RESSIGNIFICAÇÕES DO VIDEOGAME MORTAL KOMBAT NO SOFTWARE M.U.G.E.N. Ricardo Cortez Lopes1 RESUMO Este trabalho busca estudar uma ressignificação expressa através do personagem da franquia multimídia Mortal Kombat chamado Ermac, modificado na engine (a qual consideramos como um software aberto) M.U.G.E.N. Após contextualizar a própria franquia Mortal Kombat, Ermac e discutir o próprio M.U.G.E.N, partimos para a análise dos sprites do personagem, produzidos ao longo dos anos. Esta produção conectiva expressou a modificação do personagem de um dos jogos (o Ultimate Mortal Kombat 3) a partir da recombinação de elementos (ilustrados por imagens), baseada em criações autorais e em inspirações em versões oficiais posteriores. Assim, a ressignificação trabalhou no sentido de tomar um contato com o personagem e o modificar em um sentido que apontamos no decorrer do texto: no começo, pequenas modificações mais superficiais, seguidas de intervenções mais profundas e que apontam para o desenvolvimento de saberes. Assim, faz-se uma sociologia da construção coletiva do conhecimento na era online. Palavras-chave: M.U.G.E.N; Mortal Kombat; Ressignificação. ABSTRACT This paper aims to study a connective intelligence, expressed through character of the multimedia franchise Mortal Kombat’s Ermac, modified in the engine (which we consider as an open software) M.U.G.E.N. After contextualizing Mortal Kombat franchise, Ermac and discussing M.U.G.E.N itself, we set out to analyze the character’s sprites. Analysis expressed the modification of the character of the games (the Ultimate Mortal Kombat 3) from the recombination of elements (illustrated by images), based on author creations and inspirations in later official versions. Thus, connective intelligence worked to make contact with the character and modify it in a sense that we pointed out in the course of the text: in the beginning, more superficial modifications, followed by deeper interventions that point to the development of knowledge. Keywords: M.U.G.E.N; Mortal Kombat; Ressignification. 1 Doutor e Mestre em Sociologia (UFRGS). Licenciado em Ciências Sociais (UFRGS). Analista de Educação (Faculdade IBCMED). E-mail: [email protected]. v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 4 1 INTRODUÇÃO Neste artigo pretendemos apontar para a ressignificação de jogos de videogame por via de um software. O jogo em questão é o Mortal Kombat Project, uma “tradução livre” e criativa dos jogos originais Mortal Kombat - oriundos da década de 1990 do século XX, produzidos pela empresa Midway - no software livre M.U.G.E.N, uma engine2 de jogos de luta. Devido aos muitos elementos envolvidos no jogo - que abrangem desde as obras originais até as criações autorais dos desenvolvedores - optamos por focar nossa análise em um personagem, Ermac. Nossa opção por esse personagem se deu por conta de sua própria origem: fruto de um erro de processamento no primeiro jogo - sobre o qual explanaremos adiante, ele foi incorporado oficialmente em jogos posteriores como um personagem com background. Ou seja, o personagem em si não foi uma criação apenas de sua equipe, ele foi oportunizado no diálogo com outros atores sociais, técnicos (desenvolvedores de M.U.G.E.N) e não técnicos. 2 COMO ACONTECE A RESSIGNIFICAÇÃO? O objetivo geral da pesquisa foi perceber as mudanças da obra original a partir das diferentes versões do programa, por meio da análise dos fragmentos simbólicos dispostos nas imagens selecionadas. Assim, os jogos foram experimentados de maneira imersiva (download e zeramento); contudo, no método de exposição, optamos por trazer as evidências em imagens retiradas da Internet - que ilustram páginas de onde tiramos informações. O critério de seleção foram os MK M.U.G.E.N.S com maior número de versões; em seguida, promovemos o tabelamento das gambiarras registradas em screenshot. Assim, o que seriam gambiarras? "Hoje, talvez por uma evolução do significado, o uso informal do termo muitas vezes reflete idéias como 2 Engine, ou motor de jogo, é um programa que consegue ler e articular uma série de arquivos para criar o ambiente de um jogo. v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 5 "adaptação", "improvisação", "dar um jeito", "conserto" ou "remendo" (BOUFLEUR, 2006, p.23). O foco dos desenvolvedores pareceu ser recriar a experiência do jogo 3D (programado pelos desenvolvedores oficiais) em um ambiente de recursos digitais precarizados (código pronto do M.U.G.E.N). O foco da análise imagética foram a) Trajes, b) Fatalities, c) Movimentos e d) Pose de vitória. A partir disso foram gerados os resultados, mostrados nas próximas sessões. 