Com Joyce E Beckett
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‘Failing Better’ com Joyce e Beckett Um Estudo sobre os Espaços em Murphy e em Finnegans Wake Márcia Lemos Dissertação de Doutoramento em Estudos Anglo-Americanos (Literatura Inglesa) apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em 2013, sob orientação do Professor Doutor Gualter Cunha. 2 APOIOS │ AGRADECIMENTOS Agradeço à Fundação para a Ciência e a Tecnologia o apoio concedido a este projeto através da atribuição de uma Bolsa de Doutoramento que permitiu a sua concretização (bolsa com referência SFRH/BD/62760/2009, no âmbito do QREN - POPH - Tipologia 4.1 - formação avançada, comparticipada pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do MEC). Ao Professor Doutor Gualter Cunha agradeço a orientação atenta e informada, o rigor e o espírito construtivo das críticas, as muitas pistas e sugestões de leitura. Agradeço ao CETAPS (Centre for English, Translation and Anglo-Portuguese Studies) por ter acolhido este projeto e por me ter proporcionado um espaço rico em aprendizagens e troca de saberes. Aos meus pais e ao João, em particular, agradeço o carinho e o apoio incondicionais. 3 Para a Mia e o Gustavo 4 ABREVIATURAS* James Joyce D Dubliners SH Stephen Hero Portrait A Portrait of the Artist as a Young Man U Ulysses FW Finnegans Wake Letters I, II, III Letters of James Joyce Samuel Beckett Dream Dream of Fair to middling Women M Murphy * Outras abreviaturas são usadas, de forma pontual, ao longo deste trabalho. Sempre que tal acontece, uma chamada de atenção surge em nota de rodapé. 5 Ever tried. Ever failed. No matter. Try again. Fail again. Fail better. Samuel Beckett 6 Introdução 7 Introdução │ In the buginning is the woid… There is no such thing as a moral or an immoral book. Books are well written, or badly written. That is all. Oscar Wilde, The Picture of Dorian Gray O romance que não descobre uma porção até então desconhecida da existência é imoral. O conhecimento é a única moral do romance. Milan Kundera, A Arte do Romance O presente estudo promove o encontro de dois nomes fundamentais da literatura mundial: James Joyce e Samuel Beckett. Herdeiros da mesma Irlanda, os dois escritores cedo demonstraram o desejo de partir rumo a uma Europa continental entendida como lugar de superação do provincianismo irlandês. Paris, barómetro da arte e espaço de excelência no acolhimento aos seus criadores, foi um dos palcos maiores deste exílio voluntário. Paradoxalmente, ambos elegeram o país de origem – ou “place of burden”, como se lê em Finnegans Wake (190) –, a sua história e as suas gentes como tema subordinante da sua criação artística, tomando-os como referentes de uma escrita que, pela sua singularidade e criatividade, os elevou à categoria do Universal. Juntos, Joyce e Beckett ilustram magistralmente a afirmação de Giuseppe Serpillo, segundo a qual: “Being Irish is Being Abroad” (Serpillo 1987: 27). O encontro entre Joyce e Beckett ocorreu tanto no domínio da vida privada como na esfera da criação literária, tendo Beckett participado ativamente nos últimos anos de composição de Finnegans Wake, publicado em 1939. A verdade é que apesar de 8 pertencerem a gerações diferentes, as afinidades entre Joyce e Beckett eram evidentes. Como sublinha James Knowlson, em Damned to Fame: The Life of Samuel Beckett: There was a lot in the background and personality of the older Irish writer to attract Beckett. They both had degrees in French and Italian, although from different universities in Dublin. Joyce’s exceptional linguistic abilities and the wide range of his reading in Italian, German, French and English impressed the linguist and scholar in Beckett, whose earlier studies allowed him to share with Joyce his passionate love of Dante. They both adored words, their sounds, rhythms, shapes, etymologies and histories, and Joyce had a formidable vocabulary derived from many languages and a keen interest in contemporary slang in several languages that Beckett admired and tried to emulate. (Knowlson 1997: 98) E não era apenas o vasto conhecimento linguístico de Joyce que Beckett tentava imitar. Segundo Nino Frank, ao contrário de outros jovens colaboradores, Beckett não se atrevia a brincar com Joyce, mas procurava reproduzir os seus mais pequenos hábitos e manias: [B]eckett did not joke with Joyce as Paul Léon or Stuart Gilbert did. He was probably too much in awe of the master. After all, he was only twenty-two years old, a time for hero worship. He used to ape Joyce’s way of dressing and adopted some of his habits or mannerisms: wearing shoes that were too narrow for him; drinking white wines; holding his cigarette in a certain way. (idem 101) Assim, após um primeiro encontro, descrito por Beckett como tendo sido algo de avassalador,1 seria muito difícil para o jovem Beckett distanciar-se da influência de Joyce. Seria mesmo uma “tarefa hercúlea” como refere Knowlson (idem 105) e se pode comprovar através da leitura do primeiro romance escrito por Beckett, mas nunca publicado em vida, Dream of Fair to middling Women,2 onde são reconhecíveis e facilmente identificáveis técnicas, estratégias e estilos característicos de Joyce e do seu último trabalho: As well as using dictionaries and reference books, Beckett wove into his novel hundreds of quotations from other works of literature, philosophy and theology. For if he is consciously trying to rid himself of Joyce’s influence in this novel – even to the point of parodying Joyce’s Work in Progress in one section – it remains very Joycean in its ambition and its accumulative technique. (idem 147) 1 Cf. Knowlson 1997: 98. 