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44 P A B L O D I E N E R O CATÁLOGO FUNDAMENTADO DA OBRA DE J. M. RUGENDAS E algumas idéias para a interpretação de seus trabalhos sobre o Brasil artista alemão Johann Moritz ticulares da Alemanha ou ainda espalhadas Rugendas (1802-58) visitou o por todo o continente americano. Brasil em duas ocasiões. Entre A partir de uma breve referência biográ- OOmarço de 1822 e maio de 1825 fica serão resumidos, na seqüência, os princi- trabalhou no Brasil como desenhista da expe- pais momentos da história referente à con- dição científica do barão Georg Heinrich von centração e à dispersão da obra de Rugendas. Langsdorff, e de julho de 1845 a agosto de Essa síntese é o resultado do trabalho de 1846 fez uma escala de um pouco mais de um copilação e catalogação da obra de Rugendas, ano no Rio de Janeiro; ali concluiu sua gran- estudo que concluí recentemente em um pro- de viagem americana, durante a qual havia jeto de pesquisa desenvolvido nas universi- percorrido o continente desde o México até o dades de Augsburgo e de Zurique. Essa visão Cabo de Hornos. de conjunto permitirá, por último, dar algu- Os vinte anos que separam essas duas mas idéias para uma interpretação global da estâncias brasileiras marcam a etapa mais rica obra americana do pintor bávaro e uma aná- da produção artística de Rugendas. Na déca- lise mais diferenciada no contexto da pintura da de 1820, o artista havia chegado ao Brasil da época. Particularmente, penso que nesta quando tinha somente 19 anos; acabava de perspectiva também será possível vislumbrar concluir sua formação artística na Academia com mais nitidez a concepção intelectual da de Munique, não tinha nenhuma experiência obra no âmbito de cada um dos países que no trabalho de ilustrador que teria que reali- Rugendas visitou. zar sob as ordens de Langsdorff e seus conhe- cimentos sobre o país eram muito escassos. BIBLIOGRAFIA Os trabalhos realizados durante a primeira visita ao Brasil foram feitos sem obedecer a Rugendas pertence à sétima e última ge- um projeto artístico próprio e previamente ração de uma família de artistas de origem elaborado; a seleção dos temas e a forma de francesa radicada em Augsburgo desde o sé- apreendê-los estiveram determinadas funda- culo XVII. Os Rugendas tinham se destacado mentalmente pela experiência e pelas moti- sobretudo como pintores de batalhas. Johann vações que Rugendas encontrou no caminho. Moritz foi educado nessa tradição e, por isso Cabe considerá-los como uma obra de juven- mesmo, nos primeiros exercícios de sua car- tude. Na segunda estância, por outro lado, reira artística deparamos com numerosas nos encontramos diante de um artista madu- cópias das obras de seus antepassados. Du- ro, que chega ao Rio de Janeiro depois de rante sua aprendizagem, Rugendas foi discí- quinze anos viajando pela América e que se pulo do também alemão Albrecht Adam, outro propõe a concluir o principal projeto de sua importante pintor de batalhas, e posteriormen- carreira artística. te estudou na Academia de Munique. A gran- Para uma valorização acabada da obra de virada na carreira de Rugendas ocorreu realizada por Rugendas no que se refere tanto com o convite que recebeu do barão ao Brasil como a todos os demais países que Langsdorff para participar como desenhista visitou, é de importância primordial enquadrá- na expedição ao Brasil. Para o jovem artista la no conjunto de sua obra. Satisfazer o requi- se abriu um leque de novas possibilidades sito de um conhecimento completo da obra que acabaram por distanciá-lo definitivamente de Rugendas constitui uma tarefa difícil por- da pintura de batalhas e o levaram ao círculo que nos achamos frente a um corpus de enor- dos pintores-viajantes. Nesse sentido, Ru- me dimensão, que soma aproximadamente gendas encontrou no Brasil, nos artistas da seis mil peças no total, entre pinturas a óleo, “Misión Artística Francesa” e na expedição PABLO DIENER é professor da aquarelas e desenhos. É verdade que a maior de Langsdorff, a primeira escola na qual se Universidade de parte dos trabalhos de Rugendas se acha em iniciou como artista-viajante. Depois de qua- Munique, Alemanha. duas coleções alemãs, em Munique e em se três anos trabalhando para Langsdorff, Tradução de Augsburgo, mas o restante se encontra dis- Rugendas abandonou a expedição e em pou- Elizabeth Kochgorian e Rosemeire da Silva perso em numerosas coleções públicas e par- co tempo retornou à Europa. Graças ao apoio 48 REVISTA USP, SÃO PAULO (30 ): 4 6 -5 7 , J U N H O / A G O S T O 1 9 9 6 entusiasta que Alexander von Humboldt pioneiros da arqueologia andina e seus estu- manifestou pela obra de seu jovem com- dos sobre a arquitetura colonial denotam uma patriota em Paris, Rugendas