2 33 Senhores e Escravos nas Sociedades Ibero-atlânticas coordenação científica Maria do Rosário Pimentel e Maria do Rosário Monteiro 4 título Senhores e Escravos nas Sociedades Ibero-Atlânticas coordenação científica Maria do Rosário Pimentel Maria do Rosário Monteiro colecção Estudos e Documentos 26 design SAL STUDIO edição CHAM – Centro de Humanidades fotografia da capa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Valongo – Mercado de Escravos Universidade NOVA de Lisboa | Universidade dos Açores no Rio de Janeiro, desenho Avª de Berna, 26-C | 1069-061 Lisboa | Portugal de Augustus Earle, gravura [email protected] | www.cham.fcsh.unl.pt de Edward Finden. In Maria Calcott, Journal of a Voyage director to Brazil, and residence there, João Paulo Oliveira e Costa during part of the years 1821, 1822, 1823. London, 1824. subdirector Luís Manuel A. V. Bernardo depósito legal 465656/19 coordenação editorial Cátia Teles e Marques isbn Inês Cristóvão 978-989-755-317-2 arbitragem científica e-isbn Francisco Topa (Faculdade de Letras 978-989-8492-76-0 da Universidade do Porto). Foi aceite para publicação em Novembro de 2018. uri http://hdl.handle. Publicação subsidiada ao abrigo do projecto estratégico do net/10362/89763 CHAM, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa, Universidade dos Açores, Financiado pela Fundação para a Ciência e data de publicação Tecnologia – UID/HIS/04666/2019 2019 tiragem 400 exemplares Esta é uma publicação de acesso aberto, distribuída sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição 4.0 revisão (português) (CC BY 4.0). Margarida Baldaia (excepto pp. 25-54) Nota: Por decisão editorial, o presente volume não segue o AO90, tendo sido respeitadas as grafias portuguesa e brasileira paginação anteriores ao Acordo. Margarida Baldaia As afirmações proferidas em cada capítulo e os direitos de utilização das imagens são da inteira responsabilidade dos impressão seus autores. Papelmunde | V. N. Famalicão 5 índice 9 Apresentação maria do rosário pimentel | maria do rosário monteiro 11 Corpos presos que salvam almas antónio borges coelho 17 A lenta marcha para a igualdade adriano moreira 25 A Narrativa do Negro em O Escravo, de José Evaristo de Almeida alberto de carvalho 55 Dois olhares sobre a escravatura no século XVI antónio manuel de andrade moniz 63 A Bárbora e o jau: a escravatura em Camões antónio martins gomes 75 Em busca de outro olhar: sacramento e soteriologia dos escravos na visão dos jesuítas das Américas portuguesa e espanhola (séculos XVII e XVIII) carlos engemann 89 Execução musical e vida religiosa: portugueses e escravos na região mineradora do Brasil-colônia. Séculos XVIII e XIX célia maia borges 99 Maria Bárbara, senhora de escravos e de engenhos: uma narrativa intercultural na Baía do século XIX clara sarmento 125 A Inglaterra e a escravidão no Brasil Imperial: um olhar anglicano elizete da silva 141 Negros de Lisboa vistos por um anónimo quinhentista maria cristina neto 155 Ficção e abolição: o impacto da literatura de ficção na abolição da escravatura joão pedro marques 6 163 Batismos de inocentes e adultos entre escravos do Norte fluminense – Rio de Janeiro, 1808 e 1858 jonis freire 179 Músicos escravos em Portugal e no Império português jorge fonseca 189 Os vilancicos negros de Santa Cruz de Coimbra, século XVII jorge matta 197 Antiesclavagismo e mudança de paradigma político josé augusto dos santos alves 209 Intérpretes, escravos e almas necessitadas. Os africanos no espaço luso-atlântico dos primórdios joseph abraham levi 227 A escravidão negra e a Companhia de Jesus no Rio de Janeiro, século XVIII marcia amantino 243 Apelações de liberdade dos índios na Amazônia portuguesa (1726-1777) marcia eliane alves de souza e mello 257 Alguns aspectos das relações entre senhores e escravos nos Açores da época moderna margarida vaz do rego machado | rute dias gregório 265 Desenraizamento, doença e definhamento dos negros no Peru no século XVII maria da graça alves mateus ventura 283 A escravatura em Uma Fazenda em África, de João Pedro Marques miguel real 291 La liberación de los esclavos en la Extremadura de la Edad Moderna rocío periáñez gómez 7 309 O tráfico africano para o Brasil no período holandês (1637-1654): histórias conectadas ronaldo vainfas 329 Aphra Behn’s Oroonoko: Intimations of the Baroque simon edwards 339 Negros na azulejaria: figurações duma minoria através da arte (séculos XVII-XIX) augusto moutinho borges 351 O mar, espaço de liberdade? Cimarronaje marítimo no Caribe (17500-1802) martin lienhard 365 Do perseguido e do escravo: confluências na obra Mário de Silva Gaio ana maria ramalhete 373 Escutando o último negreiro rui zink 381 Novos escravos no século XIX: breves notas sobre o tráfico de cules de Macau para a América Ibérica leonor diaz de seabra | maria de deus beites manso 395 A pretexto do pecado maria do rosário pimentel 8 apresentação 9 maria do rosário pimentel* | maria do rosário monteiro** Apresentação O presente