DOSSIÊ

O CONFLITO NA FAZENDA SANTA ELINA/ O MASSACRE DE CORUMBIARA: A FARSA DO PROCESSO JUDICIAL E DO JÚRI POPULAR

HELENA ANGÉLICA DE MESQUITA*

Resumo: Este texto é uma adaptação do quarto capítulo da tese de doutorado intitulada: “Corumbiara: o Massacre dos Camponeses. Rondônia, 1995 .“ A tese trata da questão da luta pela terra no Brasil e enfoca o massacre dos trabalhadores sem terra que aconteceu na fazenda Santa Elina, no município de Corumbiara, Rondônia, em agosto de1995. As principais fontes de consulta foram o processo Judicial – Caso Corumbiara - e as entrevistas com as pessoas envolvidas, especialmente os camponeses vítimas deste episódio.

Palavras- chaves: Corumbiara, Massacre dos Camponeses, Processo Judicial, Júri Popular.

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ste * trabalho é parte da tese de rapidamente um espaço de esperança. Como doutorado intitulada “Corumbiara: era uma área de mata, os camponeses o Massacre dos Camponeses” 1, que construíram os barracos sob as árvores mais trata da questão da luta pela terra altas para proteger a pequena cidade de lona noE Brasil e aborda o massacre que aconteceu dos constantes vôos de intimidação praticados em agosto de 1995, na Fazenda Santa Elina, no por fazendeiros e policiais. O acampamento município de Corumbiara, Rondônia. Naquele ficava separado do Assentamento Adriana por dia, os camponeses que estavam no um riacho de águas límpidas. Neste acampamento da fazenda Santa Elina desde o assentamento os camponeses encontraram dia 14/07/1995, foram emboscados de apoio e solidariedade, e lá pretendiam se madrugada com bombas de gás lacrimogêneo. refugiar em caso de cerco ao acampamento. 355 trabalhadores foram presos e torturados, Cuidados vãos, pois não tiveram a mínima mulheres foram usadas como escudo por chance; o cerco aconteceu de madrugada, policiais e jagunços, oito trabalhadores foram quando todos estavam desmobilizados. A executados sumariamente e o acampamento foi ocupação da Fazenda Santa Elina foi mais um incendiado com todos os pertences dos dos 440 conflitos por terra que ocorreram no posseiros. Até hoje ninguém foi punido. O júri Brasil em 1995 e um dos 15 que aconteceram popular foi uma farsa, pois condenou dois só em Rondônia naquele ano (dados da camponeses sem provas nos autos, e os Comissão Pastoral da Terra). mandantes dos crimes sequer foram réus no A justiça foi muito rápida em atender os processo judicial. Corumbiara ainda espera por latifundiários. No dia 19 de julho já havia sido justiça e a mãe do jovem Darli ainda espera a expedida a liminar de manutenção de posse e volta do filho. um grupo de policiais chegou muito cedo ao Para melhor compreensão apresento o acampamento para fazer cumprir a mesma. Foi texto em quatro partes. A primeira e a segunda o primeiro confronto e um posseiro foi ferido à tratam, em poucas palavras, do conflito da bala pelas costas. Foi formada então, uma Fazenda Santa Elina e do Massacre de comissão de negociações composta pelo Corumbiara, na terceira comento sobre o secretário do Governador, um deputado do processo judicial e na quarta parte abordo Partido dos Trabalhadores (PT), o diretor do especificamente a questão do júri popular, no Instituto de Colonização e Reforma Agrária qual eram réus os envolvidos no “Caso (INCRA), um representante do Instituto de Corumbiara”. Terras de Rondônia (ITERON) e o vereador Manuel Ribeiro, o Nelinho do PT (assassinado quatro messes depois). A comissão não teve O Conflito da Fazenda Santa Elina tempo suficiente para agir. Na madrugada do No dia 14 de julho de 1995, centenas de dia 09 de agosto, 194 policiais, inclusive 46 da famílias de trabalhadores rurais sem terra Companhia de Operações Especiais (COE) e ocuparam uma pequena parte dos 20.000 outro tanto de jagunços e guachebas hectares da Fazenda Santa Elina, no município fortemente armados, cercaram o acampamento de Corumbiara. Ao amanhecer do dia 15 de por todos os lados e começou o massacre de julho o acampamento era uma realidade. Nascia Corumbiara. Mas desde a véspera o acampamento já estava sitiado e os posseiros * Professora Adjunta do Curso de Geografia do não sabiam, pois, quem tentava sair ou chegar, CAC/UFG. era preso. 1 MESQUITA, H. A. Corumbiara: o Massacre dos Camponeses. Rondônia, 1995. 2001. Tese (Doutorado em Geografia Humana) FFCLH/USP. São Paulo.

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O massacre de Corumbiara terem sonhado com o acesso à terra e por Os camponeses que viveram vinte e cinco terem ido à luta para concretizar aquele sonho, dias de esperança da terra prometida, de que, afinal, é o sonho de milhares de sem terra. repente abismaram-se num inferno dantesco, Ninguém foi responsabilizado pelas torturas onde homens foram executados sumariamente, que aquelas pessoas sofreram, os órfãos e as mulheres foram usadas como escudos humanos viúvas estão desamparados, existe gente por policiais e jagunços, 355 pessoas foram desaparecida até hoje, e muitos trabalhadores presas e torturadas por mais de vinte e quatro estão debilitados física e emocionalmente, horas seguidas e o acampamento foi destruído impossibilitados de trabalhar, por seqüelas e incendiado causadas pelos com os parcos maus tratos pertences dos recebidos posseiros e todos durante a ficaram, “desocupação” literalmente, da fazenda Santa “sem lenço e sem Elina. documento”. O Júri Naquele dia Popular que morreram dois aconteceu em policiais e nove , no posseiros período de 14/08 inclusive a a 06/09 de 2000, pequenina comprovou que a Vanessa, de justiça brasileira, apenas seis anos, especialmente cujo corpinho foi Edvaldo Carlos de Lima em Rondônia, trespassado por uma bala “perdida”. Cinqüenta está a serviço do latifúndio. Durante o júri e cinco posseiros foram gravemente feridos, e nenhum camponês foi ouvido, embora cerca de quinze dias depois o corpo do jovem sem terra cem camponeses do Movimento Camponês Sérgio Rodrigues Gomes foi encontrado Corumbiara (MCC) estivessem acampados na boiando em um rio com terríveis sinais de praça em frente ao Fórum. Entre eles estava a tortura. Sérgio estava no acampamento da jovem Rosimeire Rosa Gatti. Em 1995 ela era Santa Elina e chegou a ser preso e torturado na uma franzina garota de dezesseis anos que foi presença de um vereador e do prefeito de usada como escudo humano pelo jagunço que Corumbiara. Os laudos tanatoscópicos executou o sem terra Marronzinho que já provaram execuções sumárias e laudos da estava rendido, ajoelhado e com as mãos na Faculté de Médicine Paris-Oeste confirmam a cabeça. O carrasco apoiou a carabina no ombro cremação de corpos humanos no acampamento da menina e disparou... da Fazenda Santa Elina. Os camponeses foram A condenação dos sem terra Cícero Pereira todos enterrados como indigentes. Não houve Leite Neto e Claudemir Gilberto Ramos, velório e os familiares tiveram muita mesmo sem prova nos autos, e a exaltação, pelo dificuldade de reconhecer os corpos, pois a próprio Ministério Público, dos oficias que polícia não permitia o acesso. Foi preciso a executaram aquela ação repressiva e criminosa interferência de advogado. coordenada e financiada por fazendeiros, foi Na apuração dos fatos, nos processos prova evidente que a impunidade prevalece e judiciais e no júri, ficou evidenciado que os que o crime do latifúndio contra o campesinato camponeses é que pagaram muito caro por ainda compensa.

