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Apontamentos para uma História das Violas/Guitarras Insulares e Peninsulares 1 Notes for a History of Insular and Peninsular Violas / Guitars Isabel Rei Samartim Conservatório Profissional de Música de Santiago de Compostela, Galiza Universidade de Santiago de Compostela [email protected] RESUMO Neste artigo aborda-se uma visão crítica sobre a história peninsular e insular em relação aos cordofones dedilhados, especialmente focada nos termos viola e guitarra e outros derivados do grego kithara, como cistre e cítara, e nos instrumentos denominados guitarra espanhola, guitarra portuguesa, guitarra inglesa e viola francesa. Por último, relacionam-se os manuscritos insulares madeirenses para viola francesa com os recentes estudos sobre viola/guitarra na Galiza e realiza-se uma breve apresentação dos fundos musicais galegos para viola/guitarra da primeira metade do século XIX. Boa parte das informações pertencem à minha tese A guitarra na Galiza (USC) em período de redação. Palavras-chave: Viola; Guitarra; Teoria-Crítica; Guitarra-Portuguesa; Guitarra-Espanhola; Viola-Francesa ABSTRACT This article deals with a critical view on peninsular and insular history in relation to plucked chordophones, especially focused on the terms viola and guitar and others derived from the Greek kithara and on the instruments denominated Spanish guitar, Portuguese guitar, English guitar and French viola. Finally, the Madeira island manuscripts for French viola are related to the recent studies on viola/guitar in Galicia and a brief presentation of the Galician viola/guitar musical backgrounds of the first half of the 19th century. Much of the information belongs to my thesis The guitar in Galicia (USC) currently being written. Keywords: Viola; Guitar; Theory-Criticism; Portuguese-Guitar; Spanish-Guitar; French-Viola 1 Abreviaturas – BNE: Biblioteca Nacional da Espanha; DAHR: Discography of American Historical Recordings; E An: El Áncora; E DdP: El Diario de Pontevedra; EICACB: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira; FFBdL: Fundação Fernando Blanco de Lema; GdG: Gaceta de Galicia; LB: Liceo Brigantino; LIM: La Idea Moderna. [45] RPEA 1. Introdução longo da história dos instrumentos musicais. Procedência é o lugar de onde uma coisa pro- Em 2014 fui convidada a realizar a apresenta- cede ou provém, mas esse lugar pode não coin- ção da música de dois cadernos para viola acha- cidir com o lugar de origem da coisa, com o seu dos no Funchal pelo musico e musicólogo portu- lugar nativo. Ela pode ter passado por vários lu- guês Manuel Morais. A Secretaria da Educação gares antes de chegar aonde a vemos. Podemos Artística do governo madeirense, através do mu- nomeá-la pelo lugar de onde achamos que veio, sicólogo e músico Paulo Esteireiro, coordenou o sem isso implicar que a sua origem seja aquele lu- projeto de transcrição, seleção e gravação desta gar. Quase sempre há vários caminhos possíveis música, que teve como resultado a publicação do para por eles viajarem as palavras, os instrumen- disco A viola no século XIX: Música de salão na tos, a música, sem termos a certeza de chegar Madeira. Um projeto em que tanto o repertório a conhecer a sua origem primeira. Segundo o eti- quanto os documentos conservados são próprios mologista catalão Joan Coromines (1980-1991), o do século XIX, com semelhanças notáveis aos ca- vocábulo guitarra chega-nos através do árabe qi- dernos e fundos musicais galegos comentados tara, mas sabemos que aos árabes chegou atra- neste trabalho e pertencentes ao texto da tese vés do grego kithara. Portanto, o termo não tem A Guitarra na Galiza, ainda em elaboração. Esta uma origem árabe, mas sim uma procedência da experiência impulsou a ideia de explicar alguns as- cultura árabe na Hispânia, que por sua vez foi to- petos pouco aprofundados na história dos cordo- mado da cultura grega. Se o termo guitarra fosse fones dedilhados de braço, especialmente focados derivado do latino cithara teria igualmente origem no contexto social peninsular e insular. grega, pois o latim também o tomou dessa língua. Os determinantes linguísticos que acompa- 2. Procedência nham os nomes dos instrumentos, guitarra in- Frente a Origem glesa, guitarra portuguesa, guitarra espanhola..., costumam identificar mais a sua procedência do Os instrumentos musicais, enquanto criações que a própria origem que, na maior parte dos ca- humanas, têm lugares de origem. Eles nascem sos, é escura. São, por isso, os factores sociais e construídos por artesãos que respondem a diver- políticos que devemos repassar para podermos sas motivações, entre elas, as exigências musi- entender os contextos em que foram nomeados cais do seu entorno, as que ampliam, modificam, os instrumentos musicais. inovam e conservam através do seu trabalho. Sendo a música uma arte em movimento, pela 3. Uma Nova Leitura sua condição de habitar o tempo e pela facilidade dos Contextos de deslocação geográfica tanto de melodias quan- We have to be aware, that our picture of the past to de intérpretes, os