DE ORIENTE A OCIDENTE: ESTUDOS DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE LUSITANISTAS VOLUME II SOBRE PORTUGAL Cláudia Pazos Alonso, Vincenzo Russo Roberto Vecchi, Carlos Ascenso André EDITORES DE ORIENTE A OCIDENTE: ESTUDOS DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE LUSITANISTAS VOLUME II SOBRE PORTUGAL TÍTULO De Oriente a Ocidente: estudos da Associação Internacional de Lusitanistas Volume II – Sobre Portugal COPYRIGHT AIL e Angelus Novus DESIGN FBA CAPA Olharte. Publicidade e Artes Gráfi cas, Lda. DATA DE EDIÇÃO Março 2019 ISBN 978-972-8827-93-9 As atividades da ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE LUSITANISTAS recebem o apoio do INSTITUTO CAMÕES ANGELUS NOVUS, EDITORA Rua da Fonte do Bispo, n.º 136, 3.º B 3030-243 Coimbra [email protected] Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor ÍNDICE LESS IS MORE: A (NÃO) MODERNIDADE COMO IMAGINAÇÃO DO CENTRO 9 Agnese Soffritti VALTER HUGO MÃE: O COLECIONADOR DE PALAVRAS NA REPRESENTAÇÃO DO EU E DO OUTRO (HOMENS IMPRUDENTEMENTE POÉTICOS) 33 Ana Paula Arnaut MARIA GABRIELA LLANSOL: COMO SE CONSTRÓI UMA TRADIÇÃO? 51 Ana Rita Sousa NOTÍCIA DA DESCOBERTA DE UMA NOVELA PASTORIL PORTUGUESA DESCONHECIDA: OS DESENGANOS DE FLERÍCIO 69 Aurelio Vargas Díaz-Toledo FERNANDO OSORIO DO CAMPO: O DISCRETO COLABORADOR DE BERNARDINO MACHADO NO SEU EXÍLIO CORUNHÊS DE 1927 91 Carlos-Caetano Biscainho-Fernandes A BORBOLETA DE CHUANG TZU E O SONHO DE BERNARDO SOARES 113 Fu Chenxi SILÊNCIOS INCÓMODOS, TRAUMAS (PÓS-)COLONIAIS E OS TABUS NO TABU DE MIGUEL GOMES 133 Cláudia Fernandes MENTALIDADES EM MUDANÇA NO PORTUGAL DE EÇA DE QUEIRÓS: FRANCISCA WOOD E A IMPRENSA PERIÓDICA 153 Cláudia Pazos Alonso NARRATIVA(S) E COMUNIDADE(S) EM CASOS DE LÍNGUA PORTUGUESA: PARA UMA INVESTIGAÇÃO TRANSDISCIPLINAR, CONSILIENTE, E SOCIAL 177 Elias José Torres Feijó REVOLUÇÃO E POESIA: A RECUPERAÇÃO DA TRADIÇÃO DA MÚSICA DE INTERVENÇÃO NO RAP DA CAPICUA 215 Federica Lupati CELESTE & LÀLINHA – UM TESTEMUNHO PÓS-COLONIAL DA DIÁSPORA PORTUGUESA 237 Izabel Margato AS CIDADES E AS SERRAS: GASTRONOMIA E SEXUALIDADE NA CRÍTICA ECIANA 251 José Roberto de Andrade UMA CIDADE NÃO É A MESMA CIDADE SE VISTA DE LONGE, DA ÁGUA: A SOBREVIVÊNCIA DO DISCURSO ÉPICO EM UMA VIAGEM À ÍNDIA, DE GONÇALO M. TAVARES 273 Kim Amaral Bueno O MODERNISMO TARDIO DE MANUAL DE PINTURA E CALIGRAFIA, DE JOSÉ SARAMAGO 293 Marcelo G. Oliveira A REVOLUÇÃO ESTÁ NA RUA: UMA ANÁLISE DE REPRESENTAÇÕES DO 25 DE ABRIL DE 1974 NOS MURAIS DO SÉCULO XXI 309 Margarida Rendeiro QUANDO CAMÕES FOI RIVAL DE D. SEBASTIÃO: O POETA COMO PERSONAGEM DE TEXTOS DRAMÁTICOS ROMÂNTICOS 339 Maria Aparecida Ribeiro NAS DOBRAS DE UM PATER CERTISSIMUS: ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS DO PODER NO REINO DE GONÇALO M. TAVARES 359 Maria da Graça Ribeiro da Mata dos Santos TEMPO GIUSTO, ESCRITA E FEMINILIDADE: LEITURAS DE MARIA GABRIELA LLANSOL 379 Maria Lúcia Wiltshire de Oliveira OS ÓRFÃOS DE LOBO ANTUNES: UMA LEITURA DE O MEU NOME É LEGIÃO 403 Patrícia Ferreira Martinho A NAVEGAÇÃO ESTRATÉGICA ENTRE O(S) CENTRO(S) E A SEMIPERIFERIA NA OBRA DE EÇA DE QUEIRÓS 427 Tom Stennett IMAGINAR O OUTRO: A LUSOFONIA EM QUESTÃO NA PEÇA ESTRANGEIRAS, DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO 443 Vânia Rego A MEMÓRIA INCOMUNICÁVEL DA(S) COMUNIDADE(S): OS RETORNADOS COMO TEXTO 465 Vincenzo Russo LESS IS MORE: A (NÃO) MODERNIDADE COMO IMAGINAÇÃO DO CENTRO Agnese Soffritti Ragusa-Universidade