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No dia 09 de agosto de 2003 completaram- No processo de reintegração de posse e no se nove anos deste massacre e o silêncio que se “despejo” dos posseiros, no dia 9 de agosto de estabeleceu sobre este episódio reflete a 1995, os posseiros foram sistematicamente realidade da luta pela terra no Brasil. As vozes torturados. Sabe-se que o crime de tortura é de Corumbiara foram sufocadas no inafiançável e imprescritível, no entanto tal acampamento, nos processos judiciais e no júri crime não foi tema considerado no processo, popular. Prevaleceram as vozes dos policiais, assim como não o foi também no júri. Os dos jagunços, dos fazendeiros e dos políticos. policiais só foram a júri responsabilizados por Prevaleceu o latifúndio defendido veemente três mortes, pois o juiz de , por promotores de “justiça”. na sentença de pronúncia, achou que não poderia imputar a ninguém a responsabilidade pelas mortes que ocorreram em “fogo O Processo Judicial ou “apuração dos cruzado”. Entretanto, este mesmo juiz mandou fatos’’ a júri os dois sem Começo citando Dom Tomaz Balduíno, As vozes de terra acusados da presidente da CPT: morte dos dois Corumbiara policiais que O caso Corumbiara é um caso bem típico também morreram porque põe o conjunto da sociedade foram no fogo cruzado. organizada, juizes, políticos, poder executivo, poder legislativo, tudo de um lado só, do lado sufocadas no Para fazer do latifúndio, contra a organização dos cumprir a liminar de camponeses 2. acampamento, manutenção de Dom Tomás Balduíno, quando disse estas nos processos posse, a polícia teve palavras, demonstrou o profundo o financiamento dos conhecimento que tem acerca da realidade judiciais e no fazendeiros Antenor brasileira, no que diz respeito à violência no júri popular Duarte do Vale e campo, o que lhe permitiu antecipar o que seria Hélio Pereira de o júri popular, no qual, eram réus os envolvidos Morais, o último, no massacre de Corumbiara. No julgamento, proprietário da fazenda Santa Elina. Eles ocorrido em Porto Velho de 14 de agosto a 6 forneceram homens, veículos, alimentação, de setembro, foi possível testemunhar e transporte de tropas e armas. Foi uma comprovar a veracidade de cada palavra do empreitada privada, feita de forma presidente da CPT. Ao presenciar a intempestiva, inconseqüente e criminosa e que, condenação dos sem terra Cícero Pereira Leite no final, quem acabou sofrendo as piores e Claudemir Gilberto Ramos, mesmo sem conseqüências foram os próprios camponeses provas nos autos, e ver os oficiais que sendo, inclusive, condenados pelo júri. comandaram aquela ação repressiva, quando Depois que os posseiros estavam todos homens foram executados sumariamente, dominados, foram levados amarrados para o crianças, mulheres e velhos torturados, saírem campo de futebol do assentamento Adriana e livres e festejados como heróis, é possível ali ficaram por longas horas, sem comer, ou compreender o poder que o latifúndio ainda beber água e sofrendo torturas. Somente com a tem neste país e, particularmente, em chegada da imprensa é que os espancamentos Rondônia. foram suspensos, mas mesmo assim, o prefeito de Corumbiara e um vereador testemunharam o espancamento do posseiro Sérgio Rodrigues Gomes que estava preso, e que ao chamar o 2 Goiânia, 04 de abril de 1999. vereador, levou chutes, e o vereador e o

Pegada  vol. 4  n. 2 36 Novenbro 2003 DOSSIÊ prefeito lhe viraram as costas. Este mesmo Imediatamente aos acontecimentos dos posseiro foi retirado do grupo, e existem dias 09 e 10 de agosto, os inquéritos foram testemunhas disto. Quinze dias depois, o seu instalados para apurar os fatos. O Inquérito corpo foi encontrado boiando em um rio à 70 Policial Militar (IPM), foi conduzido pelo km daquele campo. O pai do Sérgio Coronel João Carlos Sinoti Balbi e o Inquérito reconheceu o corpo do filho e disse que ele Civil (IPL), conduzido pelo Delegado tinha claros sinais de torturas, e que fora Raimundo Mendes de Souza Filho. Os dois executado com tiros na cabeça 3. Ninguém foi inquéritos se transformaram no Processo responsabilizado pelo assassinato e ocultação intitulado “Caso Corumbiara,” que tem trinta do corpo do Sérgio. volumes e mais de dez mil folhas. Já era final de Os dois Quando os inquéritos foram concluídos, tarde do dia 9/8 inquéritos se vinte e quatro pessoas foram indiciadas: o quando os trezentos fazendeiro Antenor Duarte do Vale, o seu e cinqüenta e cinco transformaram capataz José de Paulo Monteiro, quatro sem camponeses presos terra e vinte Policiais Militares (PM), entre eles foram levados para a no Processo o comandante da operação, o subcomandante, delegacia de intitulado quatro oficiais e soldados. Colorado do Oeste, Todos os indiciados recorreram e em 13 de (onde continuaram a “Caso abril de 1998, o juiz de Colorado do Oeste ser torturados), e Corumbiara,” decretou a pronúncia em primeira instância. A para o Ginásio de principal modificação foi a impronúncia do esportes daquela que tem trinta fazendeiro Antenor Duarte do Vale e seu cidade (onde capataz José Paulo Monteiro, que tinham sido continuaram sendo volumes e mais indiciados pela morte e a ocultação do cadáver humilhados) e só do sem terra Sérgio, apesar de estar nos autos, puderam ser de dez mil com todas as letras: libertados no dia 10, com a chegada do folhas O fazendeiro Antenor Duarte do Vale, seu advogado da CPT. gerente José Paulo Monteiro, acompanhado de vários pistoleiros profissionais, fortemente armados, participando da vigilância e 3 O corpo de Sérgio quando encontrado no rio Tanaru, espancamento dos posseiros; por volta das 16 foi levado para e enterrado como indigente. A horas do mesmo dia, os pistoleiros do dona da funerária, me disse em entrevista, que se fazendeiro Antenor Duarte, comandados por incomodara com aquilo, pois sabia da lista de desaparecidos da Santa Elina. Então chamou o seu gerente, José de Paulo Monteiro, com a advogado José Francisco Cândido que tomou ajuda de policiais e mais vez com a omissão providências para avisar o pai de Sérgio. O corpo foi cúmplice dos comandantes, que a tudo exumado e o Sr. Raimundo fez o reconhecimento. No presenciaram, retiraram dentre os mesmos a encontro que tive com o pai do Sérgio em Colorado do vítima Sérgio Rodrigues Gomes, colocaram-no Oeste no Unidade Avançada (UA) do INCRA em em um veículo Toyota e deixaram o local, 18/06/98, ele ficou muito emocionado ao falar sobre o retornando horas depois sem a presença da filho e chorou muito ao descrever o reconhecimento do cadáver. Mas ninguém foi responsabilizado pela morte vítima; dias depois, seu cadáver localizado nas do Sérgio. A retirada de Sérgio dentre os posseiros que águas do rio Tanaru, a aproximadamente 70 estavam presos no campo de futebol tem provas, não km de distância, com três balaços na cabeça a são somente “indícios” e o corpo com sinais de tortura modo de execução sumária. (Sentença de e tiros na cabeça também não foi prova suficiente para a Pronúncia, pag. 5) justiça. O pai do Sérgio não foi ouvido pelo júri. O Sérgio e o pai são de Pato Branco, Paraná. O Sérgio Durante cinco anos foram indiciamentos, tinha 24 anos. pronúncias, recursos e mais recursos, e no final,

