Relatório Sobre Os Usos E Costumes No Posto Administrativo De Chinga

Relatório Sobre Os Usos E Costumes No Posto Administrativo De Chinga

RELATÓRIO SOBRE OS USOS E COSTUMES NO POSTO ADMINISTRATIVO DE CHINGA [DISTRITO DE MOÇAMBIQUE, 1927] Manuscrito existente no Arquivo Histórico de Moçambique RELATÓRIO SOBRE OS USOS E COSTUMES NO POSTO ADMINISTRATIVO DE CHINGA [DISTRITO DE MOÇAMBIQUE, 1927] Manuscrito existente no Arquivo Histórico de Moçambique Francisco A. Lobo Pimentel RELATÓRIO SOBRE OS USOS E COSTUMES NO POSTO ADMINISTRATIVO DE CHINGA, 1927 Manuscrito existente no Arquivo Histórico de Moçambique Autor: Francisco A. Lobo Pimentel Editor: Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto Actualização de fixação do texto: ex- Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1999 Notas: de rodapé e a actualização da grafia dos vocábulos macua no texto, entre parênteses recto, Eduardo Medeiros. Colecção: e-books Edição: 1.ª (Fevereiro/2009) ISBN: 978-989-8156-13-6 Localização: http://www.africanos.eu Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto. http://www.africanos.eu Preço: gratuito na edição electrónica, acesso por download. Solicitação ao leitor: Transmita-nos ([email protected]) a sua opinião sobre este trabalho. ©: É permitida a cópia de partes deste documento, sem qualquer modificação, para utilização individual. A reprodução de partes do seu conteúdo é permitida exclusivamente em documentos científicos, com in- dicação expressa da fonte. Não é permitida qualquer utilização comercial. Não é permitida a sua disponibilização através de rede electrónica ou qualquer forma de partilha electrónica. Em caso de dúvida ou pedido de autorização, contactar directamente o CEAUP ([email protected]). ÍNDICE Introdução 11 1.0 Raças 41 2.0 Área, geografia e hidrografia 45 Serras 45 Rios 46 3.0 Antropologia 49 4.0 História e cronologia 53 5.0 Divertimentos 55 Batuques só para homens 55 Batuques para homens e mulheres conjuntamente 57 Batuques só para mulheres 60 Batuques de guerra 61 6.0 Marcas de tribos: usos e costumes 63 Vestimenta e adornos 63 7.0 Regime tributário 69 8.0 Instabilidade da população 70 9.0 Instintos guerreiros: armas ofensivas e defensivas 73 10. Emigração 74 11. Homenagens e saudações 77 12. Constituição da família 80 13. Casamento 82 14. Nascimentos 86 15. Irmãos 87 16. Circuncisão ou fanação. Calàu˘ a 88 17. Divórcio 90 18. Óbitos 92 19. Sucessões, régulos e sua história 94 20. Do domicílio 101 21. Da ausência 104 22. Poder paternal e legitimidade dos filhos 105 23. Classificação das coisas públicas 106 24. Propriedade e sua organização 107 25. Da ocupação 108 26. Caça 109 27. Pesca 118 28. Fauna 120 1.o grupo — Mamíferos monodelfos 120 1 — Bimanos 120 2 — Quadrúmanos 120 3 — Cheiropetros ??? 121 4 — Insectívoros 122 5 — Roedores 122 6 — Carnívoros 123 Digitígrados 123 Plantígrados 125 Jumentados 126 Ruminantes 127 Porcinos 128 Desdentados 128 Aves 129 Trepadoras 129 Pernaltas 130 Corredores 130 Palmípedes 130 Tenuirrostros 131 Répteis 132 Batráquios 134 Peixes 134 Articulados ou anelados 135 Insectos 135 Crustáceos 137 Anelídeos 137 Gasterópodes 138 29. Agricultura 139 Trataremos do europeu 150 Trabalho compelido 159 Trabalho voluntário 160 Serviço compelido 160 Agricultura indígena 165 Defesa das machambas 170 30. Flora e madeiras 172 1.a classe — Acotiledóneas 174 2.a classe — Monohypogynia 174 3.a classe — Monoperigynia 175 4.a classe — Monoepigynia 175 5.a classe — Hypocorollia 175 6.a classe — Synantheria 176 7. a classe — Corysantheria 176 8.a classe — Epipetalia 176 9.a classe — Hypopetalia 176 10.a classe — Peripetalia 176 11.a classe — Diclinia 177 31. Comércio 180 Comércio do indígena 187 32. Indústria 191 Fundição de ferro. Serralharia — ferreiro 197 Vários utensílios — Outros artigos de uso 208 Linhas — Fazem duas qualidades: para coser pano e para pesca 212 33. Navegação 221 34. Justiça 223 35. Astros, clima, meteoros e meteorologia 236 36. Recursos sanitários e higiénicos 238 37. Superstições 239 38. Guerras 240 39. Prova por meio de juramentos 241 40. Estado sanitário e assistência ao indígena 245 41. Alimentação 260 42. Bebidas fermentadas 267 43. Arrolamento de palhotas e recenseamento da população 270 44. Escolas 284 45. Estradas, reparações e construções 287 46. Pessoal ao serviço do posto 294 47. Culturas do posto 295 48. Imposto de palhota 296 49. Correios e telégrafos 302 50. Conclusão 306 Posfácio sobre o Contexto Histórico, Autor e Relatório por Gerhard Liesegang 306 1. Introdução 306 2. Biografia de F.A. Lobo Pimentel 307 2.1 Percurso 307 2.2. Personalidade e inserção social de Pimentel 311 3. Situação sociopolítica na qual a obra surgiu 312 3.1. Os Serviços dos Negócios Indígenas e a recolha de informação etnográfica 313 3.2. Contexto administrativo imediato 315 3.3. Situação sócio política e económica no distrito de Moçambique 316 4. Estrutura do Relatório 318 4.1. Contexto e Estrutura 318 4.2. A obra como retrato da ideologia e territorialidade coloniais 319 4.3. A contribuição