“SE MACUMBA GANHASSE JOGO, O CAMPEONATO BAIANO TERMINAVA EMPATADO”1: Notas Sobre Técnicas Sônicas Torcedoras, Ambiências Futebolísticas E Mágica2

“SE MACUMBA GANHASSE JOGO, O CAMPEONATO BAIANO TERMINAVA EMPATADO”1: Notas Sobre Técnicas Sônicas Torcedoras, Ambiências Futebolísticas E Mágica2

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 7 a 10 de junho de 2016 “SE MACUMBA GANHASSE JOGO, O CAMPEONATO BAIANO TERMINAVA EMPATADO”1: Notas sobre técnicas sônicas torcedoras, ambiências futebolísticas e mágica2. “IF MACUMBA WON SOCCER GAMES, THE TOURNAMENT IN BAHIA WOULD END TIED”: Notes on supporters’ sonic techniques, soccer ambiances and magic. Pedro Silva Marra3 Resumo: Amantes do futebol apelidam atletas habilidosos de bruxos ou santos e estádios onde nunca perdem de espaços místicos, a fim de descrever a forma como fazem lances difíceis parecerem fáceis. Os sons produzidos no estádio durante as partidas apresentam um importante papel na ocorrência destes eventos “sobrenaturais”, constituindo uma ambiência em comunicação com o espetáculo. A partir de gravações de campo realizadas em pesquisa de doutorado acerca das sonoridades deste esporte em jogos do Clube Atlético Mineiro, exploramos a forma como se constituem tais dinâmicas interativas. Assim, trabalhamos a performance tanto de jogadores quanto de torcedores como uma forma de magia, devido a sua natureza de conhecimento corporificado, seu caráter afetivo e de transformação de corpos, e a presença da fé como elemento que garante a eficácia destes processos. Palavras-Chave: Ambiência, Futebol, Magia, Performance, Sonoridades. Abstract: Soccer fans call skilful athletes wizards or saints and the stadiums where they never loose mystical spaces, in order to describe the way they make seemingly impossible moves look easy. The sounds produced in the stadium during soccer matches play an important role on the appearance of these “supernatural” events, constituting a communication ambience with the spectacle. Through field recordings made during a PhD research on the sonorities of this sport in Clube Atlético Mineiro’s games, we explore how those interactive dynamics are constituted. Thus, we understand both players and supporters performances as a kind of magic, because of its nature of embodied knowledge, its affective and body transformation features, and the presence of faith as an element that ensures the efficacy of those processes. Keywords: Ambience, Magic, Performance, Soccer, Sonorities. 1 Esta citação de Neném Prancha, ex-roupeiro do Botafogo de Futebol e Regatas e ex-técnico de equipes de futebol de praia, tornou-se uma frase popular acerca do papel exercido pelos torcedores na tarefa de levar uma equipe à vitória. 2 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estudos de Som e Música, do XXV Encontro Anual da Compós, na Universidade Federal de Goiás, Goiânia, de 7 a 10 de junho de 2016. 3 Doutorando no Ppgcom UFF, [email protected]. 1 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 7 a 10 de junho de 2016 1. Introdução Durante partida do Clube Atlético Mineiro contra o Vitória da Bahia, disputada em 8 de dezembro pela última rodada do Brasileirão de 2013, as arquibancadas lotadas do Estádio Independência emergiram de forma bastante peculiar, e talvez definidora para o seu resultado final. O jogo acontecia na casa do Atlético e não tinha qualquer importância para o campeonato, porque o Cruzeiro – seu maior rival – já havia conquistado pontos suficientes para sagrar-se campeão quatro rodadas antes. No entanto, o confronto entre as equipes mineira e baiana também tinha um significado comemorativo para os torcedores do Galo4, que compraram todos os 22 mil ingressos, a fim de celebrar o ótimo ano que a equipe tivera: ela havia ganhado pela primeira vez a Copa Libertadores, o torneio de futebol mais importante das Américas, o que lhe permitiu disputar o Mundial de Clubes de 2013 organizado pela FIFA naquele mês no Marrocos. No momento que o time entrou em campo, a Galoucura – a mais antiga e maior Torcida Organizada do clube – montou um mosaico em vermelho e verde com a bandeira do pais africano, referindo-se ao campeonato que começaria alguns dias mais tarde. Esta ambiência de festa, no entanto, não impediu que o Vitória marcasse duas vezes logo no início do jogo. A multidão ficou brava e demandou que a equipe lutasse ao menos por um empate. Logo antes do final do primeiro tempo, a situação começou a mudar para o time da casa: Ronaldinho Gaúcho é parado nas proximidades da grande área e uma falta é marcada para o Galo. O jogador, duas vezes congratulado o melhor atleta masculino de futebol do mundo em 2004 e 2005, retornava aos gramados após longo tempo se recuperando de contusão grave na perna. No momento em que o juiz apita, os presentes começam a cantar em uníssono uma canção parodiada de “Mulata Bossa Nova”, uma velha e conhecida marchinha de carnaval, tão intensamente que Mário Henrique “Caixa”, o narrador de uma das estações de rádio que transmitia a partida comenta: “Parece que eu ouço uma orquestra tocando”. Enquanto o jogador se preparava para a cobrança de falta, a torcida, em todos os setores da arquibancada, articulava um ritmo marcado e acelerando o andamento por meio de palmas e percussão. A reverberação do Independência geralmente torna difícil a sincronia perfeita destas performances musicais por todo o estádio. No entanto, produz uma intensificação 4 O Clube Atlético Mineiro é mais conhecido no Brasil como Galo, por causa da mascote da equipe. A partir desse momento, nos referiremos à equipe somente a partir desta alcunha. 