Affonso Augusto Moreira Penna: duas vezes o criador da primeira Faculdade de Direito em Minas Gerais José Anchieta da Silva1 1. Introdução elebrando cento e vinte anos Para corresponder a essa honro- de ininterrupta atividade, com sa convocação, desarquivei anotações e Crelevantíssimos serviços pres- textos que recolhi sobre esse brasileiro tados a Minas Gerais e ao Brasil, a ilustre a partir da celebração, em 2004, Faculdade de Direito da Universidade do tricentenário de sua terra natal, Santa Federal de Minas Gerais, nascida Bárbara do Mato Dentro, e da celebra- “Faculdade Livre de Direito”, resolve ção em 2009 do centenário de seu fale- monumentalizar a celebração em edi- cimento. Reli correspondências recebidas ção especial da Revista Brasileira de de Ribeira de Pena, em Portugal, e de seu Estudos Políticos. Coube-me dissertar sobrinho e homônimo, Affonso Augusto sobre a vida e a obra de Affonso Augusto Moreira Penna, o bisneto. Voltei ao Moreira Penna. nosso Colégio do Caraça e ao Memorial do Presidente Affonso Penna em Santa 1 Graduado e Mestre em Direito Comercial Bárbara. Estive na velha Faculdade do pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Ex-Presidente e Largo de São Francisco em São Paulo. membro nato do Conselho Superior do Desci das estantes a biogra a de autoria IAMG. Membro do IHGMG. Advogado. Revista Brasileira de Estudos Políticos | Série “Estudos Sociais e Políticos” 177 Edição Comemorativa dos 120 anos da Faculdade de Direito da UFMG (1892 - 2012) | n. 40 | p. 59 a p. 77 | 2012 Affonso Augusto Moreira Penna: duas vezes o criador da primeira Faculdade de Direito em Minas de Balmaceda Guedes. Com esse mate- sido o primeiro a assinar “Pena” no lugar rial, construí uma bula sobre o primei- de “Penha”. 3 ro Presidente da República que Minas Seu pai, minerador em Santa Gerais deu ao Brasil: Affonso Augusto Bárbara, oferecia à família uma vida Moreira Penna.2 cômoda para os padrões da época e Affonso, menino saudável, sempre prote- 2. A Trajetória de Affonso gido por sua ama, a escrava Ambrosina, Penna desde cedo passou a acompanhá-lo pelas 2.1. Em Santa Bárbara encostas auríferas do Brumado, nos costados da serra do Caraça e em São Affonso Penna, filho de Gonçalo do Rio Abaixo. Domingos José Teixeira Penna, por- Seus primeiros estudos se deram tuguês transmontano, natural de São na própria casa materna, sob orienta- Salvador da Ribeira de Pena (“da Peña” ção dos professores Raimundo Faria e ou “da Penha”) e de Anna Moreira Quitéria Ramos. Ainda criança, Affonso Teixeira Penna, esposa de suas segun- Penna revelou sua personalidade, im- das núpcias, nasceu em Santa Bárbara pedindo maus tratos aos escravos e, do Mato Dentro, em 30 de novembro quando viu uma das escravas grávidas de 1847. trabalhando no serviço duro da minera- Segundo João José Pires Leite ção a céu aberto, tratou do assunto com Gomes, da Câmara Municipal de Ribeira o capataz a serviço de seu pai, Benedito. de Pena, Manuel José de Carvalho Penha Ficou estabelecido, como ordem na- (o pai de Domingos e, portanto, avô quelas paragens, que na mineração de paterno de Affonso), nascido em 30 de seu pai as escravas grávidas, a partir junho de 1769, vindo para o Brasil, teria do sexto mês de gravidez, não fariam outro trabalho que não fosse o cozinhar 4 2 O nome de Affonso Penna tem sido grafado e o lavar roupa. Affonso Penna foi um com um f só (Afonso) e com dois ns (Penna). abolicionista precoce. Pesquisamos no Caraça, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e junto a seus familiares. A sua tese de doutoramento, 3 Correspondência recebida por oportunidade publicada em 1871 pela Typogrfaphia do da celebração do tricentenário da terra de Correio Paulistano, está assinada com dois Affonso Penna. fs e dois ns: Affonso Augusto Moreira Penna. Acreditamos seja a grafia correta. 4 GUEDES, 1977, p. 13. 178 Revista Brasileira de Estudos Políticos | Série “Estudos Sociais e Políticos” Edição Comemorativa dos 120 anos da Faculdade de Direito da UFMG (1892 - 2012) | n. 40 | pp. 177 - 192 | 2012 José Anchieta da Silva 2.2. No Colégio do Caraça Certifico que o senhor Afonso Augusto Moreira Penna, durante 3 anos que frequen- Na segunda metade do século tou as aulas de francês, inglês, geogra a, história, matemática, aritmética, álgebra e dezenove, o educandário do Caraça já geometria, retórica e loso a, com aplica- era uma casa de excelência na formação ção constante e tão notável proveito, que de jovens. Por ali passaram centenas de nos exames de todas as ditas faculdades foi brasileiros ilustres que zeram carreira aprovado “plenamente com louvor” e dado por pronto, por voto unânime dos exami- eclesiástica, no mundo político e nas nadores. Certi co outrossim que o mesmo letras. Uma coisa, todavia, fazia única colegial teve um procedimento exemplar, aquela casa de ensino, dirigida pelos