Laços De Família - Os Bastidores De Um Sucesso

Laços De Família - Os Bastidores De Um Sucesso

Laços de família - Os bastidores de um sucesso Roberto M. Moura∗ Índice as Roberto Carlos and Daniela Mercury. Its focus is on the steps taken to make an old 1 Como vai você 2 Roberto Carlos hit the theme of the leading 2 De tanto amor 9 character in the TV Globo soap opera Laços de família [Family ties]. Also to what extent soap opera viewers are able to put pressure Resumo: Este trabalho junta mestres da on the record industry, and the repertoire semiologia e da musicologia, como Roland of its contracted artists, deliberately ma- Barthes, James Thurmond e Eero Tarasti, nipulating not only their records but the com nomes do show-bizz nacional, como presumable freedom of choice of public Roberto Carlos e Daniela Mercury. O que opinion. ele focaliza são os passos que fizeram de um velho sucesso de Roberto Carlos a Key-words: Eero Tarasti, soundtrack, música-tema da principal personagem da chords, performance. novela Laços de família, da TV Globo. E até que ponto a audiência de uma novela é Pode soar intempestivo ou irreverente jun- capaz de pressionar a indústria fonográfica tar no mesmo trabalho mestres da semiologia e o repertório de seus artistas contratados, e da musicologia, como A. J. Greimas, Char- manipulando deliberadamente não apenas as les Peirce e Eero Tarasti, com figuras fáceis suas gravações mas a presumida liberdade do show-bizz nacional, como Roberto Carlos de escolha da opinião pública. e Daniela Mercury. Mas, o que aqui se foca- liza são os passos que fizeram de um velho Palavras-chave: Eero Tarasti, trilha sucesso de Roberto Carlos a música-tema da sonora, acordes, interpretação. principal personagem da novela Laços de fa- mília, da TV Globo. E até que ponto a audi- Abstract: This paper discusses in the ência de uma novela é capaz de pressionar a same breath scholars of semiology and indústria fonográfica e o repertório de seus musicology, such as Roland Barthes, James artistas contratados, manipulando delibera- Thurmond and Eero Tarasti, for instance, damente não apenas as suas gravações mas and names from Brazilian show-biz, such a presumida liberdade de escolha da opinião ∗Crítico musical e doutorando em Música pela pública. UNIRIO O próprio Tarasti, porém, deixa o trânsito 2 Roberto M. Moura livre para a transgressão: “quero uma teo- ouvintes, não de ratos de laboratório.”4 E, ria que relate a realidade musical em toda a quanto ao padrão musical, ele pergunta: sua complexidade, a realidade na qual vivem “Por que tenho que escolher analisar ape- juntos o pesquisador e o ouvinte.”1 Então, nas peças de Beethoven ou Debussy e não com licença, Tarasti: outras?”5 “Afinal, teorias musicais são frequente- Como Tarasti, creio que “a linguagem mente apenas a racionalização das pró- pode expressar os mais essenciais aspectos prias experiências musicais de um acadê- da música”, até porque “a história da música, mico, num certo momento histórico e numa desde as mais antigas tradições, é transmi- certa comunidade.”2 tida basicamente com o apoio da linguagem A “novela das oito” é a maior atração da verbal”. Por outro lado, com o desmesurado grade de programação da rede que domina desenvolvimento da mídia, há “verdades” a audiência da tevê em todo o país – e o que se tornam definitivas apenas pela repe- que este texto investiga é até que ponto esta tição. E, independentemente de consubs- audiência majoritária pode pressionar a in- tanciarem tendências musicais ou expressões dústria fonográfica e o repertório de seus ar- de um tempo ou uma comunidade, são im- tistas contratados, manipulando deliberada- postas verticalmente, subvertendo completa- mente não apenas as suas gravações mas a mente as relações que Pitágoras via entre a presumida liberdade de escolha da opinião música e a matemática (nos dias atuais, os pública. Há quinze anos, o semiólogo Ro- números que envolvem as canções populares land Barthes escreveu que “se uma análise estão muito longe da sublimidade da música científica da televisão fosse possível, toda a das esferas, como se verá adiante). tevê desmoronaria”3. Como não desmoro- nou até hoje, ao contrário vem fortalecendo 1 Como vai você sua hegemonia diante da opinião pública, é possível que Barthes tenha razão. O que não A música-tema escolhida para a novela foi impede que se tente compreender os mean- Como vai você, dos irmãos Mário e An- dros televisivos com um mínimo de instru- tonio Marcos, gravação de Roberto Car- mental teórico. los em 1972 (CBS 137795), regravada no O assunto é pouco musical? Não, se con- ano seguinte por Antonio Marcos (RCA cordarmos novamente com Tarasti: “a teo- 103.0079, 1973). Como vai você tem mais ria deve elucidar todas as obras e o compor- de dez regravações, entre elas as de Ân- tamento real dos compositores, intérpretes e gela Maria e Cauby Peixoto (EMI-Odeon 062421239), Maria Bethania (Phonogram 1 Tarasti, Eero – A theory of musical semio- tics. Bloomington e Indianapolis: Indiana University 6349 089, 1973) e Nelson Gonçalves (RCA Press, 1994. 