etnográfica e histórica da obra 320 Bibliografia e Fontes 322 Relatório sobre os usos e costumes no Posto Administrativo de Chinga INTRODUÇÃO Exmo. Sr. Administrador Ao terminar o primeiro ano da minha administração neste Posto, permita-me V. Ex.a que exponha, em poucas palavras, o que notei duran- te a minha jurisdição, desde que assumi a chefia deste Posto. O cargo de chefe de posto, para quem o queira desempenhar cabal- mente, dentro do possível, é claro, é muito trabalhoso e acarreta respon- sabilidades e desgostos. Cumpre-me, na minha missão de europeu civilizador, como todos o de- vemos ser, assegurar aos indígenas o exercício dos seus direitos, bem como o gozo das vantagens que a lei lhes concede; atendê-los nas suas pretensões e reclamações justas; tratá-los com bons modos e boas palavras, sem con- tudo abandonar a firmeza e persistência necessárias, tratando-se de entes que não têm educação nem instrução, mas mantendo sempre o prestígio da autoridade. Mal de nós se vamos a dar ao preto muitas vantagens, que ao europeu se não dão, porque o negro não agradece, sobretudo o macua que nem tem na sua língua palavra que traduza «muito obrigado»1. Já em 1886, os ilustres viajantes M. Capelo e R. Ivens, na sua descri- ção da viagem de Angola à Contra-Costa, reconheciam que «a ingratidão e a perfídia, essas torpes faculdades tão comuns nas inteligências rudi- 11 mentares formam o traço característico do negro». Portanto, provado está que ao negro não se pode dar mais vanta- gens que ao europeu e sobre o caso, dizia o grande colonial António 1 No idioma macua (emakhuwa) existe o verbo oshukuru (ou oshkhuru) que significa «agradecer», «demonstrar gratidão», «dar graças». Koshukhuru vantxene significa «estou muito agradecido», «muito obrigado». Esta expressão tanto é corrente no litoral como no interior. Mas no litoral islamizado também se usa a expressão kofurahiwa que tem o sentido de «estou agradecido». 2008 E-BOOK CEAUP Francisco A. Lobo Pimentel Enes «...e as autoridades administrativas foram encarregadas de prote- ger contra qualquer atentado, o sagrado direito de ociosidade reconhe- cido nos africanos». Passo a tratar de assuntos diversos, que, não sendo da índole deste relatório, ligam-se no entanto com a administração deste Posto. V. Ex.a permitir-me-á que dê algumas opiniões e alvitres que são dum mes qui nho chefe de Posto, sim, mas de um velho colono que conta mais de vinte anos de residência na Província, sempre com a boa vontade de tra ba- lhar, para bem das regiões que tem directamente administrado. Em toda a narração dos vários factos contidos neste mal alinhavado relatório, mas ver- dadeiro, emprego a franqueza de que sou dotado, pois creio que não mente nem pode mentir quem for franco. Sendo, me parece, indispensável uma codificação completa e moder- nizada dos usos e costumes indígenas, tratar destes, dentro do possível, para o que consultei, em partes para mim desconhecidas, um indígena de avançada idade (82 a 85 anos aproximadamente). Não me parece fácil uma codificação completa dos costumes indí- genas por variarem de região para região, e só reunindo os de todos os Postos e sedes de Circunscrições, alguma coisa neste sentido se faria. É pois este motivo que me leva a tratar de assuntos que, em meu fraco entender, são inalteráveis por natureza sua; e por índole outros, visto que não noto tendência por parte do indígena do interior a modificar os seus há bitos e nem daqui a muitos anos ele avançará um passo para modificar os seus usos e costumes de forma a mostrar indícios de civilização, já porque o preto é de espírito conservador, já porque, achando-se talvez bem no meio em que vive, só a muito custo e talvez à força se consiga que eles modifiquem, em seu benefício, os meios que actualmente usam na 12 sua vida indolente. Resolvi seguir o «Questionário Etnográfico» acerca da população indígena da Província, de 1916, e é acompanhando sempre a ordem dos que sitos do tão bem elaborado «Questionário», que formulei este rela- tório a que vou dar começo. À falta de máquina fotográfica, emprego a minha pouca habilidade em pintura, tendo o cuidado de «mencionar o que as várias figuras representam, para que não haja confusões», crendo no entanto que dão uma pequena ideia do assunto a que respeitam. E-BOOK CEAUP 2008 Relatório sobre os usos e costumes no Posto Administrativo de Chinga Os termos em língua indígena escrevo-os a tinta encarnada, para melhor se distinguirem, fazendo uso do sinal longo sobre a letra ŭ que se confunde com a letra n2. Tomei posse da chefia deste Posto em 12 de Outubro do ano findo e foi -me entregue pelo Ex.mo Sr. João Teixeira Gomes de Barros; exerço portanto a minha jurisdição nesta região há um ano, motivo porque não pode ser completo o meu trabalho, acrescendo a essa ser do meu valor pessoal; no entanto, incompleto que seja, no que não restará a menor dú vida, satisfeito ficarei se me forem relevadas algumas insufi- ciências encontradas.

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