volume, integrado na colecção “Estudos & Documentos” do CHAM, é o resultado da colaboração de diversos investigadores, de diferentes nacionalidades, espe- cialistas nas questões da escravatura. O objectivo foi reunir investigadores de renome e jovens que iniciam os seus projectos nesta área, chamando a atenção para a actualidade do tema. A escravatura não é, infelizmente, uma questão do passado. A sua permanência faz-se sentir ainda hoje, sob outras formas, mas perpetrando o mesmo crime contra a humanidade. Como introdução apresentamos o texto gentilmente cedido pelo Professor Doutor António Borges Coelho. É a nossa homenagem a um historiador de renome internacional, com quem todos temos muito a aprender. Ao longo do volume, a questão da escravatura é abordada segundo diferentes perspectivas, numa tentativa de chamar a atenção para a dimensão desta problemática. Na actualidade, não é possível terminar um volume sobre escravatura deixando apenas informações, por mais relevantes que elas sejam (e são). Por isso desafiamos o leitor concluindo com um conjunto de afirmações que provoquem a continuação do estudo e questionamento deste flagelo, criado, mantido e desenvolvido pela humani- dade, e convoquem todos para uma mudança de mentalidades: Hoje, na voracidade do lucro, a escravatura não escolhe as suas vítimas; recai sobre toda a humanidade e, à margem da lei, não necessita de ser legitimada. Hoje a escravidão não advém de um delito, de uma ofensa ou de uma praga divina. * CHAM, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal. ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-7737-6952. E-mail: [email protected]. ** CHAM, FCSH, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal. ORCID iD: https://orcid.org/0000-0001-6214-5975. E-mail: [email protected]. 10 maria do rosário pimentel*pimentel | |maria maria do do rosário rosário monteiro monteiro Hoje estamos longe de aceitar a ideia de um homem negro amaldiçoado por um deus ou um patriarca irado. Hoje o pecado continua a lavrar sem escrúpulos e a lançar a sua sombra de culpas, de medos e de estigmas sobre a humanidade. Hoje a escravidão é a própria transgressão de todos os princípios, de todos os direi- tos, de todos os preceitos morais. Hoje muitos mitos e preconceitos permanecem activos e adensam-se no imaginário e nas práticas sociais. Hoje o futuro agiganta-se, o passado adverte-nos e a situação dissimula-se em novas configurações. corpos presos que salvam almas 11 antónio borges coelho* Corpos presos que salvam almas** Introdução O Êxodo regista as palavras de Jeová a Moisés: Quando adquires um escravo hebreu, ele servirá seis anos, mas no sétimo, sairá em liberdade sem nada pagar […]. Se o seu senhor lhe deu uma mulher, e se ela lhe gerou filhos e filhas, a mulher e os seus filhos serão para o seu senhor, e ele sairá sozinho. Mas se o escravo declarar: “Eu amo o meu senhor, a minha mulher e os meus filhos, ãon quero sair em liberdade”, o seu senhor fá-lo-á aproximar-se de Deus, fá-lo-á aproximar-se da porta ou do umbral, e perfurar-lhe-á a orelha com uma sovela, e ele segui-lo-á para sempre. Aristóteles, no seu livro A Política, escrevia: “As partes primitivas e mais simples da família são o senhor e o escravo, o marido e a mulher, o pai e os filhos”. O cavalgar do homem sobre o homem mergulha para lá dos tempos bíblicos, recebe o beneplá- cito de Jeová e da filosofia grega, atinge largas massas dos homens mediterrânicos nos tempos do Império Romano. O próprio S. Paulo, na Primeira Carta aos Coríntios, escreve: “Eras escravo quando foste chamado? Não te preocupes com isso. Mas, ainda que pudesses tornar-te livre, procura, antes, tirar proveito da tua condição”. A escra- vatura mergulha as suas raízes no magma donde emergiu a chamada civilização ocidental. No início deste nosso segundo milénio, os Estados islâmicos escravizam e impor- tam escravos dos dois sexos, brancos e negros, de origem europeia ou sudanesa. A cidade judia de Lucena, na Extremadura espanhola, e Verdum, em França, eram os locais onde os mercadores de escravos castravam os eunucos, vendidos no al-Andalus e que daqui * Professor Catedrático Jubilado, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Portugal. ** Este texto foi previamente publicado em Notícias do Milénio (1999), e gentilmente cedido pelo autor para ser publicado como introdução a este volume de textos. 12 antónio borges coelho seguiam também para os outros Estados islâmicos do Mediterrâneo. Em Córdova, os escravos europeus do palácio califal, eunucos e não eunucos, eram designados como sakaliba ou slavu, de onde veio a palavra escravo que suplantou a palavra latina servus. Estes escravos do palácio ganharam grande poder e fortuna. Alguns foram generais e, no desmembrar do califado de Córdova, escravos houve que se tornaram reis, como os das taifas de Almeria e de Denia. Também os Estados cristãos, contemporâneos do Islão peninsular, conheceram a escravatura.
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