A Floresta Na Feira: Plantas Medicinais Do Município De Itaituba, Pará, Brasil*

A Floresta Na Feira: Plantas Medicinais Do Município De Itaituba, Pará, Brasil*

A FLORESTA NA FEIRA: PLANTAS MEDICINAIS DO MUNICÍPIO DE ITAITUBA, PARÁ, BRASIL* PEDRO GÉCIO COSTA LIMA** MÁRLIA COELHO-FERREIRA*** RONIZE DA SILVA SANTOS**** Resumo: o objetivo desta pesquisa foi identificar as espécies florestais de uso medicinal na Feira do Produtor Rural de Itaituba e avaliar a relação deste espaço com o extrativismo de um dos principais produtos identificados, o óleo de andiroba. Verificou-se que a feira reflete o contexto socioambiental do município e sua valorização não pode ser completa se não for associada à permanência da floresta em pé. Palavras-chave: Mercados públicos amazônicos. Feirantes. Adiroba. biodiversidade amazônica pode ser considerada como um tema consagrado em trabalhos científicos da atualidade e vem despertando o interesse de pesquisadores da região e do mundo. É crescente o número de trabalhos que buscam valorizar, Apor exemplo, os produtos da sociobiodiversidade amazônica, que são os recursos da biodi- versidade voltados à formação de cadeias produtivas de interesse dos povos e comunidades tradicionais e de agricultores familiares (BRASIL, 2009). Uma disciplina importante em estudos com abordagens sobre a interação entre aspectos socioculturais e biológicos é a etnobotânica, a qual tem contribuído com discus- sões relacionadas à importância do conhecimento tradicional para a conservação biológica * Recebido em: 17.01.2014. Aprovado em: 15.02.2014. Parte da Dissertação de Mestrado do primeiro autor. ** Mestre em Ciências Biológicas – Botânica Tropical. Pesquisador atuante na área de Etnobotânica, Coordenação de Botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém (PA). E-mail: [email protected]. *** Doutora em Ciências Biológicas – Etnobotânica. Pesquisadora na área de Etnofarmacologia e Etnobotânica, Coordenação de Botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém (PA). **** Doutoranda em Biodiversidade e Biotecnologia, Mestre em Ciências Biológicas – Botânica Tropical; é pesquisadora atuante na área de Etnobotânica, Coordenação de Botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém (PA). FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 24, n. 2, p. 285-301, abr./jun. 2014. 285 (PRANCE, 1991). Com base em métodos utilizados por esta disciplina, algumas pesquisas deram atenção especial à diversidade de espécies comercializadas em mercados de países da Pan-Amazônia, como Brasil (BERG, 1984; FIGUEIREDO, 1994; COELHO-FERREIRA, 1996; PINTO; MADURO, 2003; SHANLEY; LUZ, 2003), Venezuela (GIL OTAIZA et al., 2003; GIRALDO et al., 2009), Bolívia (MACÍA et al., 2005), Peru (HAMMOND et al., 1998; BUSSMANN et al., 2007), Equador (SHRESTHA, 2007), Suriname (ANDEL et al., 2007) e Colômbia (JARAMILLO et al., 2007). Tais pesquisas ocorreram principalmente a partir da década de 1980, destacando-se o trabalho pioneiro de Berg (1984) que chamou a atenção para a variedade de recursos vegetais encontrados no Complexo do Ver-o-Peso, em Belém do Pará, uma das maiores feiras livres da América Latina. Os estudos realizados nestes espaços podem contribuir para o conhecimento do po- tencial dos recursos biológicos disponíveis, principalmente daqueles ainda restritos ao merca- do local (MARTIN, 1995). Uma preocupação que emerge quanto ao comércio destes produ- tos é a sustentabilidade daqueles de origem florestal. O aumento da procura por estes recursos pode acarretar prejuízos às populações naturais das espécies exploradas, principalmente se os extrativistas não adotarem boas práticas de manejo (ALMEIDA; ALBUQUERQUE, 2002). Importantes trabalhos conduzidos em feiras e mercados na região da BR 163 sobre produtos florestais não madeireiros foram realizados pelo Projeto Integrado MCT & Embra- pa – PIME (OLIVEIRA et al., 2010). Esses estudos estavam focados na obtenção de informa- ções do Distrito Florestal Sustentável da BR 163 para compor um diagnóstico sobre o poten- cial socioeconômico da região e os possíveis impactos ambientais decorrentes do mesmo. Esta pesquisa apresenta contribuições específicas ao referido projeto, relacionadas ao município de Itaituba, selecionado por se tratar de uma das áreas a serem mais afetadas pelas Concessões Florestais e pelas ações direcionadas às Unidades de Conservação. O objetivo foi identificar as espécies florestais de uso medicinal comercializadas na Feira do Produtor Rural de Itaituba, bem como analisar a cadeia produtiva do óleo de andiroba (Carapa guianensis Aubl, Meliace- ae), principal produto identificado, na comunidade Bela Vista, situada no mesmo município. MATERIAL E MÉTODOS Área de Estudo O município de Itaituba, com sede situada próxima às coordenadas 04º 16’ 24’’ S 55º59’09’’ WGr, é um dos que apresentam maior extensão territorial no oeste do Estado do Pará, ocupando uma área de aproximadamente 62.041 km²(SEPOF, 