“NÓS SEMPRE ESTAREMOS JUNTOS”: a PRESENÇA DA NOSTALGIA E MELANCOLIA NO ENREDO DE DIGIMON LAST EVOLUTION KIZUNA Dionisio De

“NÓS SEMPRE ESTAREMOS JUNTOS”: a PRESENÇA DA NOSTALGIA E MELANCOLIA NO ENREDO DE DIGIMON LAST EVOLUTION KIZUNA Dionisio De

“NÓS SEMPRE ESTAREMOS JUNTOS”: A PRESENÇA DA NOSTALGIA E MELANCOLIA NO ENREDO DE DIGIMON LAST EVOLUTION KIZUNA Dionisio de Almeida Brazo1 Resumo: Este trabalho se propõe a refletir acerca das categorias de nostalgia e melancolia. Para isso, utilizamos o filme animado japonês Digimon Last Evolution Kizuna, lançado em 2020, como objeto de estudo, pois articula de forma interessante essas duas categorias. A proposta do filme foi amadurecer a história dos personagens junto com os fãs, trazendo questões do fim da adolescência e início da vida adulta, e o processo de separação dos seus companheiros de aventuras. Partimos da hipótese de que a nostalgia e melancolia são categorias presentes ao longo da história dos personagens do filme e que também se revelam enquanto um sintoma contemporâneo, os quais incidem fortemente na juventude. De caráter exploratório e ensaístico, este trabalho pauta-se nos estudos culturais, articulando autores de diversas áreas do conhecimento, e reflexões da nossa pesquisa de mestrado em andamento. Palavras-Chave: Nostalgia. Melancolia. Juventude. Cultura do Consumo. INTRODUÇÃO Digimon Last Evolution Kizuna (2020) forma o quinto produto audiovisual que narra a história de oito crianças, chamadas de digiescolhidos (aquele que foi escolhido por uma criatura digital chamada genericamente de digimon), e seus parceiros. Foi lançada em comemoração aos 20 anos de Digimon Adventure (1999-2000), série que deu origem ao filme. Além dessa animação, tivemos Digimon Adventure 02 (2000-2001) que marcou uma certa continuidade da história, mas trazia novos personagens, sendo apenas dois da série anterior, e aventuras. As produções, sob a nomenclatura Digimon que vieram cronologicamente depois2 não tinham quaisquer relações com as duas anteriores. Desde então, a história das oito crianças tinha sido encerrada até que houve o anúncio de Digimon Adventure tri., uma série de seis filmes3, lançada em 2015, parte da comemoração dos 15 anos da franquia e, cinco anos mais tarde, o lançamento do filme, objeto do nosso estudo. Após essa breve descrição, necessária para contextualizar o fluxo de produção em que o filme se encontra, o que todas essas séries têm em comum é o processo de 1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades, com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), e Bacharel em Turismo, ambos pela Universidade Federal Fluminense. E-mail: [email protected] 2 As animações lançadas foram: Digimon Tamers (2001-2002), Digimon Frontier (2002), Digimon Savers (2006-2007), Digimon Xros Wars (2010-2011) e Digimon Universe: Appli Monsters (2016). 3 Essa série foi lançada em formato Original Video Animation (OVA) que refere-se às animações lançados diretamente ao mercado de vídeo sem necessariamente ter exibição prévia na televisão ou cinemas. crescimento dos oito personagens principais, sendo no filme em que essa representação se dará mais enfaticamente e como tema principal. Ao longo dos anos, os personagens foram crescendo junto com o público que assistia. Agora retratados no fim da adolescência e início da vida adulta, eles têm a árdua tarefa de se despedirem dos seus digimons, pois, na medida em que optam por viver suas vidas, em busca de empregos, estudos, faculdade, o laço entre eles vai ficando cada vez mais fraco, até desaparecer por completo e o digimon voltar para o mundo virtual, seu local de origem. Essa narrativa fica ainda mais presente na história da vilã. Trata-se da personagem Menoa Belluci, uma criança prodígio que entra para universidade aos 14 anos. A sua entrada prematura na vida adulta marca uma ruptura com a infância, o que ocasiona a separação de sua parceira digimon. Em consequência disso, a personagem dedica-se a pesquisar academicamente as criaturas digitais e cria o seu próprio digimon artificial, com a habilidade de digitalizar a mente humana. Seu plano era prender a consciência de todos os digiescolhidos do mundo em um lugar em que o tempo não passa (uma espécie de terra do nunca em clara alusão ao Peter Pan), podendo viver a sua infância ao lado de seus digimons para sempre. Em nossa leitura, os digimons atuam como representantes da infância dos personagens, os quais precisam se desprender para encarar os ritos e obrigações da vida adulta. Esse processo desencadeia uma série de momentos com traços nostálgicos, ao lembrar dos velhos tempos em que lutavam juntos, e, também, de melancolia, ao perceber que a separação será inevitável. Encaramos essas duas categorias como sintomas de um mesmo mal-estar contemporâneo. Para Freud (2017), a cultura tem papel central na produção de um mal- estar coletivo, uma vez que há separação entre as exigências da pulsão (força que demanda descarga) do sujeito e a sociedade. Assim, a boa gestão da sociedade estaria ligada ao renuncio das vontades do sujeito, ocasionando frustração, infelicidade e melancolia. O autor destaca como as religiões oferecem o papel de paterno frente ao desamparo