Medicina, Ribeirão Preto, X SIMPÓSIO BRASILEIRO DE FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR 39 (1): 3-12, jan./mar. 2006 Capítulo I RECEPTORES β-ADRENÉRGICOS NO SISTEMA CARDIOVASCULAR β-ADRENOCEPTORS FUNCTION IN THE CARDIOVASCULAR SYSTEM Mário A Neto1, Ricardo R Rascado1, Lusiane M Bendhack2 1Pós-Graduandos (Doutorado). Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP. 2Docente. Departamento de Física e Química. Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto - USP. CORRESPONDÊNCIA: Profa. Dra. Lusiane M. Bendhack. Laboratório de Farmacologia. Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto - USP Av. do Café s/nº - 14040-903 Ribeirão Preto - SP Fax: 16-36024880 . e-mail: [email protected] Neto MA, Rascado RR, Bendhack LM. Receptores β−adrenérgicos no sistema cardiovascular. Medicina (Ribeirão Preto) 2006; 39 (1): 3-12. Resumo: Os receptores β-adrenérgicos (β-AR) integram um sistema proteico ternário: β-AR, proteína G de acoplamento e enzimas como a adenilato-ciclase (AC) que produz o 3´-5´ monofosfato de adenosina (AMPc). O principal mecanismo de ação do AMPc é a ativação da proteína quinase A (PKA), capaz de fosforilar inúmeros substratos. Em células endoteliais, a ativação dos β-AR promove o aumento dos níveis citoplasmáticos de Ca+2 favorecendo a ligação do Ca+2 com a calmodulina e deste complexo com a enzima óxido nítrico sintase endotelial (eNOS), resultando na produção de NO. A ativação β-AR no músculo liso vascular e conseqüente ativação da PKA reduz a concentração citoplasmática de Ca+2 e a sua afinidade pela calmodulina, resultando no relaxamento vascular. Os receptores β-AR podem ser agrupados em β-AR clássi- cos (β e β ) e β-AR atípicos (β e β ). Os agonistas β-AR são classificados em não seletivos 1 2 β 3 4 β (isoprenalina), seletivos 1 (xamoterol) e seletivos 2 (terbutalina, salbutamol) e podem ser usa- dos em várias situações clínicas, como broncodilatadores ou como estimulantes cardíacos. O β desenvolvimento de agonistas 3-AR como BRL-37344, CGP 12177 e CL 316243, bem como de antagonistas β-AR têm merecido especial atenção devido à sua eficácia no tratamento da hiper- tensão arterial, certas arritmias cardíacas e isquemia cardíaca. A busca por antagonistas seleti- vos resultou na síntese de vários compostos como: atenolol, bisoprolol, betaxolol, practolol e CFP20712A (antagonistas β -AR seletivos), ICI 118551 (antagonista β -AR seletivo), SR59230A β 1 β2 (antagonista 3-AR seletivo), bupranolol e CGP20712A (antagonistas 4-AR seletivos). Descritores: Receptores β Adrenérgicos. AMPc. GMPc Vasodilatação. Endotélio Vascular. 1- RECEPTORES β-ADRENÉRGICOS As catecolaminas como a adrenalina e a nora- drenalina, regulam processos fisiológicos pela ativa- O sistema nervoso simpático desempenha um ção de receptores adrenérgicos específicos localiza- importante papel no controle da pressão arterial, espe- dos na membrana celular, dependendo da dose, do te- cialmente em situações patológicas como na hiperten- cido e do agonista1. A partir destes estudos, os recep- são arterial. O músculo liso vascular é inervado por tores foram classificados em α-adrenérgicos (α-AR) fibras nervosas do sistema autônomo simpático e os e β-AR (β-AR). Mais tarde, Lands et al. (1967)2 des- neurotransmissores liberados desses terminais nervo- creveram subtipos distintos de β-AR: β e β -adre- β1 2 β sos podem afetar as funções do músculo liso vascular. nérgicos. A subdivisão dos receptores -AR em 1 3 Medicina (Ribeirão Preto) 2006; 39 (1): 3-12, jan./mar. Receptores b-adrenérgicos no sistema cardiovascular http://www.fmrp.usp.br/revista Neto MA, Rascado RR, Bendhack LM (prevalente no miocárdio e responsável pelo inotro- multi-estado conformacional com vários estados in- β pismo e cronotropismo positivos) e 2 (prevalente nos termediários entre o inativo e o ativado, justificando músculos lisos e esqueléticos, responsável pelo rela- variações relativas à afinidade dos agonistas. xamento muscular) foi baseado em diferenças na po- tência dos agonistas adrenalina e noradrenalina. Es- tas catecolaminas são equipotentes na ativação de β - 2- VIA DE TRANSDUÇÃO INTRACELULAR 1 β AR, mas a adrenalina é mais potente do que a nora- ACOPLADA AOS RECEPTORES -AR drenalina em ativar β -AR. Posteriormente, foi isola- 2 Os β-AR são ligados à proteína G e apresen- do o gene humano responsável por codificar o β - s 3 tam sete domínios transmembrana. Este modelo apre- AR3,4. Além destes, foi identificado o β -AR em esta- 1 sentado por Dixon et al. (1987)19, assume que cada do de baixa afinidade (possível β -AR)5 também clas- 4 um dos sete resíduos hidrofóbicos de aminoácidos atra- sificado como receptor β-atípico. As propriedades far- vessa a membrana e que a porção N-terminal do re- macológicas dos β-AR atípicos foram bem descritas6,7 ceptor é exposta na porção extracelular, enquanto a e se caracterizam por apresentar (a) baixa afinidade porção C-terminal é interna à membrana plasmática