que possui um amor incondicional pelos filhos, sendo capaz de abrir mão da própria felicidade. Além de desistir de seu amor, Helena vai engravidar de Pedro, pai de Camila, para tentar salvar a filha que está com doente. A história da luta de Camila para se curar da leucemia rendeu à TV Globo o prêmio Global Leadrship Award de 2001, o mais importante prêmio de responsabilidade social do mundo. Além disso, o número de doadores de medula óssea no Brasil, aumento depois que a trama passou a veicular o drama das pessoas que sofrem com o câncer 31 . Apesar do grande destaque dado à questão da leucemia, da aproximação de ficção e realidade, essa trama de Manoel Carlos trouxe, acima de tudo, histórias de amor. Vários casais se encontraram e reencontraram ao longo da história. Com doses de romance folhetinesco, a história de amor da prostituta Capitu e do filho mais velho de Helena, Fred, caiu nas graças do público. A estudante se prostituía para sustentar os pais e o filho. No decorrer da novela, ela é perseguida e chantageada e pelo ex-namorado pai de seu filho e por um cliente. No final da trama, Capitu deixa de ser prostituta, se casa, engravida e vai viver feliz para sempre ao lado de Fred, seu amor de adolescência. Além desse casal, Camila e Edu, depois de travarem uma luta contra a leucemia, vão viver felizes para sempre. Helena também vai ter o seu final feliz ao lado de Miguel, seu grande amigo e companheiro.

31 Segundo o Instituto Nacional de Câncer, o número de doadores cadastrados de medula óssea saltou de 10 por mês para 149 durante o período de exibição da novela. (MAIOR, 2006) 59

Laços de Família foi exibida às 20h, em 2000.

Mulheres Apaixonadas

Como o próprio nome da novela diz, a trama de Manoel Carlos vai apresentar diversas histórias de amor sob a ótica feminina. Mulheres Apaixonadas , exibida pela Rede Globo em 2003, às 20h, mais uma vez, fez uma crônica da realidade e trouxe as relações amorosas como centro desta narrativa. Dessa vez, a personagem Helena está dividida entre o seu casamento com o músico Téo e o desejo de viver uma nova paixão. Esse desejo torna-se incontrolável quando ela reencontra sua antiga paixão, o neurocirurgião César. A partir daí, Manoel Carlos vai mostrar os conflitos vividos por ela até a escolha final, quando ela escolhe César e casa-se com ele. Heloísa, irmã de Helena, vive um tumultuado casamento com Sérgio. Crises de ciúmes e supostas traições levam Heloísa a atacar o marido com uma faca. A personagem passou a freqüentar o grupo de apoio Mulheres que Amam Demais (MADA). Histórias de amor não faltaram em Mulheres Apaixonadas : padre que abandona a batina para viver um grande amor, mulher mais velha que se apaixona por um jovem, amor entre duas mulheres, traições. A trama estava recheada de ingredientes para prender o telespectador na frente da telinha. Além disso, para aproximar ainda mais ficção e realidade, a abertura da novela mostrava fotografias de pessoas reais em situações corriqueiras. As fotos eram enviadas pelos telespectadores e eram postas na abertura da trama. A trama mostrou também o drama de uma mulher que era espancada pelo marido. A professora de educação física Raquel sofria agressões físicas e psicológicas constantemente nas mãos do marido Marcos. Essa trama serviu para levantar a questão do combate à violência contra as mulheres Além dessa questão social, o desrespeito aos idosos também teve destaque na trama. O autor contou também a luta de Hilda, irmã mais velha de Helena, contra o câncer de mama.

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Páginas da Vida

Escrita por Manoel Carlos e exibida às 20 horas, Páginas da Vida (2006) fez parte do cotidiano dos brasileiros por quase de dez meses. Nessa narrativa, as personagens que compõem a trama mais uma vez, são moradores do Leblon, bairro carioca, de classe média e classe média alta e as situações que eles vivem poderiam ser, segundo o conceito aristotélico 32 , vividas por “qualquer pessoa”. Páginas da Vida trouxe um novo elemento que não estava presentes em outras obras do autor. A cada final de capítulo, aparecia um depoimento de uma pessoa da “vida real” que descrevia uma situação que marcou a sua vida, seja essa situação alegre, triste ou inesperada e que tenha tido semelhança com algum tema que estava sendo abordado pela telenovela. Com isso, o autor aproxima realidade e ficção, legitimando uma situação vivida por um personagem e mostrando que aquela situação é vivida, também, fora das telas da televisão, obedecendo e expondo claramente o princípio da possibilidade. Nesta óptica, são esses sentimentos despertados nos telespectadores, ou seja, o engajamento emocional, que irão aproximá-los da narrativa ficcional, que farão com que um personagem ou outro cai nas graças do público. A trama de Páginas da Vida girava em torno do dia a dia dos personagens de diferentes classes sociais e idades e tinha como eixo principal a discussão sobre a síndrome de Down . Helena é uma médica que socorre às pressas a jovem Nanda, grávida de gêmeos, após ela ser atropelada. Nanda dá a luz a um casal de gêmeos, a menina é portadora da síndrome de Down e, por conta disso é entregue à adoção pela avó após a morte de Nanda. Nanda havia sido abandonada pelo pai das crianças que só fica sabendo do nascimento delas cinco anos depois. Além de dar destaque à discussão da inclusão de pessoas portadoras da síndrome de Down , Páginas da Vida contou a história de diversos casais que enfrentaram as dificuldades impostas pela vida e viveram felizes para sempre. Ao longo da trama, acompanhamos casamentos desfeitos e refeitos,

