O GOLPE DE ESTADO DE NOVEMBRO DE 1891 E AS REPERCUSSÕES NA CIDADE DO RIO GRANDE

O GOLPE DE ESTADO DE NOVEMBRO DE 1891 E AS REPERCUSSÕES NA CIDADE DO RIO GRANDE

\ o GOLPE DE ESTADO DE NOVEMBRO DE 1891 E AS REPERCUSSÕES NA CIDADE DO RIO GRANDE FRANCISCO DAS NEVES ALVES' RESUMO O golpe de Estado promovido pelo Presidente da República, Marechal Deodoro da Fonseca, a 3 de novembro de 1891, significou um momento de inflexão na evolução político-partidária tanto na conjuntura nacional quanto na regional. As reações à dissolução do Congresso Nacional acabariam por redundar na derrubada tanto de Deodoro quanto de Júlio de Castilhos, assumindo Floriano Peixoto a Presidência ,da República, e o governo do Rio Grande do Sul ficaria sob novo comando com a ascendência dos dissidentes republicanos, Este episódio serviu para que as manifestações contrárias ao ato presidencial ganhassem as ruas e o pensamento anticastilhista viesse ainda mais à tona, mormente através da imprensa. Este trabalho visa realizar um estudo de caso sobre o golpe de Estado, apresentando as repercussões deste na cidade do Rio Grande, refletidas nos manifestos das autoridades públicas e dos periódicos locais. PALAVRAS-CHAVE: golpe de Estado, Marechal Deodoro da Fonseca, autoridades públicas rio-grandinas, imprensa rio-grandina. 1 - INTRODUÇÃO o processo de transição da Monarquia à República no Brasil foi uma fase marcada por uma grande movimentação de idéias, as quais passaram a circular, muitas vezes, mal absorvidas ou absorvidas de modo parcial e seletivo, resultando em grande confusão ideológica (Carvalho, 1997, p. 42). Neste quadro, foram diversas as vertentes que buscaram moldar a nova forma de governo, apresentando versões diferentes e/ou antagônicas entre si, de modo que "liberais", "positivistas", "jacobinos", entre outros, cada qual à sua maneira queria decidir os rumos da incipiente República. Outra oposição na definição dos rumos republicanos dava-se entre civis e militares. Estes últimos, os promotores diretos da mudança na forma de governo, levariam vantagem, governando o país de modo ditatorial/constitucional nos primórdios da República. Deodoro da Fonseca, proclamador e mandatário máximo do Governo Provisório da incipiente * Professor do Dep. de Biblioteconomia e História - FURG; Doutor em História do Brasil (PUCRS) BIBLOS, Rio Grande, 11: 63-76, 1999. 63 República, acabaria sendo escolhido como o primeiro Presidente constitucional. Suas práticas, no entanto, amoldadas ao modelo ditatorial 2 - AS CONSEQÜÊNCIAS JUNTO ÀS AUTORIDADES PÚBLICAS: A que até então prevalecera, não se adaptaram às novas contingências. A INTENDÊNCIA MUNICIPAL oposição ao Presidente Marechal crescera desde a demissão do primeiro ministério republicano, o qual fora substituído por outro suspeito aos olhos A 10 de novembro de 1891, em virtude dos "acontecimentos dos republicanos históricos (Souza, 1982, p. 170). A escolha de um revolucionários", dava-se a investidura dos novos Intendentes Municipais na ministério de "monarquistas encapotados" e "ilustres desconhecidos", cidade do Rio Grande, assumindo Francisco Camboim Filho, Alfredo encabeçados pelo Barão de Lucena, abriria ainda maiores frentes de Rodrigues de Oliveira e José Pio Alves, ligados aos antigos partidos oposição a Deodoro (Carone, 1983, p. 53). imperiais e à dissidência republicana. Em sua primeira reunião, a nova Tendo suas atitudes contestadas e julgando-se diminuído com críticas Intendência definia que as suas funções, naquele "período de de parlamentares, o Presidente resolveu dissolver o Congresso Nacional convulsionamento em que se achava o Estado", deveriam limitar-se "a (Iglésias, 1993, p. 201). Esta dissolução despertaria ferrenha reação através administrar com o maior zelo e rigoroso escrúpulo os interesses municipais, dos Estados e, como a quase unanimidade dos governadores apoiaram o sua fiscalização e arrecadação de suas rendas", ficando suspensa "toda e golpe, isso acabaria causando a queda dos mesmos em suas capitais, qualquer despesa, à exceção da que era indispensável fazer-se com o alguns depois de desordens sangrentas (Porto, 1989, p. 36). Deste modo, o pagamento dos vencimentos dos respectivos empregados da castelo de cartas estadual revelava sua fragilidade, e, no Rio Grande do Sul, municipalidade, juros das apólices e das mais despesas imprescindíveis" Júlio de Castilhos não se manifestara contra o estado de coisas, limitando- (Ata da Intendência de 10/11/1891). se à ambigüidade de afirmar que a ordem pública seria mantida (Faoro, Com a deposição de Júlio de Castilhos, foi convocada uma "sessão 1975, p. 544). solene extraordinária" da Intendência Municipal que, sob "a assistência do O exclusivismo partidário provocara a formação de uma patriótico povo desta cidade", visava comemorar "tão grandioso representativa oposição aos republicanos castilhistas, no contexto sul-rio- acontecimento" e