Pegada  vol. 4  n. 2 37 Novenbro 2003 DOSSIÊ foram pronunciados, quatorze pessoas. O manifestação permanente e silenciosa. No final fazendeiro Antenor Duarte e seu capataz, José aquele aparato se mostrou inútil e Paulo Monteiro não foram pronunciados, desnecessário. apesar de sua ostensiva participação em toda a Eram quatorze réus, e as acusações foram empreitada. O próprio inquérito tem as seguintes: um grupo de policiais era acusado depoimentos que comprovam a presença de pela execução dos sem terra Ercílio, o jagunços e a ingerência dos mesmos em todos Marronzinho, e José Marconde e de um os acontecimentos. homem que fora identificado como H05, que Depois da não se sabe se era pronúncia todos sem terra ou jagunço, recorreram e a a justiça cobrou, diretamente, a pois ele não foi pronúncia em morte dos dois policiais e de mais identificado. Mas nos segunda instância autos e durante o júri saiu em 10/12/98, três homens, dois sem terra e um acabou sendo confirmando a chamado de “sem sentença do Juiz de não identificado terra”, mas o seu Colorado do Oeste. corpo fora Então, a justiça cobrou, diretamente, a encontrado distante dos outros dois mortos. morte dos dois policiais e de mais três homens, Enquanto os corpos de Hercílio e José dois sem terra e um não identificado. Quanto à Marcondes foram “encontrados” nas catanas morte dos outros cinco posseiros, inclusive da da figueira, onde funcionava uma espécie de pequena Vanessa, a justiça entendeu que não posto de segurança do acampamento, o H05 tinha provas e que não podia imputar a fora encontrado no pequeno riacho a mais de 4 responsabilidade a ninguém porque as mortes oitenta metros da figueira . Os laudos aconteceram no “fogo cruzado”, o mesmo juiz tanatoscópicos mostram que os três foram imputou aos dois sem terra, a responsabilidade executados. pela morte dos dois policiais que também A seguir a relação dos réus e respectivas morreram sob o fogo cruzado. E depois de sentenças: cinco anos aconteceu o júri que fora desaforado a) Por estas três execuções foram acusados: para Porto Velho. O judiciário brasileiro revelou sua condição de espaço de ação e de Soldado Aírton Ramos de Moraes defesa das elites latifundiárias. (condenado ). Soldado Daniel da Silva Furtado (condenado ). 4 . O Julgamento dos envolvidos no ”caso Corumbiara” – Porto Velho, 14 de Soldado José Emílio da Silva Evangelista agosto a 6 de setembro de 2000. (absolvido). O julgamento que se iniciou em 14 de Soldado Luiz Carlos Fernandes agosto no tribunal do júri de Porto Velho teve (absolvido ). repercussão menor que o esperado. Foi Soldado Moisés de Oliveira Lima montado, pelo Estado, um grande aparato de (absolvido). segurança, com policiais federais dentro do tribunal e grande contigente da polícia militar 4 Estive no dia 2/05/95 no local do acampamento da circulava e fazia manobras ostensivas, Santa Elina acompanhando o Tira-gosto. Consegui principalmente próximo ao local, onde cerca de chegar até o que restou da mesma figueira. Lá encontrei cem integrantes do MCC faziam uma uma vasilha de alumínio furada de bala, e parte de uma prótese dentária.

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Soldado Vilson Luiz Pedon (absolvido). Que ouvia comentários no BPM tanto de oficiais, como de praças, e também de um Oficial do 3 o Batalhão da Polícia (BPM) amigo que o capitão Mena Mendes iria receber Claudenilson Alves ( absolvido). um automóvel Monza a título de gratificação Oficial da COE José Hélio Cysneiro Pachá do fazendeiro. Que efetivamente após alguns (absolvido). dias do término da operação, o referido oficial apareceu com um automóvel com essas Oficial da COE Mauro Ronaldo Flores características. Correia ( absolvido). o O Major Oficial do 3 BPM Vitório Regis Mena foi o único Ventura, em Mendes ( condenado). declaração à polícia b) Tentativa de homicídio contra o sem militar que civil afirmou 6: terra Moacir Camargo: compareceu ... soube através de Soldado João Geraldo Rodrigues comentários feitos (absolvido). ao júri por policiais militares de que o capitão c) Responsável pela morte do sem terra vestido de Mena Mendes teria Sérgio Rodrigues Gomes auferido vantagens O comandante da operação José Ventura farda e farda em decorrência da Pereira ( absolvido) operação de despejo, de gala, ocorrida na fazenda d) Acusados pela morte do tenente Rubens contrariando Santa Elina, Fidélis Miranda e soldado Ronaldo de Souza, executada pela acusados também de cárcere privado, formação a ordem da Polícia Militar, e que de quadrilha, porte ilegal de arma e resistência a segundo os mesmos autoridade: juíza o referido oficial Sem terra Cícero Pereira Leite teria recebido um (condenado). veículo Monza ano 95, e reformado a sua residência e mudado toda a mobília como Sem terra Claudemir Gilberto Ramos presente do Sr. Antenor Duarte... (condenado). Outra passagem do depoimento no IPL do O então capitão Vitório Regis Mena capitão médico Renato Closs 7 aparece a Mendes, hoje major, foi o único militar que afirmação: compareceu ao júri vestido de farda e farda de gala, contrariando a ordem da juíza. O capitão Que durante os preparativos para a missão o capitão Mena Mendes conduziu o Sr. Antenor Mena Mendes esteve envolvido na questão Duarte e sua advogada, a PC de Comandante desde o começo, indo até a sede da Santa Elina, do Batalhão quando o mesmo ainda andando com o filho do Sr. Hélio Pereira de encontrava-se ausente, e que quando o Major Morais, usando veículo de Antenor Duarte para chegou, ficou sabendo da conversa com o fazer “diligências” na área, sobrevoando a área fazendeiro houve discussão acalorada acerca em avião de fazendeiros. Agiu ativamente de tal pressão; que todas as vezes que o major enquanto o comandante da corporação, o comentava que a missão estava cancelada Major Ventura protelava a execução da liminar. temporariamente nas reuniões dos oficiais o O capitão médico, Renato Closs, no mesmo mostrava certa impaciência e depoimento em juízo afirmou 5: contrariedade...

6 Folha 2.133 dos autos. 5 Folha 2.155 dos autos. 7 Autos: folhas 3.195 a 3.202 (com verso)

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O major Vitório Regis Mena Mendes estar usando farda, estaria calçando coturno e, chegou a ser processado por prevaricação em não usaria capuz, o que ela chama de carapuça. razão de muitas denúncias que foram A seguir apresento alguns fragmentos do levantadas, mas o processo foi arquivado por processo judicial que comprovam a presença de “falta de provas”. jagunços no meio da Polícia Militar: Os advogados dos sem terra recorreram Confirma a existência de nove funcionários do pedindo a anulação do júri, e os advogados dos senhor Antenor Duarte na base da PM, policiais também, armados de seis carabinas e três escopetas.... e o Ministério A justificativa Depoimento do sargento Valter de Souza Público recorreu (folha 1448). em relação aos para a absolvição que foram ...perguntado ao declarante se o mesmo notou a presença de elementos armados de absolvidos. dos policiais (...) espingarda calibre doze e carabina respondeu Todos estão em era que eles que sim (Depoimento do comandante José liberdade Ventura Pereira (folha 2133). aguardando o agiram em julgamento dos O tenente Mena Mendes estava no confronto recursos. legítima defesa após os invasores terem sido dominados, quando lá apareceram pessoas armadas e A estranhas a corporação. (Depoimento do justificativa para a absolvição dos policiais tanto sargento Valter de Souza, PM (folha 7153). por parte do Ministério Público 8 como por parte dos advogados dos mesmos, era que eles Que o Sr. Antenor Duarte encontrava-se também na área, tendo se retirado quando agiram em legítima defesa, e que contra os chegaram os primeiros policiais militares mesmos não existiam provas nos autos. feridos, transportando-os para fora da base e Alegaram também que os policiais foram não retornando mais. Depoimento do emboscados enquanto estavam no sargento Walter de Souza PM (folha 1448 V). cumprimento do dever. Seguem citações colhidas dos autos, partes de depoimentos no Estava na fazenda no dia do conflito. Viu júri e algumas transcrições de jornais que pessoas estranhas a corporação no local em podem contribuir para a melhor compreensão que os sem terra estavam agrupados após a destes fatos. situação de conflito dominada. Essas pessoas estavam armadas. Depoimento do sargento a) Presença de jagunços no meio da tropa. Valter de Souza (folha 7153). Os autos são pródigos no que diz respeito ...Que, ao chegar, na base, em um campo de a presença de jagunços no meio dos policiais, futebol, chamou-lhe atenção o fato de que circulando livremente, fortemente armados. Os havia circulando pelo acampamento um grupo depoimentos dos posseiros comprovam tal de civis armados com armas longas, sendo que presença, inclusive o depoimento da sem terra um deles cobria o rosto permanentemente... Rosimeire Rosa Gatti que foi torturada e usada Capitão médico Renato Closs. Depoimento no como escudo “ por um homem que estava de calça IPM. (folha 3.197 verso). jeans, calçado de butina e usava uma carapuça”. Se de b) Operação articulada e financiada pelo fato o agressor de Rose fosse policial, deveria fazendeiro Antenor Duarte e Hélio Pereira de Moraes . 8 É incompreensível dizer que o promotor pediu a absolvição dos réus, mas é verdade. Vale ressaltar que Nos autos encontrei a seguinte passagem: quem atuou assim, dessa forma contraditória, foi o Afirma que não tinha conhecimento de que os promotor Tarcísio Leite de Matos que atuou no júri dos oficiais da COE, no dia 21/08/2000. sargentos Walter e Soares e o soldado PM

