REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA SUMARIO DO NÚMERO DE JULHO-SETEMBRO DE 1954 ARTIGOS Notas sôbre a Evolução da Ocupação Humana na Baixada Fluminense PEDRO PINCHAS GEIGER e RUTH LYRA SANTOS . 291 Isolinhas de Umidade do Clima no Estado do Rio de Janeiro e no Distrito Federal, JosÉ SETZER . 315 Produção de Milho e Suínos no Brasil Meridional, BEATRIS CÉLIA CORRÊA DE MELLO PETTEt . 329 VULTOS DA GEOGRAFIA DO BRASIL Hermínio Silva, MOACIR SILVA 367 COMENTÁRIOS Koppen e Serebrenick - Climas da Bacia do Rio São Francisco, CARLOS A. FRAGOSO SENRA . 370 Elaboração de um Dicionário Geográfico, ANTÔNIO TEIXEIRA GUERRA . 384 TIPOS E ASPECTOS DO BRASIL Água de Cacimba no Nordeste, BARBOSA LEITE 389 NOTICIÁRIO XVI ASSEMBLÉIA GERAL DO CONSELHO NACIONAL DE GEOGRAFIA 391 XVIII CONGRESSO INTERNACIONAL DE GEOGRAFIA 395 AS GRANDES ENCHENTES DO AMAZONAS .............................. 397 III CONGRESSO NACIONAL DE MUNICÍPIOS ......................... 399 DR. MATIAS ROXO ................................................... 399 PROFESSOR ANGIONE COSTA ......................................... 400 REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA Ano XVI I JULHO- SETEMBRO DE 1954 I N. 0 3 NOTAS SOBR.EA A EVOLUÇAO- DA OCUPAÇAO- HUMANA NA BAIXADA FLUMINENSE* PEDHO PINCHAS GEIGER RuTH LYRA SANTOS O presente trabalho visa a apresentar observações sôbre determinados aspectos da formação das paisagens atuais da Baixada Fluminense. I . A Baixada Fluminense conw Base da I ndústría Açucareira A ocupação da Baixada Fluminense data do primeiro século da colonização portuguêsa no Brasil. Esta região se integrou no Mundo Português na fase inicial do desenvolvimento açucareiro na franja costeira atlântica. A baía de Guanabara emprestava excepcional importância a um trecho do litoral brasileiro; sua existência muito ao sul da baía de Todos os Santos representava um amplo e vantajoso abrigo para a localização de um pôrto em seguida ao de Salvador. No que diz respeito à topografia, existem certas semelhanças entre a zona da Guanabara e a zona de Salvador: em ambas exi.>tem, ao lado dos blocos cristalinos elevados, superfícies de suaves ondulações e planícies nas quais se estabeleceram as lavouras de cana. A indústria açucareira foi a principal atividade econômica da Baixada Flu­ minense nas primeira.> fases da sua história, desenvolvendo-se inicialmente, nas áreas em tôrno da baía de Guanabara. Até o século XVIII, a zona da Gua­ nabara era a produtora mais importante. Os ocupantes da terra preferiram as planícies e terrenos de relêvo suave, deixando de lado as áreas mais acidentadas. As várzeas, as aluviões dos vales eram terras propícias às plantações de cana­ de-açúcar e a topografia plana facilitava a instalação das grandes propriedades açucareiras. As fazendas de engenho eram auto-suficientes na sua subsistência 1 dispondo de áreas onde .>e criava o gado para a alimentação e para a tração e áreas com lavouras de gêneros alimentícios. Das matas tropicais que cobriam a região se extraía madeira para as construções e combustíveis vegetais; a "tabatinga" -!) Tese aprovada pelo I Congresso Brasileiro de Geógrafos, reunklo em Ribeirão Prêto em julho de 1954. 1 CAro PRADO }ÚNIOR - "Formação do Brasil Contemporâneo". Pàg. 3 - Julho-Setembro de 1954 292 REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA das grandes planícies, situada na superfície ou a pouca profundidade, e as outras argilas dos vales eram utilizadas para o fabrico de telhas e tijolos. O aproveitamento dos grandes rios para o transporte fácil e barato da produção favorecia o desenvolvimento econômico da região; as mercadorias des­ ciam os rios para a baía de Guanabara em direção ao pôrto do Rio de Janeiro, surgindo pequenas localidades, portos de embarque à margem dos cursos d'água, como por exemplo Pôrto das Caixas (hoje vila decadente do município de Itaboraí). O problema do acúmulo de águas e sedimentos nas planícies da Baixada Fluminense que tendia a se agravar com a devastação das matas e que comtitui até hoje um dos elementos importantes das relações do homem com o meio, foi, desde o início, enfrentado pelos colonizadores. Dispunham os proprietários do braço escravo sôbre o qual repousava a organização econômica: a.