110.4006, 1975). Para efeito deste trabalho, 2 Obra já citada. importam apenas as três que imbricam na di- 3 Barthes, Roland – Roland Barthes par lui même. reção de Laços de família: as de Roberto Paris: Seuil, 1985. 4 Obra já citada. 5 Obra já citada. www.bocc.ubi.pt Laços de família - Os bastidores de um sucesso 3 Carlos, intérprete do sucesso original; An- sobre o qual se debruçam há décadas semió- tonio Marcos, cantor e compositor de São logos de todos os matizes. Paulo que chegou a rivalizar com Roberto Os trabalhos do semiólogo Hjelmslev, por nos tempos da Jovem Guarda e faleceu aos sua vez, contemplam outra terminologia. Em 47 anos, em 1992 na capital paulista; e, a vez de significante e significado, ele prefere de Daniela Mercury, em CD single acoplado expressão e conteúdo e, na música, “mudado ao CD Sol da liberdade (BMG 7432177519- o nível de expressão, muda o conteúdo tam- 2). Todas apoiadas em cordas, sintetizadas bém”. Já o italiano Umberto Eco retoma ou não (no caso de Daniela, as cordas só ga- a definição peirceana ao lembrar que “o in- nham ênfase no fim da primeira apresentação terpretante é aquilo que o signo produz na de toda a canção). quase-mente que é o intérprete. (...) É ne- Thomas A. Sebeok define o musicólogo cessário nomear o primeiro significante por Eero Tarasti como “um sintetizador das teo- meio de um outro significante, e assim su- rias semióticas”, relacionando-as com a mu- cessivamente.” sicologia. Na apresentação do livro A theory No caso de uma canção numa trilha so- of musical semiotics6, de Tarasti, Sebeok res- nora, o nível de expressão vem carregado de salta a influência do lituano A. J. Greimas no outros significados, segundos e terceiros, a trabalho e constata que o estudo dos signos começar pela (re)leitura da nova intérprete. está envolto numa “selva de conceitos”. No Tarasti sustenta que “a narratividade em mú- prefácio, o próprio Tarasti confessa que o li- sica não é programática, não conta uma his- vro tomou-lhe “os cinco últimos anos de tra- tória”. Numa canção, no entanto, há uma balho”, encaminhando-o “numa direção for- narratividade explícita – e se a esta narra- temente empírica”. tividade ainda se junta uma outra história, Mas Tarasti sofre influência também do nesse caso, pode-se chegar a uma simbiose americano Charles Sanders Peirce (1839- quase definitiva entre ambas as narrações. É 1914), cujos textos acrescentam um ele- quase impossível, por exemplo, ouvir Zorba, mento fundamental à velha semiologia saus- o grego, de Georges Moustaki, sem lembrar sureana. Dizia o mestre francês Ferdinand de imediatamente da dança de Anthony Quinn Saussure (1857-1913), em seu célebre Curso no filme homônimo de Michael Cacoyannis, de linguística geral, publicado na França em por sua vez já inspirado em romance de Ni- 1916, que o signo sempre tem dupla face: kos Kanzantzakis. o significante e o significado. O signo, na Tal como ocorre na novela de Manoel Car- definição mais simples e aceita, é “algo que los, que aproveitava uma melodia que já está no lugar de outra coisa”. Mas, em mú- era conhecida, o filme Retratos da vida, de sica, diz Tarasti, “o relacionamento entre es- Claude Lelouch, decalca o Bolero de Ravel, tes dois lados do signo difere muito da lin- com uma coreografia marcante de George guagem verbal”. Resumidamente, a contri- Donn em pleno Trocadero parisiense. Quase buição de Peirce é a afirmação de que, entre toda a platéia já conhecia a melodia, mas a um e outro, há o interpretante, um conceito partir do filme ficou difícil ouvi-la sem lem- brar do filme. A escolha de Vênus, de Ist- 6 Obra já citada. van Szabo, traz Glenn Close dublada por Kiri www.bocc.ubi.pt 4 Roberto M. Moura Te Kanawa nos bastidores de uma orques- Cole Porter ou Moustaki, a que se pode cha- tra ensaiando a ópera Tannhauser, de Wag- mar de estilo. O musicólogo Ferruccio Bu- ner – e algumas árias soam depois de visto soni, citado por Tarasti, argumenta, no en- o filme inteiramente comprometidas com as tanto, que se deve separar a narratividade imagens. Quer dizer: o que era significante pura “dos estereótipos formais dos grandes torna-se signo de uma outra coisa. No caso compositores”. Como demonstrou o com- de Zorba, também esta outra coisa, o filme, positor e pianista brasileiro Almeida Prado, é signo de outra coisa, o romance. E por aí numa aula magna na UNIRIO, em 1999, é vamos. O romance me lembra seu autor, que possível identificar e destacar clichês e solu- me lembra a Grécia, que me lembra..

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