Raízes Anelise Graciele Rambo Vol

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Raízes Anelise Graciele Rambo Vol. 24, Nºs 1 e 2, jan.–dez./2005 Mestre em Geografia, UFRGS, Porto Alegre. E-mail: [email protected] Mário José Puhl Mestre em Desenvolvimento, Gestão e Cidadania, UNIJUI, Ijuí. E-mail: [email protected] DINÂMICAS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL: A DENSIDADE INSTITUCIONAL E A INOVAÇÃO TERRITORIAL COOPERATIVA R ESUMO O presente artigo propõe estabelecer uma discussão em torno da densidade institucional, inovação territorial coletiva e da sua con- tribuição no desencadeamento de processos de desenvolvimento territorial, principalmente no âmbito dos territórios periféricos. À medida que os atores desencadeiam ações de forma cooperativa, buscando uma interação com as demais escalas de poder e gestão, entende-se que seja possível promover processos de desenvolvimento territorial, de modo a atender suas demandas e necessidades, através da inovação territorial coletiva, ou seja, a busca coletiva por inovações, com base nas potencialidades e no capital do territó- rio. Estes pressupostos são utilizados na análise da experiência da COOPERCANA de Porto Xavier/RS. Esta consiste numa coope- rativa autogestionária, a única usina de álcool combustível do Rio Grande do Sul, com relativa densidade institucional, ou melhor, com uma significativa interação entre atores e destes com as demais escalas de poder e gestão pensando, de forma coletiva, ações que visem o desenvolvimento territorial. Palavras-chave: cooperação, densidade institucional, territórios periféricos TERRITORIAL DEVELOPMENT DYNAMICS: INSTITUTIONAL DENSITY AND THE COOPERATIVE TERRITORIAL INNOVATION A BSTRACT This article proposes to set a discussion on the institutional density, the collective territorial innovation, the cooperation and its contribution to the beginning of territorial development processes, specially in the area of the peripheral territories. While the subjects start cooperative actions aiming at an interaction with other levels of power and management, it’s possible to promote territorial development processes, in order to fulfill their demands and needs. These subjects look for a collective territorial innovation, that’s to say, a collective search for innovations, based on the potentialities and the capital of the territory. These presuppositions will be demonstrated from the experience of COOPERCANA, based in Porto Xavier /RS. This consists of a self-governed cooperative, the only alcohol – fuel mill in Rio Grande do Sul State, with institutional density, interaction with subjects, and with other levels of power and management, as well, thinking about actions for the territorial development. Key-words: cooperation, institutional density, peripheral territories Raízes, Campina Grande, Vol. 24, nºs 01 e 02, p. 92–102, jan./dez. 2005 Dinâmicas de desenvolvimento territorial: a densidade institucional e a inovação territorial cooperativa 93 INTRODUÇÃO bro de 2004. Atualmente, os associados da Cooperativa localizam-se nos municípios de Roque Gonzáles (58%); As disparidades territoriais têm se tornado cada vez Porto Xavier (35%) no COREDE (Conselho Regional de mais evidentes no atual estágio do meio técnico-científi- Desenvolvimento) Missões e Porto Lucena (7%) no CO- co-informacional. A literatura expressa essas desigualda- REDE Fronteira Noroeste. São ao todo 273 associados, os des através de abordagens como a de Castells (1999), tra- quais cultivam cana em propriedades de 5 a 20 ha, totali- tando do crescimento dos espaços de fluxos em detrimento zando 2.050 ha produzindo cana para a COOPERCANA. dos espaços de lugares; Benko & Lipietz (1994), discor- rendo sobre o surgimento das regiões ganhadoras e per- dedoras; e, ainda, Santos & Silveira (2001) abordando os INOVAÇÃO TERRITORIAL E DENSIDADE INSTITUCIONAL: espaços opacos e luminosos e as regiões do mandar e do UMA ALTERNATIVA DE DESENVOLVIMENTO fazer. Ou seja, o surgimento de territórios centrais e peri- féricos, estando estes últimos, de modo geral, subordina- Promover um processo de desenvolvimento que não se dos aos primeiros e atendendo, de forma passiva, às suas restrinja a um mero crescimento econômico é uma tarefa exigências. Diante da acentuação dessas discrepâncias, a árdua até mesmo para os países desenvolvidos. Imagine- preocupação com o “futuro” dos territórios periféricos tam- se então, o grau de dificuldade encontrado em regiões bém aumenta e, pergunta-se: existem alternativas de de- periféricas localizadas em países “em desenvolvimento”. senvolvimento para estes territórios, ou para àqueles sus- Regiões que estão distantes dos grandes centros de seu tentados economicamente pela agricultura familiar e por estado, de seu país e principalmente das cidades globais, pequenas e médias empresas no espaço urbano? Como como