Aves da bacia do rio Sepotuba, Mato Grosso, Brasil Alessandro Pacheco Nunes1 1Pós-graduação em Ecologia e Conservação, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Cidade Universitária s/n, C.P. 549, CEP 79070-900 Campo Grande, MS, Brasil. E-mail:[email protected] ABSTRACT. Birds of the Sepotuba River Basin, Mato Grosso, Brazil. I inventoried the avifauna of Sepotuba River Basin, in Mato Grosso State, in March 2008. The results were compared with Edwin O’Neill Willis who covered the region in the 1975’s. A total of 326 bird species were recorded in the region. The avifauna is most biogeographic related to birds communities in the Amazonian basin, mainly among the families Thamnophilidae, Bucconidae, Trochilidae, Picidae, Trogonidae and Thraupidae. However, most of the grassland and savanna species invaded the region after deforestation. KEY WORDS. Birds, Cerrado/Amazonia, Sepotuba River, Mato Grosso. RESUMO. Inventariei a avifauna da bacia do rio Sepotuba em março de 2008. Os resultados foram comparados com aqueles obtidos por Edwin O’Neill Willis que visitou a região em 1975. Foram registradas 326 espécies de aves na região. A avifauna é biogeograficamente relacionada com as comunidades de aves da bacia amazônica, principalmente os membros das famílias Thamnophilidae, Bucconidae, Trochilidae, Picidae, Trogonidae e Thraupidae. Porém, muitas espécies de aves de campos e cerrados invadiram a região após o desmatamento. PALAVRAS-CHAVE. Aves, Cerrado/Amazônia, Rio Sepotuba, Mato Grosso. INTRODUÇÃO terras baixas, savana florestada (Cerrado) e floresta ombrófila (SUSTANIS et al. 2009, SANO et al. 2010). No entanto, na maioria Na região sudoeste de Mato Grosso, as chapadas e os dos remanescentes predomina espécies arbóreas emergentes cerrados do Brasil Central formam mosaicos de fitofisionomias típicas da floresta de terra firme da Amazônica, dentre as quais típicas da planície do Pantanal, das matas secas do rio Paraguai se destaca a sumaúma (Ceiba pentandra), cujo dossel ultrapassa e da Floresta Amazônica (VALADÃO 2012). TOMAS et al. (2008) os 40 m de altura e em seu sub-bosque vicejam outras espécies relatam a ocorrência de mais de 800 espécies de aves na Bacia típicas da bacia amazônica, tais como o açaí (Euterpe oleracea), do Alto Paraguai (BAP), incluindo áreas da Bolívia e Paraguai. a paxiuba (Socratea exorrhiza) e a sororoca (Phenakospermum No entanto, os mesmos autores ressaltam que existem grandes guyanense) (ALARCÓN & PEIXOTO 2007). lacunas de conhecimento sobre a avifauna da BAP. Vários cursos d'água cortam a região, dentre os quais se destacam o rio Sepotuba e seu afluente, o rio do Sangue. Edwin O’Neill Willis foi um dos últimos naturalistas Porém, as florestas ripárias ao longo desses corpos-d’água se a pesquisar a avifauna da bacia do rio Sepotuba em 1975, encontram em alguns trechos, quase totalmente suprimidas e/ou quando visitou várias localidades em Tangará da Serra e Barra em avançado estado de antropização devido o pastejo e pisoteio do Bugres, registrando 237 espécies de aves (WILLIS 1976). do gado. O clima da região, segundo SERIGATTO (2006), é do Entretanto, apesar dessa importante contribuição, a avifauna tipo A (tropical chuvoso), com um período de seca e chuvas ocorrente na bacia do rio Sepotuba ainda é pouco conhecida. inferiores a 60 mm nos meses mais secos (maio a agosto). Neste artigo são apresentados os registros históricos e recentes das espécies de aves ocorrentes na bacia do rio Sepotuba, Mato Grosso, assim como uma análise biogeográfica Coleta de dados Os trabalhos de campo foram realizados nas fazendas da avifauna local quanto as afinidades de composição de Vale Formoso (14º 41ʼ S e 57º 52ʼ W) e Paiaguás (14º 40ʼ S e espécies com relação aos diferentes biomas circundantes. 57º 47ʼ W), Tangará da Serra, Mato Grosso, no período de 19 a MÉTODOS 24 de março de 2008 (Fig. 1). As observações foram realizadas nos períodos matutino (6:00 h às 10:30 h), verpertino (15:00 h às 18:00 h) e noturno (18:00 h às 21:00 h), totalizando 52 Área de Estudo horas de observações. Para o levantamento das espécies de aves A bacia hidrográfica do rio Sepotuba ocupa uma ocorrentes na região, foram amostradas várias fitofisionomias, área de 984.450,51 ha, representando cerca de 1% da área do tais como pastagens exóticas, remanescentes de mata de terra Mato Grosso. As formações florestais primárias que outrora firme, matas ciliares, banhados e brejos. A identificação das cobriam grande parte da paisagem regional foram substituídas, espécies no campo se deu por meio de contato visual e auditivo ao longo de décadas, por pastagens de gramíneas exóticas, (canto), com auxílio de binóculo de aumento 8x40 e zoofonia. culturas agrícolas como soja e cana-de-açúcar e monoculturas Adicionalmente foram considerados os dados de