1 Marcos Guterman O Futebol Explica o Brasil: o Caso da Copa de 70 Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em História, sob a orientação do Prof. Doutor Antonio Pedro Tota São Paulo Maio de 2006 2 Guterman, Marcos Título: O Futebol Explica o Brasil Subtítulo: O Caso da Copa de 70 Número de folhas: 155 Grau: Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de SP Orientador: Antonio Pedro Tota Palavras-chave: futebol, ditadura militar, governo Médici, identidade nacional 3 Banca examinadora _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ 4 Dedicatória Dedico este trabalho à minha mulher, Patrícia, por sua amorosa compreensão; a meus pais, Henrique e Rachel, por terem me ensinado a lutar; e a meus filhos, Samuel e Miguel, pela infinita inspiração. 5 Agradecimentos Agradeço em primeiro lugar ao meu orientador, Antonio Pedro Tota, mestre dos mestres e meu grande amigo. Agradeço também à professora Denise Bernuzzi Sant’Anna, por acreditar em mim desde o princípio, e ao professor Fernando Abrucio, por cujas mãos este trabalho começou. Quero agradecer também ao Banco de Dados da Folha de S. Paulo e ao Arquivo do Estado, que me prestaram inestimável ajuda; à banca de qualificação, que me deu preciosas indicações no momento certo; e ao Adriano Marangoni, um amigo que sabe ouvir. 6 Resumo Esta dissertação tem como objetivo compreender as relações entre futebol, política e sociedade no Brasil, considerado por todo o mundo como o “país do futebol”. A intenção, aqui, é ver o futebol como um dos mais importantes veículos pelos quais os brasileiros se expressam e superam suas diferenças regionais e sociais. A necessidade dessa abordagem é urgente, na medida em que esse esporte de massa -- embora mobilize todo o país, praticamente o ano inteiro, há décadas -- sempre foi tratado como tema menor pela elite acadêmica do Brasil. O auge das relações entre futebol e política -- e, igualmente, o auge do preconceito da intelectualidade nacional em relação ao futebol -- se deu na Copa de 1970, razão pela qual esse foi o evento escolhido para este estudo. Considerada pelo pensamento de esquerda como a prova de que o futebol serve como meio de manipulação das massas, a Copa de 1970 é também a realização de um certo ideal nacional -- que, claro, servia aos interesses da ditadura militar, mas, ao mesmo tempo, e talvez em primeiro lugar, tornou-se o ambiente de uma autêntica manifestação de regozijo pela superioridade do país em algo tão caro aos brasileiros. Essa manifestação pode ter servido ainda para extravasar sentimentos represados pelo sistema repressivo instalado no país, e as grandes comemorações pelas vitórias brasileiras, em muitos momentos, podem ter sido também oportunidades para a reocupação dos espaços públicos, seqüestrados pela ditadura. Este trabalho se utilizou basicamente de veículos de imprensa da época para tentar reconstituir o clima de então. Embora sob censura, os jornais registraram em cores vivas todo o ambiente de crise, tensão, júbilo e manipulação criado em torno da Copa de 1970 e do projeto da ditadura de transformar o Brasil em uma potência. 7 Abstract This dissertation is aimed at understanding the relations between soccer, politics and society in Brazil, viewed by the entire world as the “Country of Soccer”. The intention here is to consider soccer as one of the most important vehicles used by Brazilians to express themselves and to overcome their regional and social differences. This approach is urgent, because this mainstream sport, although it mobilizes the entire country during the most part of the year, and for the last decades, have always been treated as a minor issue by the Brazilian academic elite. The climax of these relations between soccer and politics -- and, equally, the climax of the national intellectuals prejudice against soccer -- happened during the 70’ World Cup, and that’s why this event was chosen to be studied. Viewed by the leftist thinking as the proof that soccer can be used to manipulate people, the 70’ World Cup is the materialization of a certain national ideal -- which, of course, served to the dictatorship interests, but, at same time, and maybe in first place, became the environment of an authentic expression of joy because of the country’s superiority in an area so esteemed by the Brazilians. This expression could have also served to overflow feelings suppressed by the repressive system settled in the country, and the huge street parties to celebrate the Brazilian victories, in many moments, can have been also opportunities to reoccupy the public places, “kidnapped” by the dictatorship. This work was written basically using the account made by the newspapers of that time, in order to rebuild that environment. Although there was censorship, the newspapers have registered in true colors all that atmosphere of crisis, tension, joy and manipulation which was created during the 70’ World Cup and because of the dictatorship project designed to transform Brazil into a powerful and united country. 