Literatura E Política No Estado Novo Universidade Federal De Santa Catarina

Literatura E Política No Estado Novo Universidade Federal De Santa Catarina

LITERATURA E POLÍTICA NO ESTADO NOVO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitor Ubaldo Cesar Balthazar Vice-Reitora Alacoque Lorenzini Erdmann EDITORA DA UFSC Diretora Executiva Gleisy Regina Bóries Fachin Conselho Editorial Gleisy Regina Bóries Fachin (Presidente) Adriano Luiz Duarte Aguinaldo Roberto Pinto Carlos Luiz Cardoso Eliete Cibele Cipriano Vaz Ione Ribeiro Valle Gestine Cássia Trindade José Paulo Speck Pereira Josimari Telino de Lacerda Katia Jakovljevic Pudla Wagner Luana Renostro Heinen Luis Alberto Gómez Mauri Furlan Editora da UFSC Campus Universitário – Trindade Caixa Postal 476 88040-900 – Florianópolis-SC Fone: (48) 3721-9408 [email protected] www.editora.ufsc.br Adriano Luiz Duarte organização LITERATURA E POLÍTICA NO ESTADO NOVO Os concursos literários promovidos pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1942 e 1944 Contém as seguintes obras: Pedro Maneta (1942), de Paulo Lício Rizzo Julho, 10! (1942), de Leda Maria de Albuquerque e Maria Luisa Castelo Branco Fundição (1944), de Leão Machado 2019 © 2019 Editora da UFSC Coordenação editorial: Flavia Vicenzi Capa: Alicia da Costa Edwirges Editoração: Laís Tomaselli Krause Alicia da Costa Edwirges Revisão: José Renato de Faria Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina L776 Literatura e política no Estado Novo [recurso eletrônico] : os concursos literários promovidos pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1942 e 1944 / Adriano Luiz Duarte, organização. – Dados eletrônicos. – Florianópolis : Editora da UFSC, 2019. 466 p. Contém as seguintes obras: Pedro Maneta (1942) de Paulo Lício Rizzo, Julho,10! (1942) de Leda Maria de Albuquerque e Maria Luisa Castelo Branco, Fundição (1944) de Leão Machado. Inclui bibliografia E-book (PDF) Disponível em: <http://editora.ufsc.br/estante-aberta/> ISBN 978-85-328-0837-0 1. Literatura – Brasil. 2. História – Brasil. 3. Política – História – Brasil. I. Duarte, Adriano Luiz. cdu: 82(81)(091) Ficha técnica elaborada por Jonathas Troglio – CRB 14/1093 Este livro está sob a licença Creative Commons, que segue o princípio do acesso público à informação. O livro pode ser compartilhado desde que atribuídos os devidos créditos de autoria. Não é permitida nenhuma forma de alteração ou a sua utilização para fins comerciais. br.creativecommons.org SUMÁRIO 6 Chafurdando na ideologia 13 Nota do organizador 15 Texto e contexto dos concursos literários promovidos pelo MTIC em 1942 e 1944 109 PEDRO MANETA Paulo Lício Rizzo 267 JULHO,10! Leda Maria de Albuquerque e Maria Luisa Castelo Branco 310 FUNDIÇÃO Leão Machado 463 Anexos 466 Sobre o organizador CHAFURDANDO NA IDEOLOGIA Os governos trabalhistas brasileiros, neste começo do terceiro milênio da Era Comum, têm o orgulho de apresentar estes dois romances e esta peça de teatro, obras destinadas a exaltar a vida dos trabalhadores modernos. Flagrados em seu cotidiano, na fábrica e em casa, nas turmas de companheiros ou em família, eles são apresentados aqui em sua humanidade, que sai grandemente beneficiada pelas medidas governamentais recentes. A vida nas progressistas cidades brasileiras vai retratada de forma positiva no trabalho dos jovens autores premiados. Tendo agora reconhecidos os direitos a que faziam jus, os trabalhadores do Brasil terão melhores condições para construir o país que queremos e que todos merecem. Salve a literatura trabalhista brasileira! Salve o governo que patrocina a nova literatura operária brasileira! Calma: os dois parágrafos acima e as situações mencionadas são ficção, fruto apenas da imaginação. Os governos reformistas que de fato ocuparam o poder federal no Brasil nos anos 2000 iniciais não patrocinaram dois romances e uma peça de teatro. Poderão ter tido iniciativas semelhantes, custeando festivais de arte que se destinavam a entreter aquilo que uma vez se chamou de classe operária. Mas não organizaram concursos literários destinados especificamente a premiar narrativas e obras teatrais que, ao contar alguma história, fizessem o elogio de ações governamentais, nem mesmo aquelas que reconheceram direitos aos trabalhadores. Mas um processo bem assim aconteceu. Não, não estamos falando da União Soviética, no processo de ascensão do chamado Realismo Socialista, nem da Alemanha nazista; isso aconteceu no Brasil de Getúlio Vargas. Chafurdando na ideologia 7 É desse tempo, desse fenômeno que se ocupa o presente livro. Em 1942 e 1944, o então Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio resolveu instituir prêmios para “romances e comédias para operários”, tendo no horizonte a “elevação cultural dos trabalhadores do Brasil através de uma ação educadora e de uma assistência intelectual”. Oferecendo prêmios substantivos em dinheiro e tendo no