as do COREDE Fronteira Noroeste e Missões, sus- territórios distantes dos grandes centros industriais e de tentadas pela agricultura familiar. Entretanto, nessa região tomada de decisão podem assumir maior protagonismo há uma experiência que, até o momento, pode ser consi- em seu processo de desenvolvimento? Frente a tais inqui- derada um exemplo de que regiões periféricas são capa- etações, apresenta-se, a seguir, a experiência da COOPER- zes de desencadear processos de desenvolvimento territo- CANA, na tentativa de demonstrar como um grupo de rial, atendendo as demandas e as necessidades dos atores, agricultores familiares do interior do Estado do Rio Gran- desde que possuam características de inovação territorial de do Sul tem se organizado para atender suas demandas coletiva e de densidade institucional. e necessidades e, ao mesmo tempo, desencadear um pro- Sen (2000) distingue duas alternativas gerais e contra- cesso de desenvolvimento territorial numa região que pode postas a respeito do desenvolvimento e que, de acordo com ser considerada periférica, de forma cooperativa. o mesmo autor, podem ser encontradas tanto nos debates A trajetória da COOPERCANA – Cooperativa dos públicos como nos estudos de economistas. A primeira Produtores de Cana de Porto Xavier tem início em 1984, possibilidade sustenta que o desenvolvimento é um pro- quando é constituída a ALPOX S/A (Usina de Álcool de cesso “feroz”, duro, disciplinado, um processo “com muito Porto Xavier), incentivada pelo programa federal do Pró- sangue, suor e lágrimas – um mundo no qual sabedoria álcool. Esta sociedade anônima é composta por 156 acio- requer dureza”, diz Sen (2000: 51). Nessa perspectiva, a nistas: 143 pequenos agricultores, com 49% das ações, e construção do desenvolvimento requer o afastamento, no 13 empresários e profissionais liberais detendo 51%. Des- máximo possível, das preocupações consideradas “frou- de sua fundação há divergências entre sócios majoritários xas”, como os direitos políticos e civis, a democracia e te- e minoritários, desencadeando-se uma crise financeira na mas ambientais. De outro lado, que ela seja feita sobre as usina, o que leva a constituição da COOPERCANA. A bases sólidas do trabalho incansável, pois “o necessário cooperativa, que surge na tentativa de contornar essa cri- aqui e agora é dureza e disciplina”. Essa idéia aponta para se financeira, é composta pelos agricultores produtores de um entendimento de desenvolvimento como progresso e cana e funcionários da usina. Em 1999, por pressão da crescimento econômico. sociedade civil organizada e por instituições e organiza- A segunda perspectiva sustenta, contrariamente à an- ções locais/regionais, o poder judiciário decreta a falência terior, que o desenvolvimento seja um processo “amigá- da ALPOX S/A e a COOPERCANA assume os serviços vel”. Sen (2000: 52), afirma que, nesta perspectiva, “con- da usina arrendando o parque industrial, sendo que a sidera-se que a aprazibilidade do é exemplificado por compra do parque pela cooperativa efetuou-se em setem- coisas como trocas mutuamente benéficas, pela atuação de Raízes, Campina Grande, Vol. 24, nºs 01 e 02, p. 92–102, jan./dez. 2005 94 Anelise Graciele Rambo & Mário José Puhl redes de segurança social, de liberdades políticas ou de de e que habita esse território. Assim, percebe-se que o desenvolvimento social – ou por alguma combinação des- desenvolvimento territorial não se restringe ao crescimen- sas atividades sustentadoras”. A tese do autor é de que “o to econômico, e consiste na articulação dos atores na bus- desenvolvimento pode ser visto como um processo de ex- ca de atender também suas demandas sociais, potenci- pansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam” (op. alizando tanto capitais tangíveis (aspectos econômicos do cit., p. 17), sem deixar de considerar a necessidade do cres- desenvolvimento) quanto intangíveis (capacidade de coo- cimento econômico, do aumento das rendas familiares e perar para realizar ações em comum) (Dallabrida et al., a melhorias das condições produtivas. Alia-se, nesta linha 2004). Considera-se que tal processo é possível na região, de pensamento, a busca pela expansão das “liberdades em questão, em função da densidade institucional e da instrumentais: 1) liberdades políticas, 2) facilidades eco- inovação territorial coletiva presentes na experiência da nômicas, 3) oportunidades sociais, 4) garantias de trans- COOPERCANA. parências, e, 5) segurança protetora” (Idem, p. 55). Desse A densidade institucional, segundo Fernàndez (2004), modo, o desenvolvimento não se assemelha ao puro cres- corresponde a uma sólida presença institucional (formal), cimento econômico, como na idéia anterior, mas como representada através da presença de firmas, associações uma estratégia ou processo que implica,

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