2 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 7 a 10 de junho de 2016 sonora que multiplica a multidão presente – que soa maior do que realmente é. Esta sonoridade viabiliza a Ronaldinho concentrar-se em seus movimentos. No momento em que o atleta toca a bola, alguns torcedores antecipam o gol que finalmente acontece alguns momentos depois. Todo o estádio explode em excitação, gritando e cantando canções, como o hino do time. Ronaldinho, que é chamado por alguns torcedores brasileiros de “bruxo”, mostrava que voltava ao jogo. Durante o segundo tempo da partida, o Galo tenta marcar a fim de empatá-la, o que finalmente acontece a partir de um pênalti assinalado novamente no último minuto. Mais uma vez, o jogador é responsável pelo gol. Torcedores de futebol usualmente chamam atletas habilidosos de mágicos, santos, bestas, consideram estádios onde conquistam vitórias seguidas espaços místicos, ou evocam outras entidades sobrenaturais a fim de descrever a forma como os jogadores fazem movimentos aparentemente impossíveis parecerem fáceis. Os sons produzidos durante as partidas têm um importante papel na constituição destes eventos esportivos “mágicos”, oferecendo uma oportunidade de pensar o mistério levantado por Charles Keil acerca do “que devemos fazer com nossos corpos tocando estes instrumentos e cantando a fim de fazer os corpos deles moverem-se, balançando a cabeça, estalando os dedos, levantarem-se de suas mesas e dançarem?” (KEIL, 2004, p. 1). De um lado, assim como o que foi narrado acima, ou logo após uma defesa difícil do goleiro, a torcida que assiste a partida das arquibancadas articula ritmos ou canta canções para antecipar ou celebrar as realizações dos atletas. De outro lado, ela vaia o oponente quando este mantêm a posse de bola, ou tem uma chance clara de marcar um gol. Este artigo busca compreender a forma como torcedores operam um conjunto de técnicas sônicas que constroem uma ambiência a partir da qual os torcedores aumentam ou diminuem a performance “mágica” dos atletas5. Entendemos o esporte profissional de espetáculo como um campo da sociedade que desde meados da década de 1970, se constitui na interseção do desenvolvimento capitalista com inovações científicas e psicológicas, mas 5 Os estudos sobre as relações entre sons e esportes ainda são bastante incipientes e usualmente focam sua atenção na música (REDHEAD, 2003; BLACK, 2004; BATEMAN e BALE, 2009). Duane Jethro (2014) explora preocupações similares às nossas em seu estudo das vuvuzelas como objetos materiais que empreendem uma política da estética, como mediadora entre a África, África do Sul e o mundo, durante a Copa do Mundo de 2010. Ele evidencia os poderes afetivos do instrumento nos jogadores e torcedores presentes no estádio. A investigação, apesar de assumir esta propriedade mágica das cornetas de plástico, o faz a partir de declarações de atletas e da mídia, deixando as características sonoras do objeto em um segundo plano. Assim, seu foco é na produção e consumo da herança cultural africana em contextos de Mega-Eventos globalizados, prestando pouca atenção na processualidade das performances torcedoras. 3 Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 7 a 10 de junho de 2016 também com práticas religiosas, supersticiosas e sobrenaturais. Argumentamos que a fim de fazer sua mágica em campo, jogadores de futebol precisam do entusiasmo audível e performático de sua torcida nas arquibancadas, de forma que estas práticas sonoras compõem um tipo de mágica em si. A fim de realizar este objetivo, o trabalho baseia suas notas acerca das tecnologias sônicas, ambiências futebolísticas e mágica dos torcedores a partir de gravações realizadas durante trabalho de campo para uma pesquisa de doutorado acerca das sonoridades deste esporte6. Primeiramente, definiremos som em termos de uma dupla transdução. Apesar deste termo estar usualmente ligado ao conhecimento científico, o fenômeno que descreve possui algumas similaridades com a alquimia – uma prática contemporaneamente ligada à mágica, mas entendida como ciência por seus praticantes na idade média – já que ambas envolvem transformações a partir de um meio. Estes devires engendrados por eventos sônicos evidenciam suas características afetivas – compreendidas como os efeitos que corpos em interação produzem uns sobre os outros – que delineiam um conjunto de técnicas sônicas. Tal conhecimento corporificado, empregado pelos torcedores compõe uma ambiência no estádio que viabiliza à torcida não só criar laços entre o público presente, mas também afetar o resultado do jogo, aumentando ou diminuindo a performance dos jogadores.

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