Reflexões sobre a origem e a formação de Portugal Autor(es): Soares, Torquato de Sousa Publicado por: Imprensa da Universidade de Coimbra URL persistente: http://hdl.handle.net/10316.2/46934 DOI: https://doi.org/10.14195/0870-4147_7_2 Accessed : 6-Oct-2021 11:35:49 A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos. Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s) documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. 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E, por sua vez, Estrabão diz que, para garantir a liberdade de trânsito, pelo Tejo, ao abastecimento das suas tropas, começou por fortificar Olisipo (Lisboa), estabelecendo a base de operações em iMóron, cidade bem situada sobre uma elevação junto ao rio, à distância de uns quinhentos estádios do mar ( 2). Comentando este trecho, Schulten identifica Móron com Chã Marcos, acima da ilha de Almourol, ma confluência do Zézere com 0) Vide Fontes Hispaniae Antiquae, fase. IV, págs. 332-333. (2) ODII, 3, 1. Estrabão acrescenta que Móron tinha campo9 férteis nos arredores, e era «bem acessível pela via fluvial, pois as maiores naves podem subir grande parte do rio, e embarcações de tipo fluvial ainda mais longo. O Prof. Garcia y Bellido, cuja tradução seguimos, atribui a 5'00 estádios a extensão aproximadamente de >100 km., ou sejam 2'00 m. por estadio (España y los Españoles hace dos mil años según la Geografia de Stràbon, págs. 121-122); mas Mendes Corrêa admite que correspondesse a 185 m. ou mesmo a 100 m. (Moron, in Trabalhos da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnografia, vol. VI, pág. 252). Vide também, in Fontes Hispaniae Antiquae, Estrabón: Geografía de Iberia, trad. e comentada por A. Schulten, pág. 103. 13 194 Torquato de Sousa Soares o Tejo( 3); mas trata-se, evidentemeníte, de uma confusão, pois, ao que parece, nem Almourol deriva de Mórom, como supõe ( 4), nem se afigura admissível que a cidade, a que se refere Estrabão, ficasse na margem esquerda do Tejo, uma vez que era o país situado ao norte desse rio que Bruto se propunha dominar. De resto, como Mendes Corrêa observa, a descrição topográfica feita pelo geógrafo grego «aconselha nitidamente que se procure tal localização no escarpado em que está Santarém, ou noutra ele­ vação vizinha, na margem direita do Tejo ( 5). E o certo é que não só «esta cidade fica, como Móron, num alto que domina o Tejo e a sua planície marginal alagadiça, ao morte do segundo estuário de que falava Estrabão», imas também aproximadamente à dis­ tância de 500 estádios da foz desse mesmo rio( 6). E quanto à ilha que o geógrafo grego diz ficar em frente — ilha fértil e abundante em vinhas, com trinta estádios de comprimento (3) «Móron estava acerca de 500 estádios (92 Km.) do mar, junto a uma pequena ilha do Tejo que tinha 30 estádios (5,5 Km.) de comprido e era quase da mesma largura. De facto, encontra-se a cerca de 90 Km. do mar a pequena ilha de (Almourol que corresponde evidentemente à velha Móron (com o artigo áralbe); e, defronte, no monte Ohã Marcos, na margem sul, está um lugar apropriado para a cidade de Móron» (Forschungen in Spanien, trad. por A. Athayde, in Trabalhos da Sociedade Portuguesa de Etnologia, vol. WI, pág. 50). Schulten reafirma esta identificação em Fontes Hispaniae Antiquae, IV, pág. 138. (4) Mendes Corrêa, admitindo poder também haver relação entre Móron e Almeirim, consultou o grande arabista David Lopes, que se pronunciou assim: «Tentei várias vezes a explicação de Almeirim pelo árabe, mas foi em vão; não deve, todavia, este nome ter nada com Moron, fonéticamente pelo menos. O artigo árabe — ou seja esse prefixo aí — só se aglutina a nomes não árabes quando estes são de significação comum: por exemplo em Alportel (al + portei) ou Alporão (al + plan). Por isso — conclui — quer se trate de Almourol quer de Almeirim, o a/- supõe um nome comum, árabe ou não, que não sei qual seja» (Trabalhos cit., VI, págs. 25'5-25õ). (5) Ibidem, ibidem, pág. 257. (6 ) Ibid., ibid., pág. 256. Reflexões sobre a origem, e a formação de Portugal 195 e quase outros tantos de largura ( 7) — Mendes Corrêa observa não poder sier, por todas as razões expostas, a de Almourol, «mas seria, por certo, um