Senador Cristovam Buarque Ilustração: Ralfe Braga Senador Cristovam Buarque Brasília – 2016 B917d Buarque, Cristovam Dez dias de Maio em 1888/ Cristovam Buarque. 3ª Edição - Brasília, DF: Senado Federal, 2016. 174p. 1. escravidão. 2. abolição da escravidão. 3. história do Brasil. I. Título CDU: 94(81). 063 Sumário Nota de Agradecimento 7 Introdução 11 A abolição começou antes 15 A ACEITAÇÃO DA ESCRAVIDÃO 15 A lenta descoberta da escravidão 19 A MarcHA da aboLição 26 AboLição Nos deMais PAÍses das AMÉricas 30 Dez Dias de Maio 44 Dia 3 – QUINta Feira 44 A escravidão Não foi aboLida, ELA se esGotoU. 48 Dia 7 – SEGUNda Feira 52 Dia 8 – Terça Feira 65 Dia 9 – QUarta Feira 70 Dia 10 – QUINta Feira 72 Dia 11 – SEXta Feira 74 Dia 12– SÁbado 89 Dia 13 - DOMINGO 100 Depois de 13 de maio 109 A AboLição Não terMINOU 112 Nossos Erros 120 A Redescoberta da AboLição 127 Nova AboLição 128 A RevoLUção EDUcacioNista 130 A CHAMA da INdiGNação 131 Líderes Abolicionistas 133 LUÍS GaMA – 1830-1882 133 ANdrÉ ReboUças -1838-1898 135 JosÉ do PatrocÍNio – 1853-1905 138 MaNUEL QUeriNO – 1851-1923 141 JoaqUIM NabUco – 1849-1910 143 Castro ALves – 1847-1871 150 ANTÔNio BENto – 1843-1898 152 JosÉ MariaNO CarNeiro da CUNHA – 1850-1912 153 Líderes Educacionistas 155 GUstavo CAPANEMA – 1900-1985 155 João CALMOn – 1917-1999 157 ANYsio TeiXeira – 1900-1971 158 PaULO Freire – 1921-1997 160 DarcY Ribeiro – 1922-1996 163 FLorestaN FerNANdes – 1920-1995 165 FerNANdo de AZevedo – 1894-1974 167 LoUreNço FILHO – 1897-1970 169 6 Nota de Agradecimento Aos taquígrafos, bibliotecários, secretários e servidores do Senado e da Câmara dos Deputados, sem os quais esta história não teria sido guardada, em 1888. Esperando que as falas de hoje sejam lembradas quando for resgatada a história de nossas lutas por uma Segunda Abolição: a revolução que assegure escola de qualidade a toda criança brasileira, independente da renda da família e da cidade onde viva. Diretamente preciso agradecer a Fernanda Andrino pelas pesquisas feitas, especialmente na elaboração dos capítulos com as curtas biografias de Abolicionistas e Educacionistas; e a Priscila Alves de França pelas sucessivas e cansativas digitações e redigitações dos textos. Brasília, Julho de 2016. 7 Apresentação Foi com alegria que recebi o convite do Senador Cristovam Buarque para escrever algumas palavras sobre a sua mais nova obra “Dez dias de maio em 1888”. O livro faz um resgate de documentos da época em que o Parlamento brasileiro debateu e votou a Lei Áurea. Fiquei impressionado ao saber que vários nomes de senadores, deputados, escravocratas, gente da sociedade e, até mesmo seus discursos, artigos e opiniões, praticamente desapareceram, a não ser em raras exceções. A maioria dos textos e documentos da época foram incinerados como se isso pudesse diminuir a dor e o sofrimento de um povo e de uma negra nação que foi sequestrada no seu torrão natal e marcada a ferro e fogo. Considero o Senador Cristovam o grande timoneiro da educação em nosso País, um verdadeiro abolicionista. Com sua marca de mestre, ele demonstra, nesta obra, que os direitos humanos, a liberdade e a igualdade de oportunidades são o esteio de todos os países que perseguem a justiça social e o desenvolvimento sustentável. Creio que todos nós, homens e mulheres, negros, brancos e índios carre- gamos essa chama que deve iluminar a humanidade: a luz eterna da 9 liberdade, da fraternidade e da solidariedade. A publicação desta obra é essencial para todos aqueles, jovens ou não, que querem entender a construção do nosso País e, fundamentalmente, compreender melhor o porquê de ações afirmativas e do Estatuto da Igualdade Racial. Senador Paulo Paim Introdução A propriedade de seres humanos aparece quase simultaneamente com o próprio conceito de propriedade. A escravidão é um fenômeno social antigo. Por um longo período da história da humanidade, era uma instituição aceita, mesmo por sociedades humanistas e progressistas. Os gregos e os romanos mantiveram a escravidão, enquanto implan- tavam suas repúblicas democráticas. A “República” de Platão, do século VI a.C., previa com naturalidade a escravidão, dentro dos sonhos por uma sociedade justa. Na Utopia de Thomas More, que difundia o sonho do funcionamento de uma sociedade perfeita, a escravidão era um instrumento normal. A Europa atravessou todo o Renascimento convivendo com formas de escravidão em seus territórios e suas colônias. No exemplo de democracia que foi a república norte-americana, o grande sonho libertário da modernidade, antes mesmo da Revolução Francesa, a escravidão foi mantida por quase 100 anos. E para eliminar essa barbari- dade, foi preciso uma trágica Guerra Civil, com a morte de 970 mil pessoas para libertar os 3 milhões de escravos. 