2005). O centro urbano da cidade encontra-se à margem esquerda do rio Tapajós, que é um importante afluente do rio Amazonas. Nesta região, localiza-se o cruzamento de duas importantes rodovias federais para o acesso à Amazônia – a BR-163 (Cuiabá-Santarém) e a BR-230 (Transamazônica). Itaituba é um centro comercial historicamente expressivo para a venda de produtos florestais não madeireiros na região, onde, no final da década de 1960, tal comércio chegava a gerar quase a mesma renda que a extração do ouro para a economia local (CASTRO et al., 2004). Em 2006, seu território, juntamente com os municípios de Santarém, Altamira, Rurópolis, Belterra, Aveiro, Placas, Jacareacanga, Trairão e Novo Progresso passou a integrar o Distrito Florestal Sustentável da BR-163, que foi criado com a perspectiva de ordenamento e fortalecimento da economia florestal na Amazônia (BRASIL, 2006). 286 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 24, n. 2, p. 285-301, abr./jun. 2014. A população local é de mais de 97.343 habitantes, sendo que 25% dos trabalha- dores ocupam-se na agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e pesca (SEPOF, 2005). A respeito das demais atividades econômicas, o setor de indústrias de extração e transfor- mação, a atividade comercial e o setor de serviços ocupam 19%, 17% e 15% dos trabalhadores itaitubenses, sendo que os 25% restantes estão envolvidos em outras atividades (IBGE, 2011). A vegetação da região apresenta áreas de cerrado, floresta aberta mista e floresta aberta latifoliada. Próximo às rodovias, as florestas vêm sendo bastante atingidas pelo desma- tamento, propiciando o surgimento de florestas secundárias nos locais onde as áreas cultiva- das foram abandonadas (ALMEIDA et al., 2005). A Comunidade Bela Vista situa-se a quatro quilômetros da margem esquerda do rio Tapajós, distando em pelo menos 28km em linha reta em relação à sede do município de Itai- tuba. Nela, residem 35 famílias, com média de quatro pessoas por residência, sendo que dez famílias são extrativistas de andiroba. As casas são, em sua maioria, construídas com madeira ou barro e a eletrificação foi realizada no ano de 2009. No centro da vila existe uma capela dedicada a celebrações da religião católica. A escola comunitária contém duas salas de aula e oferece até a quarta série do ensino fundamental. As atividades econômicas desenvolvidas são a pecuária de gado de corte, a lavoura de mandioca, feijão, milho e arroz e a comercialização de produtos extrativos como o açaí e o óleo de andiroba. A produção local é absorvida prin- cipalmente pelo mercado consumidor de Itaituba. Coleta e Análise dos Dados A coleta de dados foi planejada considerando três etapas de pesquisa: (i) identifi- cação das espécies florestais de uso medicinal na feira e avaliação do perfil dos feirantes; (ii) seleção de uma espécie relevante para o extrativismo regional e para os feirantes entrevistados; (iii) seleção de uma comunidade para contextualização e descrição da cadeia de comercializa- ção. Foram realizadas visitas em novembro de 2008 e maio de 2009 à Feira do Produtor Rural para as entrevistas e coleta de informações sobre o local. Todos os feirantes que comerciali- zavam produtos medicinais (n=8) participaram da pesquisa. As entrevistas semi-estruturadas (MARTIN,1995; ALBUQUERQUE et al. 2010a) abordaram informações como idade, ori- gem do informante, grau de escolaridade, atividades profissionais (por exemplo, se era apenas feirante ou feirante e agricultor), principal fonte de renda, tempo de atuação no ramo e o motivo de envolvimento na venda desses produtos. Com relação às plantas medicinais, foram coletados dados apenas dos produtos obti- dos de espécies florestais, conforme a indicação dos informantes. Foram anotados os nomes ver- naculares, partes da planta utilizadas e forma de vida. Para identificação das espécies, recorreu-se à literatura científica especializada sobre a flora da região, utilizando-se o termo “etnoespécie”, sensu Hanazaki et al. (2000), uma vez que em alguns casos, um único nome vernacular pode se referir a mais de uma espécie botânica. Williams et al. (2000; 2005) mediante dificuldades semelhantes às encontradas no presente estudo, já haviam recorrido à esse procedimento meto- dológico, o qual também é mencionado por Albuquerque et al. (2007) em sua revisão sobre pes- quisas etnobotânicas em mercados. Ressalta-se que o material adquirido junto aos feirantes de Itaituba não apresentava condições para a herborização, já que se tratava de fragmentos vegetais, como cascas, ou exsudatos, como resinas, óleo-resinas e látex. A lista de espécies foi organizada adotando-se o sistema de classificação botânica Angiosperm Philogeny Group III. FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 24, n. 2, p. 285-301, abr./jun. 2014. 287 Durante o levantamento realizado na Feira do Produtor Rural de Itaituba

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