32 Aqui, a telenovela constrói uma grande liberdade imaginária na qual o princípio democrático está presente. Todos podem passar por qualquer tipo de situação, independente da classe social, da origem, da religião, da etnia, da geração e do gênero. 61 novos encontros, paixões avassaladoras, amor entre primos, a emoção do primeiro amor. Enfim, todos os ingredientes para se construir variadas tramas que tenham como temática principal o amor e suas diferentes formas de ser vivido.

Viver a Vida

O mais recente trabalho de Manoel Carlos marcou a estréia de uma Helena diferente: negra e jovem. Helena é uma modelo que se envolve com o sedutor Marcos, ex-marido de Thereza e pai de Luciana, Isabel e Mia. Helena e Marcos se casam e vivem um casamento cheio de conflitos e traições por parte dele. O acaso coloca Helena e Luciana, filha mais velha de Marcos e também modelo, em uma viagem de trabalho para Petra. Após uma discussão com Helena, Luciana sofre um grave acidente e fica tetraplégica. A partir daí, Manoel Carlos coloca em discussão a questão da inclusão de pessoas com deficiência física. Luciana, depois de sofrer para se adaptar a sua nova situação, vai reencontrar a felicidade ao lado do médico Miguel, irmão gêmeo de seu ex-namorado Jorge. Além dessa discussão social, Manoel Carlos insere o drama da personagem Renata que sofre de um tipo de bulimia, a drunkorexia , quando a pessoa substitui comida por bebida alcoólica. A trama de Viver a Vida é recheada de doses de realismo, típica das telenovelas que levam à assinatura de Manoel Carlos. A história se passa, mais uma vez, no Leblon. As personagens são colocadas, diariamente, em situações rotineiras que qualquer um de nós poderia viver: são flagradas andando no calçadão, indo à praia, fazendo compras, conversando sobre a vida. É nesse cenário de realismo que as histórias de amor ocorrem. Com o desenrolar da trama, as histórias de amor vão acontecendo sempre pinceladas pelo cotidiano que o autor cria. A protagonista Helena luta para manter seu casamento com Marcos, apesar das diferenças que existem entre eles. Mas, as traições do marido levam Helena a se separar. das modelos para Petra vai servir como um marco na história. Além do acidente que muda a condição de vida de Luciana, Helena conhece o fotógrafo Bruno com quem mais tarde vai viver uma história de amor com direito a 62 casamentos e filhos. Podemos ainda citar o amor como uma força capaz de superar todas as barreiras sociais. Sandrinha, irmã de Helena vai se envolver com Bene, um rapaz morador da favela. Com esse casal, Manoel Carlos demonstra que o amor superar qualquer barreira. Além disso, um elemento comum na construção das histórias de amor e que também esteve presente na trama em questão foi o triângulo amoroso. Através dos personagens Gustavo, Betina e Malu, o autor levantou a questão da fidelidade conjugal. Os casais que foram se formando ao longo da trama vão se casar nos capítulos finais. Todos encontram sua alma gêmea e vão viver felizes para sempre.

3.3 Os amores de Manoel Carlos

Se acompanharmos as imagens com as quais se tentou apreender a natureza do amor, vamos perceber que a ele se confere um atributo e uma propriedade: uma força capaz de superar limites, um vigor que organiza o mundo e conduz os homens. (LÄZARO, 1996: 17)

Assim como, na maioria das telenovelas, as obras de Manoel Carlos não possuem uma única estrutura de modelo sobre o amor. Além disso, os elementos presentes nessas estruturas vão ser inseridos dentro do dia-a-dia das personagens. Apesar dos elementos não serem os mesmo para todas as personagens, a força do amor, do sentimento que surge entre duas pessoas vai, sempre, aparecer como uma atração involuntária e transformadora. Somente o amor é capaz de transpor barreiras, anular diferenças sociais e enfrentar os obstáculos que surgem no decorrer da trama. Para entendermos como Manoel Carlos insere os elementos dos modelos de amor presente ao longo dos séculos no cotidiano ficcional criado em suas tramas e a partir daí constrói e reconstrói suas histórias de amor, selecionamos suas três mais recentes obras: Mulheres Apaixonadas (2003), Páginas da Vida (2006) e Viver a Vida (2009).