por antagonistas β-AR clássicos como propranolol, (b) (Figura 1). ativação por agonistas β -AR seletivos como BRL 3 Os β-AR tem homologia em cerca de 60% da 37344, SR 58611A e CL316243, (c) ativação por seqüência de aminoácidos dentro dos domínios trans- agonistas parciais não-convencionais (antagonistas β , 1 membrana, onde se encontra o sítio de acoplamento β -AR e agonistas β em altas concentrações) como 2 3 do ligante para os agonistas adrenalina e noradrenali- CGP 12177A, cianopindolol e pindolol, (d) bloqueio por na20 . A expressão proteica dos β-AR é regulada pela antagonistas β -seletivos como SR 59230A. O quarto 3 ativação ou repressão dos genes que controlam a sín- subtipo de β-AR, o possível β -AR, se caracteriza por 4 tese de proteínas a partir do respectivo RNA mensa- apresentar as propriedades (a) e (c), mas não as pro- geiro, além de um controle por mecanismos pós- priedades (b) e (d) citadas acima5,8,9,10. transcricionais21,22. A clonagem do terceiro subtipo de β-AR (β ) 3 Até há pouco tempo, acreditava-se que todos permitiu a explicação de alguns efeitos das catecola- os β-AR estavam associados apenas à proteína G minas que não estavam relacionados à ativação dos re- s que ativa a AC, resultando na produção do AMPc. ceptores β e β -AR3. Os β -AR foram caracteriza- 1 2 3 Entretanto, o acoplamento simultâneo do β-AR com dos em vários tecidos como: adiposo11, gastrointestinal12, mais de uma proteína G pode ser evidenciado em musculatura lisa brônquica13 e coração humano14. modelos de receptores com alta densidade de recom- Recentemente, foi sugerida a participação de β -AR 3 binação23,24 como o acoplamento do β -AR à proteí- no relaxamento do músculo liso vascular15. 2 na G que parece desempenhar um mecanismo car- De acordo com Kaumann (19895), alguns i dioprotetor, principalmente em pacientes com insufi- agonistas não-convencionais como o CGP12177, ciência cardíaca25,26. produzem efeitos cardíacos pela ativação de um tipo de β-AR diferente dos subtipos até então conhecidos, β sendo um possível 4-AR acoplado à ativação da AC 3- VIAS DE SINALIZAÇÃO CELULAR VIA 16 via proteína Gs . Porém, em estudos posteriores os PROTEÍNA G autores verificaram que o β -AR era um estado con- β 4 formacional do 1-AR e que apresentava um sítio de A proteína G faz parte de uma família de pro- ligação de baixa afinidade para os agonistas e antago- teínas homólogas e triméricas, consistindo de três nistas convencionais17. Dessa forma, o β -AR foi iden- subunidades designadas α, β e γ. Diferenças encon- β 4 α tificado como sendo o 1-AR num estado de confor- tradas na subunidade permitem a classificação em mação de baixa afinidade. diferentes tipos de proteína G27. Após a ativação do β- Os receptores podem coexistir em um estado AR por agonistas, ocorre a ligação do nucleotídeo de equilíbrio que varia de sua configuração inativa à guanosina trifosfato (GTP) ao complexo αβγ da pro- configuração ativada. Na ausência de agonista, a po- teína G promovendo a dissociação do complexo αGTP pulação basal de receptores ativados é determinada da subunidade βγ modulando de forma positiva ou ne- pelo equilíbrio entre estes dois estados conformacio- gativa várias proteínas que podem modificar a con- nais. Schwartz et al. (1999)18 propuseram um modelo centração de AMPc28/31. 4 Receptores b-adrenérgicos no sistema cardiovascular Medicina (Ribeirão Preto) 2006; 39 (1): 3-12, jan./mar. Neto MA, Rascado RR, Bendhack LM http://www.fmrp.usp.br/revista Figura 1: Modelo de distribuição de receptor b-adrenérgico de acordo com Dixon et al., 198719. A ativação de receptores adrenérgicos está li- rentes isoformas da AC nos diferentes tipos de célu- gada a diferentes vias de transdução de sinal e produ- las endoteliais estudados34. As isoformas III, IV, V e ção de segundos mensageiros, que podem levar a uma VI da AC são bem expressas em células endoteliais interação intracelular destas substâncias produzindo de aorta de ratos, veia cava e glândula adrenal35 Por alterações na resposta celular. Isto ocorre principal- outro lado, em células endoteliais pulmonares, foram mente com agonistas não-seletivos α-AR e β-AR32 encontradas todas as isoformas pesquisadas (II-VI). ou hormônios que se ligam a diferentes receptores. Uma importante questão que se coloca a respeito das A enzima AC apresenta cerca de 9 isoformas isoformas da AC é a de como estas isoformas são diferentes, segundo estudos com clonagem molecu- ativadas. Todas as isoformas podem ser ativadas pelo lar. Destas, 6 isoformas são encontradas em ratos (ti- análogo não hidrolisável do GTP (GTPγs) ou com fors- pos II-VI e VIII): tipo I, em algumas áreas do cére- colina, ativador direto da AC35. Entretanto, apenas as bro; tipo II, no cérebro e pulmões e na aorta de ra- isoformas I, II e IV podem ser reguladas pela subuni- 33 βγ tos ; tipo III, geralmente no epitélio olfatório; tipo IV, dade da proteína Gi.
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