Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História da Arte Contemporânea, realizada sob a orientação científica da Professora Doutora Raquel Henriques da Silva 1 À memória da minha Avó Felicidade. Por tudo. 2 [Postais Azulejados: Decoração Azulejar Figurativa das Estações Ferroviárias Portuguesas] [Tiled Postcards: The Azulejo Figurative Decoration of the Portuguese Railway Stations] [Tiago Borges Lourenço] [RESUMO] A presente tese procura estudar a história, evolução programática e iconografia do conjunto de programas decorativos azulejares encomendados a partir de 1905 para as estações de caminho de ferro portuguesas, num total de meia centena (correspondendo a cerca de quinhentos painéis) dispersa por quase todo o país, a maioria decorada até ao início da década de 1940. Transversal a regiões, encomendadores e cronologias, reproduziu-se massivamente um Portugal ruralizado, de paisagens bucólicas, monumentos de pedra e camponeses trabalhando nas terras ou apascentando rebanhos. Mais do que mera decoração, estes painéis procuravam captar a atenção de locais e forasteiros, numa mostra simultaneamente etnográfica e de promoção turística, concorrendo para a consolidação da figuração no azulejo da primeira metade do século XX. Pretendeu-se com este trabalho traçar, pela primeira vez, a história da azulejaria ferroviária portuguesa, procurando perceber quais as características destes programas e de que modo evoluiram e se encontram interligados entre si. Procedeu-se igualmente ao estudo iconográfico das mais representativas temáticas representadas, através de sua contextualização na arte portuguesa do período entre 1830 e 1940. Paralelamente foi feito um levantamento de todas as estações com decoração figurativa, que se concretizou na construção de fichas de inventário individuais, constantes do Volume II. PALAVRAS-CHAVE: azulejaria, estação, ferrovia 3 [ABSTRACT] This thesis aims to study the history, evolution and iconography of about fifty Portuguese train stations (mainly decorated from 1905 until the early 1940’s) whose decorative programs brought azulejo compositions (approximately 500 panels) to almost the entire country, contributing to the consolidation of the figuration in the azulejo art of the first half of the 20th century. Much more than a simple decoration, these decorative programs aimed to reach at the same time to locals and foreigners, by the massively reproduction of a country full of landscapes, stone monuments and the most relevant aspects of the local rural life and its people (farmers and shepherds are widely represented). This work intends to trace, for the first time, the history of the Portuguese railway decorative tiles, to understand their own features and the way these programs evolved through the years, also studying the iconography of some of its most representative themes in the context of the Portuguese art between 1830 and 1940. In addition, the survey of all the stations with figurative decoration comes out on an individual inventory of the stations and their panels, contained in Volume II. KEYWORDS: tilework, station, railroad 4 Agradecimentos Este estudo começou verdadeiramente muito antes da primeira palavra ou sequer da primeira intenção. Nasceu mais de uma dúzia de anos antes do seu final, em setembro de 2002, num momento em que estaria longe de imaginar onde o tempo e os meus passos me levariam e a História da Arte era todo um mundo desconhecido que não tencionava explorar. Nasceu em pleno planalto transmontano, concelho de Miranda do Douro, distrito de Bragança, numa casual visita à povoação de Duas Igrejas que me levaria a uma desativada estação, daquelas que não conhecia nenhum comboio há quase 15 anos e parecia nunca ter sido mais que um silencioso edifício desativado pelo meio do ruído de passos na gravilha. Mantinha intacto um conjunto de painéis de azulejos que, se inserindo com mestria numa peculiar arquitetura, revelavam e relevavam aspetos de vidas de eras há não muito idas. Gentes, lugares, paisagens. Não que aquele súbito encontro me tenha despertado mais atenção do que dezenas de outros encontros que tive por esses dias e por tantos outros dias da minha vida que os antecederam ou lhes foram subsequentes, mas a imagem romanceada da estação de Duas Igrejas permaneceu na minha mente durante mais de uma década, à espera do momento certo para se revelar e me levar a um conjunto outro de lugares cristalizados no tempo como poucos que conheço. As estações de caminho-de-ferro desativadas têm o estranho condão de nos surpreender, locais onde o silêncio parece pesar com mais força, quebrado apenas pela animação muda das cenas dos seus azulejos. Quando em 2012, a azulejaria ferroviária se suplantou ao lote de outros possíveis temas de estudo, iniciei uma viagem