Pronunciamento (Do Deputado Chico Alencar, PSOL/RJ) Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados e todos os que assistem a esta sessão ou nela trabalham: Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, o Gonzaquinha, nos deixou há 15 anos, em 29 de abril de 1991. Em sua homenagem transcrevo nos anais da Casa uma síntese de um texto publicado na página eletrônica www.gonzaquinha.com.br. Nasceu em 22 de setembro de 1945, no Rio de Janeiro, filho de Luiz Gonzaga, o rei do baião, e Odaléia Guedes dos Santos, cantora do Dancing Brasil. A mãe morreu de tuberculose ainda muito moça, com apenas 22 anos de idade, deixando o carioca Gonzaguinha órfão aos dois anos. O pai, não podendo cuidar do menino porque viajava por todo o Brasil, entregou-o aos padrinhos Dina (Leopoldina de Castro Xavier) e Xavier (Henrique Xavier), o "Baiano do Violão" das calçadas de Copacabana e do pires na Zona do Mangue, no Estácio. Foram eles que o criaram. As primeiras letras Gonzaguinha aprendeu numa escolinha no morro de São Carlos, mas as verdadeiras lições de vida recebeu pelas ladeiras do morro. Garoto, para conseguir algum dinheiro, carregava sacolas na feira e avisava os bicheiros do local quando da chegada da polícia. Moleque Luizinho, seu apelido de infância, vivia nas ruas, entre pipas, peladas, bolinhas de gude, pião e os acidentes da infância. Como as três vezes em que furou o olho esquerdo, fazendo com que perdesse 80% da visão desse olho. No carnaval fugia com Pafúncio, um vendedor de caranguejos que morava nas redondezas e era membro da ala de compositores da Escola de Samba Unidos de São Carlos. A partir daí, o samba estaria definitivamente em sua vida. Nas ruas do Estácio, Gonzaguinha cresceu, entre a malandragem dos moleques de rua e o carinho da madrinha. Do pai, recebeu o nome de certidão, dinheiro para pagar os estudos e algumas visitas esporádicas. Imerso no dia-a-dia atribulado da população, Gonzaguinha ia aprendendo a dureza de uma vida marginal, a injustiça diária sofrida por uma parcela da sociedade que não tinha acesso a nada. O aprendizado musical foi feito em casa mesmo, com o padrinho tocando violão e ele tentando fazer o mesmo. Gonzaguinha ouvia Lupicínio Rodrigues, Jamelão e as músicas de seu pai. Gostava de bolero e era assíduo freqüentador de programas sertanejos. Ouvia também muita música portuguesa, pois D. Dina, sua mãe adotiva, era filha de portugueses e manteve-se ligada às tradições familiares. Aos catorze anos, Gonzaguinha escrevia sua primeira composição: "Lembranças da Primavera". Pouco mais tarde, compôs "Festa" e "From U.S of Piauí", que seu pai gravaria em 1968 e 1972, respectivamente. Em 1961, completando 16 anos, foi morar com o pai Gonzagão em Cocotá. Xavier e Dina não podiam garantir escola para o garoto, que queria estudar economia. Neste ano Gonzaguinha estudou muito. Desde então jamais repetiu um ano: lia todos os jornais e guardava tudo num saco de estopa, pois “os jornais podiam ajudar nos estudos”. Só depois de formado é que ele jogou tudo fora. Trancado no quarto, estudava economia e tocava violão. Quando saía, ia para a praia jogar futebol, sua outra paixão. Como já fizera no morro de São Carlos, esquecia dos horários e nunca vinha almoçar. Os desentendimentos com Helena, esposa de Gonzagão, fizeram com que o menino acabasse em um colégio interno. Não só concluiu o Curso Clássico, como ingressou na Faculdade de Ciências Econômicas Cândido Mendes (Rio de Janeiro). A vivência da pobreza no Estácio, os problemas familiares e o espírito crítico que possuía, aliados aos estudos na Universidade e ao clima pesado da ditadura militar, foram o ambiente onde se desenvolveu um dos mais criativos e inteligentes compositores da MPB contemporânea. Era o cidadão consciente social e politicamente que tinha a capacidade de relatar o cotidiano em forma de música. O começo da amizade com Ivan Lins e alguns outros teve inicio na rua Jaceguai, na Tijuca, onde morava o psiquiatra Aluízio Porto Carrero, um homem que gostava de levar pessoas a sua casa para longas conversas, jogos de cartas ou uma roda de violão. Foi nesta casa que Gonzaguinha conheceu Ângela, sua primeira esposa, mãe dos seus dois filhos mais velhos, Daniel e Fernanda . Das rodas de violão na casa de Aluizio nasceu o MAU (Movimento Artístico Universitário) e dele faziam partes nomes como Ivan Lins, Aldir Blanc, Paulo Emílio e César Costa Filho. Gonzaguinha começava a participar de festivais de música sendo finalista em um deles (em 1968) com a composição "Pobreza por pobreza". O MAU acabaria na TV Globo, que em 1971 lançava o programa "Som Livre Exportação". Em 1973, Gonzaguinha participou do programa Flávio Cavalcanti apresentando a música "Comportamento Geral", num dos concursos promovidos pelo programa. Essa participação resultou em muita polêmica, uma advertência da censura mas, em compensação, o compacto gravado pelo