
REALITY BI: a representação de pessoas bissexuais em reality shows Iury Santos da Costa57 [email protected] Resumo A bissexualidade está representada em diversos conteúdos audiovisuais, como séries de ficção, longas-metragens e reality shows. Neste último, há a proposta de se aproximar ao máximo da realidade através de técnicas que levem à simulação, como câmeras escondidas, provas, dinâmicas e eliminações. Assim, espera-se, também, que haja a representação dos personagens da maneira mais realista possível. Contudo, percebe-se em reality shows como De Férias com o Ex Brasil, Geordie Shore e The Bi Life a manutenção de estereótipos relacionados à sexualidade dos participantes para fins narrativos. Deste modo, este artigo busca, através da análise de representação, observar como ocorre a construção da imagem hipersexualizada de três participantes bissexuais dos programas citados anteriormente. Palavras-chave: reality show, bissexualidade, estereótipo, hipersexualização. Abstract Bisexuality is represented in many audiovisual contents, such as ficcional series, films and reality shows. On the later, there is an aproximation of reality through simulation technics like hidden cameras, challenges, dynamics and evictions. So, it is expected to have the realest character representation possible. However, in reality shows like De Férias com o Ex Brasil, Geordie Shore and The Bi Life is noticeable, for narrative purpose, the maintenance of sexual related stereotypes in their characters. Therefore, this article intends to observe, through representation analisys, how does an hipersexualized image is built in three participants on the reality mentioned above. Keywords: reality show, bisexuality, stereotype, hipersexualization. 57 Trabalho orientado por: Gabriel F. Marinho ([email protected]) Revista Escaleta, Rio de Janeiro, RJ, v. 1, nº 1, pp. 184-206, fev/jul 2020. 1. Introdução A invisibilização da bissexualidade ocorre em diversos momentos da vida de uma pessoa que se identifica com essa orientação sexual. “Você está apenas confuso”, “isso é só uma fase”, “quando você se relaciona com alguém do sexo oposto você é hetero” e “quando você se relaciona com alguém do mesmo sexo você é homossexual” são algumas das frases que uma pessoa bissexual ouve diversas vezes tanto de pessoas heterossexuais quanto de pessoas que fazem parte da própria comunidade LGBTQI+. Essa deslegitimação tem os mais variados efeitos na vida desses homens e mulheres. Um exemplo é a taxa de tentativa de suicídio, que alcança, segundo o Bisexual Resource Center, 45% das mulheres e 35% dos homens. Essa pouca visibilidade ainda pode ser sentida em conteúdos audiovisuais, embora o cenário esteja evoluindo. Entre primeiro de junho de 2018 e 31 de maio de 2019, segundo estudos do GLAAD Media Institute, foram observados 433 personagens LGBTQI+ em séries originais de ficção. Este número compreende protagonistas e coadjuvantes de séries estadunidenses ou estrangeiras distribuídas em território norte americano na televisão aberta, por assinatura e em serviços de streaming. Do total apresentado, 117 são identificados como bissexuais, sendo 84 mulheres e 33 homens. Houve, desse modo, um aumento no número de representantes dessa orientação sexual, que na pesquisa anterior do instituto constava 93, entre estes, 64 mulheres e 19 homens. Mesmo que tenha havido um acréscimo no número de personagens bissexuais em séries de ficção exibidas nos Estados Unidos no período, ainda há barreiras a serem superadas. O percentual de representação bissexual com relação ao total de personagens LGBTQI+ diminuiu 1% entre os períodos de primeiro de junho de 2017 a 31 de maio de 2018 e primeiro de junho de 2018 e 31 de maio de 2019. Na medição mais recente, o número de personagens não-heterossexuais aumentou de 329 para 433, mas, por outro lado, os personagens bissexuais não aumentaram proporcionalmente. Além da invisibilização, através da baixa presença de narrativas que retratem essas pessoas, há, também, a manutenção de Revista Escaleta, Rio de Janeiro, RJ, v. 1, nº 1, pp. 184-206, fev/jul 2020. estereótipos, como o uso do sexo para alcançar objetivos e a exploração da atração por mais de um gênero como plot temporário. Contudo, essa representação não é exclusiva de séries, marcando presença em longas, curtas, videoclipes e em obras seriadas que não sigam um roteiro propriamente dito. Nesta última categoria inclui-se o formato dos reality shows. Um aspecto interessante sobre eles é que há a “utilização de elementos de linguagem que enfatizam o referente e geram simulações que aproximam a ficção e a realidade” (ROCHA, 2009, p. 3). Assim, embora haja a presença de regras, punições, o uso de câmera escondida e a seleção, na montagem, de determinados trechos que realcem o cotidiano, os reality se propõem a se aproximar da vida do espectador ao exibir na tela pessoas que, assim como ele, são “comuns”. Desse modo, esse tipo de programa procura cada vez mais representar a pluralidade do público e fazer com que haja uma identificação com os personagens. A partir disso, há a representação