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3.3.1 Mulheres Apaixonadas

“Apresenta-se como um enigma e nunca se deixa decifrar inteiramente.” (MILAN, 1983: 12)

O Amor e seus vários conceitos e formas de ser sentido. A cena inicial de Mulheres Apaixonadas é marcada por uma conversa entre as três irmãs Hilda, Helena e Heloísa sobre a idéia que cada uma tem a respeito do amor. Helena, acha que o amor é eterno enquanto dure; já a mais velha Hilda, afirma que o amor requer uma luta diária para que ele dure bastante e a mais nova Heloísa diz que se deve amar para valer, a entrega deve ser total e absoluta por parte dos dois, para ela é tudo ou nada. A partir daí, temos uma prévia de que a novela irá abordar esse sentimento sob diferentes pontos de vista, tendo o universo feminino como foco. Helena inicia a história reclamando da estabilidade emocional e da rotina que o seu casamento se tornou. Ela diz estar com vontade de se apaixonar de novo, de preferência pelo homem errado, pois segundo ela, são os mais interessantes. A Helena de Mulheres Apaixonadas é uma mulher que viveu muitos amores e não se conforma com a rotina em que seu casamento se tornou. “Se me caso por amor, logo me descaso – o amor se desgastou no cotidiano.” (MILAN, 1983: 61). O amor romântico vai marcar presença nesta trama e vai servir de inspiração para a história de diversos casais. A piscina de um colégio foi o cenário escolhido por Manoel Carlos para dar início à polêmica história de amor entre a professora Raquel e o estudante Fred. Eles se conhecem e se apaixonam, passam a dividir sonhos e angústias e muito amor. O estudante tem sua primeira noite de amor com a professora. O amor entre eles cresce a cada dia. Mas, com a chegada do ex-marido de Raquel, ela vai sofrer violência doméstica, perseguição e chantagem. Marcos vai infernizar a vida da ex- mulher até seqüestrar Fred e, ambos, morrerem em um acidente de carro. Dando fim a essa história de amor. “O amor torna-se, então, aquilo que interessa ao sujeito, em que ele está compreendido. Enquanto expressão do individual, o amor passa a ser percebido como desvinculado de qualquer 64 ordem, ele é o tudo ou o nada em que o sujeito se lança para firmar sua autonomia e independência.” (LÁZARO, 1995: 154). Os elementos do amor romântico também vão marcar a história de amor de Cláudio e Edwiges, em Mulheres Apaixonadas . Eles se conhecem no calçadão do Leblon, quando acidentalmente ele atropela um cachorro que ela cuida. Com a convivência, eles vão se apaixonando. Trocam beijos na piscina do colégio e são flagrados diariamente um pensando no outro. Mas, as diferenças entre eles vão servir de obstáculos para a concretização desse amor. Ela é virgem, casta e pobre, e ele moderno e de família tradicional. . Depois de superarem essas diferenças sociais e culturais, eles selam o seu amor com uma cerimônia de casamento. Seguida da primeira noite do casal repleta de velas, rosas e muitos beijos. “Um amor para o qual fluem secretamente nossos destinos, um amor que mobiliza as mais sutis sensações que nosso corpo é capaz de perceber e suscita as mais intensas representações que nossa alma pode imaginar.” (LÁZARO, 1996: 13). O amor como agente transformador marcará presença nesta trama. A milionária Estela vai largar a vida de luxo e riqueza para viver ao lado do seu grande amor, Pedro, que depois de não conseguir se livrar do amor que sente por ela, resolve largar a batina. A cena em que Estela larga tudo para viver com Pedro é como um renascimento para a personagem. Ela chega à casa de Pedro completamente nua e diz que não precisa de nada porque tudo que ela sempre quis está lá, ou seja, o amor. Nesse sentido, Stendhal (2007) afirma que a paixão é uma espécie de mudança de vida, é um novo começo. Para ele, entregar-se a paixão é pôr a felicidade na dependência do outro. Em Mulheres Apaixonadas , os casamentos mostrados no início da trama não resistiram aos conflitos, crises e traições. Ao longo da história, as brigas constantes com o marido levam Helena e o músico Téo a se separarem. Ela reencontrar o amor ao lado de seu ex-namorado César. O casamento do sedutor Diogo e da mimada Marina também não dura. Ele nutre uma paixão pela prima Luciana, e não consegue ser feliz ao lado da mulher. “Acabado o amor, muitos casais buscavam a separação.” (PRIORE, 2006: 302). A paixão da adolescência fala mais alto e o casal resolve se entregar a ela, deixando de lado todos os obstáculos que dificultavam esse amor. 65