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Cattai, estivessem trabalhando como submetiam as pessoas já dominadas e presas, segurança da fazenda Santa Elina, pois tais passaram a executar algumas delas com tiros a policiais encontravam-se em gozo de férias e queima roupa, levando-as à morte de maneira que somente veio a tomar conhecimento de tal cruel e sem possibilidade de se defenderem. fato quando os mesmos apareceram no Euclides da Cunha, no livro Os Sertões , já tinha acampamento da polícia militar para trazer descrito uma cena semelhante a cerca de cem gêneros alimentícios enviados pelo fazendeiro anos atrás: para as tropas. Depoimento do Comandante José Ventura Pereira (folha 2133). A luta que viera perdendo dia a dia o caráter militar, degenerou, ao cabo, Depoimentos no júri inteiramente. Foram os últimos O transporte da COE de traços de um formalismo inútil: Porto Velho para Corumbiara comprovam que alguns deliberações de comando, foi pago pelo fazendeiro Hélio movimentos combinados, Pereira de Morais. Os oficiais abandonaram distribuições de forças, os fazendeiros colocaram o comando da tropa, mesmos toques de cornetas, e veículos, com motoristas, à por fim a própria hierarquia já disposição da PM e o capitão fugindo e deixando os materialmente extinta num exército sem distintivos e sem Mena Mendes sobrevoou a fardas. área em avião de Antenor soldados desnorteados Duarte. Os três PM citados pelo comandante, estavam armados, não Se a cem anos atrás, o exército brasileiro estavam a serviço da corporação mas perseguiu, torturou e matou trabalhadores e circularam livremente entre as tropas, e suas queimou Canudos em nome da justiça e a armas não foram periciadas. serviço dos coronéis do Nordeste, em c) Soldados sem comando : Corumbiara a Polícia Militar perseguiu, torturou e matou trabalhadores e incendiou o Depoimentos no júri comprovam que acampamento da Santa Elina em nome da alguns oficiais abandonaram o comando da mesma justiça e sob o comando dos modernos tropa, fugindo e deixando os soldados coronéis. O tempo passou, mas o pacto das desnorteados. Os depoimentos do réu sargento elites sobre a terra continua sendo refeito. O Claudenilson Alves, no dia 29 de agosto governo de Fernando Henrique Cardoso foi o revelam que: exemplo acabado deste pacto. Faríamos a retaguarda do lado oposto ao da Os posseiros afirmaram que entre as tropas COE. estavam jagunços, alguns vestidos de fardas. A tropa do Taborda estava alheia, o tenente Nesse caso os posseiros não estão sozinhos em foi embora e abandonou a tropa. seus testemunhos, o próprio comandante O grupo do tenente Taborda, Aurélio e Fidélis Ventura confirma presença de elementos armados estava sem comando e já havia adentrado ao de carabina e escopeta. O sargento Valter de acampamento. Souza também declarou tal presença. O comandante geral da PM Coronel Wellington Policiais do 3º BPM e da COE usavam capuzes. de Barros diz textualmente em entrevista coletiva no dia 10/8, quando foi perguntado A COE tinha coletes, escudos, bombas e sobre homens armados esperando pela polícia, estavam melhor equipados do que nós. se era coisa dos posseiros e ele respondeu: Completamente descontrolados e sem Assim como a Polícia Militar também hoje comando, os policiais, além das torturas a que é vítima dessa atuação! São pessoas daí,

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que não estavam lá Não! Dos posseiros Fazer um cerco no acampamento dos não! Jamais dos posseiros! Os posseiros posseiros impedindo a entrada e saída dos são vítimas também!, que articularam, mesmos. colocaram esses atiradores para poder O efetivo da COE não foi desmembrado. fazer isso. Infelizmente eu não tenho as provas, não sei quem são eles. Mas se a Não havia rádio. justiça da terra não descobrir, a justiça Determinou ao policial Carlos que lançasse divina vai descobrir quem foram os granadas de gás lacrimogêneo..., a partir daí os mandantes. policiais começaram a ouvir disparos de arma de fogo.... d) Os depoimentos comprovam que: a morte O efetivo do interrogando dos dois policiais também continuou a ser atingido, foi ocorreu sob fogo quando houve uma vítima cruzado: fatal. No interrogatório do Ele referia-se à dia 21 de agosto o réu, o morte do soldado Major Pachá declarou: Ronaldo, da COE, grupamento que estava Foram lançadas três sob o comando do granadas de gás mesmo major. lacrimogêneo já que o aparelho emperrou..., a As contradições nos partir daí a polícia depoimentos e nos autos militar começou a saltam aos olhos, e no receber disparos de que diz respeito ao tiros. lançamento de bombas Este depoimento de efeito moral, o major identifica “quem Pachá disse que foram começou o ataque”, pois disparadas apenas três, no as palavras do major início da operação, mas o Pachá evidenciam que depoimento do soldado quem atacou primeiro foi Daniel da Silva Furtado, a COE com as bombas no dia 14, parece de gás, e só depois foi contraditório. que se ouviram tiros. Ressalta o Também, segundo os interrogando que o único camponeses, os tiros Edvaldo Carlos de Lima foco de resistência era partiram da própria este (no alto da figueira) e polícia ou de jagunços que estavam na mata ou que a equipe da COE jogava bombas de gás entre a própria tropa. Alguns trechos do lacrimogêneo, com o fim de fazer com que depoimento do Major Pachá são indicadores aqueles homens saíssem da trincheira, porém o dos fatos: vento fazia com que o gás voltasse em direção a Eu tinha um revólver 38 e dezessete tropa, causando mal sensação. munições, e todos foram deflagrados.. O soldado Daniel descreveu o final da operação quando todos os posseiros já estavam presos, e, segundo os autos, Hercílio e José Marcondes continuavam escondidos na parte

