ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005. O Mal-Estar na Modernidade: O Cinema Novo diante da Modernização Autoritária (1964-1984) Wolney Vianna Malafaia, bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; licenciado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Professor de História de Ensino Médio do Colégio Pedro II; Professor do curso de Licenciatura em História e do Curso de Especialização em História do Brasil da Fundação Educacional Unificada Campograndense – FEUC, Rio de Janeiro; Professor do Curso de Especialização em História Social da Universidade Severino Sombra, Vassouras, RJ. Maio de 2005 1 ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005. O Cinema Novo é fruto do processo de modernização, desenvolvido na sociedade brasileira a partir da década de 1930. Considerando o cinema, em si, como a invenção que melhor expressa o sentido de modernidade, já a partir do final do século XIX1, nos grandes centros capitalistas, podemos, também, considerar essa forma específica de linguagem cinematográfica, o Cinema Novo, como uma forma de expressão legítima dessa modernização à brasileira, cujo ápice se situa, justamente, no período compreendido entre o final dos anos cinqüenta e a primeira metade da década de setenta. O Cinema Novo tem suas origens no final dos anos cinqüenta, momento em que a sociedade brasileira conhecia um vigoroso processo de desenvolvimento econômico, representado pelo slogan “cinqüenta anos em cinco”, difundido pelo governo Juscelino Kubitschek (1956-1960). Neste momento, inúmeras propostas culturais, de caráter nitidamente inovador e vanguardista, desenvolviam-se como uma resposta, ou adequação, da cultura brasileira aos novos tempos.2 A produção cinematográfica experimentava uma diversidade de inovações tanto no campo da estética, quanto no campo das temáticas abordadas. A nítida influência das novas correntes cinematográficas européias se fazia sentir, paralelamente ao ímpeto modernizador dos jovens cineastas, engajados num processo de descoberta e transformação da realidade brasileira.3 A soma desses dois fatores levará a uma experimentação na produção de imagens da sociedade brasileira, que culminarão, no início de 1964, com o lançamento de três obras cinematográficas que assinalariam, definitivamente, o nascimento de uma nova proposta estética: Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha; Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos; e Os Fuzis, de Ruy Guerra.4 Estes filmes alcançam grande repercussão tanto no Brasil quanto no exterior e consagram um tipo de produção característica das propostas de vanguarda no meio cinematográfico, tão em voga na Europa, e que constituíam uma reação ao cinema industrial, típico da produção norte-americana, notadamente aquela de caráter hollywoodiano.5 No caso brasileiro, afinam-se com o momento de desenvolvimento econômico e intensa participação popular. A opção por temáticas consideradas de caráter popular vincula-se a uma análise e a uma crítica da realidade brasileira e revela a emergência das contradições geradas por esse mesmo processo de desenvolvimento. Os jovens cineastas apresentavam-se, ao mesmo tempo, como observadores entusiasmados do desenvolvimento econômico e críticos contundentes das contradições geradas por esse mesmo desenvolvimento. Neste sentido, em seu primeiro momento, no período pré-1964, o Cinema Novo se constitui como a expressão cinematográfica de um grupo de jovens cineastas que se reuniam no Rio de Janeiro, centro de produção de suas obras, difundindo suas idéias através do periódico estudantil O Metropolitano e do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil.6 Sua proposta enquadrava-se no conceito de nacional-popular e cerrava fileiras em torno do que se convencionou denominar nacional- desenvolvimentismo, ideologia difundida à época pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros 2 ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005. – ISEB, criado no governo Juscelino Kubitschek e subordinado ao Ministério da Educação e Cultura (MEC).7 Neste momento, o nacional-popular constituía-se na proposta política-cultural mais adequada à compreensão da nova realidade gerada pelo processo de modernização: tratava-se de difundir a necessidade de desenvolver economicamente a sociedade brasileira incluindo os setores populares até então colocados à margem desse processo. O engajamento político desses jovens intelectuais se dá numa conjuntura interna onde o referencial é a proposta de Reformas de Base, propostas pelo governo João Goulart (1961-1964) e, numa conjuntura internacional, um momento marcado pela descolonização e emergência dos países do chamado Terceiro Mundo, pela