CC: Mas não como uma competição. apresenta CD: Não, francamente isso eu não quero. Não gosto quando se compara os filmes, quando se coloca uns acima dos outros. É verdade que há filmes que eu detesto e outros que eu adoro fortemente, mas tento não fazer classificações. Para o cinema, já existe uma sanção terrível que são os ingressos. Isso basta. Existe uma idéia mundana demais na competição. CC: A idéia de que ser cineasta hoje dá de partida um estatuto social. CD: Sim, é curioso porque eu percebi isso há pouco tempo, fazendo os créditos de Noites sem Dormir. As cartelas chegam na sala de montagem e eu vejo “um filme de”. Na mesma hora eu já não podia mais ver essa fórmula. Agora eu prefiro “realização”. Não é por humildade. Há muitos dias, semanas e meses que passam para se fazer um filme, muitas dúvidas também. “Realização” é concreto. “Um filme de” é como o celofane de um buquê. Entrevista feita por Thierry Jousse e Frédéric Strauss, Cahiers du Cinéma 479-80, maio de 1994 10 de Março de 2004 – Ano II – Edição nº 43 Tradução de Ruy Gardnier. 1988 Chocolat 1989 Man No Run 1990 S’en Fout la Mort Cinéma de Notre Temps: Jacques Rivette, le Veilleur (TV) 1991 Keep It for Yourself Pour Ushari Ahmed Mahmoud, parte da série Contre L’Oubli 1994 Noites Sem Dormir (J’ai Pas Sommeil) A I US Go Home, parte da série F Tous Les Garçons et Les Filles de Le Ur Âge (TV) A ) Boom-Boom - R 8 1995 Nice, Very Nice, parte da série 4 9 À Propos de Nice, La Suit G 1 ( 1996 Nenette e Boni (Nénette et Boni) s i O 1999 Beau Travail n e 2001 Trouble Every Day D M 2002 Vendredi Soir e r L i Vers Nancy, parte da série a I l Ten Minutes Older: The Cello F C NOITES SEM DORMIR SESSÃO CINECLUBE PRÓXIMOS FILMES de Claire Denis Mediação do Debate: 17/Mar Raízes do Brasil Eduardo Valente e Ruy Gardnier. de Nelson Pereira dos Santos (produção e distribuição Riofilme) Programação e Produção: É verão em Paris e a cidade parece um enorme J’ai Pas Sommeil - França, 1994, cor, 110' Grupo Estação e Contracampo. formigueiro, com acelerado movimento dia e noite. As Direção e Roteiro: Claire Denis Fotografia: Agnes Godard Montagem: Nelly Quettier autoridades estão preocupadas com uma série de crimes A Trilha Sonora: Jean-Louis Murat e John C realização colaboração que vem ocorrendo: velhas senhoras solitárias estão I Pattison Produção: Bruno Pésery Elenco: N Yekaterina Golubeva (Daiga), Richard sendo assassinadas nas proximidades da Basílica de C É E Courcet (Camille), Vincent Dupont (Raphael), T S Sacre Coeur e ninguém é capaz de solucionar os crimes. Laurent Grévill , Alex Descas (Theo), Irina P A Griebina (Mina), Tolsty (Ossip), Line Renaud O Neste cenário, surge uma jovem atriz russa à procura de H N C (Ninon), Béatrice Dalle (Mona), Sophie I emprego, que irá se envolver nessa trama mortal. I F S Simon (Alice), Patrick Granderret (Abel). www.estacaovirtual.com www.contracampo.com.br Cahiers du Cinéma: Noites sem Dormir é um filme que parece ser a concretização –, e acabou que choveu quase o tempo inteiro. Era muito dos precedentes: o que não estava talvez arrematado em S’en fout la mort realiza- importante para mim que muitas cenas se passassem na rua, se aqui, a encenação dos corpos, por exemplo, atinge uma real densidade, uma porque é onde as pessoas se cruzam: o verão, as pessoas se plenitude. roçam, ficam nas varandas dos cafés e olham para os outros bem mais que no inverno. Claire Denis: Talvez isso ganhou mais corpo agora... Em todo caso, há agora mais corpos nesse filme. Não é piada, a tomada dos corpos é de fato a única coisa que CC: O que o filme tem de mais surpreendente é a forma de me interessa. É intimidante demais, sobretudo quando é o corpo dos homens. Eu deixar os crimes numa opacidade absoluta, sem nenhuma não posso dizer que tinha medo do tema de Noites sem Dormir, mas do começo ao tentativa de explicação, sobretudo no fato de não dramatizá-los: fim, fui me colocando questões sobre o olhar que se poderia ter sobre um projeto as cenas dos assassinatos são impressionantes porque não há como esse. O corpo de delito, o corpo de Camille, foi evidentemente um objeto de efeitos de encenação. Como essa forma se impôs? observação, um mistério. E era preciso olhá-lo dessa forma. Minhas dúvidas e CD: A partir do momento em que eu me aventurava pela sombra hesitações aumentavam no momento do roteiro e da preparação do filme. Mas desse grande fato real, o preço a pagar era filmar os assassinatos. quando eu comecei a procurar jovens para o papel de Camille, fiquei diante dos Era complicado, nesse tipo de narração, evocar a série – ao passo corpos, e de corpos aos