conseguiu pu- extraordinária espontaneidade receptiva que blicar seu famoso livro com cem litografias, lhe permitiu ver aqueles monumentos sem a o Voyage Pittoresque dans le Brésil, pela edi- conotação político-histórica que lhes impu- tora parisiense de Engelmann & Cia entre nha a época. Na Argentina e no Uruguai, 1827 e 1835. Rugendas se soma ao interesse rio-platense Outra etapa essencial na aprendizagem e pela vida interior de ambas as repúblicas do na carreira artística de Rugendas foi sua es- pampa e sobretudo de seus habitantes, os tância em Paris e sobretudo em Roma. Foi ali gauchos (*). A segunda estância de Rugendas que teve contato com as vanguardas artísticas no Brasil se reduziu ao Rio de Janeiro. Mais da época e onde, em última instância, apren- que uma continuação de sua obra precedente, deu a pintar. Até então, tinha sido um fiel aproveitou as oportunidades que lhe foram discípulo da escola alemã, na qual predomi- oferecidas para expor na academia carioca e nava a preferência pelo desenho como crista- para pintar uma série de retratos do impera- lização da idéia artística, e para a qual a cor dor e sua família. estava sujeita a desempenhar um papel se- cundário. Entre 1825 e 1830, Rugendas co- A OBRA E SUA CATALOGAÇÃO nheceu a obra de Jean Baptiste Camille Corot e de William Turner, em Paris teve contato Durante sua viagem americana, Rugendas com o aquarelista inglês Richard P. Bonington conservou a maior parte de seus trabalhos. e em Roma travou amizade com o pintor Excepcionalmente, desprendeu-se de seus berlinense Carl Blechen, o alemão que mais desenhos, aquarelas ou esboços a óleo. O que decididamente praticou a pintura ao ar livre ficou nos países americanos foram alguns recorrendo ao esboço a óleo. Nos anos de sua álbuns e, sobretudo, um bom número de qua- estância européia, entre 1825 e 1830, dros a óleo sobre tela, obras acabadas em todos Rugendas ampliou seu horizonte artístico e, os seus detalhes, realizadas seguindo as exi- por outro lado, adquiriu uma grande baga- gências da escola classicista. No que se refere gem de informação sobre o continente ame- ao projeto artístico de Rugendas, isto é, sua ricano graças à sua amizade com Alexander intenção de publicar uma ou várias obras von Humboldt. Esses foram anos de gestação ilustradas sobre a América, teve como de seu projeto de realizar uma grande viagem conseqüência uma grande concentração de americana com a intenção de reunir material sua obra. Mas, uma vez na Europa, ao fracas- para publicar uma obra de caráter enciclopé- sar sua intenção de publicar seus trabalhos dico-artístico, seguindo o exemplo dos traba- em Paris e ao dificultar-se mais e mais a con- lhos de seu protetor Alexander von Humboldt. clusão desse projeto na Alemanha, Rugendas A grande viagem americana de Rugendas optou por vender sua obra à coroa da Baviera teve início no mês de julho de 1831 no Méxi- com a esperança vã de uma posterior publica- co. Em seguida visitou o Chile, o Peru, a ção. Nessa ocasião, vale dizer, em 1848, o Bolívia, a Argentina, o Uruguai e o Brasil, próprio Rugendas redigiu uma lista das obras onde concluiu seu percurso em 1846. Este que entregava: um total de 3.022 folhas – entre périplo é o mais amplo e o maior levado a desenhos, aquarelas e esboços a óleo – de cabo por um artista europeu na primeira me- todo o périplo americano, desde sua primeira tade do século XIX. Além disso, a obra de estância no Brasil, passando também pelo Rugendas é a mais rica quanto à variedade percurso no México e na América do Sul, temática: assim como no México seu interes- para concluir com a segunda estância no Bra- se se centra na natureza e na paisagem, no sil. Esse documento é a base para qualquer Chile se destacam os trabalhos sobre a popu- ordenação da obra de Rugendas; ali estão lação indígena da Araucânia e sobre o enumerados os temas da geografia física e *Gauchos: mantém-se o ter- costumbrismo; no Peru, seus desenhos de humana, em termos gerais do mundo e da mo espanhol; refere-se aos habitantes dos pampas ar- temas arqueológicos estão entre os trabalhos vida americana que ele percebeu como moti- gentino e uruguaio (N. do T.). REVISTA USP, SÃO PAULO (30 ): 4 6 -5 7 , J U N H O / A G O S T O 1 9 9 6 49 vos artísticos para desenvolver em sua obra. pode acompanhar passo a passo seu desen- Este corpus fundamental do conjunto dos tra- volvimento desde os primeiros trabalhos fei- balhos de Rugendas assim como uma cópia tos no ateliê paterno, passando pela aprendi- da lista se encontram atualmente na Coleção zagem em Munique e na Itália, até as últimas de Arte Gráfica de Munique (Staatliche obras realizadas depois do seu retorno à Eu- Graphische Sammlung München).

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