que agora chega ao fim, centenas de dias e quilómetros depois. Devo-o a um conjunto de pessoas que, de formas e intensidades diferentes me ajudaram e a quem devo um profundo e sincero agradecimento. Em primeiro lugar à Professora Doutora Raquel Henriques da Silva, orientadora científica, pela confiança que em mim depositou ao longe de todo o processo, pela forma incisiva como sempre me manteve nos trilhos, ajudando-me a distingir o essencial do acessório, sempre me incentivando na busca da sabedoria. E especialmente por toda a enorme disponibilidade e empenho em fazer chegar esta investigação a bom porto, tornando-a inequivocamente melhor; ao Professor Doutor Alexandre Pais, pelos sábios apontamentos sobre azulejaria, sua disponibilidade e principalmente por a ele lhe 5 dever muito do meu interesse na azulejaria. À Arq. Paula Azevedo, pela forma sempre entusiástica com que se interessou por este estudo e por todas as trocas de opinião, acrescentando sempre novos e pertinentes dados à investigação; ao Dr. Pedro Almeida; ao Arq. João Paulo Martins, pelos esclarecimentos sobre arquitetura ferroviária; ao Dr. João Vaz; ao IHRU/SIPA, em especial ao Dr. João Vieira, Dra. Eugénia Costa, Dra. Paula Figueiredo e Dra. Paula Noé; ao Centro de Documentação da Fundação Ferroviária Ginestal Machado, em especial à Dra. Anna Pires e Dra. Ângela Gonçalves; ao Núcleo de Documentação da REFER; à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; à Biblioteca Nacional de Lisboa; ao Arquivo Nacional Torre do Tombo. A um conjunto de amigos e colegas que de formas diferentes e em diferentes momentos foram importantes para a consubstanciação deste projeto. Ana Gil, Ana Mafalda Reis, Ana Valentim, Andreia Novo, Cláudia Morgado, Helena Rodrigues, Hélia Silva, Luís Marques, Nuno Correia, Rita Mégre, Rute Figueiredo, Sofia Diniz, Teresa Ferreira e em especial ao Ricardo Pascual, que nunca desistiu de me mostrar o caminho e a quem devo anos de incitação para a perseguição de um sonho atrás do qual corro diariamente, insatisfeito por mais. E a todos os demais que, fazendo parte do meu dia-a-dia e da minha dimensão não profissional, são também responsáveis por todas as pequenas e grandes conquistas na minha vida. Aos meus tios João Paulo e Isabel, responsáveis pela visita a Duas Igrejas há doze anos atrás e que, simbolicamente, lá voltaram para serem os olhos de quem não podia transpôr a distância a partir de Lisboa. E às pedras basilares desta empreitada. Os meus pais, por tudo aquilo que páginas algumas serão suficientes para agradecer, mas que destaco a inabalável fé, paciência, apoio e acompanhamento ao longo de todo o processo criativo e as centenas de quilómetros que, comigo ou sem mim, percorreram em busca de mais uma estação. E a Claudia, companheira de todos os dias, pela abnegação que revelou ao dispensar o seu tempo para me ajudar e atentar nos mais ínfimos detalhes. E principalmente pela infinita paciência que revelou ao longo de um processo que, à semelhança das coisas boas da vida, nem sempre se revelou linear. E à minha Avó Felicidade, a quem dedico este trabalho. Por todos os ensinamentos que a sua presença (e ausência) trouxe à minha vida e que me fizeram quem sou. Sem os quais dificilmente aqui chegaria. Desta forma. 6 7 ÍNDICE Introdução ............................................................................................. 10 Parte I: Azulejaria Ferroviária, contextos Comboio, um modo de viajar no princípio de novecentos .......... 14 O Azulejo Naturalista e Historicista. ............................................ 28 Parte II: Azulejaria Ferroviária, cronologias (1905) Porto-São Bento: “Azulejos Artísticos de Colaço” na génese de uma nova tendência ........................................... 43 (1914-1919) Primeiros Programas. Granja, Aveiro e Ovar .......... 55 (1924-1930) Sob o signo de Perfeito de Magalhães ..................... 73 (1931-1943) Maturação, Expansão Geográfica e Ocaso. ............. 95 (1943-) Trilhos que o modernismo não percorreu ...................... 127 Parte III: Azulejaria Ferroviária, iconografia “Restos de Sobrevivências de Velhos Usos e Costumes” .......... 130 Conclusão ........................................................................................... 162 Bibliografia ........................................................................................ 168 Índice Fotográfico ............................................................................. 176 Créditos Fotográficos ........................................................................ 178 8 “Os azulejos contam toda uma poesia que não é épica, é o viver de todos os dias, é um sermão sem sotaina, é um contrato social sem filosofia.” (Agustina Bessa-Luís)
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