de Catânia, Itália Hoje, talvez mais do que antigamente, o tempo português tem a face de um enigma, devido aos fantasmas inquietos do passado, que continuam a encarnar num presente virado para a procura incessante de uma moderna conceitualização da vida, e devido a uma identidade também inquieta e osci- lante que, após a perda das colónias, tem de voltar a defi nir a sua localização entre a Europa e o Atlântico: é este o país à procura da sua própria “con-temporaneidade”. Estas inquietações levam-nos a interrogar a história cultural a partir da semântica do espaço e dos objetos, dando particu- lar realce às narrativas, nas quais estes adquirem signifi cado. O nosso objetivo será tentar diagnosticar a construção mate- rial da identidade portuguesa enquanto fruto de negociações entre tempos e vozes. A análise focar-se-á deliberadamente no fi nal do século XIX, porque é a partir de aqui que achámos ser possível elaborar uma grelha de interpretação que eviden- cia dinâmicas que ainda hoje nos parecem pertinentes. Não pretendemos esgotar o assunto, mas antes salientar uma con- tinuidade nos mecanismos de compensação encenados pelo 9 SOBRE PORTUGAL reuso da modernidade, o que nos leva a reconsiderar a nossa contemporaneidade. RELENDO MARGARIDA CALAFATE RIBEIRO: A MODERNIDADE COMO IMAGINAÇÃO DO CENTRO Inspirando-se nos estudos do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, a crítica Margarida Calafate Ribeiro tem vindo a ela- borar a defi nição de “império como imaginação do Centro” (Ribeiro, 2004, p. 15). Dando seguimento a estas refl exões, defendemos que esta afi rmação não pode ser desvinculada de uma outra: “A Modernidade como imaginação do Centro”. Aliás, a ligação entre as duas vertentes já é sugerida pela lei- tura de Walter Mignolo que entende a Colonialidade como a cara oculta da Modernidade (Mignolo, 2000, p. 22). No século XVI, império e modernidade podiam ser encarados como sinónimos e atributos positivos de um Portugal intérprete das grandes viagens que são o resultado de um processo de imple- mentação científi ca e técnica. N’Os Lusíadas (1572) temos a consagração da identidade lusa enquanto emblematicamente imperial, europeia e moderna, sendo o país o símbolo da “van- guarda” da Europa, de um processo pioneiro de expansão e de um valor e de uma cultura (mais tarde denominada de “civili- zação” e invocada como justifi cação de um projeto opressor) que roubava a cena aos “antigos”. Cesse tudo o que antiga musa canta Que outro valor mais alto se alevanta (Camões, 2003, canto I, 3 Os três atributos traçavam as diretrizes de onde situar Portugal como imaginação do Centro, sendo cada um o 10 LESS IS MORE: A (NÃO) MODERNIDADE COMO IMAGINAÇÃO complemento do outro. As viagens marítimas instituíram a centralidade do país não só em termos geopolíticos, mas também culturais: “A Modernidade, como novo ‘paradigma’ de vida cotidiana, de compreensão da história, da ciência, da religião, surge ao fi nal do século XV e com a conquista do Atlântico” (Dussel, 2005, p. 30). Porém, aos poucos, a nação lusófona perde o brilho da sua posição dianteira e adiantada: “Mas rapidamente Portugal dei- xou de ser contemporâneo desse presente permanentemente impregnado de futuro” (Ribeiro, 2009, p. 42). A parábola des- cendente do país encontra a sua condensação oitocentista no discurso pronunciado por Antero de Quental, Causas da decadência dos povos peninsulares (1871), no qual os três ter- mos