pa- pelo qual mereceu a estima de seus mestres. dres lazaristas: sua distância dos centros Colégio do Caraça, 16 de janeiro de 1864. Padre Miguel Maria Sepas, Sup. do Caraça.7 urbanos do Rio de Janeiro, de São Paulo e até de Ouro Preto, capital do Estado, 2.3. Na Faculdade de Direito porque ali só se chegava a cavalo. em São Paulo Affonso Penna chega ao Caraça aos dez anos de idade, em 1857, levado Affonso Penna transferiu-se por seu pai.5 Foi recebido pelo padre para São Paulo em 1866 e ingressou superior Miguel Maria Sepas, portu- na já famosa Faculdade de Direito. guês. Conta-se que Affonso tinha hor- Diplomou-se em 23 de outubro de 1870, ror aos banhos gelados e obrigatórios em solenidade presidida pelo Barão de no rio caraça. Affonso Penna, que já Ramalho, que viria a ser um dos criado- lia As Catilinárias e Cícero, estudou, res do Instituto dos Advogados de São dentre outras disciplinas, Filoso a com Paulo em 1874. Foram seus colegas de o padre Manoel Siqueira Alvarenga e formatura Bias Fortes, o velho, Francisco Matemática e Geometria com o profes- de Assis Tavares, Tomé Pires de Ávila e sor Ambrósio6. Affonso deixou o Caraça Rui Barbosa. No ano seguinte, 1871, no dia 16 de janeiro de 1864, carregando Affonso Penna defendeu sua Tese de consigo o precioso certi cado: Doutorado na mesma faculdade. Affonso recusou convite para car em São Paulo e lecionar na escola 5 KOIFMAN, 2002, p. 130. 6 GUEDES, 1977, pp. 14 e 23-24 e KOIFMAN, 2002, p. 130. 7 GUEDES, 1977, p. 25. Revista Brasileira de Estudos Políticos | Série “Estudos Sociais e Políticos” 179 Edição Comemorativa dos 120 anos da Faculdade de Direito da UFMG (1892 - 2012) | n. 40 | pp. 177 - 192 | 2012 Affonso Augusto Moreira Penna: duas vezes o criador da primeira Faculdade de Direito em Minas onde se formou.8 Preferiu voltar para pela mesma acção decendiaria, ou por Minas, iniciando sua carreira de advo- acção ordinária?”. gado em Santa Bárbara e em Barbacena, Das proposições levantadas, terra de sua futura esposa, Maria dois aspectos fundamentais são postos Guilhermina de Oliveira Penna, lha do em relevo. O primeiro compreende Visconde de Carandaí, descendente do indagação de direito material, dizendo Marquês de Paraná. Com ela se casou respeito à responsabilidade de terceiro em 1875 e teve doze lhos.9 por conta de quem se saca a letra. O segundo, de direito processual, perquire 3. A sua These de Douto- o tipo de ação cabível contra o sacado, ramento ação descendiária ou ação ordinária. A A These de Doutoramento de superveniência de codi cação proces- Affonso Penna, sobre Letra de Câmbio, sual, em 1939 e em 1973, prejudica as defendida em 19 de junho de 1871, de conclusões no que se refere à segunda acordo com o texto publicado, vem indagação. Sustenta Affonso Penna, so- precedida de vários enunciados, dos bre a natureza nita do homem, que “o vários campos do Direito, como susten- direito deve descer das regiões da pura tação de sua elaboração cientí ca. De abstração para atender as exigências da seu trabalho se recolhe,10 no campo das vida”. proposições, as seguintes indagações: O Direito Mercantil, mais ágil “É razoável a responsabilidade de ter- dentre todos, se modernizou, e a letra ceiro, por conta de quem se saca a letra de cambio não exerce mais o seu papel de cambio, imposta pelo artigo 367 do de elo de ligação fundamental entre o Código Commercial?11 Será Ella tratada agente externo de negócios, o mascate, e a sede física do comerciante. A elabo- ração cientí ca de Affonso Penna, no 8 GUEDES, 1977, pp. 27 e 28. entanto, é de vigoroso valor histórico, 9 KOIFMAN, 2002, pp. 131 e 133. ao reconhecer a letra de câmbio como a 10 Por fidelidade ao texto, as transcrições se dão de acordo com o português da época, conforme a publicação. mola real do commercio entre as naçoes modernas. Destinada a satisfazer as neces- 11 Refere-se ao Código Comercial Brasileiro, Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Disposição sidades mais variadas, esta instituição tem revogada. 180 Revista Brasileira de Estudos Políticos | Série “Estudos Sociais e Políticos” Edição Comemorativa dos 120 anos da Faculdade de Direito da UFMG (1892 - 2012) | n. 40 | pp. 177 - 192 | 2012 José Anchieta da Silva attrahido para si a attenção dos legisladores e 4. O político, estadis- dos commercialistas. Originalmente a única funcção da letra de cambio, consistia em ta, Deputado, Ministro e proporcionar aos commerciantes um meio Conselheiro no Império fácil de movimento de fundos de praça a praça. [...] Desempenhando em alta escala Affonso Penna, advogado em as suas funções primitivas a letra é ainda um Santa Bárbara e posteriormente em poderoso meio de realisação do crédito, por Barbacena, recusava casos que envol- causa das garantias que offerece; é por isso viam questões de escravos.
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