quais eu ia pedir bastante coisa. Me dei conta muito rápido que não é complicado para John Woo. Era preciso que houvesse que não seria com atores profissionais. Os que eu vi, mesmo iniciantes, já estavam ao menos repetição, fria e não-explicada. Cheguei à solução dos comprometidos demais em algo para dar a impressão de flutuação que eu dois assassinatos para evocar a série. Como não podemos procurava, eles tinham tomado a decisão de ser atores e eu me via diante de escapar dessas cenas, também não podemos mascarar os homens, ao passo que eu queria que Camille tivesse ainda uma dúvida sobre o que assassinatos atrás da porta, sob a mesa, num canto; é preciso que ele é. Procurei nas casas noturnas, praticamente como uma voyeuse. Vi numa eles sejam filmados em campo inteiro. Ao mesmo tempo, essas cabine telefônica um jovem alto e mestiço com um brinco e percebi que eu ainda cenas proíbem a montagem, é preciso filmá-las num único tinha o reflexo de detalhar sua imagem, como quando procurava meu ator. Passei plano. Senão, é nojento ou não é muito moral, porque o crime muito tempo olhando corpos esperando reconhecer o de Camille! O filme só fica enfeitado. Com os assassinatos, foi um trabalho de R ganhou corpo quando apareceu Richard Courcet. Ele morava num albergue e encenação à parte, é preciso perguntar-se como se vai filmar a I ouviu falar do filme através de colegas que lhe aconselharam a tentar a sorte. Ele morte. É por isso que eu gosto muito dos filmes de John Woo, nunca tinha feito nada em cinema. porque é uma verdadeira reflexão sobre a imagem da morte. CC: Na origem de Noites sem Dormir, tem um fato real, a história de Thierry CC: Você foi assistente de direção, notadamente de Wim M Paulin, assassino de senhoras que foi preso em Paris em 1987. Wenders, antes de passar à direção. Foi por vontade de aprender o ofício de cineasta ou para ganhar a vida? CD: Sim, mas isso nasceu de uma vontade completamente contraditória. Nunca R tive vontade de contar esse fato real, mas aconteceu que diversas coisas na minha CD: Fui assistente de Wenders, mas também de Dusan vida me levaram a isso. Cruzei com Paulin sem saber quem era várias vezes. Uma Makavejev, Costa-Gavras e Jacques Rivette, entre outros. Foi um pessoa com quem eu trabalhava num roteiro morreu no mesmo dia de Paulin, um percurso muito elatório. Inicialmente, queria ganhar a vida. O 14 de abril... Essa história voltava o tempo todo sem que eu corresse atrás dela, Durante todo um período, pensei que foi um erro ter feito o havia sinais demais. Não sou muito afeita aos símbolos mas acabei achando isso IDHEC e querer fazer filmes, porque na verdade eu queria fazer estranho. Tinha também lido uma entrevista muito interessante com Baudrillard outra coisa. Falando com Jacques [Rivette], e depois trabalhando D falando do caso Paulin e da idéia de serial killer em nossa sociedade, sobre o fato em Paris, Texas, que foi um filme com muitos problemas de produção resolvidos uns depois dos outros durante as de que esse homem de quem tanto se falou na imprensa – com títulos inverossímeis, aliás, como “A França com medo”, por exemplo – se dissolveu filmagens, sempre no último minuto, percebi que em certas completamente hoje, desapareceu. Os grandes assassinos franceses são condições eu poderia aceitar fezer filmes sem sofrer demais praticamente transformados em heróis, mas Paulin não teve esse estatuto. daquilo que eu acreditava ser o estado da produção. Eu ficava M Pesquisei, mantive reservas escrevendo o roteiro, uma distância. Era impossível remoendo diversas histórias sobre produção. De um momento para mim imaginar fazer um filme estritamente sobre esse caso: Paulin morreu mas pra outro, tive a sensação de aprender, não a fazer filmes mas a E seu cúmplice está na prisão pagando vinte anos e sua mãe mora na França. Era entender como se pode encontrar o seu lugar em relação à desnecessário que ela abrisse o jornal e fosse submetida novamente aos horrores produção, encontrar sua liberdade. Acho que não é preciso ser S que ela vivenciou nos momentos reais. assistente para entender isso, mas aconteceu assim pra mim. CC: O roteiro foi escrito com a mesma estrutura que o filme teve? Ou você CC: O conjunto dos seus filmes até agora [1994] não parece trabalhou as trajetórias dos três personagens principais separadamente antes de S forçar o reconhecimento e a progressão do que se pode chamar filmar? uma carreira, algo que o cinema francês fornece suficientes E CD: Com Jean-Pol Fargeau, meu co-roteirista, nós nos perguntamos se íamos exemplos.
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