11 O Brasil nasceu com a escravidão. Logo nos primeiros encontros com os indígenas, os portugueses começaram a escravizá-los. O Reino de Portugal combinou simultaneamente o solo do novo território na América com a mão-de-obra vinda da África para produzir o açúcar, depois o ouro, o café que os ricos europeus consumiam. Foi uma escravidão diferente da antiga. Antes, os escravos eram parte da família, do exército, da pequena produção, conviviam com as pessoas livres e seus donos. No mundo árabe antigo ou na Grécia e Roma, e mesmo na Europa medieval havia trabalho escravo, mas essa escravidão não tinha a brutalidade e desumanização do escravo nas Américas. A escravidão Senador Cristovam Buarque antiga era utilizada, sobretudo, para o trabalho doméstico, em casas ou plantações familiares, salvo em tempos de guerra ou em jogos de gladia- dores. Alguns alcançavam posições sociais de destaque dependendo da precisão de suas habilidades. Na América, eles foram desumanizados. Transformados em coisa. O escravo doméstico, serviçal familiar do passado, foi transformado em massa, e tem a vida degradada ao ponto de ser confundido com uma ferramenta de produção. Por isso, a escravidão tornou-se, ao mesmo tempo, mais abjeta e mais necessária. Os historiadores costumam dividir a abordagem sobre a escravidão em períodos históricos para diferenciar a escravidão da antiguidade e a escravidão na era moderna. Há diversas ocorrências de escravatura sob diferentes formas ao longo da história, praticada por civilizações distintas. No geral, a forma mais comum de escravatura se deu quando povos adver- sários guerrearam, resultando em prisioneiros de guerra condenados ao trabalho forçado. Mesmo os brancos condenados por crimes eram levados ao trabalho forçado, mas não eram escravos, não podiam ser vendidos. Apesar de na Antiguidade ter havido comércio escravagista, não era necessariamente esse o fim reservado a esse tipo de espólio de guerra. A Mesopotâmia, a Índia, a China e os antigos egípcios utilizaram escravos, porém, não se tem notícia da exploração de um povo com base em suas constituições físicas e culturais para justificar a dominação, como foi o caso do tipo de escravidão nas Américas. 12 Ao longo de quase quatro séculos a escravidão foi aceita plenamente pela Igreja, pelos dirigentes, pelos intelectuais. A única exceção eram os próprios escravos, que lutavam como Zumbi, e formavam quilombos. A parcela livre ignorou totalmente a existência da escravidão, como um problema moral e aceitou-a como uma situação econômica óbvia. É vergonhoso como 400 anos de história se passaram ante a insensibilidade das classes dirigentes, dos estudantes, das faculdades criadas no século XIX, dos padres, dos escritores e mesmo dos brancos pobres. Dez dias de maio em 1888 Só no século XIX, e muito lentamente, começaram a surgir pequenos movimentos pela redução da barbaridade dentro da escravidão, mas ainda não pela Abolição. Eram movimentos limitados a diminuir castigos corporais ou a evitar a venda de crianças separadas de suas mães. A verdadeira luta pela Abolição começou devagar e veio de fora. O primeiro ato de combate à escravidão – a Proibição do Tráfico – não surgiu dentro do Brasil. Foi o resultado de pressão da Inglaterra, que forçou a aprovação da Lei de 1831. Mesmo assim, foi uma “lei para inglês ver” 1. O trafico só parou quando, anos depois, a Marinha Britânica passou a interceptar os navios negreiros e libertar os escravos. Fomos forçados pelos ingleses a pôr fim ao crime hediondo de arrastar africanos através do Atlântico e sujeitá-los ao rigor da escravidão, por toda a vida e – inacreditável – de seus descendentes também. Até então, os cursos superiores, a Igreja, a quase totalidade dos parla- mentares do Império ignoravam a escravidão como problema. Ela era parte do sistema social brasileiro, um instituto normal, como são hoje a pobreza, a desigualdade, o abandono dos serviços sociais para os pobres, o desprezo pela educação dos pobres. Machado de Assis, que era mulato e tão bem descreveu a vida social brasileira, nunca fez manifestação qualificada sobre a escravidão. Como na literatura de hoje, que raramente tem personagens vindos do grupo social dos excluídos, os escravos eram invisíveis aos olhos da elite social. Em seus romances e contos, os escravos eram como mobílias. Não tivemos nenhum romance como “A Cabana do Pai Tomás”, nem enaltecemos heróis escravos, como o romano Spartacus, ou Zumbi dos Palmares. Quando surgiram grupos, ações e movimentos isolados contra a escravidão, 13 era por meio da alforria graças à compra de escravos individualmente, para libertá-los. Em Pernambuco, o Clube do Cupim escondia escravos fugidos. A luta continuou paulatinamente, com a Lei do Ventre Livre em 1871 e dos Sexagenários em 1885. No Ceará, em 01 de janeiro de 1883, o fazendeiro Coronel Gil Ferreira Gomes libertou todos os seus escravos e conseguiu convencer os vizinhos a venderem os seus, com o compromisso 1 A expressão “para inglês ver” surgiu da hipocrisia com que os brancos brasileiros, ricos ou pobres, se submeteram à pressão inglesa, decididos a não cumprir a lei que proibia a impor- tação de escravos africanos.
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