UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE PSICOLOGIA MARIA JOSEFINA SOTA FUENTES AS MULHERES E SEUS NOMES: LACAN E O FEMININO São Paulo 2009 MARIA JOSEFINA SOTA FUENTES AS MULHERES E SEUS NOMES: LACAN E O FEMININO Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Psicologia. Área de Concentração: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano Orientador: Profa. Dra. Walkíria Helena Grant São Paulo 2009 AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. Catalogação na publicação Serviço de Biblioteca e Documentação Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Fuentes, Maria Josefina Sota. As mulheres e seus nomes: Lacan e o feminino / Maria Josefina Sota Fuentes; orientadora Walkíria Helena Grant. -- São Paulo, 2009. 273 p. Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Área de Concentração: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. 1. Feminilidade 2. Nomes 3. Psicanálise 4. Feminismo 5. Mulheres I. Título. BF175.5.F45 FOLHA DE APROVAÇÃO Maria Josefina Sota Fuentes As mulheres e seus nomes: Lacan e o feminino Tese do Doutorado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Psicologia. Área de Concentração: Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano Aprovada em: Banca Examinadora Prof. Dr. Instituição: Assinatura: Prof. Dr. Instituição: Assinatura: Prof. Dr. Instituição: Assinatura: Prof. Dr. Instituição: Assinatura: Prof. Dr. Instituição: Assinatura: À memória de meu querido pai, Alberto Sota Kovacs, pela saudade, infinita. AGRADECIMENTOS A Walkíria Grant, por ter sempre acolhido meu trabalho com sabedoria e entusiasmo ao longo desses anos de pesquisa. A Jésus Santiago, agradeço por todas as sugestões, correções e nomeações, fundamentais na construção deste trabalho. A Christian Dunker, a quem tenho o privilégio de recorrer desde os tempos de faculdade, agradeço pela leitura sempre atenta e rigorosa. A Elisa Alvarenga, pela honra de tê-la novamente em minha banca examinadora e presente nas construções da psicanálise. A Glauci Gomes, parceira de tantos temas, da psicanálise, da literatura e da vida. Agradeço pela arte deste encontro. A Marcela Antelo, pelas indicações bibliográficas preciosas. À Associação Mundial de Psicanálise, pela orientação precisa e crucial para enfrentar o mal-estar sempre renovado na civilização. Agradeço a todos os amigos queridos e colegas que fazem desse o nosso lugar de construção e interlocução e mantêm vivo o desejo de que a psicanálise se mantenha no mundo à altura dos novos desafios. Ao CNPQ pelo apoio à pesquisa. Agradeço às amigas de toda uma vida, por ordem d e chegada: Flávia Rahal, Fernanda Macedo, Cinthia Arcuri, Joana França e aos seus maridos. Aos amigos queridos, que conheci nos caminhos da psicanálise: Heloísa Prado, Lucila Maiorino, Ana Cristina Dunker, Beatriz de Oliveira, Luiz Guilherme, Ana Laura Prates e Michele Faria. Às amigas reunidas pelos filhos: Mariana, Dedé e Luciana. A minha amiga Sônia Marx, pelo encontro, na música e da alma. A Graciela Brodsky, por enfrentar o dark continent que habita em mim. A minha querida mãe e minha família. A Alfredo Fuentes, meu marido, por tudo e mais ainda. Ao meu filho querido, Fernando, o maior presente que a vida me deu. Ser-se mulher é algo de tão peculiar, de tão misto, de tão compósito, que nenhum predicado pode por si só exprimi-lo, e os muitos predicados, caso os quiséssemos utilizar, contradir-se-iam mutuamente de tal maneira que só uma mulher seria capaz de suportar tal coisa; aliás, pior ainda, seria capaz de encontrar prazer nisso. Sören Kierkegaard RESUMO FUENTES, M.J.S. As mulheres e seus nomes: Lacan e o feminino. 2009. 273 f. Tese (Doutorado) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Contrariamente ao feminismo que resume o feminino a uma construção discursiva histórica e procura atualmente desconstruir o dualismo das diferenças sexuais, considerada obrigatória e restritiva, nesta pesquisa procuramos demonstrar que se “A” mulher não existe, segundo Jacques Lacan, o feminino insiste – não como categoria que daria enfim consistência à mulher como gênero, mas como um real que afeta o ser falante e que requer soluções de nomeações diante da foraclusão do significante dA mulher no inconsciente. Na primeira parte, intitulada “As mulheres e o feminino na cultura”, exploramos os diversos nomes do feminino que designaram a mulher ao longo da história ocidental – que vão desde o terror à mulher passando por distintas formas de difamação, até sua adoração pelo viés da beleza ou pelo efeito que a nomeação lhe confere. Os nomes do feminino que Freud recolheu na experiência psicanalítica e nos aportes trazidos pelas mulheres analistas da época são também avaliados, bem como as teses de Lacan sobre o feminino e a condição feminina. Na segunda parte, intitulada “Soluções e impasses ao feminino”, investigamos as soluções de suplência e os impasses frente ao feminino em quatro mulheres: Anna O., a jovem homossexual, Helene Deutsch e Marguerite Duras através de sua personagem Lol V. Stein, elogiada por Lacan por ter elucidado uma prática da letra convergente com o uso do inconsciente, tema de nossa investigação. Palavras-chave: feminilidade, nomes, psicanálise, feminismo, mulheres. ABSTRACT FUENTES, M.J.S. The women and their names: Lacan and the feminine. 