Os capítulos finais de Mulheres Apaixonadas vão ser marcados pelos reencontros entre os casais. Depois de superadas as barreiras e os obstáculos, eles vão viver momentos de alegria e romantismo. Dois casamentos marcam o capítulo final da trama. O primeiro é o de Helena com o médico César, que depois de muitos desencontros resolvem dar mais uma chance ao amor. E o segundo é o do jovem casal Cláudio e Edwiges que superam as diferenças sociais e vão viver uma linda história de amor. A última cena da novela vai mostrar todos os casais que se formaram e, mais ainda, vai deixar subentendido aqueles que ainda vão se apaixonar.

3.3.2 Páginas da Vida

“O amor é o maior conflito e a melhor solução.” (LÁZARO, 1996: 214)

Logo no primeiro capítulo, vamos ver que as personagens passam por momentos marcantes e decisivos de suas vidas. Vários elementos que compõem os modelos de amor analisados anteriormente estão presentes: amor romântico, casamentos, divórcios etc. O sentimento que vai surgir entre Jorge e Simone vai ter o Cristo Redentor de cenário. Assim que se vêem, pela primeira vez, eles se apaixonam. “O ‘primeiro olhar’ é uma atitude comunicativa, uma apreensão intuitiva das qualidades do outro” (GIDDENS, 1993: 51). O amor à primeira vista, como o próprio nome diz, nascerá de um olhar, de uma atração instantânea. Esse tipo de construção traz elementos do amor romântico, pois o sentimento despertado é sublime, capaz de mudar o comportamento dos amantes. O relacionamento dessas personagens é um claro exemplo de amor à primeira vista, com todos os elementos indispensáveis para a construção desse modelo. “Ás vezes é suficiente um olhar, um intenso olhar retribuído, e os dois se compreendem” (ALBERONI, 1997: 143). Eles se encontram pela primeira vez no início da novela, mas uma viagem os separa. Somente cinco anos depois, eles se reencontram e começam a namorar. 66

