
687 Cútis laxa - Relato de caso CASO CLÍNICO 687 L Doença de Rosai-Dorfman cutânea - Relato de caso * Cutaneous Rosai-Dorfman disease – a case report Josie da Costa Eiras 1 Antônio Pedro Mendes Schettini 2 Livia Lima de Lima 3 Liana Hortência Miranda Tubilla 4 Rosa Maria Libório de Oliveira 5 Resumo: A doença de Rosai-Dorfman, também denominada histiocitose sinusal com linfadenopatia maciça, é histiocitose de células não Langerhans, idiopática e de curso benigno. Descrita em 1969, caracteriza-se por linfadenomegalia não dolorosa, sendo a cadeia cervical a mais envolvida, além de febre, perda de peso e sudorese. O envolvimento extranodal ocorre em 43% dos casos, em que múltiplos sítios podem ser acome- tidos. Já foram descritos casos exclusivamente extranodais, inclusive formas limitadas à pele. Relata-se um caso de doença de Rosai-Dorfman extranodal cutânea pura, devido à raridade dessa apresentação clínica. Palavras-chave: Histiocitose; Histiocitose de células não Langerhans; Histiocitose sinus Abstract: Rosai-Dorfman disease, otherwise known as sinus histiocytosis with massive lymphadenopathy, is a non-Langerhans cell histiocytosis with a benign course and unknown etiology. It was described in 1969 as a painless cervical lymph node enlargement in association with fever, weight loss and sweating. Extranodal disease has been reported in 43% of cases, with involvement of multiple organs. Purely extranodal Rosai- Dorfman disease has been already reported, including forms restricted to the skin. This paper reports a case of purely cutaneous Rosai-Dorfman disease, which is of interest in view of the rarity of this condition. Keywords: Histiocytosis; Non-Langerhans-cell histiocytosis; Sinus histiocytosis INTRODUÇÃO A doença de Rosai-Dorfman, também denomi- orbitário, sistema nervoso central, ossos, pele, entre nada histiocitose sinusal com linfadenopatia maciça, é outros.2,6 histiocitose de células não Langerhans, primeiramen- Formas extranodais cutâneas puras já foram te descrita em 1965 por Destombes e reconhecida relatadas, no entanto são de ocorrência rara, sendo como entidade clinicopatológica distinta por Rosai e descritos até o ano de 2006 apenas 85 casos por meio Dorfman em 1969.1-8 de relatos ou pequenas séries, o que justifica a apre- Caracteriza-se clinicamente por linfadenopatia sentação deste caso.10-15 cervical bilateral, maciça e indolor, usualmente acom- panhada de febre, perda de peso, sudorese noturna, RELATO DO CASO leucocitose com neutrofilia, elevação da velocidade de Paciente do sexo feminino, 26 anos, fototipo hemossedimentação e gamopatia policlonal.1,2,8-10 III, doméstica, referia o surgimento há um ano, após Outras cadeias linfonodais podem ser acometidas em picada de inseto, de lesão de crescimento progressivo menor frequência, como as axilares, inguinais, para- na face medial do braço direito, com dor e prurido aórticas e mediastinais.8,11 O envolvimento extranodal ocasionais. Negava sintomatologia sistêmica, como ocorre em 43% dos casos, associado ou não ao acome- febre, mal estar e perda ponderal. Exame físico geral timento dos linfonodos.4,7,9,10 Vários sítios são descritos, estava dentro da normalidade e não havia linfadeno- como cavidade nasal e paranasal, olhos e tecido retro- megalias. Ao exame dermatológico, apresentava placa Recebido em 13.08.2008. Aprovado pelo Conselho Consultivo e aceito para publicação em 22.09.08. * Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia da Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta - Manaus (AM), Brasil. Conflito de interesse: Nenhum / Conflict of interest: None Suporte financeiro: Nenhum / Financial funding: None 1 Médica residente em dermatologia pela Fundação Alfredo da Matta - Manaus (AM), Brasil. 2 Médico dermatologista da Fundação Alfredo da Matta; mestre em patologia tropical pela Universidade Federal do Amazonas - Manaus (AM), Brasil. 3 Médica residente em dermatologia pela Fundação Alfredo da Matta - Manaus (AM), Brasil. 4 Médica da Fundação Alfredo da Matta - Manaus (AM), Brasil. 5 Médica dermatologista da Secretaria Municipal de Saúde - Manaus (AM), Brasil. ©2010 by Anais Brasileiros de Dermatologia An Bras Dermatol. 2010;85(5):687-90. 