com "o fim de assinalar este dia tão glorioso nos anais grandense, a qual se aproveitou da situação e contribuiu na fermentação da deste heróico Estado, prenúncio do completo triunfo da causa da liberdade". rebelião contra os governistas. Diante do desencadear da "Revolução de 8 Segundo a manifestação dos Intendentes, a derrubada de Castilhos trouxera de Novembro", a qual visava derrubar tanto a "ditadura" federal quanto a consigo "como conseqüência a paz, a tranqüilidade e o congraçamento da estadual, Castilhos chegou a pronunciar-se publicamente contra o golpe, família rio-grandense", que, desta maneira, não teria "mais razão de numa tentativa de apaziguamento (Franco, 1993, p. 32). No entanto, era sustentar entre si uma luta fratricida". Destacavam também que, a partir de tarde e o movimento de contestação espalhava-se pelo Estado; as medidas então, o "combate" deveria ser levado "às ameias da ditadura" federal, para de força do Governador, ao invés de diminuir, aumentavam o entusiasmo da "abatê-Ia do falso pedestal em que se apoiava para aniquilar a Pátria oposição, e de momento a momento chegavam notícias de novos levantes e Brasileira, tão digna de melhor sorte, substituindo essa mesma ditadura por de deposições das autoridades constituídas (Moritz, 1939, p. 240 e 259), um governo altamente patriótico" que elevasse o Brasil ao rol "das grandes culminando com a derrubada de Júlio de Castilhos do governo, a 12 de nações do mundo" (Ata da Intendência de 12/11/1891). novembro e, mais tarde, a 23 do mesmo mês, com a de Deodoro. O Os membros da Intendência concitavam o "povo" a mostrar o seu governo foi assumido por uma junta baseada na incerta coalizão de ex- valor, quando se tratava "de reconquistar o seu direito e a sua liberdade liberais, ex-conservadores e republicanos dissidentes (estes que, postergada por um governo sem critério, sem patriotismo e sem apoio da posteriormente, acabariam por encabeçar a nova situação), que logo nação", saindo em "procissão cívica" para "saudar os heróis da grande passaria a enfrentar a oposição dos castilhistas, que denominaria aquele cruzada libertadora que compunham o Poder Executivo Provisório da triunvirato de "governicho". cidade, a oficialidade e a imprensa". O final da reunião foi descrito como de Na cidade do Rio Grande, o golpe de Estado de novembro de 1891 e ampla manifestação de apoio popular, pois os intendentes teriam saído à as "revoluções" e deposições dele advindas iriam trazer significativas rua, acompanhados "pelo povo em marcha cívica", sob as saudações de repercussões, notadamente junto à imprensa, que se manifestou "Vivas à República Brasileira, à Constituição Federal, ao Exército, à Armada, abertamente contra a atitude presidencial, passando a exigir a derrubada aos heróis da Revolução, à imprensa da cidade e ao povo rio-grandense" dos governantes tanto na esfera federal quanto na estadual, bem como junto (Ata da Intendência de 12/11/1891). às autoridades públicas, expressas através dos manifestos da Intendência A renúncia de Deodoro da Fonseca promoveria nova "sessão solene Municipal. da Intendência Municipal, com assistência da briosa e patriótica população" rio-grandina. A reunião tinha por intento a comemoração "do faustoso BIBlOS, Rio Grande, 11: 63-76, 1999. 64 BIBlOS, Rio Grande, 11: 63-76, 1999. 65 acontecimento da queda do Chefe da Nação", o qual, "rasgando a 3.1 - O Artista Constituição Federal, tinha arrogado a si a ditadura, querendo, desse modo, cercear os sagrados direitos e a liberdade do povo brasileiro". Segundo a O Artista (1862-1912) era uma publicação tradicionalmente vinculada Ata desta sessão, a derrubada presidencial enchera "de júbilo o coração do aos liberais gasparistas que, com a proclamação da República e os povo que, radiante de alegria e do maior entusiasmo patriótico, festejava desacordos políticos a partir daí originados, optara por uma posição ruidosamente a reivindicação da Pátria livre". Os intendentes realizaram moderada e "independente", diante das discussões de cunho político. Foi aquela solenidade com o fim de "perpetuar as memoráveis e gloriosas datas somente depois do golpe de Estado promovido por Deodoro da Fonseca e de 8 e 23 de Novembro", nas quais "o povo deste invicto Estado, ultrajado do afastamento de Júlio de Castilhos do governo rio-grandense que o jornal pelo prepotente ato ditatorial" do Presidente, se revoltara "heroicamente voltou a manifestar suas convicções políticas. Quanto ao movimento que se contra essa ignominiosa afronta atirada às faces da Nação Brasileira". preparava no Rio Grande do Sul visando a derrubada do Presidente da Destacavam ainda que aquele "movimento revolucionário, irradiando-se em República, o periódico aplaudia a "vitória da revolução", pela qual o "povo" diversos Estados, abatera o poder ditatorial que ameaçava aniquilar a Pátria

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