Revolução Cubana e pela Guerra Fria.8 Esta primeira fase de produção é a que caracteriza, também, uma unidade estética entre os cinemanovistas. Envolvidos com os mesmos ideais, procuram produzir cinema de forma independente, sem preocupações com os acabamentos formais que caracterizavam a produção do tipo industrial, tão própria daquela feita pela companhia cinematográfica paulista Vera Cruz, à qual os cinemanovistas eram profundamente críticos, apresentando a mesma como uma tentativa de reprodução de padrões hollywoodianos em terras brasileiras, sustentada, assim, num falseamento de nossa realidade social e cultural.9 Ao mesmo tempo, criticavam também as produções de comédias e musicais populares, conhecidas como chanchadas, características de produtores localizados no Rio de Janeiro. Para os cinemanovistas, tanto a tentativa de se implantar uma “Hollywood nos trópicos”, quanto as produções popularescas e grosseiras da Atlântida, no Rio de Janeiro, constituíam os marcos daquilo que não queriam como produtores de cinema.10 Efetivamente, os cinemanovistas não só se apresentavam como novos produtores cinematográficos, desejosos em apresentar uma produção que primasse pela independência no fazer e pela inovação estética, afinada com as novidades oriundas dos grandes centros cinematográficos europeus, mas também inseriam o debate político sobre a função social da produção cinematográfica. No período pré-1964, ela se caracterizaria pela tentativa de inserção da temática nacional e popular, pela discussão da identidade nacional e pela crítica às contradições geradas pelo processo modernizador em curso. Tratava-se, no entanto, de um período democrático que logo viria a ser solapado e destruído pelo golpe militar perpetrado em abril de 1964. Na realidade, a partir deste momento, opera-se uma dupla transformação no panorama cultural cinemanovista: primeiramente, a montagem de uma estrutura estatal autoritária e repressiva, contrária a qualquer forma de manifestação crítica ao processo de exclusão política e econômica dos setores populares, que seria levado à frente pelas políticas desenvolvidas pelos governos militares. Em segundo lugar, a partir da criação de novas condições de produção cinematográfica, em grande parte geradas pelo próprio processo de crescimento econômico verificado a partir de 1967, os cinemanovistas serão levados a uma dispersão estética, em busca de novas formas de 3 ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005. produção e expressão, procurando se adequar ao novo mercado cultural em expansão. Entretanto, ainda que suas experiências sejam individualizadas, não perderão sua identidade de grupo, se articulando política e culturalmente sempre que possível.11 Exemplar dessa atomização/individualização é o confronto de idéias possibilitado pelo manifesto Uma Estética da Fome,12 apresentado por Glauber Rocha na Resenha do Cinema Latino-Americano em Gênova, em 1965, e o texto de Gustavo Dahl, Cinema Novo e estruturas econômicas tradicionais, publicado originalmente na Revista Civilização Brasileira.13 Enquanto o primeiro propõe o aprofundamento da postura estética e política característica dos primeiros momentos do Cinema Novo, o segundo aponta na direção do início de um diálogo profícuo entre a produção cinemanovista e as estruturas econômicas tradicionais, ou seja, as condições colocadas pelo mercado cinematográfico nacional, dominado quase que exclusivamente pelo produto estrangeiro, principalmente aquele de origem hollywoodiana. Neste sentido, podemos visualizar não uma contradição insuperável, mas justamente as amplas possibilidades de inserção social que agora eram colocadas à produção cinematográfica e que representavam novos caminhos a serem trilhados pelo Cinema Novo. A busca de uma identidade cultural, afirmada pela inovação estética, que possibilita uma abordagem original de temáticas relacionadas à realidade brasileira, será mantida, ainda que seja abandonada, gradualmente, a postura radicalizada do cinema de autor, tão característica de suas primeiras produções, adotando-se técnicas de produção mais complexas, onde a diversificação e a especialização profissional serão a regra.14 Esta transformação se dará, no entanto, em condições de supressão das liberdades e de agravamento do arbítrio, exercido pelo Regime Militar instalado no poder após abril de 1964. Convém debater, portanto, os aspectos concernentes às propostas estéticas desenvolvidas pelos cinemanovistas a partir de 1964, e que caracterizam as respostas individualizadas colocadas pelos mesmos às novas condições de produção e de sobrevivência de uma linguagem crítica, preocupada com a realidade
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