> negros desobstruíam os rios, construíam canais e diques, trabalhavam nos canaviais e nos engenhos, e também na criação de gado e nas culturas de gêneros ali­ mentícios para o abastecimento das fazendas. Os proprietários possuidores de muitos escravos levavam, assim, nas primeiras fases históricas, grande vantagem sôbre os pequenos proprietários. Até o século XIX, o açúcar era produzido, principalmente, para o mercado estrangeiro, tendo sido, inicialmente, o principal produto de exportação do país. É natural que as regiões que o fabricassem, como a Baixada Fluminense, alcan­ çassem logo grande importância. Hoje em dia, a Baixada Fluminense continua sendo uma das principais regiões brasileiras de produção açucareira, embora grandes modificações tenham .ocorrido nesta indústria. Com a passagem da produção de açúcar dos engenhos que iam sendo abandonados para a produção de usinas, processou-se, do ponto de vista geográfico, uma concentração das indústrias e das lavouras em deter­ minadas áreas, depois de se terem expandido por tôda a região . Para a compreemão destas modificações na economia do açúcar, que signi­ .ficaram um progresso e soluções para crises que atingiam a velha estrutura, é necessário relacionar as manifestações regionais do problema com o que ocorria em todo o país no setor da lavoura canavieira, bem como na agricultura de modo geral. Já nos séculos XVII e XVIII, diz CAIO PRADO JúNIOR, o mercado de ac;úcar se apresentava instável; a agricultura, em geral, já não atraía como nos primeiros anos da colonização. A instabilidade do mercado era devida à concorrência dos produtos das possessões espanholas e inglêsas da América Central e, além disso, os "monopólios" * iam aumentando a pressão sôbre os agricultores, onerando-lhes a produção. Contudo, segundo o mesmo autor, na segunda metade do século XVIII, a lavoura conseguira renascer na fase de decadência da mineração. ·concorria para isto a valorização dos produtos coloniais, devido à revolução industrial que se desenvolveu e que era fator de aumento da população na Europa e do comércio mundial. É nesta ocasião que a lavoura canavieira se expandia na zona campista da Baixada Fluminense, conquistando novas terras. Em obra moderna, o Prof. 0 As organizações ccmerciais portuguêsas . Pág. 4 - Julho-Setembro de 1954 OCUPAÇÃO HUMANA NA BAIXADA FLUMINENSE 293 JlENATO DA SILVEIRA MENDES 2 apresenta um cartograma sôbre a ocupação dos solos na Baixada Fluminense nos fins do século XVIII, onde aparecem duas zonas canavieiras: uma, em tôrno da Guanabara, que ia desde Itaguaí até Araruama, e outra, na planície dos Goitacases. A área da bacia do rio São João que ficava entre as duas era coberta de matas. A lavoura canavieira acentuava-se como monocultura em grandes extensões, em prejuízo das áreas dedicadas à criação de gado e principalmente daquelas dedicadas aos chamados "gêneros alimentícios". No entanto, no século XIX, no país e na Baixada, encontra-se, novamente, a economia açucareira às voltas com problemas, conforme indicam autores da época. O aumento da concorrência no mercado internacional, a industrializaçãc: mai.> rápida do açúcar nas colônias dos países europeus e a utilização da be­ terraba prejudicaram a nossa exportação. O café começava a substituir o açúcar para tornar-se o principal produto agrícola nacional e as atenções e inversões de capital dirigiam-se cada vez mais para o planalto. Para poder continuar a produção de açúcar era necessário aplicar processos industriais de maior rendi­ mento, de custo mai.> baixo, pois as formas arcaicas tendiam a deixar de oferecer vantagens. Realmente, o que ocorreu foi, em primeiro lugar, o desaparecimento com­ pleto dos engenhos primitivos ante o engenho de vapor e, depois, ainda no século XIX, o aparecimento das usinas e o início do declínio total dos engenhos. A primeira usina do Brasil foi a de Quiçamã, na zona campista, instalada em 1877. No setor agrícola, observa-.>e que, justamente quando se realizavam as modificações industriais, o trabalho escravo passava a se mostrar bastante one­ roso pela sua pouca produtividade e seu maior custo, pois além do preço maior pago pela aquisição do escravo, havia sua manutenção mais cara. O encarecimento da manutenção estava a par do encarecimento geral da vida, que muitos autores do século passado, como SEBASTIÃO FERREIRA SoARES 3, atribuem ao abandono da lavoura de "gêneros alimentícios" em favor da mo­ nocultura. A concentração industrial a que se tendia no século XIX ia servir para uma separação entre fabricantes de açúcar e agricultores de cana, pois nem todos os antigos senhores de engenho podiam modernizar suas indústrias. A classe dos senhores de engenho sofria cada vez mais o domínio da cla.>se dos comer­ ciantes, o que lhes diminuía os meios da modernização da indústria e muitos passavam à função de simples "fornecedores", aquêles que apenas forneciam cana para os engenhos maiores e as usinas. Privados de indústria própria, os fazendeiros, proprietários de escravos, iam tendo lucros menores, enquanto a situação dos trabalhadores livres, junto das modernas instalações industriais, ia-se tomando cada vez melhor pela neces3idade de maiores quantidades de cana. Outros senhores de engenho, principalmente da antiga nobreza, afastavam­ se porém da economia açucareira por não se sujeitarem à simples condição de 2 RENATO DA SILVEIRA MENDES - "Paisagen'i Culturais da Baixada
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