
I l ! ALJMENTAÇAO DO PACU-CANA, Mylesinus paraschomburgkìì (TELEOSTEI, SERRASALMIDAE) EM RIOS DA AMAZôNIA BRASILEIRA GERALDO M. SANTOSI, SULAMITA s. PINTO^ e MICHEI~EGU~ 'WA, Coordenação de Biologia Aquktica, Cx. Postal478 - 69083-000 Madus, AM. 20RSTOM, Laboratoire d'ktiologie, M", 43, Rue LaFayette, Cedex 05, Paris. ABSTRACT Diet of Pacu-cana, Mylesinus puruschomburgkii (Teleostei, Serrasalmidae) in Rivers of Brazilian Amazon The present study is about the natural diet of the pacu-cana, Mylesinus paraschomburgk+i, in four rivers of the brazilian Ameon. We found that adults of this species feed basically on a rupestrian aquatic plant, typical of rapids (Podostemaceae); the juveniles feed on insect larvae associated with these plants. Small changes in diet were observed in fishes from the Pitinga River, where the adults were observed to feed on insects with a high frequency. This fact is as- sociated to a probable proliferation of these organisms in the rapids located close to the Pitinga hydroelectric reservoir. As the Poostemacea is a vital resource for M. paraschombur- gkii and both are restricted to areas with rapids, it is evident that the damming of rivers consti- tutes a serious risk to the survival of these organisms. Key words: fish, ichthyology, ecology, Amazon. RESUMO O presente estudo trata da dieta natural do pacu-cana, Mylesinus parasclzomburkgii, em qua- tro rios da amazônia brasileira. Foi constatado que os adultos desta espécie alimentam-se basi- camente da planta aquática rupestre, típica de corredeiras (Podostemaceae); os juvenis alimentam-se de larvas de insetos, associados a estas plantas. Pequena alteração na dieta foi observada nos peixes do rio Pitinga, em que houve elevada freqiiência de insetos na alimen- tação dos adultos. Este fato é relacionado à provável proliferação destes invertebrados nas cachoeiras localizadas próximo ao reservatório da hidrelétrica de Pitinga. Sendo as po- dostemáceas um recurso vital para M. paraschomburgkii e sendo ambos restritos a trechos com corredeiras, fica evidente que o represamento de rios para a formação de reservatórios ! i constitui sério risco à sobrevivência destes organismos nestas áreas. Recebido em 8 de novembro de 1995 Aceito em 25 de fevereiro de 1997 Distribuído em 31 de maio de 1997 Correspondência para: Geraldo M. Santos E-mail: Gsantosocr-am.mp.br Rev. Brasil. Biol., 57 (2): 3 11-315 -- . -7I .% S. .,” 312 GEMDO M. SANTOS,SULAMITA PINTO e MICHEL JEGU Palavras-chave:peixe, ictiologia, ecologia, Amazônia. INTRODUÇÃO MATERIAL E MÉTODOS Mylesinus paraschomburgkii, denominado Os peixes analisados no presente trabalho popularmente de pacu-cana é uma das maiores es- foram coletados nos rios Trombetas e Jari, ambos pécies de pacus, chegando a alcançar cerca de 400 no estado do Pará (21 e 5 exemplares, respectiva- mm de comprimento padrão e 3000 g de peso. mente); rio Pitinga, estado do Amazonas (51 ex.) e rio Araguari, estado do Amapá (8 ex.). Os exem- Além de M. paucisquamatus, do rio Tocantins, é a plares analisados foram capturados em diferentes única espécie deste gênero a ocorrer na Amazônia épocas, entre os anos de 1985 e 1995 e tinham brasileira, uma vez que a outra espécie descrita do comprimento padrão entre 205 e 350 mm, a maio- gênero M. schomburgkii, é endêmica do rio Esse- ria adultos. quibo, Guiana Inglesa (Jegu & Santos, 1988; Jegu Alguns estômagos foram retirados no campo et al., 1989). e preservados em formol a 10% enquanto outros As espécies de Mylesinus distinguem-se dos foram retirados de peixes que já se encontravam demais serrasalm’deos pela forma da boca, ampla- preservados em álcool. mente projetada para trás, como “boca de sapo”, O conteúdo alimentar foi retirado através de pelo intestino bastante longo e enovelado, corres- uma incisão longitudinal com tesoura na parede pondendo a 2 a 2,5 vezes o comprimento padrão e dos estômagos e colocado em placa de Petri; em sobretudo pelos dentes espatulados, em número de seguida, sob lupa, foi feita a separação dos itens 10 a 14 na mandííula dos adultos (Jegu & Santos, presentes, de acordo com sua natureza. 1988; Jegu et al., 1989). Para a determinação da dieta foi adotado o método de freqüência de ocorrência que é a rela- Apesar do grande porte e da abundância re- ção entre o número de estômagos com determina- lativamente elevada nas áreas de corredeiras, o do item e o número total de estômagos com pacu-cana é uma das espécies menos conhecidas alimento analisados, expressa em percentagem. entre os serrasalmídeos, provavelmente pelo fato de ocorrer em áreas de difícil acesso e também por RESULT@OS ser pouco vulnerável aos aparelhos de pesca co- ‘ mumente empregados na região. Esta espécie só A dieta de Mylesinus paraschomburgkii, em tem sido capturada em trechos de rios encachoei- todos os rios amostrados é constituida basicamen- te de Podostemaceae, com indices entre 81,8 e rados, não ocorrendo, portanto, na grande calha do 99,6% (Tabela I). Alguns itens secundários ocorre- sistema Solimões/Amazonas. ram, principalmente nos indivíduos do rio Pitinga Trabalhos já realizados sobre dieta de pacus (insetos 