Pegada  vol. 4  n. 2 42 Novenbro 2003 DOSSIÊ mais alta do acampamento, protegidos pelas poder de Daniel e José Emílio. Mas José Emílio catanas da enorme figueira. Lá mesmo eles afirmou que não disparou seu revólver, não deu foram executados. nenhum tiro e que emprestou sua arma para o Este depoimento do soldado Daniel prova, soldado Silas municiada, e entregou-lhe mais no mínimo, que tais bombas foram lançadas no três cartuchos e quando o mesmo lhe devolveu começo e no final da operação. Os posseiros a arma descarregada, não lhe devolveu os dizem que eram tantas bombas que o acampamento cartuchos e ele não fez menção à munição que ficou coberto de fumaça que a todos sufocava e a prova já estava na arma. mais evidente dos efeitos desses gases é que O soldado Emílio foi inocentado pelo júri, existem mas sua arma foi usada para executar sem terra, sobreviventes O soldado a prova está nos autos. Onde está o soldado que ainda Silas? Ele foi para aquela guerra sem armas? É padecem de Emílio foi mais um “mistério” nesse processo. conjuntivite inocentado pelo No seu depoimento, José Emílio da Silva crônica. júri, mas sua Evangelista diz: No seu Cada grupo tinha sua atribuição e competia ao depoimento, o arma foi usada grupo do tenente Fidelis ficar na retaguarda e major Pachá efetuar a prisão dos posseiros que estivessem confirmou a idéia para executar se evadindo. do cerco ao acampamento sem terra Ora, se eles, os PM estavam lá para proposta pelo retirar os posseiros da área, porque deveriam comandante Ventura. O acampamento foi prender quem estivesse saindo do cercado por todos os lados, o que possibilitou acampamento? A PM estava ali para desocupar entender que houve fogo cruzado entre os a área, então quem saísse do acampamento próprios policiais. Prova também que não havia estava tão somente acatando ordens, por que comunicação entre os vários destacamentos deveria ser preso? que atacavam o acampamento e sugere que a e) Sobre quem começou o tiroteio a juíza morte do soldado Ronaldo se deu em fogo repete o que o soldado diz: Não sabendo o cruzado, assim como a do tenente Fidelis, interrogado dizer quem iniciou o tiroteio . conforme depoimento do réu, PM Aírton f) Sobre a atuação dos promotores Ramos de Morais, no dia 14: durante o júri . Durante a troca de tiros o tenente Fidelis foi O promotor titular foi Cláudio Wolff alvejado e durante o deslocamento do ponto de invasão até a base da PM, faleceu, em Harger que atuou em todas as sessões, exceto virtude de dificuldade em transportá-lo. no dia 21 de agosto. No dia 21 estavam sendo julgados dois oficiais da COE e o promotor foi A primeira sessão do júri começou no dia Tarcísio Leite de Matos. O promotor Cláudio 14 e durou até a madrugada do dia 17 de na primeira sessão, teve um discurso no qual agosto. Os três réus eram os soldados Aírton sustentou a acusação contra os três PM e Ramos de Moraes, Daniel da Silva Furtado e defendeu os movimentos dos sem terra, mas no José Emílio da Silva Evangelista. Eram dia do júri dos sem terra mudou seu discurso. acusados das mortes dos camponeses José Em relação ao uso de capuzes pelos policiais, Marcondes, Hercílio e do H05 que embora por exemplo, condenou isso veementemente e chamado pelo júri e nos autos de “posseiro”, disse inclusive que quem usa capuz são algozes e o não foi identificado. Existem provas de Brasil não tem pena de morte . No entanto, no outro balística positivas das armas que estavam em

Pegada  vol. 4  n. 2 43 Novenbro 2003 DOSSIÊ dia, ele disse que eles eram da região e usavam momento em que leu a acusação. Daí para capuzes para se proteger e não serem reconhecidos. frente foram mais de seis horas de acusações O promotor Rudson Coutinho substituiu o contra os sem terra e todas as suas promotor Tarcísio Leite de Matos que foi organizações, instituições e movimentos de suspenso depois de sua atuação no júri dos apoio. O promotor Tarcísio Leite fez pressão oficiais da COE. Algumas intervenções do sobre o corpo de jurados, contando a história promotor Rudson: de um jurado do Rio de Janeiro que votou contra policiais e teve castigo divino e afirmou A PM tinha armas particulares. que se o júri não absolvesse aqueles que A PM não ofereceu todas as armas para estavam ali no periciar senão a PM ficaria sem armas. banco dos réus, “Ou o Brasil na semana A polícia cometeu todo tipo de barbárie. acaba com os sem seguinte os sem A COE usou mulheres como escudos. terra iriam invadir A atuação do promotor Tarcísio Leite de terra ou os sem suas casas e roubá- Matos, na única sessão que participou, teve los, estuprar suas repercussão nacional e internacional, causou terra acabam com mulheres e filhas . revolta nos movimentos sociais, indignação da o Brasil” Naquele dia, CPT, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), quem estava no Federação dos Trabalhadores da Agricultura de (promotor Tarcísio banco dos réus Rondônia (FETAGRO), Movimento de Leite de Matos) eram os oficiais Pequenos Agricultores (MPA), MCC e todas as da COE. O instituições e organizações, e causou um promotor pediu absolvição dos mesmos e profundo constrangimento ao próprio Tribunal exigiu veementemente a condenação dos sem de Justiça do Estado. A imprensa divulgou terra que só estariam no banco dos réus no dia amplamente a frase: O u o Brasil acaba com os sem 25. O promotor fazia encenações patéticas e terra ou os sem terra acabam com o Brasil . Esta foi gestos obscenos durante sua preleção. apenas uma das frases violentas ditas pelo promotor. Este promotor usou o plenário O promotor disse que os sem terra eram como instrumento para criminalizar e satanizar tão covardes que o pai da menina morta, os sem terra e em contrapartida inocentar e abandonou o corpo da filha e fugiu covardemente. sacralizar os policiais e todas as suas ações. Ele Depoimentos da mãe de Vanessa e dos disse várias vezes: têm que matar mesmo... se entrar familiares do pai da mesma, dão conta que ela na minha casa eu mato... eu mato. se perdeu do marido durante o tiroteio e correu para a mata com os filhos. Apontando para os autos ele disse: O promotor Tarcísio não estava presente Aí dentro só tem merda, é um monte de na abertura dos trabalhos do júri e nem durante merda esse processo. o depoimento dos acusados. Dispensou todas O promotor de Colorado é um bundão as testemunhas. Só apareceu na hora de sua porque não teve coragem de arquivar essa preleção e não leu o libelo crime acusatório merda e mandou a júri esses dois inocentes. conforme a praxe e começou logo fazendo Os dois oficiais que estavam no banco dos acusações contra os sem terra e a tudo e a réus eram acusados de três homicídios. Dos todos que de alguma forma apoiam os seus três mortos, dois foram executados depois de movimentos. O promotor e os advogados neste dia, chamaram os sem terra de bandidos, rendidos e com as mãos na cabeça. No entanto, o único momento em que o mote da acusação traficantes, estupradores, ladrões e outros foi levantado foi na preleção da juíza, no adjetivos inqualificáveis.

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O plenário estava lotado de policiais e seus estava oferecendo argumentos que no dia 25 familiares, a cada grito e gesto do promotor, inocentaria também os sem terra, caso fosse ele eles se manifestavam. O advogado Georges o promotor que atuasse seria fácil acabar com os Tavares, que atuou na defesa dos sem terra, argumentos dele . estava ao meu lado no plenário, sentiu-se mal e E Tarcísio Leite continuou a sua disse que em sua longa carreira pensou que já intervenção afirmando: tinha presenciado de tudo, mas aquilo ali ultrapassava todos os limites da ética, da Eles assim que chegavam lá perdiam a tolerância, era a opinião pessoal e conservadora e isso identidade. não era papel de promotor. Georges Tavares ficou O que o promotor chamou de perda de indignado e me disse que se fosse aquele identidade é, na verdade, a conquista de mesmo promotor que atuasse no júri dos sem identidade de classe. É uma prática nos terra Cícero e Claudemir seria ótimo, porque acampamentos de sem terra, onde os homens seria fácil anular todos os seus argumentos, assumem apelidos em substituição ao seus uma vez que ele estava falando coisas pessoais, nomes, como medida de segurança e proteção. e que não tinha conhecimento dos autos. Eu nem olhei o depoimento dos PM eu só O promotor usou todo o seu tempo para estudei o depoimento dos sem terra. criminalizar os sem terra, todos os movimentos O Sérgio que eles inventaram... populares, assim como Igreja, OAB, CPT, Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR). O Sérgio a quem o promotor referia-se como sendo inventado é o sem terra Sérgio O desaforamento foi um desaforo. Rodrigues Gomes que já estava preso no Eu não vou defender comunistas. campo de futebol, e dali foi retirado, Nossa bandeira é verde amarela separadamente, na presença de não é vermelha não, não é essa O promotor usou muitas testemunhas e quinze dias porcaria comunista. depois o seu corpo foi encontrado a setenta km daquele local. Criticou o libelo e apontando todo o seu tempo para o processo disse: O promotor Tarcísio Leite para criminalizar continuava: Não estudei essa porcaria, tem merda, muita merda aqui os sem terra Eu sou contra sem terra, não gosto dentro. de sem terra. Sobre os laudos, particularmente os que O promotor chamou o juiz de Colorado confirmam as execuções sumárias dos do Oeste de “bundão” por não ter tido camponeses: coragem de impronunciar aqueles dois réus. Ao se referir aos réus usava palavras elogiosas. Os laudos são imprestáveis. Laudos não nos interessa. Eu como promotor de justiça, não peço condenação deles, peço a absolvição. Ao se referir a Cícero Pereira Leite, que seria julgado no dia 25, disse: Eles quando cometeram estes fatos estavam no estrito cumprimento da Lei. Quem tem que ser enrabado na cadeia é esse sem terra, esse bandido. Assim, o Ministério Público funcionou como defesa veemente dos réus – os policiais – Não existe prova de quem matou quem. e imputou toda responsabilidade aos sem terra Quando o promotor disse tais palavras e ainda criticou a sessão anterior do júri quando Georges Tavares que estava sentado à minha dois policiais foram condenados, inclusive com direita no plenário, repetiu que o promotor provas de balística.