infantil que persegue os sujeitos até a sua vida adulta, oferecendo segurança. Em suas palavras, Quanto às necessidades religiosas, parece-me imperioso derivá-las do desamparo infantil e do anseio de presença paterna que ele desperta, tanto mais que esse sentimento não se prolonga simplesmente a partir da vida infantil, mas é conservado de modo duradouro pelo modo duradouro pelo medo das forças superiores do destino. Eu não saberia indicar uma necessidade infantil que tivesse força semelhante à necessidade de proteção paterna. (FREUD, 2017, p. 57) Na contemporaneidade, com o deslocamento desse papel, abre-se espaço para que o consumo se torne a principal via pela busca da felicidade e satisfação pessoal dos sujeitos. Esse é o tema debatido no livro publicado por Lipovetsky (2007), A Felicidade Paradoxal, no qual o autor afirma que as pessoas são transformadas em consumidores que, na medida em que observam as suas escolhas pessoais se ampliarem, o sistema mercantil opera aumentando ainda mais as possibilidades de consumação, criando, então, uma relação paradoxal com a felicidade, já que ela nunca é alcançada. Campbell (2001) explica que esse sistema de consumo é orientado a partir da lógica do hedonismo moderno, em que há o adiamento do ato do consumo, aumentando a expectativa como forma de obtenção do prazer. As emoções pessoais tornam-se centrais na busca do prazer, sendo estimulado pela imaginação, ampliando as experiências agradáveis em torno do produto. Em razão disso, o autor aponta que o consumismo moderno é menos materialista e mais imaginativo. Nesse contexto, Lipovetsky (2007, p. 15) entende que Numa época em que o sofrimento é desprovido de todo sentido, em que os grandes referenciais tradicionais e históricos estão esgotados, a questão da felicidade interior “volta à tona”, tornando-se um segmento comercial, um objeto de marketing que o hiperconsumidor quer poder ter em mãos, sem esforço, imediatamente e por todos os meios. Surge, dessa forma, um mercado que se utiliza da nostalgia dos consumidores para vender seus produtos. Nele a nostalgia é traduzida como uma possibilidade de vivenciar a sua criança interior por meio de um processo de fetichização das mercadorias, no sentido empregado por Kehl (2004) ao abordar sobre os objetos-fetiche. Com isso, o presente estudo tem como objetivo refletir acerca das categorias nostalgia e melancolia, tendo como objeto de estudo o filme já mencionado. Partimos da hipótese, então, de que a nostalgia e melancolia são sintomas que incidem na juventude, especialmente a partir de recortes de classe, cor e gênero, sendo o filme, aqui analisado, um produto desse mal-estar que está presente na história dos personagens do filme ao mesmo tempo em que oferece uma pedagogia comportamental para os jovens lidarem com esses sintomas, no processo descrito por Enne e Procópio (2020). Antes de apresentar a análise do filme, no entanto, faremos uma breve discussão sobre a experiência dos jovens com o consumo. JUVENTUDE, CONSUMO E ADOECIMENTO PSICOLÓGICO Partindo da ideia de Bourdieu (1983), entendemos que a juventude é uma construção feita a partir de critérios socioculturais, sendo a faixa etária apenas um dos sistemas de classificação a ela atribuída, e que também difere bastante entre as localidades e propósitos. Para ele, é uma categoria polissêmica, sendo, portanto, mais correto descrevê-la no plural, e imersas em um campo de disputa que servem para marcar uma divisão entre jovens e velhos, a fim de promover uma “ordem”. O autor destaca ainda que a juventude é um signo manipulado e manipulável. Observando isso na cultura do consumo, Enne (2010) afirma que, antes da juventude se tornar uma categoria social, ela nasce como uma ideia em torno de valores positivados, como ruptura, inovação, movimento entre outros. No decorrer do século XX, esses valores foram incorporados e atribuídos aos jovens. Em suas palavras: No início do século XX, por exemplo, a publicidade começa a mudar consideravelmente de formato, e a presença de figuras e valores jovens nos anúncios já se faz sentir nas primeiras décadas. A cultura romântica da boemia, sem dúvida já no século XIX, lócus do espírito inquieto e inovador dos novos tempos, ganha fôlego nos efervescentes anos 20. Os esportes – com a consequente celebração do corpo forte e vigoroso, traços de óbvia juvenilização – também cresceram explicitamente no período. E o cinema, mais talvez do que qualquer outro campo, traduziu claramente essa tendência, construindo seu panteão de olimpianos em torno de figuras esteticamente jovens. (ENNE, 2010, p. 20) Assim, ao longo do século com o adensamento da modernidade, o qual Lipovetsky (2007) chama de hipermodernidade, a presença dessas figuras foi se tornando mais frequente. Os jovens viram o alvo das ações do marketing e publicidade, tanto como público consumidor quanto como um ideal de estilo de vida a ser perseguido, dando início a um processo de juvenilização que atinge a todas as idades. A partir disso, a cultura juvenil, que começa a ser tema nos anos 1960 (KEHL, 2004), terá intima ligação com o mercado de consumo na construção dos estilos de vida.

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