conceitos de procedência is determined by our modern way of thought and e origem têm-se misturado com intensidade ao our contemporary perspective. [46] Apontamentos para uma História das Violas/Guitarras Insulares e Peninsulares Schlegel e Lüdtke (2011: 94) riforme sejam chamados de guitarras. A guitthare Se lermos o passado com os olhos do pre- allemande, ou guitarra alemã, era o que hoje clas- sente não entenderemos os contextos sociais sificamos como cistre (ou cistro, como escreve e políticos que rodearam e mesmo foram ele- Veiga de Oliveira). O músico J. Carpentier publi- mento central de desenvolvimento da guitarra e cou em Paris os dois volumes (1771 e 1773) do a sua música. É imprescindível a prudência, tirar seu método para aprender a tocar “l’instrument dos olhos o véu da modernidade, mergulhar na appelé cytre où guitthare allemande”. Por Carpen- história e realizar as conexões necessárias para tier sabemos de um outro interessante citarista entender por que a guitarra espanhola de Car- chamado Cristophe Unguelter que também publi- les Amat podia ser realizada “en dos maneras” cou um método contemporâneo do de Carpentier (castelhana e catalã) ou para entender as causas para o “sistre où cistre”. Através da crítica que da explosão da literatura para chitarra spagnuola Carpentier dirige a Unguelter observamos que na Itália do século XVII, ou a presença da english a questão dos nomes do instrumento tinha sido guitar na Galiza, ou por que em Castela desapare- sempre objeto de reflexão (Delume, 2003: 209): ce o termo castelhano vihuela, porém permanece Mr. Cristophe pag. 1.ere de son ouvrage, s’adresse até hoje em Portugal o termo viola e no Brasil o aux Amatheurs (que l’on voit par lintitulé de sa dedicace, quil traitte même asses lestement) seu derivado violão. pour les persuadder, que le Cistre, la Cythare; et À inexistência de relações biunívocas entre l’instrument pour le quel j’ay travaillé et que j’appell Cythre, se sont absolument qu’une même chose, 2 nomes e instrumentos soma-se a frequente sans être muni d’aucune authorité remarquable, carência de elementos de juízo a respeito da il les confond indisticntement, sans s’appercevoir que deux lignes plus bas, il se contredit, em organização social noutros tempos. Na hora de m’admettant un autre accord, n’importe, il va entender o devir dos termos guitarra e viola na toujours son train, décidant hadiment, que les península ibérica, com as suas variadas interpre- differentes denominations de Cistre où Sistre Cythare Guitthare Cythre sont absolument tações, revela-se fundamental a ordem política identiques. e económica em cada época e, dentro desta, a distinção entre nomes geográficos e político-ad- Não lhe falta razão a Cristophe Unguelter pois ministrativos: reinos, nações e Estados. Esta dis- todos os termos citados por Carpentier provêm tinção também importa para a classificação dos do mesmo étimo e, talvez por isso, sempre têm tipos de instrumentos que foram abrangidos pelo representado instrumentos de características, termo guitarra ao longo dos séculos e que nem se não absolutamente idênticas, sim notavel- sempre cumprem com as características atuais mente semelhantes, aptos para tocar o mesmo desse instrumento (guiterne, chitarra battente, en- repertório sem adaptações ou com ligeiras adap- glish guitar, guitthare allemande). tações técnicas. As diferenças que defende Car- Não é novidade que os cordofones de caixa pe- pentier (“rien de commun”) baseiam-se, segundo explica o autor, no diverso número de cordas en- 2 Biunivocidade: só um nome por instrumento e um instrumento para cada nome. tre os instrumentos. Mesmo que houvesse mais [47] RPEA diferenças na construção, nós consideramos que sintagma guitarra espanhola, será interessante esses pormenores (diverso número e tipo de cor- explicar a etimologia deste último e os seus di- das, tamanhos, formas do fundo e aros, etc.) não versos significados ao longo da história. Resumi- ajudam ao sistematismo de que estamos preci- damente, Espanha provém do latim Hispania que, sados. Na nossa tese apresentamos uma pro- por sua vez, provém do grego Spania. Os termos posta de classificação dos cordofones que explica Spania e Hispania são geográficos, eles designam e unifica elementos com o objetivo de atingir uma o território da península ibérica no seu conjun- maior clareza na compreensão organológica dos to. Isto pode comprovar-se nas antigas bíblias cordofones dedilhados de braço. escritas em grego e latim como a Septuaginta Com a passagem do tempo e durante os sé- Grega e a Vulgata 3 e nas bíblias modernas como culos XIX e, sobretudo, XX produz-se uma consi- a de Lutero (1534), a do Urso (1569) e a do Rei derável diminuição no emprego da variedade ins- Jaime (1661). Na Idade Moderna o termo irá ad- trumental de cordofones, que provoca também o quirindo outras formas, como o plural Espanhas desuso da miríade de termos derivados do grego (Abreu, 1751: 114) e também, já no século XIX, kithara existentes nas diversas línguas.

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