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Nessa sessão, os advogados e o promotor, discurso no qual resgatou o processo histórico criticaram o governo FHC por não ter da luta pela terra no Brasil, para explicar a destruído os sem terra. justeza das reivindicações e lutas dos O promotor Tarcísio, ao se referir a camponeses. Chegou a comparar Corumbiara a próxima sessão do júri, quando os sem terra Canudos e disse que no limiar do século XXI estariam sendo julgados, afirmou: pessoas ainda são sumariamente executadas por quem deveria, por princípio, protegê-las. Afirmou ainda: Sexta-feira o pau vai cantar aqui nesse Cícero e Claudemir estão no banco dos réus por plenário. alimentar um sonho. Não era um sonho individual, era Eles vão roubar suas casas se forem um sonho e a esperança de centenas de famílias que absolvidos. estavam ali na Santa Elina e de outras milhares que estão espalhadas pelo Brasil Não tem como fugir desses cachorros serem condenados, o pau vai comer, pode vir prá cá Apesar da clareza dos argumentos usados até o Papa que ninguém vai salvar estes pelos advogados dos sem terra, não cachorros. conseguiram convencer todos os jurados. Os advogados dos oficiais e policiais Cícero e Claudemir foram condenados por alegaram legítima defesa e falta de provas nos quatro votos a três. Dois trechos colhidos na autos, e fizeram tudo para incriminar os sem imprensa, um regional e outro nacional ilustram terra. ainda um pouco mais este momento do julgamento. No dia seguinte a esta sessão do júri, a imprensa regional e nacional repercutiu a Folha de Rondônia - 22/08. A manchete é: atuação do promotor. Julgamento sem acusação . A revista Veja publicou artigo com o título Pela segunda vez, a sentença do julgamento do “Insulto à Vítima” 9. A reportagem da revista, Caso Corumbiara, só foi conhecida de pouco mais que uma nota traz como ilustração madrugada. Só que ontem não havia previsão uma foto como se fosse daquele dia, mas a de surpresa. Isso, graças a atuação do promotor de justiça, Tarcísio Leite. Numa foto, na verdade é dos três policiais que foram encenação em que misturou termos chulos julgados no dia 14/08 na primeira sessão do com gestos obscenos, usou as três horas de júri. defesa para atacar duramente os sem terra, Durante toda temporada do júri, único disparando torpedos como ou o Brasil acaba momento em que se ouviu a defesa dos sem com o sem terra foi no dia 25 de agosto quando os a justiça terra ou os mesmos estavam sentados no banco dos réus. sem terra Foi brilhante a defesa dos advogados Raul brasileira é acabam com o Fonseca, Alexandre Lopes de Oliveira e tendenciosa e que Brasil. O Georges Tavares. Raul Fonseca falou que a promotor justiça brasileira é tendenciosa e que sempre sempre prejudica chamou ainda prejudica os segmentos pobres da sociedade, os líderes nacionais do haja vista as prisões estarem lotadas de negros e os segmentos MST de pobres ou o rico não comete crime, ou alguma coisa pobres da bandidos, está errada no Ministério Público. Alexandre defendeu a demonstrou que não havia prova nos autos, sociedade ação dos contra os sem terra. Georges Tavares, policiais em Corumbiara que estavam acostumado a defender presos políticos, fez um

9 Veja, 30/08/2000, p. 43.

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cumprindo ordem judicial e ao final, pediu Muitos anos depois se descobriu que a absolvição dos Major José Cysneiro Pachá e invasão da área de Canudos, nas margens do rio do capitão Mauro Ronaldo Flores. Vaza Barris - Bahia, e a resistência oferecida O jornalista Paulo Peixoto, da Folha de pelos camponeses era legítima e justa, e que o São Paulo, esteve presente o tempo todo do massacre, imposto pelas forças do Estado e do júri, e quando não estava no plenário, estava latifúndio, foi brutal, cruel e desumano. No estudando os autos. Como algumas coisas o entanto, no limiar do III milênio, camponeses intrigaram, foi entrevistar José Viana Alves, ainda precisam ocupar terras ociosas, resistir, Procurador de Justiça do Estado de Rondônia, lutar e até morrer para conseguirem plantar. À para tirar algumas dúvidas. Aqui está o final da semelhança de Canudos, camponeses, depois entrevista 10 : de presos e dominados foram sumariamente executados. Homens, mulheres e crianças física Paulo Peixoto: Há um grande mistério em e psicologicamente torturados, humilhados, relação à participação do fazendeiro Antenor achincalhados e presos, enquanto buscavam a Duarte nesse caso, porque, ele não é réu? sua única possibilidade de vida. Cinco anos José Viana Alves: Antenor Duarte tem muita depois, quando se esperava um responsabilidade porque revirou mínimo de justiça, o que se viu foi os quartéis de lá, investiu para Ela confirmava a continuação do massacre dos que o mandato judicial fosse camponeses e de todas as suas cumprido, colocou avião e carro que foi usada organizações. a serviço da polícia e infiltrou pistoleiros no meio da PM. Mas como escudo por O júri foi um autêntico palco o juiz entendeu que não havia um homem que de criminalização e satanização indício suficiente para o levar a dos sem terra e da sacralização julgamento. usava calça jeans, dos policiais e a justificativa de suas ações. As torturas foram Paulo Peixoto: O Sr. se sente botina, capuz, negadas pelos torturadores. Mas frustrado ao imaginar que ao mesmo tempo que negavam, poucos podem ser condenados uma carabina, e nesse caso? os próprios autos estão repletos que ele a de provas e assim mesmo só se José Viana Alves: Sim. A justiça ouviu sobre a falta de provas deveria ser mais completa nesse espancava, contra os PMs. caso. As pessoas que de fato têm responsabilidade deveriam xingava, e dizia Enquanto no plenário se responder. Em uma avaliação desenrolavam estes final, deveria haver mais gente palavrões acontecimentos, fora, na praça do sendo responsabilizada por isso, muitas se Fórum, Rosemeire Rosa Gatti livraram. ainda chorava e revivia suas trágicas Se livraram porque são os donos do poder lembranças. Ela confirmava que foi usada e é o poder dos donos se impondo. Foram como escudo por um homem que usava calça necessários quase cem anos para que a jeans, botina, capuz, uma carabina, e que ele a sociedade compreendesse Canudos, e espancava, xingava, e dizia palavrões. Depois, entendesse que Antônio Conselheiro era um apoiou a arma sobre seu ombro direito e legítimo defensor dos camponeses e que sua descarregou-a sobre Ercílio, que estava de luta era a luta de quem aspira por dignidade e joelhos e com as mãos na cabeça. justiça. Rose viu a cabeça de Ercílio ser explodida e massa cefálica e sangue cair sobre os pés.

