Os Dedos Do Tecelão

Os Dedos Do Tecelão

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - INSTITUTO DE LETRAS DEPARTAMENTO DE TEORIA LITERÁRIA E LITERATURA PÓS-GRADUAÇÃO DOUTORADO EM LITERATURA E PRÁTICAS SOCIAIS Os Dedos do Tecelão Formação, Representação e o Romance Brasileiro do Século XX Tese Eiliko L. P. Flores Brasília –DF 2012 1 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - INSTITUTO DE LETRAS DEPARTAMENTO DE TEORIA LITERÁRIA E LITERATURA PÓS-GRADUAÇÃO DOUTORADO EM LITERATURA E PRÁTICAS SOCIAIS Os Dedos do Tecelão Formação, Representação e o Romance Brasileiro do Século XX Tese Eiliko L. P. Flores Orientador: Dr. Hermenegildo J. Bastos Banca: Dr. Luís Bueno Dr. Mario Frungillo Dra. Ana Laura dos Reis Corrêa Dr. Alexandre Simões Pilati Brasília –DF 2012 2 Resumo: Este estudo apresenta um diálogo entre obras de escritores brasileiros atuantes na década de setenta, durante a ditadura militar brasileira pós-64, e livros de escritores anteriores cujas obras estão situadas no âmbito do século XX. Procura-se expor a relação produtiva, intrínseca à sua realização estética, formal e temática, que esses romances estabelecem entre si, e seu significado amplo em termos de crítica e historiografia literária. Os escritores abordados são: Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Antonio Callado, Osman Lins e João Ubaldo Ribeiro. A base teórica fundamental para o estudo dessas relações está baseada na obra de Erich Auerbach e de estudiosos brasileiros, como Antonio Candido. Palavras-chave: Formação e Representação, Romance Brasileiro, Erich Auerbach, Antonio Candido. 3 Abstract: This study presents a dialogue between works of Brazilian writers working in the seventies, during the post-64 military dictatorship, and previous books by writers whose works are located within the twentieth century. It seeks to expose the productive relationship, intrinsic to their aesthetic, formal and thematic achievement, that these novels establish amongst themselves and the broader significance of this relationship in terms of criticism and literary historiography. The writers addressed are Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Antonio Callado, Osman Lins and João Ubaldo Ribeiro. The fundamental theoretical basis for the study of these relationships is based on the work of Erich Auerbach and Brazilian scholars such as Antonio Candido. Key words: Brazilian Formation and Representation, Brazilian Novel, Erich Auerbach, Antonio Candido. 4 Agradecimentos Agradeço à minha família, ao meu orientador, aos meus professores, colegas e amigos. 5 Sumário Introdução____________________________________________________________9 Capítulo 1. Figura e Consumação________________________________________23 1. Origens da interpretação figural_________________________________________23 2. A interpretação figural como historicismo modernista_______________________26 3. Realismo e representação literária enquanto mediação historiográfica___________29 4. Uma “infância perpétua”?_____________________________________________33 Capítulo 2. Machado de Assis e A. Callado: A Farsa e o Luto ________________38 1. Esaú e Jacó: Uma partida de xadrez_____________________________________40 1.1. O conselheiro Aires e a representação da indiferença______________________46 1.2. Encilhamento: “é tudo mentira”_______________________________________55 1.3. Primeira conclusão_________________________________________________56 2. Memorial de Aires: a narrativa do Luto como superação falsificada_____________58 2.1. Os mortos e a terra__________________________________________________63 2.2. Abolição: “a poesia falará dela”_______________________________________65 2.3. Segunda conclusão_________________________________________________68 3. Machado e Callado: certo por linhas tortas________________________________70 3.1. Reflexos do Baile: um diálogo com o século XIX _________________________74 3.2. O embaixador brasileiro e o doudo_____________________________________75 3.3. Os guerrilheiros e a “vocação brasileira para o seqüestro”___________________78 4. Conclusão Geral: Luto, Loucura e Farsa _________________________________81 Capítulo 3. G. Ramos, C. Lispector e O. Lins: Determinação e Liberdade______84 1. Graciliano Ramos e a liberdade representada pela (e na) arte__________________86 2.1. O Realismo segundo C. L. ___________________________________________90 2.2. A hora da estrela: a morte de Macabéa_________________________________94 3.1. Osman Lins e a negatividade da literatura_______________________________98 3.2. A Rainha dos Cárceres da Grécia: o compromisso da crítica literária_________102 4. Conclusão_________________________________________________________106 6 Capítulo 4: G. Rosa e J. Ubaldo Ribeiro: o Mundo à Revelia_______________108 1. Dois lados da mesma moeda__________________________________________110 