De Cachuela Esperanza a Guajará-Mirim: Recursos, Escalas E Transformações

De Cachuela Esperanza a Guajará-Mirim: Recursos, Escalas E Transformações

Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social ISSN: 1983-5922 ISSN: 2178-2792 [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro Brasil De Cachuela Esperanza a Guajará-Mirim: Recursos, escalas e transformações Rabossi, Fernando De Cachuela Esperanza a Guajará-Mirim: Recursos, escalas e transformações Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, vol. Especial, núm. Esp.3, 2019 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=563864592011 Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição 4.0. PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto Fernando Rabossi. De Cachuela Esperanza a Guajará-Mirim: Recursos, escalas e transformações De Cachuela Esperanza a Guajará-Mirim: Recursos, escalas e transformações From Cachuela Esperanza to Guajará-Mirim: Resources, Scales and Transformations Fernando Rabossi Redalyc: https://www.redalyc.org/articulo.oa? Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil id=563864592011 [email protected] Recepção: 13 Março 2019 Aprovação: 01 Abril 2019 Resumo: O artigo apresenta algumas características dos circuitos de comercialização de drogas na cidade de Guajará-Mirim, Rondônia, a partir dos circuitos que atravessam o rio Mamoré e de alguns envolvidos em circuitos atacadistas. Com o objetivo de compreender a escala e a organização desses circuitos, torna-se necessária uma contextualização histórica de Guajará-Mirim, que se articula com histórias de mais longa duração sobre a exploração de outros recursos naturais da região. Histórias que abrem uma agenda de indagações relevantes para analisar a operação dos mercados ilegais através dos limites internacionais. Palavras-chave: Guajará-Mirim, mercados de droga, fronteiras, borracha, longa duração. Abstract: From Cachuela Esperanza to Guajará-Mirim: Resources, Scales and Transformations presents some traits of drug trafficking in the city of Guajará-Mirim (Rondônia) in relation to the circuits that cross the Mamoré River and the people involved in wholesale circuits. In order to understand the scale and organization of these circuits, a historical contextualization of Guajará-Mirim was carried out so that it could be articulated with longer-time histories about the exploration of other natural resources of the region. Such stories raise relevant questions to analyze the operation of illegal markets across international boundaries. Keywords: Guajará-Mirim, drug markets, borders, rubber, longue durée. O presente artigo tem por objetivo apontar alguns elementos que colaborem com a compreensão da dinâmica dos mercados de drogas na cidade brasileira de Guajará-Mirim, no estado de Rondônia. [1] Separada da cidade boliviana de Guayaramerín pelo rio Mamoré, Guajará-Mirim é um importante nó de articulação com a Bolívia. Único ponto alfandegado da fronteira em Rondônia, além de ser um importante enclave comercial de importação e exportação de mercadorias, assim como de contrabando e descaminho, [2] o município é um local de interligação dos circuitos atacadistas de drogas rumo ao Brasil (cocaína e pasta base) e de veículos roubados no país. As formas de organização desses mercados apresentam diferentes graus de estruturação, envolvendo atores e redes que atuam em diversas escalas – internacional, regional e local. É fundamental deixar claro que este é um trabalho preliminar, que procura articular uma série de elementos que surgem de uma primeira imersão de pesquisa na fronteira entre Brasil (em Rondônia) e Bolívia, como parte do projeto “Dinâmicas Transfronteiriças: Mercados ilegais e mercadorias políticas na fronteira brasileira”, coordenado por Michel Misse. [3] Por sua vez, esta pesquisa deriva de projeto maior, denominado “Segurança Pública nas Fronteiras”, organizado pelo Ministério da Justiça, pelo Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência (Necvu) e pelo Grupo Retis, ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entre 2012 e 2014, do qual participei como parte da equipe do Necvu (NEVES et al., 2016). [4] Frente às pesquisas realizadas sobre o mercado de drogas no Brasil (BARBOSA, 1998; MISSE, 2003; HIRATA, 2014, 2018; MALVASI, 2012; GRILLO, 2013; BATISTA, 2015; HIRATA e GRILLO, 2017) e, inclusive, sobre o mercado de drogas na fronteira com a Bolívia (GEFFRAY, 2002; OLIVEIRA e COSTA, 2011; OLIVEIRA, 2013), o caráter preliminar das considerações a seguir fica evidente. Elas constituem um primeiro exercício descritivo e analítico que pretendemos desenvolver em trabalhos futuros. PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 199 Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 2019, vol. Especial, núm. Esp.3, ISSN: ... Guajará-Mirim tem uma história densa e complexa, que não pode ser reduzida ao mercado de drogas. O fato de nos concentrarmos nele deriva de minha inserção nos projetos mencionados e procura sublinhar dois elementos que considero de suma importância na hora de analisar os mercados de drogas. Em primeiro lugar, diferentes posições demandam observar o fenômeno segundo a percepção de interlocutores distintos, que expressam inserções diferenciais nos circuitos da droga. Em segundo lugar, os processos históricos de média e longa duração são fundamentais para compreender a forma de operação desses mercados. O texto está organizado em três partes. Na primeira, apresentarei alguns elementos históricos fundamentais para compreender Guajará-Mirim no desenvolvimento de Rondônia e as diferentes interligações que a conectaram com a Bolívia e o resto do país. Na segunda parte, explorarei algumas características dos mercados ilegais em Guajará-Mirim por meio de duas posições de observação privilegiadas descritas com base em interlocuções diferentes. Por um lado, as travessias pelo rio Mamoré são descritas pelos agentes de segurança encarregados de controlá-las e de alguns atores que participam delas. Por outro, as dinâmicas econômicas potenciadas pela circulação de drogas são descritas por atores conhecedores dos circuitos atacadistas. Na terceira parte, com base em algumas histórias particulares da região em que a cidade boliviana de Cachuela Esperanza ganha destaque, me interessa explorar alguns lineamentos gerais para pensar os mercados de recursos específicos da região, como o da coca, e a necessidade de inseri-los em uma história de longa duração que nos permita dar conta de continuidades, especificidades e inter-relações. Antes de ingressar em cada uma dessas partes, contudo, é necessário dimensionar o limite fronteiriço entre Brasil e Bolívia. Com uma extensão de 3.338 quilômetros, quase 44% desse limite se localiza em Rondônia (1.464 km), sendo o restante localizado no Acre (606 km), em Mato Grosso (878 km) e em Mato Grosso do Sul (390 km). A totalidade do limite fronteiriço entre Rondônia e Bolívia é fluvial, estando localizado nos rios Abunã, Madeira, Mamoré e Guaporé. Para se ter uma noção da dimensão, o limite fronteiriço entre Brasil e Bolívia é um pouco maior que o limite entre EUA e México, com 3.201 quilômetros. De acordo com o Censo Demográfico de 2010, a população residente de Guajará-Mirim somava 41.656 pessoas, [5] das quais 35.207 viviam na área urbana e 6.449 na rural (IBGE, 2011). [6] A população indígena do município era de 3.998 pessoas, a maioria das quais vivia na área rural (3.770). [7] É de se destacar o crescimento da população indígena nos últimos censos. Depois de quase dizimada, ela praticamente quadruplicou desde 1990, o que mostra a importância da existência de terras indígenas como garantia de condições que permitam a vida e a cultura desses grupos. Notas históricas para compreender Guajará-Mirim A importância que Guajará-Mirim teve no Ciclo da Borracha, no início do século XX, ao articular territórios de extração com circuitos de escoamento e distribuição pelo território amazônico, abriu caminho para a inserção, agora em um universo articulado também a partir de conexões rodoviárias e aéreas, de novas mercadorias regionais, como a pasta base e a cocaína, em concorrência e complementariedade com outros vários produtos: madeira, minério e diversos produtos contrabandeados. A história da ocupação de Rondônia realizou-se a partir de duas questões-chave para a compreensão da dinâmica contemporânea de Guajará-Mirim: o aproveitamento de recursos naturais específicos da região (no final do século XIX e início do século XX, a borracha) e a construção de infraestrutura para sua exploração e escoamento. A capital do estado, Porto Velho, e Guajará-Mirim desenvolveram-se como as cabeceiras da ferrovia Madeira-Mamoré, construída entre 1907 e 1912 (HARDMAN, 2005). A construção da BR-364 – anunciada em 1960, construída ao longo das duas décadas seguintes e inaugurada, com asfalto, em 1984 – foi um vetor fundamental de abertura e ocupação do território (FIORI, 2012). Nos seus mais de 3 mil quilômetros, a estrada liga os estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre. [8] Ao longo de seu traçado, desenvolveram-se diversas colônias e núcleos que hoje constituem a estrutura urbana de Rondônia. PDF gerado a partir de XML Redalyc JATS4R Sem fins lucrativos acadêmica projeto, desenvolvido no âmbito da iniciativa acesso aberto 200 Fernando Rabossi. De Cachuela Esperanza a Guajará-Mirim: Recursos, escalas e transformações Desde a segunda metade do século XX, com a sucessão de corridas e “febres” (GUEDES, 2013) – da cassiterita,

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