8 Sumário 1. Introdução ........................................................... ...................................9 2. Futebol: modelos teóricos e debate ideológico .....................................16 2.1. Futebol como fator de afirmação social...........................................16 2.2. Futebol como elo social...................................................................19 2.3. Futebol como violência ritual e drama.............................................22 2.4. A paixão do futebol no Brasil...........................................................29 2.5. Futebol como Identidade nacional...................................................33 2.5.1. Futebol arte x futebol força....................................................33 2.5.2. Superioridade e inferioridade nacionais................................37 3. O falso dilema moral da Copa de 1970..................................................46 3.1. A má vontade da intelectualidade de esquerda.............................46 3.2. As diversas manipulações de um grande evento...........................53 3.3. Exploração política.........................................................................58 4. A ditadura e a Copa de 1970: relações..................................................61 4.1. Médici, um torcedor........................................................................61 4.2. A apropriação do futebol no discurso político................................68 4.3. Política de união nacional pela via do futebol................................77 4.4. O regime visto pela seleção brasileira: o caso João Saldanha......82 4.5 O “neo-ufanismo”...........................................................................108 5. A reação dos torcedores.......................................................................130 5.1. O efeito da televisão.....................................................................130 5.2. A mobilização nacional.................................................................136 6. Conclusão.............................................................................................147 7. Bibliografia............................................................................................150 9 1. Introdução O futebol é um campo fértil para a produção de mitos e lendas na vida nacional. Esse esporte, no Brasil, tem peso equivalente ao de uma religião oficial. Diz-se que um menino brasileiro, ao nascer, recebe um nome para honrar, uma crença religiosa para seguir e um time de futebol para torcer. Ignorar qualquer uma dessas três heranças é visto como uma inominável traição. A importância do futebol, portanto, o coloca como elemento fundamental para a compreensão do mundo brasileiro, e isso obviamente inclui o campo da política. O caso da Copa de 1970 talvez seja o melhor meio para compreender até que ponto o futebol contamina as estruturas sociais e de poder no Brasil. O tricampeonato mundial conquistado pela seleção brasileira no México freqüenta o imaginário do país de várias maneiras: para os amantes do futebol, aquela equipe representou o auge de toda a potência brasileira nesse esporte e além, isto é, mostrou que o brasileiro pode ser forte e competitivo sem abrir mão de sua graça; para alguns dos que se empenharam no combate ao regime militar e para boa parte dos intelectuais de esquerda, o triunfo e os festejos que se seguiram a ele significaram uma odiosa chancela ao arbítrio estabelecido no país pelos generais; e para o governo de Emílio Garrastazu Médici, que teve a sorte de ser o presidente do Brasil na época dessa conquista mágica, a vitória na Copa significou uma oportunidade singular para se legitimar no momento em que esmagava a oposição em busca de “união nacional” para o projeto de desenvolvimento e de poder dos militares. 10 A historiografia e mesmo a produção artística que relacionam a Copa de 1970 e o governo Médici geralmente destacam a “manipulação” ardilosa que o regime militar fez da conquista da seleção com o objetivo de encobrir a repressão que foi a marca da ditadura na ocasião. Como todo episódio relacionado ao futebol no Brasil, porém, este também é objeto de muitos palpites e pouca consistência documental. No caso específico da Copa de 70, sobram episódios obscuros, interpretações enviesadas e açodamento ideológico, resultando num quadro
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