Esse tipo de sentimento não vai ficar restrito a esse casal. Outro casal que se apaixonou à primeira vista foi Renato e Isabel. Ambos são fotógrafos, enquanto ela fotografa casamentos, o foco do trabalho de Renato está em questões humanitárias. No início, a atração mútua que surgiu entre eles se confunde com raiva, ódio. Mas, eles não conseguem ficar afastados. Nem mesmo o fato dele ser casado e de ter passado cinco anos morando em Londres, esfriou a paixão. Isabel não se conforma de estar apaixonada por um homem casado, se pergunta a todo o momento como deve agir. “CONDUTA. Figura deliberativa: o sujeito apaixonado se coloca, angustiadamente, problemas de conduta, geralmente fúteis: diante de tal alternativa, o que fazer? Como agir?” (BARTHES, 1991: 52). Apesar de negarem a paixão existente entre eles, o amor cresce a cada dia. Outra personagem que vive uma situação marcante em sua vida é Olívia que está organizando o seu casamento com o militar Sílvio, apesar de possuírem idéias bem diferente sobre relacionamentos, enquanto Olívia prega a lealdade e não a fidelidade, Sílvio é mais disciplinado e conservador. Apesar disso, eles se casam apaixonados em uma cerimônia religiosa. Os sentimentos experimentados por Olívia vão ser compatíveis com os elementos do amor confluente, no qual a lealdade com o relacionamento é mais importante do que a fidelidade com o indivíduo. Outro exemplo claro de amor confluente vai ser o relacionamento de Ana e Miroel, casados há mais de dez anos, eles se separam para o amor não acabar. Apesar de separados, eles mantêm um relacionamento amoroso. Na trajetória da médica Helena, vemos que ela viveu muitos amores: Diogo, seu colega de faculdade; seu ex-marido com quem teve uma filha que morreu; e seu atual marido, Greg. No início da história, Helena conversa com sua melhor amiga Selma e reclama da distância do marido, da falta de interesse dele com ela. Nesse momento, ela descobre que o marido a traía com Carmem e, por conta disto, eles se separam. Outro casal que inicia a novela junto, mas separa-se logo nos primeiros capítulos é o formado por Carmem e Bira. Carmem possui um relacionamento adúltero com o administrador das empresas de seu pai, Greg, que é casado com Helena. “A proporção de mulheres casadas há mais de cinco anos que têm encontros sexuais extraconjugais é, hoje em dia, 67 virtualmente a mesma que aquela dos homens” (GIDDENS, 1993:22). Quando o relacionamento de Carmem e Greg é descoberto, eles separam-se de seus cônjuges e acabam casando entre si. O casamento feliz e apaixonado dura cinco anos, na segunda fase da novela, Greg tem um relacionamento extraconjugal com Sandra. Como podemos observar, a maioria dos casais vive momentos decisivos, de encontros e separações. Na segunda fase, novas personagens apareceram e, com isso, novos encontros, desencontros e histórias de amor. A segunda fase da trama de Páginas da Vida vai ser marcada pelas crises nos casamentos, pelos obstáculos que as personagens enfrentam para encontrarem a felicidade ao lado da pessoa amada. Os casais formados na primeira fase passam por dificuldades de convivência o que acarreta em divórcios, separações. “Nenhum amor, sem excluir os mais tranqüilos e felizes, escapa dos desastres e desventuras do tempo” (PAZ, 2001: 188). Greg e Carmem, que na fase anterior passaram de amantes a marido e mulher, vivem uma crise no casamento. Carmem continua apaixonada pelo marido, mas este, que sempre foi o que Giddens (1993) denomina de garanhão, um homem que está preocupado acima de tudo com a conquista sexual e com o exercício do poder, tem um relacionamento extraconjugal com Sandra. Olívia e Sílvio também passam por um momento de crise no relacionamento. Mas, diferente do anterior, as brigas constantes são decorrentes das idéias “liberais” de Olívia. Para ela, amor não é sinônimo de fidelidade e sim, de lealdade. Essas discussões vão levar o casal à separação. Olívia vai encontrar um novo amor nos braços de Léo e Sílvio, nos da ex- cunhada Márcia. Nem o tempo e nem a distância diminuíram o amor entre os fotógrafos Renato e Isabel. Renato, que passou cinco anos morando em Londres, vive uma crise no seu casamento com Lívia e está disposto a se separar dela para viver ao lado de Isabel, que reluta em aceitar ser apaixonada por um homem casado. Mas, depois das investidas do fotógrafo, das declarações de amor, ela acaba cedendo e eles vão viver a concretização do amor com direito à casamento. 68

O tempo e a distância também foram os ingredientes utilizados para retardar e apimentar o amor entre Simone e Jorge. Quando Simone volta de viagem, cinco anos depois, eles se reencontram e iniciam uma história de amor. Jorge, que sempre sonhou em casar, ter filhos, acredita ter encontrado em Simone a mulher ideal para realizar os seus sonhos. Mas, Simone é uma mulher independente, que sonha, antes de tudo em ter uma carreira de sucesso. Por conta dessas diferenças de pensamentos, o casal começa a passar por crises. Essas crises vão ser agravadas com a chegada de Telma, filha dos empregados da casa de Jorge. Telma é uma moça cheia de virtudes, típica heroína de folhetins: virgem, linda e com muito caráter. Jorge se encanta pela moça e eles vão viver uma típica história de amor romântico, que acabará num casamento feliz e apaixonado.

O encontro deve ser um processo, onde vemos o herói e a heroína gradualmente superarem as intrigas, as desconfianças e as suspeitas, até atingirem a maturidade final e estarem aptos à recepção da recompensa de um final feliz, com direito a casamento católico, de véu e grinalda. (ANDRADE, 2003:85).

Outro casal que vai lutar contra as diferenças sociais para ficarem juntos são os adolescentes Fred e Kelly. Ele, filho de jardineiro, ela, uma garota fútil e mimada, filha de pai empresário. No começo, Fred esconde sua origem e se faz passar por neto de um milionário, que na verdade é o patrão de seu pai. Achando que Fred é rico, os pais de Kelly aceitam o relacionamento. Depois de alguns meses juntos, ela engravida e descobre a verdade sobre Fred. Apesar da oposição dos pais, ela aceita as origens do namorado e vai morar com ele e com o filho deles. O amor aparece, aqui, como agente transformador, superando barreiras e obstáculos. Em Páginas da Vida , o tema do primeiro amor também foi mostrado, através do casal Luciano e Gisele, ambos com15 anos. Vizinhos de porta, eles vivem uma história de amor pura, que vai crescendo pouco a pouco. O encontro, o primeiro beijo, a primeira relação sexual, tudo isso foi retratado na telenovela. No caso deste casal, o amor foi a força capaz de ajudar Gisele a superar a bulimia, um distúrbio alimentar que ela tinha desde os dez anos. 69

Depois de ter sido traída por Greg, Helena vai encontrar a felicidade nos braços de Diogo, seu antigo amor. Esse casal, acima de tudo, são amigos, companheiros. Eles são amigos-amantes. Depois de se reencontrarem e de iniciarem um novo relacionamento, Helena e Diogo vão encontrar a felicidade plena um nos braços do outro.