espécies arbóreas exóticas (SERIGATTO 2006). históricos da avifauna ocorrente na região, através de consulta ao Os remanescentes florestais são compostos material bibliográfico disponível em IW LLIS (1976). Entretanto, principalmente por florestas estacionais semideciduais de Willis (1976) não faz menção às coordenadas geográficas das Ornithologia 6(1):36-52, dezembro 2013 Aves da bacia do rio Sepotuba, Mato Grosso, Brasil 37 Figura 1. Localidades com inventários ornitológicos na Bacia do Rio Sepotuba, Mato Grosso, Brasil. Imagem: Luiz Alberto Pellegrin (Laboratório de Geoprocessamento, Embrapa Pantanal). Figure 1. Localities with ornithological inventories in the Sepotuba River Basin, Mato Grosso, Brazil. Image: Luiz Alberto Pellegrin (Laboratório de Geoprocessamento, Embrapa Pantanal). localidades estudadas, o que dificultou a localização exata das base nas categorias de dependência de habitat florestal proposta mesmas. Com base nas informações descritas por WILLIS (1976), por SILVA (1995), considerou-se: independentes (espécies que foi possível determinar a localização aproximada das seguintes ocorrem em paisagens abertas tais como banhados, campo localidades: várzeas e remanescentes florestais em Barra do limpo, campo sujo, campo cerrado e cerrado sensu stricto); Bugres (15º 04’ S e 57º 29ʼ W), remanescentes florestais ao parcialmente dependentes (espécies que ocorrem em paisagens longo do rio Sepotuba (14º 36ʼ S e 57º 44ʼ W), Fazenda do abertas e florestais) e dependentes (espécies encontradas Português (14º 22’ S e 57º 40ʼ W), Fazenda Tapirapoã (14º 53’ principalmente em habitats florestais, tais como cerradão, S e 57º 35ʼ W) e Fazenda Arapitanga (14º 27’ S e 57º 16ʼ W). mata de galeria, matas secas, matas semideciduais e floresta Os dados sobre endemismos e centros de distribuição ombrófila). de algumas espécies foram obtidos em SILVA (1995), SILVA Para a análise biogeográfica foram comparadas as (1996a, b), SILVA & BATES (2002) e SILVA & SANTOS (2005). Com comunidades de aves ocorrentes na região da bacia do rio Ornithologia 6(1):36-52, dezembro 2013 38 A.P. Nunes Sepotuba com aquelas ocorrentes nos planaltos adjacentes, de alguns grupos ou espécies, para os quais utilizamos edição bem como da porção norte da planície pantaneira e da bacia anterior da mesma lista (CBRO 2009), sob a forma de arranjo o amazônica. Dentre os planaltos adjacentes considerou-se: mais coerente e consensual possível. CHAPADA (Chapada dos Guimarães, LOPES et al. 2009); Alguns táxons ocorrentes na região se destacam por ARARAS (Serra das Araras, VALADÃO 2012); MANSO (rio apresentar problemas taxonômicos, como os cracídeos Aburria Manso, VASCONCELLOS & OLIVEIRA 2000); CAICARA (Caiçara, spp. Este estudo adota os limites de espécies para Aburria NAUMBURG 1930) e KAEMPF (Parque Nacional Noel Kaempff apresentados por LOPES (2009), contra GRAU et al. (2004) e Mercado, BATES et al. 1998). Na porção norte da planície do CBRO (2011), particularmente na aceitação de A. nattereri Pantanal foram consideradas as seguintes localidades: SESC (Reichenbach, 1862) como espécie plena. Desta forma, nesse (SESC Pantanal, BRANDÃO et al. 2008); CLARO (Fazenda Rio artigo optei por converter todos os registros atribuídos a A. Claro, OLIVEIRA et al. 2010); POCONE (Poconé e Pirizal, CINTRA cujubi nattereri e A. cumanensis grayi, em favor de A. nattereri & YAMASHITA 1990 e PINHO 2005, respectivamente); CACERES e A. grayi, respectivamente. (Cáceres, TUBELIS & TOMAS 2003) e DESCAL (Descalvados, NAUMBURG 1930). Considerou-se também as seguintes RESULTADOS localidades da bacia amazônica: ALTA (Alta Floresta, WHITNEY 1997 e BOUTE & CARLOS 2007); VILA (Vila Bela da Santíssima Trindade, SILVEIRA & D'HORTA 2002); MADEIRA (rio Madeira, Diversidade Considerando-se os registros históricos e recentes, HELLMAYR 1910); ROOSEVELT (Pousada Roosevelt, WITTAKER 2009); TAPAJOS (Floresta Nacional do Tapajós, MMA 2004) e foram relacionadas 326 espécies de aves para a bacia do rio JAU (Parque Nacional do Jaú, BORGES 2004a, b). Sepotuba, Mato Grosso (Tab. I). A avifauna da bacia do rio Os táxons foram creditados às localidades analisadas Sepotuba mostrou-se bastante expressiva quando comparada como ocorrência/não ocorrência, formando uma matriz de à ocorrente em regiões adjacentes, como a Estação Ecológica dados binários. Esta informação foi utilizada para a condução Serra das Araras, com 431 espécies (VALADÃO 2012), a região de de uma análise de grupamento (cluster), através de Distância Vila Bela da Santíssima Trindade, com 472 espécies (SILVEIRA & Euclidiana com vinculação completa (SYSTAT.12). D’HORTA 2002) e a Chapada dos Guimarães, com 393 espécies A lista de espécies segue a ordenação taxonômica e (LOPES et al. 2009). a nomenclatura
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