2 O autor nunca permitiu que Dream of Fair to middling Women, que é, efetivamente, o seu primeiro romance, fosse publicado em vida. O texto só viria a ser publicado em 1992, três anos após a morte de Samuel Beckett. 9 A partir daqui, e sem nunca perder a admiração sentida pelo mestre, Beckett procurou superar a intensa influência exercida por Joyce, explorando outros caminhos linguísticos e metodológicos; um desejo de superação que foi sempre acompanhado por um sentimento de ansiedade, como se depreende das palavras de Beckett: “Moi, j’ai commencé à écrire en français, car écrire dans la langue de James Joyce était un fardeau trop lourd à porter” (Beckett apud Manet).3 Não seria, contudo, fácil esta demarcação desejada por Beckett, já que Joyce marcou não apenas a sua época, mas também as que se seguiram: “We have not seen his like previously; all future novelists, whether they follow him or not, acknowledge him or not, will be measured by his accomplishment” (Levitt 2000: 10). Muitos foram, de facto, aqueles que, ao longo da sua carreira literária, avaliaram Beckett por comparação a Joyce. Recorde-se, a título de exemplo, as palavras de R. P. Watt aquando da sua rejeição de Watt para publicação – “It may be that in turning this book down we are turning down a potential James Joyce. What is it that this Dublin air does to these writers?” (Watt apud Knowlson 1997: 343);4 ou a apreciação de Edward Garnett a Dream: I wouldn’t touch this with a barge-pole. Beckett probably is a clever fellow, but here he has elaborated a slavish and rather incoherent imitation of Joyce, most eccentric in language and full of disgustingly affected passages – also indecent: this school is damned – and you wouldn’t sell the book even on its title. Chatto was right to turn it down. (Garnett apud Knowlson 1997: 163) A ansiedade revelada por Beckett na sua relação com Joyce (resultante, em grande medida, da existência deste fardo demasiado pesado que era partilhar o universo linguístico, mas não só, do mestre) constitui, por conseguinte, o ponto de partida para um estudo que procura, entre outras coisas, compreender de que forma, ou formas, esta ansiedade se manifesta na obra de Beckett, afastando-o ou, porventura, aproximando-o ainda mais da esfera de intervenção artística de Joyce. Sempre que se fala de ansiedade e de influências literárias é hoje quase inevitável revisitar a já célebre teoria desenvolvida por Harold Bloom em The Anxiety of Influence (1973). Todavia, não é objetivo deste trabalho promover uma qualquer aplicação, mais ou menos exaustiva, da teoria de Bloom e da sua terminologia específica ao percurso 3 Excerto retirado da entrevista de Tâm Van Thi aos escritores Atiq Rahimi, Eduardo Manet e Tahar Ben Jelloun, publicada em Setembro de 2009, na revista Le Magazine Littéraire, No 489, 13-14. 4 Note-se a ironia de ter sido um editor chamado Watt a recusar o romance Watt, de Beckett, para publicação. 10 literário de Joyce e Beckett, mas apenas procurar investigar, neste capítulo introdutório, a relação literária que aproximou os dois autores para melhor compreender a pertinência deste estudo. De resto, para esta investigação concorrerão certamente Bloom e a sua teoria, mas também outras referências críticas que partilham o interesse de Bloom pela temática da ansiedade da influência, tais como Walter Jackson Bate e Harold Toliver. Quando, em 1938, Murphy é publicado – depois de ser rejeitado por quarenta e dois editores –, diferentes excertos do “work in progress” que viria a chamar-se Finnegans Wake tinham já circulado em revistas literárias, obtendo, na esmagadora maioria das vezes, críticas profundamente destrutivas. No ensaio “Dante … Bruno . Vico .. Joyce”, publicado num volume de apoio a James Joyce, sob o pomposo título Our Exagmination round His Factification for Incamination of Work in Progress, Beckett revela não apenas o seu entendimento sobre a originalidade de Finnegans Wake, descrevendo a obra como o exemplo máximo de uma combinação perfeita entre forma e conteúdo,5 mas também os princípios que viriam a orientar a sua própria escrita: Here form is content, content is form. You complain that this stuff is not written in English.