dos mouchões (o de Alfariga ou do Inglês) que há ou havia nio Tejo, nas proximidades de Santarém» ( 8 ). A identificação de Móron com Santarém é, no dizer de Vergilio Correia, «confirmada pela descoberta de um topónimo, Vale de Mou­ ron, perto dessa cidade» ( 9 ) ; mas Bairrão Oleiro julga tratar-se, mais provavelmente, do acampamento romano dos ChÕes de Alpompé, perto de Vale de Figueira, que «está situado sobre uma posição ele­ vada (95 metros), próximo do Tejo, rodeada de campos férteis e com óptimas condições estratégicas» ( 10), aonde enicontrou «um frag­ mento de cerâmica camipaniense do tipo A, atribuível ao século II a. C.» (n). E acrescenta: «Entre o Alviela e o Tejo estende-se uma larga porção de terreno cujas dimensões correspondem sensivel­ mente às que Estrabão indica para a ilha fronteira a Móron» ( 12). Para a determinação do itinerário seguido por Décimo Júnio Bruto, a localização de Móron reveste particular importância, pois foi por considerá-la junto ao Zézere, que Schulten supôs ter o general romano subido esse rio, que era a via natural de entrada da Serra da Estrela, em cujo lado norte ¡está a chamada Cava de (7) Considerando a impossibilidade de ajustar as diminutas dimensões da ilha de Almourol com a que Estrabão descreve, Schulten aventa a hipótese de um erro de cifra ( Trabalhos cit., VUI, pág. 50). De facto, na tradução da Geografia de Estrabão, corrige para três estádios ( Fontes cit., pág. 103). Mas, mesmo assim, 9e nos afigura impossível identificar com Almourol uma ilha onde vicejam oliveiras e vinhas. (8 ) Ibid., ibid., pág. 257. Vide também a pág. 255. (9 ) A Romanização da Lusitânia, in «¡Congresso do Mundo Português», I. vol., pág. 5135. (10) Geografia e Campos fortificados Romanos, in «Boletim do Centro de Estudos Geográficos» da Universidade de Coimbra, n.°* ¡6 e 7, pág. 80. Coimbra, 1953. (”) Ibidem, n.os 10 e 11 (1955), pág. 120. O2) Ibidem, n.os 6 e 7 (1953), pág. 80. 196 Torquato de Sousa Soares Viriato, cuja construção julgava corresponder à sua primeira expe­ dição, de 138 a. C. ( 13). De facto, ficando Móron bastante mais a juzante, a hipótese de Schuilten perde toda a verosimilhança, considerando, para mais, quão arriscado devia ser o percurso pelo vale do Zêzere entre tribos hostis, e ainda a circunstância de não ser fácil, por aí, o caminho até Viseu. Já Bairrão Oleiro notou, muito judiciosamente, que Bruto, depois de ter seguido .a linha do Tejo, devia «ter infleotádo para o Norte, sem se intermar muito na zona montanhosa pelas dificul­ dades de nela operar e se reabastecer» ( 14). Realmente, Apiano, ao descrever esta campanha, observa que o general romano renunciou a perseguir os bandas que percorriam e devastavam a Lusitânia, preferindo tomar as suas cidades situa­ das na região compreendida entre os rios Tejo e Nimio ou Minho(15). (13) Artigo citado, in «Trabalhos da Sociedade Portugugesa de Antropo­ logia e Etnologia», vol. VII, pág. 52. v(14) Subsídios para o Estudo do Acampamento Romano de Antanhol, pág. (15) Apiano, que parece ter-se baseado em Possidónio, que, por sua vez, teria copiado Políbio, diz assim, segundo a tradução de Schulten: «O exemplo de Viriato fez com que muitos outros 'bandos percorressem e desvastassem a Lusitânia. Enviado Sexto Júnio Bruto contra eles, renunciou a perse- gui-los naquela vasta região compreendida entre os rios Tejo, Letes, Douro e Betis, todos navegáveis; julgava, com efeito, difícil alcançar tropas que se deslocavam com a rapidez própria dos bandidos; não as alcançar, desonroso; e vencê-las, não muito glorioso. Em vez disso, marchou contra as suas próprias cidades, pensando assim castigá-los ao passo que enriqueceria os seus soldados, e calculando que os bandidos se dispersariam, indo cada um para sua pátria, ao sabê-la ameaçada. Assim pensando, começou por saquear o que encontrava pelo caminho. Para o impedir, as mulheres lutavam ao lado dos homens, manejando como eles as suas armas, sem soltar um só grito nas refregas. Houve-os também que fugiram para as montanhas com o que puderam levar; aos quais Bruto perdoou quando lhe suplicaram clemência, pri- vando-os de uma parte dos seus bens.
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