2. Grande Sertão: reversos______________________________________________112 3. Sargento Getúlio: a história de uma derrota_______________________________117 4. Conclusão_________________________________________________________122 Conclusão: Os Dedos do Tecelão________________________________________124 1. Um esforço de síntese________________________________________________127 2. Machado de Assis: o silêncio da ironia__________________________________128 3. Graciliano Ramos: o silêncio como falta de voz e representação______________130 4. Guimarães Rosa: superação e surgimento de novas contradições______________132 5. Considerações finais_________________________________________________133 Bibliografia_________________________________________________________137 7 O senhor tece? Entenda meu figurado. Guimarães Rosa 8 Introdução Embora seja atribuída a alguns escritores, a frase “a história não se repete, ela rima” faz parte, na verdade, da família das frases lapidares, porém anônimas. Um dos sentidos latentes nessa frase, quando substituí dentro da história a idéia de repetição pela da rima é, evidentemente, que nenhuma repetição histórica é exatamente igual àquilo a que remete, assemelhando-se metaforicamente muito mais ao processo de identificação e diferenciação que o recurso da rima é capaz de provocar. Dentre outras vantagens, a famosa e anônima frase “a história não se repete, ela rima” estabelece uma ponte implícita entre história e literatura por meio de uma metáfora elaborada a partir de um processo ele mesmo literário, a rima. Talvez seja o caso de perguntarmos: porque um processo estético, a rima, é capaz de metaforizar os caminhos da história e seus padrões, melhor do que a idéia redutora da mera repetição? Na medida em que toma o próprio processo estético (a rima) como metáfora das recorrências e ressonâncias históricas, é possível entrever a sugestão de que a arte às vezes pode ser um modo sutil de representação da história, justamente por causa das especificidades e possibilidades exclusivas de seus recursos, e não apesar deles1. Este estudo trata de romances brasileiros que dialogam em termos de semelhança e diferença com obras anteriores de nossa literatura, de uma maneira profunda: rimando (no sentido metafórico), mais do que repetindo. São eles: Reflexos do Baile (1975), de Antonio Callado, em sua relação com Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908), de Machado de Assis; A hora da estrela (1977), de Clarice Lispector, e A Rainha dos Cárceres da Grécia (1976), de Osman Lins, em seu diálogo com Vidas Secas (1938), de Graciliano Ramos; e Sargento Getúlio (1971), de João Ubaldo Ribeiro, em sua tensa resposta a Grande Sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa. Essa relação com o passado literário (Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa), efetivada por Antonio Callado, Clarice Lispector, Osman Lins e João Ubaldo Ribeiro confunde-se com uma problematização do passado do país, e resultou em romances complexos, que não se limitam a uma simples repetição tradicional de 1 Voltaremos a falar sobre recorrências históricas no final do primeiro capítulo. 9 procedimentos anteriores, como se estivesse unicamente submetendo-se ou homenageando esse passado literário. Procedimentos consagrados pela tradição literária brasileira são retomados de modo crítico, e são eles mesmo reinterpretados e recontextualizados, dando a ver uma dialética entre repetição e diferenciação que demonstra problematizações diferentes para problemas semelhantes, bem como problematizações semelhantes para problemas diferentes. O importante nesses romances, que tem sempre a história brasileira como pressuposto, é a articulação crítica que fazem entre forma literária, passado literário e sua acumulação: essa relação acaba colocando em diálogo momentos históricos separados temporalmente, por meio de uma aproximação delicada e profunda, presente em suas formas estéticas. O resultado a que a relação entre esses romances chega, dentre outros, é a inevitável visualização de problemas estruturais e sistêmicos do país. Entendemos, de forma ampla, esse diálogo literário entre escritores vivos na década de setenta e outros mortos ao longo do século – envolvendo atritos e não apenas continuidade – como um resultado da necessidade da nação, no contexto da ditadura militar pós-64, de voltar-se para si mesma. Essa necessidade fica clara no artigo “Literatura de Vanguarda no Brasil”2, de Clarice Lispector, onde uma de nossas maiores escritoras afirmava, tendo a ditadura como pano de fundo: “estamos precisando de nós mesmos, mais do que dos outros.” Nesse texto, inédito em livro até 2005, Clarice Lispector coloca uma ênfase emocionada na importância de nossa literatura na construção daquilo que ela chama, em inequívoco

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