Existe também uma forma de amor que brota pouco a pouco do erotismo e da amizade. Um amor que não se apresenta como explosão inicial única entre dois desconhecidos, mas no qual as pessoas se encontram, primeiro, no terreno delicado da estima e da confiança recíproca. (ALBERONI, 1997: 177)

Outro exemplo de amor-amizade é o de Rafael pela prima Marina. Rafael é apaixonado pela prima desde o início da novela. Quando os pais dela se separam, ele torna-se o seu melhor amigo e fiel companheiro. O que ocorre neste caso é o que Alberoni (1997), denomina de amizade amorosa na qual um dos dois está apaixonado e o outro não. Todos na família conhecem os reais sentimentos de Rafael pela prima, menos ela mesma. Quando Rafael resolve se declarar para a prima, ela reluta em aceitar os sentimentos do primo, mas, depois, eles iniciam um namoro. A amizade e o amor são os ingredientes que também vão manter vivo o relacionamento de Ana e Miroel. Apesar de estarem separados, eles continuam apaixonados. O casal se encontra constantemente para “matar a saudade”, viaja junto e, continua comemorando os aniversários de casamentos. Depois de anos separados, o casal resolve se casar de novo. O final da trama terá faz um apanhado geral dos casais que se formaram. Todos acham a sua cara metade, sua alma gêmea. Casamentos selam o amor como felicidade suprema. Além disso, esse sentimento é mostrado sob o formato de diversas cenas de casais apaixonados. Para aqueles que são incapazes de amar, o castigo: a falta de amor.

3.3.3 Viver a Vida

“Portanto, não existe paixão, no sentido mais amplo, senão onde houver mobilidade, imperfeição ontológica.” (NOVAES, 2009: 13)

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Nos primeiros capítulos de Viver a Vida , vemos que a nova Helena de Manoel Carlos é diferente das passadas. Entra em cena uma Helena jovem e negra. Ela vai ser nascida e criada em Búzios, litoral do Rio de Janeiro e saiu de casa para se tornar uma top model de sucesso. No início da trama Helena conhece o sedutor Marcos. Apesar de conhecer o passado de Marcos, das traições sofridas pela ex-mulher Tereza, Helena se apaixona e eles resolvem se casar. “A paixão é sempre provocada pela presença ou imagem de algo que me leva a reagir, geralmente de improviso.” (NOVAES, 2009: 13). As personagens de Viver a Vida passam por um momento decisivo na trama. Todas têm suas vidas afetadas por um acidente que vai marcar o início de uma nova fase na novela. Durante uma viagem de trabalho, Helena e Luciana, a filha mais velha de Marcos, discutem e são postas em veículos diferentes. O ônibus derrapa e Luciana sofre um grave acidente que vai mudar para sempre a sua vida. A partir daí o autor vai narrar o dia a dia dos deficientes físicos: as dificuldades encontradas e os preconceitos. Além disso, Helena encontrará um novo amor nessa viagem: o fotógrafo Bruno. A atração entre os dois é imediata. Porém, Helena reluta em aceitar que esteja apaixonada por ele, já que continua casada com Marcos. No decorrer da trama, Helena e Bruno se aproximarão cada vez mais já que eles trabalham no mesmo meio e convivem diariamente. Depois do acidente de Luciana, Helena e Marcos vão ter brigas constantes por causa da carreira dela, pelas traições dele, e pelas dúvidas da culpa ou não dela no acidente da filha dele. Tudo isso vai provocar a separação do casal. “O amor não suporta a dúvida – a crença lhe é fundamental.” (MILAN, 1983: 20). Separada de Marcos, Helena fica livre para viver uma linda história de amor ao lado de Bruno, com quem ela se casa e tem uma filha no final da trama. “(...) o que hoje chamamos amor parece recobrir um sentimento, um movimento interior que justifica uma escolha presidida pelo afeto e que envolve sexo, prazer, exclusividade, casamentos, filhos e a duração do próprio sentimento: o verdadeiro amor não morre.” (LÁZARO, 1996: 15) Após sofrer um acidente e se tornar tetraplégica, Luciana vai, ao longo da trama, reaprendendo a viver com a sua nova condição física. A proximidade 71 dela com o médico Miguel, irmão gêmeo de seu namorado Jorge, vai fazer com que nasça um misto de amor romântico com amor-amizade. Juntos eles vão enfrentar os ciúmes de Jorge e o preconceito de Ingrid, mãe dele, que não aceita ver o filho casado com uma tetraplégica. “Nada desqualifica o amado porque sem ele, o amor fica sem objeto e o amante sem amor.” (MILAN, 1983: 32). A história de amor desse casal vai ser marcada por momentos de dúvidas, medos e incertezas: Será que eu o amo? Será que ela me ama? Nós conseguiremos ser felizes? Superaremos todos os obstáculos físicos e emocionais que aparecerem? É nesse sentido que Sthendal afirma que o amor necessita dessas dúvidas. “Será preciso, para que ele se prolongue nascer a dúvida, haver a frustração – e assim, na alternância de medos e esperanças, de fracassos e êxitos, é que irão ocorrendo sucessivas cristalizações, que dão seqüência ao amor apaixonado.” (NOVAES, 2009: 482). No final da trama, o amor deles resistiu a tudo, eles têm uma linda cerimônia de casamento e, meses depois, ela engravida e eles tem um casal de gêmeos. Em Viver a Vida , o casal que vai lutar contra as diferenças sociais e culturais para ficarem juntos será Sandrinha, irmã de Helena, e Bene. Mas, diferente das outras tramas, esse casal não terá o tão sonhado final feliz. Ele vai se envolver com o tráfico de drogas e será assassinado nos capítulos finais da trama. Assim como nas outras duas tramas, o final de Viver a Vida será marcado por casamentos, encontros e reencontros. O amor vence tudo.