2009. 273 f. Thesis (Doctoral) - Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Unlike the feminism abstracting the feminine into a historical discursive construction and currently demanding to deconstruct the dualism of sexual differences considered mandatory and restrictive, in this research we intend to demonstrate that, if “The” woman does not exist, according to the thesis of Jaques Lacan, the feminine insists – not as category that would finally give consistency to the woman as gender, but as a real that affects the talking being and requires solutions of nomination according the foreclosure of “The” women significant in the unconscious. In the first part, entitled "The women and the feminine in the culture", we explored the various female names that designated the women throughout western history– ranging from the terror on women, through different forms of defamation, until its worship by the beauty bias or by the effect that its appointment can cause. The names of the feminine that Freud sought on psychoanalytic experience and in the contribution brought by women analysts at the time are also evaluated, as well as the theory of Lacan on women and the feminine condition. In the second part, entitled "Women analysis", we investigated the solutions and deadlocks heading the female from the analysis of four women: Anna O., the young homosexual, Helene Deutsch and Marguerite Duras through its character Lol V. Stein, praised by Lacan to have elucidated a practice of convergent letter with the use of the unconscious, theme of our research. Key-words: femininity, names, psychoanalysis, feminism, women. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 10 PARTE I: AS MULHERES E O FEMININO NA CULTURA CAPÍTULO 1. A maldição do sexo: on la dit-femme 29 CAPÍTULO 2. O enigma do dark continent: Freud e suas mulheres 64 CAPÍTULO 3. A mulher não existe, mas pode ser nomeada 92 PARTE II: SOLUÇÕES E IMPASSES AO FEMININO CAPÍTULO 4. Bertha Pappenheim em defesa das mulheres órfãs e prostitutas 131 CAPÍTULO 5. A jovem homossexual: padecer do inominável 157 CAPÍTULO 6. Helene Deutsch: masoquista, um nome do feminino 182 CAPÍTULO 7. Marguerite Duras e a localização da letra no arrebatamento de Lol V. Stein 211 MOMENTO DE CONCLUIR 233 ANEXOS 238 REFERÊNCIAS 255 10 INTRODUÇÃO O feminino em questão A primeira questão que se impõe no âmbito desta pesquisa é por que falar, ainda, do tema das mulheres e do feminino que já se prestou a tanta controvérsia e sobre o qual tanto já foi dito? Com efeito, transcorrido mais de um século de sua existência, a psicanálise não cessa de se confrontar – e ser confrontada pelos discursos renovados que a interrogam – com esse tema. Foi assim desde sua origem, quando Freud criou pela primeira vez na história um discurso a partir do saber que as histéricas produziam em seu divã, contribuindo para a retirada das mulheres dos bastidores do campo social e político, para colocá-las no centro da cena analítica. Assim, ao fim do século XIX, a psicanálise nasceu diante de uma singular manifestação do feminino, a histeria, que denunciava a castração do mestre encarnando a impropriedade do corpo do saber médico, ao mesmo tempo em que abria uma via até então inédita ao real do inconsciente. Mas não sem o desejo de Freud. Embora Charcot tenha desfeito alguns dos preconceitos contra as histéricas, demonstrando que a histeria não é nem obra do diabo, nem simulação, nem fruto da maldade de mulheres manipuladoras, contudo, a clausura seria ainda o destino dessas mulheres. Tal como ilustra George Huberman (1982), contrastante com a Paris da belle époque, Salpêtrière era verdadeiramente o inferno feminino de uma citta dolorosa, onde quatro mil mulheres, incuráveis ou loucas, adoeciam e morriam confinadas. Com o recurso da hipnose, Charcot fez do anfiteatro da Salpêtrière nas célebres apresentações das terças-feiras, o palco onde a histérica poderia enfim crer-se a protagonista. Mas em 11 um consentimento sem igual a oferecer-se ali onde o desejo do médico a esperava, tanto mais proliferava a crise na ligação extraordinária entre a histérica e o desejo do mestre que assim a reinventava. É o que revelam as imagens de Huberman (em anexo): as poses, as crises, as atitudes passionais, o erotismo, o êxtase, o grande ataque, enfim, a grande histeria – o que levava à situação paradoxal do agravamento de um mal, ali onde a histérica padecia reinando sobre o saber do mestre.
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