10 Folha de São Paulo, 31/08/00

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Uma pergunta se faz presente: Onde está o sair do acampamento mas foram impedidos fazendeiro que financiou e articulou tudo? por segurança dos posseiros. A mulher disse que os seguranças lhe disseram: “Aqui entra e Cícero, homem culto, de discurso ninguém sai, se sair leva bala...”. A mulher articulado, fala fluente foi condenado por ser disse que sua filha e o marido foram baleados um líder natural de seus pares, foi julgado durante a noite quando deixaram o culpado. acampamento. A mulher não mencionou o Claudemir tinha vinte e um anos e gostava horário em que sua filha e seu marido foram de tirar fotografias. Filho de Adelino Ramos, baleados. ... Não sabe dizer qual foi o acesso que era assentado no PA Adriana e era então, utilizado por aquela mulher e seus familiares. presidente do STR de Corumbiara. Adelino, ... A mulher levou o depoente e mais dois hoje, é um dos coordenadores do MCC. policiais até o local onde a sua filha estava Claudemir foi torturado, e sofreu tentativa de deitada no solo e o pai da criança estava assassinato quando estava no hospital de sentado próximo à filha. A criança e o marido Vilhena e depois em Porto Velho, também foi da mulher foram colocados dentro de uma Kombi de um município vizinho salvo julgado culpado. engano, Corumbiara. A criança estava sem Quantas vezes se ouviu no júri que a vida. Acreditava o depoente que essa criança pequena Vanessa foi morta pelos sem terra, seja a mencionada nos autos. A mulher disse quando está nos autos que ela foi atingida por que a criança foi morta no acampamento. uma bala que transfixou seu corpinho? Os Por mais absurda que esta versão possa depoimentos da própria mãe da menina dão ser, a menina citada nos autos só pode ser conta, que nem ela mesma viu quando a filha Vanessa, pois não existia outro caso assim nos foi atingida. Ela conta que quando o dia já autos. Mas se partisse do pressuposto que o clareava, estava quase surda com tantos tiros, e soldado estava cega com tanto gás, tomou Vanessa pela mão Ela conta que falando a direita e Romerito, seu outro filho, pela mão verdade, pois esquerda, e correu com os dois em direção à quando o dia já estava sob mata. Antes de chegar à mata a menina disse: juramento, era mãe tá duendo aqui , e Romerito perguntou: mãe a clareava, estava impossível que Vanessa vai morrer? Foi aí que ela percebeu que a quase surda com estivesse filhinha estava desfalecendo, tomou-a nos falando da braços e continuou até a mata onde tantos tiros, e cega mesma perambulou por várias horas com a filha morta menina. Os nos braços e Romerito agarrado em suas vestes. com tanto gás próprios autos Ouvi muitas vezes se afirmar naquele contradizem plenário do júri que a menina foi morta pelos essa versão. Lá estão os depoimentos do pai e posseiros e ouvi o soldado que compareceu ao da mãe de Vanessa e nestes depoimentos nada júri por duas vezes e li o seu depoimento nos coincide com o que foi descrito pelo soldado. autos e ouvi ele dizer no dia 16/08, sentado no Vou detalhar, por partes, esta passagem no banco de testemunhas que: processo e os fatos como me foi narrado pela O caminhão com 60 homens saiu da base da própria mãe da menina e confirmada por PM com destino a Colorado do Oeste mas Romerito e os parentes. logo que saiu da base foi abordado por uma Primeiro, Maria, mãe da Vanessa não mulher, a qual dizia que na noite anterior tinha estava assim tão calma e controlada com tomado conhecimento de que a PM ia invadir capacidade de raciocinar, deixar a filha com o o acampamento dos posseiros e que ela, juntamente com o marido e a filha quiseram marido e ir até a estrada, segundo disse o

Pegada  vol. 4  n. 2 48 Novenbro 2003 DOSSIÊ soldado, a cerca de cem metros para pedir pessoalmente, o mínimo que se pode concluir é socorro. Ela estava totalmente transtornada, já que o depoimento do policial é falso. tinha problemas emocionais, segundo ela Quanto à informações ditas inúmeras mesma disse e seus familiares confirmaram em vezes de que Vanessa foi morta pelos sem terra entrevistas. cabe inseri-la no universo das inversões típicas Segundo, o marido dela, João Firmino da da ideologia reacionária dos criminosos que Silva, se perdeu da família quando foi tentar querem provar que são inocentes. socorrer feridos e assim que ela se viu sozinha Por estas e outras é que assistir ao júri para se descontrolou e quando já estava clareando, mim foi grande desgaste emocional, pois ela correu com os dois filhos para a mata. O parecia que eu assistia a um teatro, com um marido só apareceu no dia 10/08 em Guarajus cenário bem preparado e atores que sabiam e não estava ferido. Ele tinha fugido pela mata. muito bem o papel que representavam: toda Terceiro, junto justiça aos policiais e toda condenação aos que com Maria estava o ousaram lutar por um pedaço de chão neste Romerito, o seu Nenhum país continente. filho de oito anos camponês esteve Nenhum camponês esteve no júri como que em momento testemunha. Os testemunhos foram os algum se separou no júri como próprios policiais, o preso Percílio, ex-vereador da mãe e da irmã. testemunha de Corumbiara, contratante dos pistoleiros que Na versão da PM assassinaram o Nelinho, motorista de fazenda e Romerito nunca um deputado estadual. existiu. Eu vi e falei com o Romerito e à princípio ele disse que quase não se lembrava, O cronograma do júri divulgado mas depois quando a mãe, no meio da conversa anteriormente na Internet citava vários começou a chorar e contar que estava tão louca, camponeses como testemunhos, por exemplo: tão desesperada que não se lembrava de quem Maria dos Santos Silva, a mãe de Vanessa, Rose pegara a menina morta dos braços e a ajudara a Gatti, Genacir Ferreira, Moacir Camargo, chegar até a estrada, o menino se levantou, se Geruza Guimarães de Souza, mas eles não sentou no chão, aos pés da mãe, e começou a foram convocados para comparecer ao júri, confirmar o que ela dizia e a dar mais detalhes embora Rosemeire Rose Gatti estivesse ali na da fuga alucinada. porta do Fórum. Estive com um dos rapazes que encontrara Durante o júri afirmaram, com freqüência, Maria com a filha morta nos braços e o não existir provas para condenar os policiais. Romerito agarrado a ela e ele confirma que Entretanto este argumento não serviu para os tomou a menina nos braços e foi com eles até a sem terra condenados. estrada. Era perto do meio dia. Ele voltou para O que caracteriza o júri popular é a a mata pois era fugitivo. presença do corpo de jurados, sete para cada Quarto, a hora citada pelo policial era o sessão e mais os suplentes. Neste caso eram final da tarde do dia 9/8 e já estava noventa e uma pessoas no total. No primeiro escurecendo, neste momento, um corpo de dia todos entraram e ficaram no plenário e quem morrera na noite anterior já estaria com foram sorteados sete para atuarem na primeira rigidez cadavérica e isso o policial não disse. sessão e mais sete suplentes. Os suplentes e os demais foram levados para outra dependência Assim, ao comparar os depoimentos da do Fórum, de onde acompanharam tudo por Maria nos autos e depois quando falei com ela um telão em circuito interno de TV. Na segunda sessão, foi feito novamente o sorteio e