3.4 Felizes para sempre!

“O amor é o maior conflito e a melhor solução.” (LÁZARO, 1996: 214)

Nos capítulos finais das três telenovelas analisadas, tudo se resolve. Os obstáculos que impediam os casais de viverem plenamente o amor desaparecem. Até o destino e o acaso tratam de unir os apaixonados. Quando 72 o amor ainda não apareceu, no final da trama, para as personagens merecedoras, ele aparece na forma do homem ou da mulher ideal. Pela estrutura narrativa que essas telenovelas possuem e que a aproximam do nosso cotidiano, os modelos de amor foram criados para que ao assistirmos uma cena nós nos identifiquemos com as personagens e com as situações vividas. É claro que na “vida real”, dificilmente, nós teríamos a chance de viver um amor tal qual ao retratado na trama. Mas, a partir do momento em que nós nos identificamos com as personagens e com os elementos que compõem o dia-a-dia delas, nós vamos crer que esse tipo de situação pode ocorrer conosco. Nas três tramas analisadas, o amor é a concretização da felicidade plena, é a recompensa a que as personagens vão ter acesso após passarem por inúmeras dificuldades. É o desejo de completude que as personagens buscam. Nenhuma personagem termina sozinha. Personagens surgem no último capítulo só para fazer par com alguém que estava só. Todos encontram a felicidade através do encontro amoroso. A falta de amor, a solidão e o abandono vão ser os castigos para os vilões. O amor como recompensa e a solidão como castigo vai ser uma fórmula utilizada pela maioria das telenovelas brasileiras. Além disso, as três tramas vão mostrar que, apesar de vários casamentos desfeitos ao longo da trama, o matrimônio continua sendo o símbolo da concretização do amor. Até as personagens que diziam que nunca iam casar, ao encontrarem o ser amado, cedem e se casam. Após a análise das estruturas de amor presentes nas telenovelas de Manoel Carlos, foi possível concluir que a identificação dos telespectadores com as personagens vai ocorrer de forma mais intensa devido aos sentimentos e emoções que as histórias de amor vão despertar. Nessa trama, podemos perceber que independente do tipo de amor vivido por cada casal, o sentimento que vai surgir entre eles vai mostrar que o amor é, acima de qualquer coisa, o desejo de completude. Sem o amor, os indivíduos sentem-se incompletos e a felicidade só pode ser alcançada através da realização do amor.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho que, aqui, se encerra, teve como objetivo mostrar que, apesar da telenovela se utilizar cada vez mais de elementos que a aproximem do cotidiano o seu principal foco continua sendo as histórias de amor que reconta. Ao longo de mais de cinco décadas, a telenovela brasileira sofreu uma série de mudanças no seu formato e em sua temática. Durante os anos 50 e 60, a telenovela trazia histórias, figurinos e diálogos distantes do povo brasileiro, mas, a partir do final da década de 60, a telenovela passou a abordar temas do nosso cotidiano, muitas vezes, mesclando elementos do real com o ficcional. Apesar da inserção cada vez maior de elementos que aproximam o real e o ficcional, o sucesso alcançado pelas telenovelas brasileiras se deve ao fato dela contar e recontar, sempre, a histórias de amor. O que vai gerar o grande do sucesso de uma telenovela se deve não às aproximações com contextos do cotidiano, mas as emoções que ela vai despertar, ao realismo emocional que ela consegue gerar.