referidos são novamente articulados, restituindo-nos um quadro totalmente diferente. A deriva atlântica, junto com a Reforma e o Absolutismo, conduziram o país a um naufrágio histórico, levando-o para longe do centro que a Europa repre- sentava. Perdido num mundo autorreferencial, universo-ilha, em que o principal interlocutor eram as colónias, Portugal deixou de acompanhar a evolução do ideário fi losófi co e cien- tífi co que conduziu a Europa do Norte à Revolução Industrial e à constituição do movimento denominado por (segunda) Modernidade1: 1 “A segunda etapa da ‘Modernidade’, a da Revolução Industrial do século XVIII e da Ilustração, aprofunda e ampliam o horizonte cujo início está no século XV. A Inglaterra substitui a Espanha como potência hegemônica até 1945, e tem o comando da Europa Moderna e da História Mundial (em especial desde o surgimento do imperialismo por volta de 1870”) (Dussel, 2005, p. 29). 11 SOBRE PORTUGAL A Europa culta engrandeceu-se, nobilitou-se, subiu sobretudo pela ciência: foi sobretudo pela falta de ciência que nós desce- mos, que nos degradámos, que nos anulámos. A alma moderna morrera dentro de nós completamente. (Quental, 1979, p. 27) Portugal saíra do seu eixo e do moderno fl uir do tempo, “time is out of joint” num país que desde D. Sebastião conti- nua a seguir o seu caminho sem nunca deixar de fi car parado como a lagartixa2 de O Delfi m (1968), emblema de um tempo imóvel que, ainda no século XX, parece perpetuar a estag- nação dos séculos anteriores num pântano histórico, cujas razões de ser vão além da contingente falta de liberdade do contexto ditatorial. Não é por acaso que toda a literatura está repleta de objetos que simbolizam este tempo parado3. O tema da “colonialidade” e o tema da modernidade, que é o seu pressuposto e justifi cação (Mignolo, 2000), represen- tam os eixos do movimento pendular4 dos imaginários do Centro e da Periferia entre os quais se debate a identidade da nação semiperiférica. Perdido o Brasil e confrontado com a impossibilidade da reposição do sonho imperial, aquando do Ultimatum inglês de 1890, o país tomou conhecimento da sua marginalidade geopolítica e cultural: um canto do mundo fora do Centro e fora do Tempo. 2 “Espalmada na inscrição imperial, havia uma lagartixa. Parada, imóvel, parecia um estilhaço de pedra sobre outra pedra maior e mais antiga” (Pires, 2015, p. 52). 3 Veja-se, por exemplo, a análise da casa portuguesa em alguns romances de António Lobo Antunes feita por Ribeiro (2006). 4 Fernando Clara fala, a esse propósito, da difi culdade representacional de um Portugal que oscila entre a imagem do Rosto da Europa e aquele de Finisterra (2006, p. 273). 12 LESS IS MORE: A (NÃO) MODERNIDADE COMO IMAGINAÇÃO Vale a pena focar o carácter relacional das representa- ções na senda de uma hermenêutica gramsciana. Estamos a referir-nos aos textos Alcuni temi della questione meridionale e aos Quaderni dal Carcere sobretudo na leitura proposta por Edward Said que sugere a interpretação do arquivo cultural de forma não unívoca mas em contraponto: “Le forme culturali dell’Occidente possono essere tolte dai compartimenti stagni in cui sono state conservate, per essere invece inserite nell’ambiente dinamico e globale creato dall’imperialismo, a sua volta reinterpretato come un confl itto in atto tra Nord e Sud, metropoli e periferie, bianchi e indigeni” (Said, 1998, p.
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