3 O M.U.G.E.N. Desenvolvido pela empresa Elecbyte em 1999, o M.U.G.E.N “[...] trata- se de um motor gráfico, o mesmo é destinado ao desenvolvimento de jogos, porém com uma facilidade enorme de manejamento. O M.U.G.E.N permite a criação de personagens e cenários de forma simples e rápida” (VOCÊ, 2015). Trata-se de um abandonaware3 que programa cenários e personagens em wordpad4. A sua interface conta com um menu inicial - com os seguintes itens: Arcade, Treino, Observar, Opções e Sair - e com um conjunto de comandos para cada personagem (char) - 4 botões direcionais, com mais 6 de ataque (customizáveis) e com um adicional. A pasta do sistema operacional que contém o programa possui os seguintes tipos de extensão: SFF (os sprites do jogo), ACT (a paleta de cores disponíveis), SND (os sons do jogo), CMD (os comandos de movimento e de ataque), AIR (coloca os SFF em sequência), DEF (define os arquivos que serão acessados na execução do jogo), CNS , ST e TXT (essas três últimas acerca da licença de uso do personagem/char). É possível ao usuário realizar download de personagens e de cenários (stages), que podem ser inseridos por digitação em um documento chamado select.def, um bloco de notas. A partir desta base programacional, é possível criar e recriar os “mais famosos games de luta 2D como Street Fighter e King Of 3 Abandonaware é um programa que foi descontinuado, e sua licença já expirou. 4 Processador de texto do Windows. v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 6 Fighters” (VOCÊ, 2015). No nosso caso de estudo, o objeto é a trilogia clássica do Mortal Kombat, que foi traduzida da linguagem de programação original para a linguagem do M.U.G.E.N. Talvez uma possibilidade de ligação entre conceito e empiria esteja na própria trajetória da Elecbyte: criada na metade dos anos 1990, ela foi formada por um time recluso e é amplamente conhecida somente pelo produto M.U.G.E.N e por seus recorrentes “sumiços” - o primeiro deles em 2003, quando a versão de Windows ainda não estava terminada por conta de uma “travada”(hit a snag) experimentada pela equipe (HISTÓRIA, 2008), seguida de uma retomada entre os anos 2009 e 2015, quando foi apresentada a versão 1.0, seguida de novo sumiço até os dias atuais (ELECBYTE, S/D). A licença de uso da Elecbyte sobre o M.U.G.E.N já expirou e não parece estar em vias de ser renovada. Embora a redistribuição do programa por outros sites seja, essencialmente, ilegal, a Elecbyte nunca tomou providências legais (HISTÓRIA, 2008). Algumas fontes da Internet afirmaram que a empresa montava um projeto de financiamento coletivo e que sumia com o dinheiro sem entregar melhorias no programa. Em síntese: não existe uma regulação formal e penal do código programacional, os usuários o mantêm intacto mais por uma questão ética de comunidade do que por ocultação de recursos. Essa ideia fica reforçada pelo fato de que os códigos são baseados em texto, pois a Elecbyte pretendia que os criadores pudessem aprender uns com os outros, mesmo que isso dificulte a atribuição de permissões entre eles (HISTÓRIA, 2008). Sobre a criação que os desenvolvedores realizam, há uma regra: Mundialmente, uma regra é tomada como certa: Você não pode pegar os códigos de um personagem e usar no seu personagem, sem prévia autorização. Apesar da linguagem de programação do Mugen ser interpretada (como HTML) e não única como Linguagem C ou JAVA, ou seja você não cria códigos exatamente e sim os organiza (haja visto que você não pode criar funções novas), é de bom tom que você peça autorização antes de usar qualquer coisa. Muitos criadores permitem que você use os códigos dele para estudo, mas muitas pessoas confundem isto: Estudo não quer dizer copiar e colar, mas quer dizer você entender o código e melhorá-lo (HISTÓRIA, 2008) v. 2 n. 02 (2019): Revista GETS | ISSN: 2595-6663 7 Estabelecidos os parâmetros da relação da empresa com os usuários e dos usuários entre si, podemos entender, agora, a relação com os copyrights. De acordo com revisão, conteúdo SFF e SND são de propriedade das empresas originais (como a Midway ou a Capcom, por exemplo). Já os CMD, AIR e CNS são propriedades do desenvolvedor individual. É importante ressaltar que muitas empresas encaram este uso como fanart5 (HISTÓRIA, 2008), e por isso não cancelam ou proíbem a produção de M.U.G.E.N baseado nos personagens. 4 A FRANQUIA MORTAL KOMBAT E ERMAC: IDAS E VINDAS DO 2D AO 3D O jogo Mortal Kombat foi uma espécie de resposta ao jogo de luta japonês chamado Street Fighter II (1987), que foi um grande sucesso comercial e foi seguido de muitos jogos nele inspirado. O diferencial de Mortal Kombat estaria em duas características: (1) a utilização de sprites realizados a partir da digitalização de fotos e (2) a violência (traduzida no sangue e na possibilidade de execução dos fatalities, movimentos de finalização). É importante ressaltar que este jogo ajudou a criar o inédito selo para jogos de videogames, até aquele momento considerados como uma diversão pueril.
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