Os elementos que compõem as estruturas de amor retratados nas telenovelas brasileiras foram herdados dos modelos construídos ao longo de várias sociedades históricas. Mas, com as transformações dessas sociedades, os ideais de amor também de modificaram. Apesar disso, os elementos principais que estão inseridos na trama de uma telenovela permanecem os mesmos. As mudanças ocorrerão na forma em que esses elementos aparecerão no decorrer da trama e como eles estão inseridos no cotidiano retratado pelas telenovelas.

Neste sentido, podemos perceber que não importa a trama da telenovela, o amor sempre aparecerá como a única força capaz de modificar as pessoas e superar obstáculos. O amor vai ser a recompensa para aqueles que, ao longo da história, vão lutar para se encontrarem e serem felizes ao lado da pessoa amada. Neste sentido, é o encontro com o amor que estabelece a identidade do indivíduo contemporâneo, se tornando a única esperança de alcançar a felicidade plena.

As telenovelas de Manoel Carlos trazem como marca a intensa 74 aproximação entre a realidade e a ficção. Em suas tramas, observamos que o autor, constantemente, insere discussões de questões sociais que estão acontecendo no Brasil, que aparecem, assim, como parte das estratégias utilizadas para aproximar audiência e telenovela, direcionadas nos discursos educativos presentes no merchandising social . Essa aproximação entre real e ficcional vai fazer com que as histórias de amor retratadas nessas novelas estejam inseridas dentro de um cotidiano ficcional e que é semelhante, em certos aspectos, ao vivido pela população brasileira. Com isso, os modelos de amor presentes nas telenovelas de Manoel Carlos misturam os elementos herdados dos modelos já conhecidos pela sociedade com os elementos do nosso cotidiano. Essa estratégia comumente vai dar origem a uma característica peculiar destas tramas: a idéia de que as histórias de amor vividas pelas personagens poderiam ser vividas por qualquer pessoa, contribuindo e reforçando a ideologia e o imaginário das audiências.

Além disso, com a análise das estruturas de amor presentes em nas três telenovelas mais recentes do autor Mulheres Apaixonadas (2003), Páginas da Vida (2006) e Viver a Vida (2009) percebemos que os modelos de amor de maior destaque são vividos por personagens maduras, ou seja, as personagens têm uma carreira, já viveram outros relacionamentos. Mas, apesar disso, quando o amor aparece muda completamente a rotina das personagens. O amor vai ser o ingrediente que faltava para a felicidade. Sem o amor, sem o encontro amoroso, a felicidade nunca vai ser alcançada, os indivíduos estão incompletos e, somente, quando vivem o encontro amoroso, eles se tornam seres completos e aptos a alcançar a felicidade plena e absoluta.

Nas três obras selecionadas, também, percebemos que, ao mesmo tempo em que o casamento da maioria das personagens aparece como um relacionamento que esfria com o tempo, cheio de problemas e dificuldades, ele vai ser o ápice do relacionamento amoroso. Quando se encontra o ser amado, o casamento é o próximo passo, é a concretização das personagens. Até aquelas que não acreditavam nesse tipo de relacionamento se rendem e, no final, casam. Assim, podemos perceber que as histórias apresentam um discurso que entra em conflito: o casamento como o auge da felicidade em 75 contrapartida com a idéia de que o casamento vai, sempre, com o tempo, passar por uma série de crises, tornando, assim, os ideais de casamento e amor como opostos.

Por fim, podemos perceber, através da análise das estruturas de amor presentes nas telenovelas destacadas, que o amor é o único sentimento capaz de mudar as pessoas, de vencer qualquer obstáculo, é o sentimento universal que todos os indivíduos vão buscar para alcançarem a felicidade.

Com a análise dos modelos de amor construídos por Manoel Carlos em suas obras é possível ver que o elemento que mais chama a atenção para esta narrativa é o fato de que grandes histórias de amor estão inseridas no cotidiano vivido pelas personagens, criando com isso um vínculo emocional com os telespectadores.

A relação entre amor e telenovelas é um assunto bastante complexo, abrindo espaço para várias discussões, que não foram abordadas neste trabalho. Deixo, assim, a outros a realização das discussões que não consegui aqui realizar.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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