Cooperativismo E Acesso Aos Serviços Agrícolas Na Província Do Huambo

Cooperativismo E Acesso Aos Serviços Agrícolas Na Província Do Huambo

Cooperativismo e acesso aos serviços agrícolas na província do Huambo: O caso de cooperativas apoiadas pela Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) Cooperativism and access to agricultural services in the province of Huambo: the case of cooperatives supported by Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) Antonino Abel Chivala Kamutali1, Pedro Damião Henriques2,* e Maria Raquel Lucas3 1 Faculdade de Ciências Agrárias, Universidade José Eduardo dos Santos, Angola 2 Departamento de Economia, CEFAGE e ICAAM Universidade de Évora, Portugal 3 Departamento de Gestão, CEFAGE Universidade de Évora, Portugal (*E-mail: [email protected]) https://doi.org/10.19084/rca.19505 Recebido/received: 2020.02.24 Aceite/accepted: 2020.03.25 RESUMO O principal problema que os agricultores familiares na província do Huambo enfrentam na realização das actividades agrícolas está relacionado, sobretudo, com o acesso aos serviços agrícolas. O presente estudo visou analisar a contribuição das cooperativas na promoção do acesso aos serviços agrícolas. O estudo foi desenvolvido em duas fases, na primeira etapa foi realizada uma pesquisa exploratória sobre o tema do cooperativismo para a qual foram consultadas várias fontes de informação secundária. A segunda fase consistiu numa recolha de dados suportada em fontes directas de informação primária, através do método de sondagem, tendo sido construídos e aplicados dois questionários, um a lideranças das cooperativas e outro aos agricultores cooperantes. Os resultados do estudo mostram que os principais serviços dinamizados pelas cooperativas são o acesso ao crédito monetário, a factores de produção e equipamentos agrícolas e a formação. De forma global, os agricultores estão satisfeitos com os serviços prestados pelas cooperativas. Palavras-chave: Cooperativismo, Acesso aos serviços, Satisfação, Huambo, ADRA. ABSTRACT The main problem that family farmers in Huambo province face in carrying out agricultural activities is mainly related to access to agricultural services. The present study aimed to analyze the contribution of cooperatives in promoting access to agricultural services. The study was developed in two phases, in the first stage an exploratory research was carried out on the theme of cooperativism for which several sources of secondary information were consulted. The second phase consisted of a collection of data supported by direct sources of primary information, using the survey method. Two questionnaires were built and applied, one to cooperative leaders and the other to cooperating farmers. The results of the study show that the main services provided by cooperatives are access to monetary credit, agricultural inputs and equipment and training. Overall, farmers are satisfied with the services provided by the cooperatives. Keywords: Cooperativism, Access to services, Satisfaction, Huambo, ADRA. Revista de Ciências Agrárias, 2020, 43(Especial 1): 61-73 61 INTRODUÇÃO óbito. É exercido neste pequeno círculo um sentido de organização e preocupação pelo bem-estar so- O cooperativismo e as formas de cooperação são cial comum (Lussati, 2017). antigos na história da humanidade. Há indícios sobre a cooperação e a associação solidária desde a De acordo com os dados da Estratégia Nacional pré-história da civilização, com realce em antigas de Segurança Alimentar e Nutricional de Angola civilizações como os babilónicos (Neto, 2000). (2009), a estrutura agrária angolana é dominada por camponeses e agricultores familiares, cujas O cooperativismo é um movimento social que explorações representam 99,08% do número total leva homens com necessidades comuns a estabe- de explorações, ocupando 97% do total da superfí- lecerem entre si uma relação de interdependência, cie cultivada do país. Para Katiavala (2015), aquela orientada por uma filosofia de vida. As necessida- informação evidencia a importância e o peso dos des comuns são satisfeitas com base na solidarie- sectores agrícolas camponês e familiar em relação dade, na equidade e no respeito do homem pelo à agricultura empresarial. Destes dados sobressai homem, através de um activismo constante (Viton- não só o contributo destes dois sectores pela quase gue, 2004). O foco é a entreajuda e o encontro de totalidade da produção agroalimentar, mas tam- soluções de problemas de uma forma coordenada bém o enorme potencial para a promoção da segu- e colectiva. rança alimentar e nutricional no país. As associações cooperativas agropecuárias consti- As cooperativas do sector agrário têm um peso tuem um meio eficaz para o avanço do setor agrí- considerável na economia nacional angolana, na cola, sendo estas um dos elementos da política medida em que estão envolvidas directamente na agrícola que