de diversos grupos que ganham um espaço na grade de programação, sendo um deles as pessoas bissexuais, foco de análise do artigo. Assim, pode-se observar a presença de homens e mulheres bissexuais em reality shows tanto estrangeiros, quanto brasileiros. Dessa maneira, surge a esperança de que, diferentemente de conteúdos ficcionais, haja a representação mais realista das pessoas bissexuais, algo na própria proposta do formato. Todavia, os reality esbarram nos mesmos problemas das séries e longas; ainda há a questão da invisibilização e a presença de estereótipos similares aos presentes em obras ficcionais. Surgem, então, tipos recorrentes em narrativas que retratam a bissexualidade. Algumas dessas categorias podem ser subentendidas a partir da análise da dissertação de mestrado da autora Elizabeth Sara Lewis. Entre elas, estão o bissexual confuso com a sua orientação sexual, o bissexual traidor e o bissexual hipersexualizado. Este último é o foco da análise de representação deste artigo, podendo ser observado em todos os objetos analisados: De Férias com o Ex Brasil, Geordie Shore e The Bi Life. Revista Escaleta, Rio de Janeiro, RJ, v. 1, nº 1, pp. 184-206, fev/jul 2020. É importante salientar a importância da realização deste artigo, principalmente no Brasil, o país que mais matou LGBTQI+ no ano de 2018. Segundo o relatório realizado pelo Grupo Gay da Bahia, no mesmo ano houve 320 homicídios e 100 suicídios causados pela homolesbotransfobia58. Também é necessário pois realiza um estudo a respeito da representação bissexual na mídia, algo ainda pouco debatido e cuja falta é perceptível pela ausência de dados a respeito de conteúdos nacionais e pelo número reduzido de artigos que tratem do tema. Espera-se, então, que essa pesquisa, embora breve, estabeleça uma base para um futuro estudo a respeito das representações bissexuais em conteúdos audiovisuais. 2. Objeto Os objetos de análise do artigo são a primeira temporada de De Férias com o Ex Brasil, a décima temporada de Geordie Shore e a primeira temporada de The Bi Life. Um elemento essencial para a escolha desses três objetos, além da presença de participantes que se autoafirmam como bissexuais. é o enquadramento dentro do formato de reality show. Este, por sua vez, é um formato televisivo derivado do diálogo entre a reality TV e a tabloid television (ROCHA, 2009). Assim, junta-se a busca por uma máxima realidade, através da presença de não-atores e ausência de falas pré-estabelecidas em um roteiro, com a exaltação de elementos que quebrem a rotina da vida privada, transformando-os em texto midiático através da montagem. Desse modo, o primeiro reality a ser discutido é o De Férias com o Ex Brasil. Exibido pelo canal de TV fechada MTV, estreou sua quinta temporada em 3 de outubro de 2019. Sucesso absoluto na TV por assinatura, a estreia da terceira temporada levou o canal ao primeiro lugar de audiência entre o público de 18 a 34 anos, e um aumento na interação do público com as redes sociais59 do programa. 58 Termo utilizado pelo Grupo Gay da Bahia para classificar de maneira abrangente os crimes contra as minorias sexuais. 59 A hashtag (palavra-chave precedida pelo símbolo # e utilizada para categorizar assuntos e criar interações em torno dos mesmos) oficial do programa #ExNaMTV foi trending topic (lista de Revista Escaleta, Rio de Janeiro, RJ, v. 1, nº 1, pp. 184-206, fev/jul 2020. Com relação à premissa, um grupo de cinco homens e cinco mulheres solteiros/as é confinado em uma casa no litoral. A forma de comunicação entre a produção e os participantes é através de um tablet60 responsável por anunciar festas, encontros, jogos envolvendo bebidas, quem terá o poder de escolher um acompanhante para subir até a suíte reservada e os três que irão até a praia recepcionar um novo morador, que, como o título diz, é um ex-relacionamento de um deles. Percebe-se, então, que o foco principal do programa é o envolvimento dos participantes e a superação ou não de questões do passado amoroso. Diferente de outros reality, não há prêmios nem campeão. A figura do apresentador é substituída por um comentarista em voice over, inserido na edição, responsável por fazer comentários bem-humorados acerca dos acontecimentos. O foco da análise de representação bissexual foi a primeira temporada do De Férias com o Ex Brasil, que contou com 10 episódios exibidos semanalmente entre 13 de outubro e 15 de dezembro de 2016. Nessa temporada de estreia, há a presença da primeira pessoa publicamente bissexual do programa, Gabrielli Diniz. Logo no primeiro episódio, na montagem de apresentação de cada um dos solteiros para o espectador, ela comenta sobre a possibilidade de se relacionar com uma mulher dentro do programa, mas é apenas no terceiro episódio que ela anuncia sua orientação sexual para os participantes61. Embora seja conferida uma posição de coadjuvante, durante a temporada ela tem alguns momentos de protagonismo, como o anúncio de sua sexualidade, seu envolvimento com um outro participante e a chegada do seu ex na praia.
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