corpo de jurados, além do ministro mesmo (o advogado Alexandre Marcondes Filho), dois escritores indicados pela Academia Brasileira de Letras, dois jornalistas indicados pela Associação Brasileira de Imprensa, dois representantes do Sindicato Nacional de Empresas Editoras e Publicações Culturais e, ainda, dois escritores representantes da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais – estávamos no Estado Novo com sua política corporativista, tempo e situação em que a representação pelas categorias profissionais correspondia ao ideal –, os concursos resultaram na escolha dos três textos que aqui se reproduzem. No ano de 1942, foram escolhidos o romance Pedro Maneta, do jovem paulista (de Campinas) Paulo Lício Rizzo, e a comédia Julho, 10!, das também jovens, mas cariocas, Leda Maria de Albuquerque e Maria Luisa Castelo Branco. Já no ano de 1944, apenas um romance foi premiado, Fundição, de Leão de Sales Machado, nascido em Itápolis, SP. Acompanha o texto integral dos dois romances e da comédia um estudo acurado de Adriano Duarte, professor de História na UFSC e pesquisador do mundo do trabalho no Brasil, que dedicou parte de sua carreira justamente a entender os sentidos envolvidos no processo todo, de sua formulação política até a representação literária. Um espetáculo de trabalho acadêmico bem concebido e desenvolvido adequadamente, que agora encontra a forma do livro e assim devolve à circulação, com um ótimo aparato crítico, esses três objetos estéticos em que arte e ideologia se encontram às claras. É claro que arte e ideologia sempre têm encontro marcado na realização de qualquer objeto estético. São muito variadas as circunstâncias e os graus desse encontro rotineiro. Pode haver trombadas, pode haver carícias recíprocas, pode haver rechaço, pode haver confluência. Pode resultar arte com alguma capacidade de transcender as condições de concepção e produção, assim como pode se dar o contrário, quer dizer, pode surgir arte que mergulha na irrelevância na primeira esquina do curso da história. 8 Literatura e política no Estado Novo O leitor poderá lembrar uma série de casos, dos mais extremos aos mais delicados, em tempos mais remotos, como a Idade Média cristã, ou em momentos mais recentes, como ocorreu na Europa do século passado. A cineasta Leni Riefenstahl, talentosa diretora do cinema alemão que colocou sua verve a serviço da divulgação do nazismo, é um caso conhecido de confluência entre arte, ideologia e poder assassino. O realismo socialista soviético também pode ser lembrado como um caso em que os mesmos ingredientes se encontraram; sirva de exemplo o caso de Vladimir Maiakósvki, entusiasta da revolução soviética, em favor da qual lutou com as armas de sua poesia, mas contra a qual se posicionou quando a censura comunista começou a atuar – seu suicídio depõe historicamente a seu favor nessa luta entre arte e política, essas duas dimensões da ação humana que o século 20 viu incontáveis vezes em choques estrondosos. O Brasil viveu um turbilhão assemelhado. Também por aqui presenciamos cenas de confronto e de convergência entre a prática artística e o mundo do poder. Deixemos de lado o mundo da Guerra Fria, que se estendeu entre o final da Segunda Guerra (1945) e talvez a Queda do Muro de Berlim (1989); fixemos a atenção naquele tempo que engloba as duas guerras, aqueles escassíssimos trinta anos que vão de 1914 a 1945 e que definiram o rumo do Ocidente moderno. Neste tempo houve no Brasil fenômenos de largo impacto, justamente porque pagaram para ver, no jogo entre arte e ideologia. O mais vistoso desses fenômenos, aquele de maior cartaz nos manuais de história da literatura, mas de muito menor alcance social, foi o Modernismo paulistano, com epicentro na mitológica (e descabidamente supervalorizada) Semana de Arte Moderna. O outro fenômeno é o da literatura engajada, dos anos 1930 e 1940, muito mais sólido em matéria de realização formal, como se vê na obra de Graciliano Ramos ou de Carlos Drummond de Andrade, exemplarmente. Há incontáveis aspectos a considerar nessa fatia da experiência brasileira, como se pode ler em muitos estudos – para ficar em apenas um caso, veja-se a precisa descrição e os ótimos comentários do chamado “romance proletário” por Luís Bueno, em Uma história do romance de 30 (livro de 2006). Chafurdando na ideologia 9 Em resumo ultrabreve da questão, pode-se dizer que muito da vanguarda modernista paulistana envelheceu mal justamente pelo desbragado envolvimento ideológico nas pendengas imediatas daquele tempo – relembremos os excessos cometidos por Mário de Andrade em seu combate à hegemonia parnasiana na poesia –, ao passo que um romance como Vidas secas ou um livro de poesias como A rosa do povo sobrepujaram as constrições ideológicas vigentes em sua concepção e em sua produção, continuando a convocar leitores até

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