desempenham um papel importante luta contra a fome e a redução da pobreza (Tchi- no desenvolvimento da produção agrícola, vegetal muco, 2014). Apesar das limitações existentes, ain- e animal, bem como no processo de desenvolvi- da assim, os agricultores familiares, muitas vezes mento da agricultura e rural e, por meio dele, do associados em cooperativas, são responsáveis pela rendimento dos agricultores e seus status sociais produção de muitas culturas consumidas no país. (Fedorova e Taaricht, 2020). Em Angola, apesar dos esforços feitos pelas auto- Lasserre (1996), ao analisar a implementação das ridades governamentais no sentido de adoptar o cooperativas nos países subdesenvolvidos e em cooperativismo e o associativismo como estraté- desenvolvimento, conclui que a diversidade de ac- gias de apoio ao desenvolvimento rural e, parti- ções das cooperativas fez com que, várias vezes, cularmente, ao da agricultura familiar, estes esfor- os autóctones destes países olhassem para elas ços esbarravam nas questões relacionadas, entre como uma espécie de varinha mágica que rápida outras, com a falta de participação, com decisões e, sobretudo facilmente, daria soluções às suas centralizadas e com economia planificada (Marce- expectativas. lino, 2014). Este autor considera que, por causa da trajectória das cooperativas em Angola, elas ten- Esta expectativa levou a que fossem criadas e or- dem a ser vistas como tendo tido uma estratégia ganizadas cooperativas sem compreensão sobre de fracasso, havendo, frequentemente, alguma re- a verdadeira natureza do cooperativismo, impor- serva em relação ao papel que as mesmas podem tando modelos técnicos desajustados da realidade desempenhar no desenvolvimento local, embora, produtiva e do contexto socioeconómico, o que existam inúmeros exemplos que mostram o quão provocou muitos fracassos, em África, e prejudi- importantes elas podem ser. cou gravemente o sucesso da ideia e conceito coo- perativista (Baptista, 2004). De entre das organizações de base associativa e cooperativa angolanas, ligadas ao desenvolvimen- O cooperativismo para a comunidade angolana to rural e agrícola, destacam-se a União Nacional não é um conceito novo, desenvolvendo-se o coo- das Associações de Camponeses de Angola (UNA- perativismo no seio familiar, através da conhecida CA) e a Acção para o Desenvolvimento Rural e kixikila, a preparação para o casamento ou para um Ambiente (ADRA). 62 Revista de Ciências Agrárias, 2020, 43(Especial 1): 61-73 Os agricultores familiares de Angola, regra geral, Angola. O primeiro abrange o período da admi- deparam-se com sérios problemas de acesso aos nistração colonial, com a implementação de coope- serviços agrícolas, principalmente na realização rativas modernas a nível das comunidades rurais das actividades agrícolas, dos quais sobressaem a dirigidas para os sectores da agricultura, empre- falta de recursos financeiros para aquisição de fac- sas capitalistas de abastecimento urbano e habita- tores de produção e o ingresso em mercados onde ção. O segundo período corresponde ao período possam comercializar os seus produtos com pre- de transição e de independência, que se divide ços compatíveis com os custos de produção (Cor- em diferentes subperíodos, consoante as políticas reia, 2013). seguidas pelo governo. No segundo período, é de realçar que o cooperativismo agrícola passou a Assim, é indispensável o desenvolvimento de es- ser encarado como uma forma de organização das tudos que visem a promoção de associativismo comunidades camponesas, e que foram ensaiadas nos pequenos produtores rurais, bem como pro- várias formas para incrementar o dinamismo das curar as formas de incentivo à participação colec- cooperativas, tendo sido apontado como principal tiva, principalmente no caso dos produtores mais via o reforço do financiamento dos projectos de ini- carentes e os que resistem a essa prática, por falta ciativas privadas através da concessão de créditos. de informação ou dificuldade de entendimento dos problemas que assolam a agricultura familiar an- Olhando somente para a história do cooperativis- golana, e, encontrar formas de garantir a susten- mo de base angolano, Pacheco (2006), divide-a em tabilidade dos sistemas de agricultura praticados quatro períodos. O primeiro período vai de 1975 no país (Pacheco, 2003; Vitongue, 2004; FAO, 2013). a 1977, destacando-se nesta fase a criação da Co- missão de Apoio e Dinamização das Cooperativas O presente estudo é uma contribuição para analisar (CADCO) pelo então Governo de Transição que re- o funcionamento e o papel das cooperativas sultou dos acordos de Alvor assinados em Janeiro agrícolas apoiados pela ADRA na província do de 1975 entre o governo português e os três mo- Huambo, na promoção e no acesso aos serviços vimentos de Libertação de Angola: o Movimento agrícolas por

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