15,5%) e do Jari (folhas alóctones, 7,6%). referem-se basicamente aos gêneros Myleus Algas filamentosas e detritos foram outros itens (Goulding, 1979, 1980; Nico, 1991), Colossoina presentes, com participação apenas residual, entre (Goulding & Carvalho, 1982; Silva, 1985), Mylos- 0,4 e l,S%. soma (Paixão, 1980) e Acnodon (Leite & Jegu, 1990) sendo que a maioria das espécies estudadas DISCUSSÃO E CONCLUSõES ocorre principalmente em áreas de várzea e igapó. Os dados obtidos mostram que Mylesinus Os únicos dados disponíveis sobre a dieta do gê- paraschomburgkii é uma espécie herbívora que nero Mylesinus são apresentados por Jegu et al. consome quase exclusivamente partes vegetativas (1989) e Ferreira (1992) em peixes do rio Trombe- da planta aquática rupestre da famíía Podostema- tas. No presente trabalho é analisada a dieta desta ceae. espécie, com base em maior número de exempla- Há poucas espécies de peixes com dieta ex- res adultos, provenientes de áreas de corredeiras, clusivamente à base de vegetais na Amazônia. Es- tanto do Trombetas como de outros três rios da tudos desenvolvidos em vários rios (Santos, 1991; Amazônia brasileira. Ferreira, 1992; Garcia, 1995) e igarapés (Knoppel, (2): Rev. Brasil. Biol., 57 311-3 15 ALIMF,NTAÇÁO DO PACU-CANA 313 TABELA I Dieta de pacu-cana em 4 nos da Amazônia brasileira. Item (%) Ri0 Podostemaceae I Folhas I Algas I Insetos I Detritos ibalho d6ctones fílamentosas imbos Araguari 99,6 - - - 04 :ctiva- - - - ex.) e Jati 92,4 7,6 exem- Pitinga 81,s 1,o 1,o 15,5 0,7 1.8 :rentes Trombetas 98,2 - inham maio- 1970) mostram que a maioria das espécies de pei- indice alimentar pelo fato deste ocorrer com volu- xes da região tem uma dieta natural muito variada, me muito pequeno em relação ao bolo alimentar, :ampo consumindo itens alimentares de diversas nature- geralmente entre uma a quatro larvas por indiví- outros zas. Além disso, muitas destas espécies são consi- duo. Nota-se, no entanto, freqüência relativamente ravam deradas oportunistas, pois são capazes de elevada de insetos nos indivíduos provenientes da consumir itens não usuais mas que se encontram cachoeira 3a. Queda, no rio Pitinga, (15,5%), evi- vés de em grande disponibilidade ambiente. denciando tratar-se de um fato acidental, larede no não As espécies de pacus já estudadas e que con- como parece ocorrer nos indivíduos provenientes ri; em somem basicamente vegetais, utilizam também dos demais rios. i itens uma quantidade apreciável de itens de origem ani- Ao contrário dos demais rios tratados no mal, como insetos, crustáceos, zooplâncton e esca- presente estudo, que se encontram ainda em con- tado o mas. Isso é particularmente comum entre as dições naturais, o rio Pitinga tem sofrido fortes in- a rela- espécies de Myleus (Goulding, 1979, 1980; Nico, fluências do represamento ocasionado tanto pela .mina- 1991), Colossoma (Goulding, 1980; Goulding & hidrelétrica instalada no seu leito, como pela UHE ; com Carvalho, 1982; Silva, 1985), Mylossoma (Paixão, Balbina, localizada no rio Uatumã, logo à sua ju- :m. 1980), Acnodon (Leite & Jegu, 1990) e Metynnis sante. Hipotetizamos, portanto, que a grande inci- (Araújo-Lima et al., 1986). dência de insetos na dieta dos peixes oriundos Podostemaceae é uma família de plantas que desta região seja devida à grande concentração ii, em abriga cerca de 200 espécies, com ocorrência em destes mópodes nas pradarias de podostemáceas amen- toda região tropical e com maior diversidade no na cachoeira 3a. Queda, em decorrência da extin- 31,s e continente americano (Royen, 1951). Estas plantas ção de v6rias outras cachoeiras deste rio com a corre- são tipicas de áreas de corredeiras, onde normal- formação dos reservatórios de Pitinga e Balbina. 'itinga mente ocorrem aderidas a substratos areno-pedre- No estudo da dinâmica sazonal da comuni- 7,6%). gosos. Para a bacia do Uatumã 6 citada a espécie dade de insetos aquáticos, associados às podoste- ì itens Rhyncholacis hydrochorium, que é abundante no máceas numa cachoeira em condições naturais , entre ambiente natural e rara ou ausente nos trechos que Enriconi & Odinetz (1995) encontraram predomi- sofreram impactos causados pelo represamento nância de larvas de Simulidae (Diptera) durante (Enriconi, 1994; Odinetz et al., 1995). todo o ano, com 45 a 60% dos espécimens, segui- As comunidades de podostemáceas ocorrem do de Lepidoptera e Chironomidae. normalmente associadas a folhas que caem da flo- Além de Mylesinus paraschomburgkii, exis- esinus resta (coarse-litter),algas, raizes e grande varieda- tem outras espécies de peixes que se alimentam a que de de invertebrados. Dugand (1944, apud Royen, também de PodÒstemáceas, como Myleus rhom- ativas 1951) propõe o termo tachyrheophyton para de- boidalis e Myleus schomburgL5, (Pinto, 1995) en- ,tema- signar este tipo de associação e destaca sua impor- tretanto estas espécies consomem este item em tância para as comunidades aquáticas; assim, é menor quantidade, havendo para elas uma predo- ta ex- provável que ao tomar partes de podostemáceas, minância de frutos, insetos e escamas.
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