Pegada  vol. 4  n. 2 49 Novenbro 2003 DOSSIÊ os demais foram dispensados, mas a maioria nas linhas próximas, vivem pessoas que têm ficou no plenário e assistiu às sessões. projéteis alojados no corpo; outras, com Um jurado disse-me que estava assistindo problemas respiratórios; dificuldade de para ver e entender o caso, pois não sabia nada locomoção; surdez; mialgias; problemas renais e sobre o assunto. Essa pessoa e os demais que muitas outras faziam parte daquele Egrégio Tribunal não Sobre as seqüelas que tinham conhecimento dos autos e fizeram seu denotam juízo ouvindo os promotores, os advogados e torturas, tudo claramente que as testemunhas. Como nenhum posseiro esteve houve torturas e presente naquele banco de testemunhas, para foi negado pelos mais torturas testemunhar e mostrar a sua história, torturadores, praticadas por prevaleceu a versão dos policiais. Prevaleceu a policiais e pelos hegemonia da repressão da política do pacto jagunços durante o mas as provas massacre. das elites sobre a terra. nos autos são Sobre as torturas, tudo foi negado pelos Em julho de torturadores, mas as provas nos autos são abundantes e as 1998, por decreto abundantes e as provas “vivas” estão vivas. O lei, foi criada uma presidente da CUT em Porto Velho solicitou ao provas “vivas” pensão vitalícia promotor geral do Estado tratamento para as para as vitimas vítimas do massacre de Corumbiara residentes estão vivas fatais de nos assentamentos Lagoa Nova, Santa Catarina Corumbiara, mas e Rio Branco, no município de Theobroma, no apesar de muitas famílias já terem entrado com mês de abril de 1998. Em maio de 1998, trinta e o processo na justiça requerendo a pensão, quatro pessoas desses assentamentos foram nada foi feito, os órfãos e as viúvas continuam examinadas por dois médicos indicados pelo desamparados. Enquanto isso, a lei continua promotor de Jarú, Rudson Coutinho, e eis letra morta. Ninguém ainda foi beneficiado por algumas seqüelas constatadas: olho esquerdo esta lei. Mesmo os potenciais beneficiários lesionado; mialgias toráxicas; conjuntivites desta lei só tomaram conhecimento dela em crônicas; otite crônica; artrose de coluna; final de agosto de 1998, quando eu levei cópia artrose de membro inferior direito; artrose de da mesma e entreguei ao Ziquinho em coluna vertebral; hérnia hinguinal direita; hérnia Theobroma e depois para o vereador Geraldo hinguinal esquerda; infecção renal crônica; Camilo de . Ambos tomaram medidas surdez; deformidade estética; dificuldades para levar as pessoas até Porto Velho, onde o 11 respiratórias; dificuldades de locomoção. advogado Paulo Lara , entrou com a ação pedindo a pensão. Segundo Paulo Lara, a Segundo os médicos que examinaram estes questão ainda não foi resolvida 12 . pacientes, essas lesões são compatíveis com a história de agressão. A maioria destas pessoas Não é preciso sair a campo para procurar nunca fez tratamento adequado por falta de provas de tortura. Basta ir aos autos, lá estão condições financeiras e falta de apoio das depoimentos claros e quando se conhece os autoridades. Os médicos recomendaram, para camponeses que lá estiveram se depara também algumas, tratamentos especializados com com as provas vivas das torturas que estão nos urgência mas ficou tudo como estava antes. Estas informações estão no XXVIII volume do 11 Entrevistado pela primeira vez em 2/6/98 em processo CASO CORUMBIARA. PortoVelho. 12 No PA Guarajus, nas cidades de Conversei com Paulo de Lara por telefone em agosto de 2001. Ele confirmou que os processos foram Corumbiara, Cerejeiras e Colorado do Oeste e indeferidos.

Pegada  vol. 4  n. 2 50 Novenbro 2003 DOSSIÊ seus corpos e nas suas lembranças. Messias tem Na verdade, cinco anos depois do um projétil alojado no pescoço, junto à coluna. massacre na fazenda Santa Elina, continuou o Antônio Urias anda arrastando uma perna. massacre dos camponeses através do tribunal Ezequiel tem medo de tudo. Sinval tem do júri. O MST e MCC foram condenados sem conjuntivite crônica. Adilson sente dores estarem nos bancos dos réus, e a condenação quando anda e sente cansaço quando fala ou de Cícero e Claudemir simboliza a condenação canta, tosse, tem pesadelos. Clemente ficou de todos os trabalhadores que lutam contra o surdo. Assis não enxerga com o olho esquerdo. latifúndio e contra outras injustiças. Genaro tem dores toráxicas. Manoel tem A Santa Elina tem vinte mil hectares e os artrose de coluna cervical. Edson sente dores camponeses, naquele julho de 1995, ocuparam no peito que o impedem de trabalhar. Outro apenas cerca de quinhentos Edson tem otite crônica etc. E o hectares, naquele agosto de 1995, Darli ainda não voltou pra casa... E Quantos anos foram expulsos, torturados e Dona Madalena ainda espera executados sumariamente. notícias do filho “desaparecido”... serão necessários Corumbiara continuou Quem vai restaurar a saúde para que as fazendo vítimas. Em dezembro do mental e a audição de Rose Gatti? pessoas, ao mesmo ano, o vereador do Partido Ela tem audição do ouvido direito dos Trabalhadores, Manoel prejudicada por torturas e por seu lerem a história Ribeiro, o Nelinho, foi assassinado ombro ter servido de apoio a em emboscada preparada pelo carabina que foi descarregada de Corumbiara, vereador Percílio, do PMDB. sobre o sem terra Ercílio. constatem que Nelinho era filho de camponeses, e Quem está ajudando dona era muito respeitado por seu Juventina a criar os filhos do aquela trabalho junto aos movimentos Ercílio? aspiração era sociais, STR e a Igreja. Nelinho Porque não se procurou seria o candidato a prefeito de reconhecer e identificar o corpo de legítima, a Corumbiara pelo PT, e segundo H05? Seria ele posseiro? Seria ele correligionários e mesmo seus jagunço? Ele tinha o rosto intacto resistência dos adversários, Nelinho era um forte e com as técnicas de camponeses era candidato. reconhecimento existentes fica Para concluir continuo claro que não se queria saber quem justificável? perguntando: Quantos anos serão era H05. necessários para que as pessoas, ao E os depoimentos dos posseiros e mesmo lerem a história de Corumbiara, constatem que de policiais e do próprio Comandante Ventura aquela aspiração era legítima, a resistência dos sobre a presença de jagunços circulando camponeses era justificável? Conseguirão livremente no acampamento dos policiais? compreender que a justiça hoje no país, reflete a realidade dos outros setores da sociedade? Existem apenas três provas de balísticas Vão perceber como o Brasil é um país onde o confirmadas de armas de policiais. Somente as latifúndio ainda comanda as várias instâncias do armas recolhidas dos posseiros e parte das poder? Será que, no III milênio, Cícero e armas dos policiais foram periciadas. As armas Claudemir e outros lutadores, camponeses ou dos jagunços, as armas particulares dos policiais não, serão reconhecidos como inocentes e e as armas da chamada PM2 não foram vítimas do latifúndio, da corrupção e da justiça periciadas. No entanto, milhares de tiros foram tendenciosa? disparados, doze pessoas morreram...

Pegada  vol. 4  n. 2 51 Novenbro 2003 DOSSIÊ

A sociedade brasileira não encontrará a paz Corumbiara aconteceu no governo social enquanto a violência continuar impune. Mas os democrata (na verdade neoliberal) de FHC: camponeses não se calarão enquanto as elites Eldorado dos Carajás. continuarem intransigentes com relação à terra. Por isso mesmo, nem um ano depois, outra

The Conflict in Fazenda Santa Elina / Massacre of Corumbiara: the false Lawsuit and Popular Jury

Abstract:: This text is an adaptation of the fourth chapter of the doctorate thesis entitled: "Corumbiara: the peasant’s massa cre, Rondônia, 1995.” The thesis discuss the fight for the land in Brazil and focuses the massacre of the landless workers that happened in Santa Elina farm, in the municipal district of Corumbiara, Rondônia, in August 1995. The main consultation sources for this paper were the lawsuit - Corumbiara Trial - and the interviews with the involved people, especially the peasants victims of this episode.

Key-words: Corumbiara, peasants’ massacres, Lawsuit, Popular Jury.

El Conflicto en la Finca Santa Elina/ La Masacre de Corumbiara: La Farsa del Proceso Judicial y del Juez Popular

Resumen: Este texto e s una adaptación del cuarto capítulo de la tesis de doctorado titulada: “Corumbiara: la Masacre de los Campesinos. Rondônia, 1995 .“ La tesis trata de la cuestión de la lucha por la tierra en Brasil y enfoca la masacre de los trabajadores sin tierra que s ucedió en la finca Santa Elina, en el municipio de Corumbiara, Rondônia, en agosto de 1995. Las principales fuentes de consulta fueron el proceso Judicial – Caso Corumbiara - y las entrevistas con las personas relacionadas con el caso, especialmente los campesinos víctimas de este episodio.

Palabras claves: Corumbiara, Masacre de los Campesinos, Proceso Judicial, Juez Popular.

Pegada  vol. 4  n. 2 52 Novenbro 2003