compositor, que estava encalhado nas prateleiras das lojas, esgotou-se em poucos dias. Logo Gonzaguinha pulava do quase anonimato para as paradas de sucesso na Rádio Tamoio e era convidado para gravar um novo disco. Como era de se prever naqueles anos de chumbo, a música logo foi proibida em todo o território nacional e Gonzaguinha "convidado" a prestar esclarecimentos no DOPS. Seria a primeira entre muitas visitas do compositor ao órgão público da repressão obscurantista. Para gravar os dois primeiros discos com 18 músicas, Gonzaguinha submeteu 72 composições à censura! Luiz Gonzaga Jr. (1974) e Plano de Vôo (1975) eram a demonstração das preocupações sociais e políticas de Gonzaguinha com os rumos que a nação tomava, e apesar da perseguição da censura, nunca deixou de divulgar seu trabalho e exprimir suas opiniões. Em 1975, Gonzaguinha dispensou os empresários e essa atitude foi fundamental para sua carreira. Segundo Gonzaguinha, a vantagem de trabalhar independente dos empresários está nos contatos que o artista mantém com várias pessoas, o que concorre para recuperar a base humana do trabalho. O ano de 1975 foi particularmente importante na vida do compositor: tendo contraído tuberculose, Gonzaguinha passou oito meses em casa e aproveitou o tempo para meditar e refletir sobre si mesmo. E também marcou o início das suas excursões pelo Brasil, em que rodou o país com o violão. Com isso, conseguiu solidificar as bases nacionais de sua arte e descobriu a importância de seu pai na música popular brasileira. Em 1976, Gonzaguinha gravou o LP Começaria Tudo Outra Vez. O disco, de acordo com o próprio autor, representou a volta ao início da carreira, retomando a espontaneidade perdida. Era óbvio que o crescimento do movimento que levaria à abertura do regime político, no Brasil, iniciada em 1978, teria reflexos na obra do compositor, tornando mais visíveis seus aspectos românticos e pessoais, sem deixar de lado a visão crítica da sociedade. Foram então criados uma série de sucessos, como "Grito de Alerta", "Sangrando", "Ponto de interrogação", "Espere por mim morena", "O que é, o que é", "Não dá mais prá segurar", entre outros, inclusos em seus álbuns seguintes, Gonzaguinha da vida (1979), Coisa Mais Maior de Grande (1981), Alô, Alô Brasil (1983), e gravados por outros grandes artistas da MPB como Maria Bethânia, Elis Regina, Cauby Peixoto, As Frenéticas, Simone, Fagner e MPB4. É dessa época o segundo relacionamento amoroso de Gonzaguinha, com Sandra Pera (Frenéticas), com quem teve sua 3ª filha: Amora. Em toda essa trajetória, Gonzaguinha demonstrou, ao lado de qualidades artísticas indiscutíveis, uma grande coerência de idéias sobre a arte, a vida e a dimensão política do homem. No fim da década de 80, veio à tona uma atividade pouco divulgada de Gonzaguinha, mas não menos importante. Ele recebeu uma concessão para montar uma rádio, em Exu/PE. E colocou em prática todas as idéias que tinha, sobre utilizar a mídia como fonte de socialização do conhecimento e consciência. Com uma programação musical voltada para o que é realmente popular, dava a voz a quem sempre teve que engolir fórmulas prontas e imposições culturais. Gonzaguinha viveu seus últimos 12 anos de vida ao lado de Louise Margarete Martins - a Lelete. Desta relação nasceu Mariana, sua filha mais nova. Até hoje elas vivem em Belo Horizonte, cidade onde Gonzaguinha morou durante dez anos. A vida em Minas, onde fixou residência, mais calma, com longos passeios de bicicleta em torno da Pampulha, marcou o período mais introspectivo de sua carreira. O músico dedicava-se a pesquisar novos sons dividindo-se entre longos períodos em casa e demoradas turnês de shows pelo país. A mais importante dessas turnês talvez tenha sido "Vida de Viajante", ao lado do pai Luiz Gonzaga, em 1981. "Vida de Viajante" selou o reencontro de pai e filho, a interseção de dois estilos, o Brasil sertanejo do baião encontrando o Brasil urbano das canções com compromisso social e paixões. O terrível acidente que matou o cantor e compositor Luiz Gonzaga Júnior aconteceu no dia 29 de abril de 1991, por volta de 7:30, na BR 280, a 390 km de Curitiba, entre as cidades de Francisco Beltrão e Pato Branco, no sudoeste do Paraná. Seu carro bateu de frente numa caminhonete que tentou subitamente cruzar a pista. Gonzaguinha morreu na hora. Ele havia feito seu último show na cidade de Pato Branco (50 km do local do acidente). Pela manhã, ele dirigia o carro rumo a Foz do Iguaçu, onde tomaria o avião de volta para o Rio de Janeiro. Senhor Presidente, a obra de Gonzaquinha continua viva, embalando ''as lutas dessa nossa vida” que Luiz Gonzaga Júnior, “sangrando, acreditando na rapaziada, querendo valer o nosso amor” tão bem cantou. “ A vida devia ser bem melhor... e será”, Gonzaguinha! Agradeço atenção, Sala das Sessões, 27 de abril de 2006.
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