688 Eiras JC, Schettini APM, Lima LL, Tubilla LHM, Oliveira RML não infiltrada, acastanhada, de limites nítidos e con- tornos irregulares, medindo 6 cm, havendo em sua superfície tuberosidades rosadas com cerca de 0,5 cm de diâmetro (Figura 1). Exames laboratoriais, radio- grafias de tórax, de seios da face e de ossos longos e ultrassonografia abdominal estavam dentro dos padrões de normalidade; a sorologia anti-HIV era negativa. Foi realizada biópsia cutânea, que mostrou infiltrado inflamatório dérmico composto essencial- mente de histiócitos de citoplasma amplo, núcleos vesiculosos e nucléolos evidentes, apresentando emperipolese (Figura 2). Foram identificados, ainda, linfócitos, neutrófilos, raros eosinófilos e células gigantes tipo Langhans. A imunoistoquímica revelou expressão difusa de proteína S-100 nas células histio- FIGURA 2: Histiócitos de citoplasma amplo apresentando cíticas (Figura 3) e, ainda, positividade para Ki-67 e emperipolese (HE, 40x) CD163 e negatividade para CD20, CD3 e CD30 (Quadro 1). Pequenas séries de casos tentam demonstrar essa Firmou-se o diagnóstico de doença de Rosai- associação também nas formas cutâneas, porém os Dorfman exclusivamente cutânea, sendo realizada a resultados são variados, com a maioria apresentando exérese cirúrgica completa da placa há cinco meses. sorologia negativa.5,13 O achado de gamopatia policlo- nal fortalece a hipótese de um processo reativo contra DISCUSSÃO agentes infecciosos.2 A denominação de doença de Rosai-Dorfman Contrastando com a forma sistêmica, a qual aco- cutânea (DRDC) é reservada para as formas em que há mete principalmente crianças e adultos jovens, sem comprometimento cutâneo restrito, para diferenciá- preferência por sexo ou etnia, a doença exclusivamen- las da histiocitose sinusal com linfadenopatia maciça, te cutânea tem discreto predomínio nas faixas etárias na qual há envolvimento sistêmico de múltiplos sítios, mais elevadas, em mulheres e não negros.1,3,4,6,11,12 incluindo o tegumento.2,4,13,15 Formas extranodais ocor- Clinicamente, manifesta-se com pápulas, nódu- rem em 43% dos casos, sendo a pele o sítio mais los, placas, massas ou tumorações, de coloração eritê- comum. Cerca de 10% dos pacientes têm lesões cutâ- mato-acastanhada ou eritêmato-amarelada, de tamanho neas e 3% apresentam doença limitada à pele.1,9 variando de menos de 1 cm a 30 cm, localizados ou dis- A etiologia da doença permanece desconheci- seminados, tendo como sítios preferenciais, em ordem da, apesar de alguns relatos da forma sistêmica apre- decrescente, tronco, cabeça, pescoço, extremidades sentarem coexistência de infecção pelos vírus herpes inferiores e superiores.13 As lesões podem, ocasional- hominis 6 e 8 (HHV-6 e 8) e vírus Epstein-Barr (EBV). mente, ter aparência psoriasiforme ou acneiforme.11 FIGURA 1: Placa acastanhada com tuberosidades rosadas na FIGURA 3: Imunoistoquímica revelando expressão difusa da superfície, localizada na face medial do braço direito proteína S-100 nas células histiocíticas (40x) An Bras Dermatol. 2010;85(5):687-90. Doença de Rosai-Dorfman cutânea - Relato de caso 689 QUADRO 1: Estudo imunoistoquímico Anticorpos Clone Resultado Proteína S-100 Policlonal Positivo CD20 - antígeno de linfócitos B e células dendríticas foliculares L26 Negativo CD3 - receptor de linfócitos T (cadeia épsilon) SP7 Negativo CD30 - antígeno Ki-1 (células linfoides ativadas) BerH2 Negativo Antígeno de proliferação celular Ki-67 MIB1 Positivo CD163 - células de linhagem monocítica/macrofágica CD163 Positivo A histopatologia mostra proliferação de células ter curso benigno e autolimitado, sem a necessidade histiocíticas de citoplasma amplo e núcleos vesiculo- de intervenções mais agressivas, sendo o tratamento sos, por vezes com nucléolos evidentes. Pode-se notar indicado apenas para casos sintomáticos ou sistemati- a presença de células inflamatórias preservadas no zados. As modalidades terapêuticas incluem corticos- interior do citoplasma desses histiócitos, com halo teroides, talidomida, α-interferon, criocirurgia, radio- claro ao seu redor, sendo esse fenômeno denomina- terapia, quimioterapia, excisão cirúrgica, entre do emperipolese. A imunoistoquímica é positiva para outros.7,12,13 proteína S-100, CD68, CD163 e negativa para CD1a. À Em virtude do crescimento progressivo, trans- microscopia eletrônica não são evidenciados grânulos torno estético e ausência de comprometimento sistê- de Birbeck.4,6,7,10 Apesar de a emperipolese não ser mico, a paciente foi submetida à excisão cirúrgica e patognomônica dessa condição, a sua ocorrência em permanece em acompanhamento para detecção de histiócitos amplos, que expressam proteína S-100, possível recidiva ou sistematização. determina o diagnóstico de doença de Rosai- Dorfman.10,15 O diagnóstico diferencial clínico e histopatoló- gico inclui outras desordens histiocíticas, como histio- citoses malignas, síndromes hemofagocíticas, retículo- AGRADECIMENTO histiocitoma cutâneo, histicitose de células de Ao Dr. Carlos E. Bacchi, diretor e Langerhans e ainda linfoma de grandes células, linfo- patologista responsável pelo laboratório ma de Hodgkin, melanoma e carcinoma metastático.4,11 Consultoria em Patologia, Botucatu – SP, pela Com frequência, os quadros limitados à pele realização do estudo imunoistoquímico e não apresentam alterações laboratoriais e costumam fornecimento das fotomicrografias.
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