Canções De Protesto: O Avanço Da Esquerda Para E Pelas Artes. José

Canções De Protesto: O Avanço Da Esquerda Para E Pelas Artes. José

Canções de Protesto: O avanço da esquerda para e pelas artes. José Fernando Saroba Monteiro1 Resumo: Em inícios da década de 1960 surge no Brasil um tipo de “canção politicamente engajada”, que viria a ser conhecida como “canção de protesto”. Originada entre os dissidentes nacionalistas da bossa-nova, entre eles Carlos Lyra, Nelson Lins e Barros, Sérgio Ricardo e Nara Leão, a “canção de protesto” ganharia ainda mais fôlego no período pós-golpe de 1964, especialmente através da figura de Geraldo Vandré. A vertente “canção de protesto” seria ainda impulsionada por suas apresentações nos Festivais da Canção onde atingiria grandes massas e um novo público consumidor, agora moderno e de classe média, incluindo a juventude universitária frequentadora dos festivais, que nesse período já havia formado um parti pris ante o regime militar vigente. As “canções de protesto” teriam grande aceitação e seriam inclusive responsáveis pelo surgimento da própria vertente MPB. Palavras-chave: “canção de protesto”, regime militar, censura, Festivais da Canção, MPB. Na década de 1960 surgiu um tipo de “canção politicamente engajada” repleta de críticas de viés político-social alimentadas ainda mais no período pós-golpe devido aos embates entre a ala esquerdista e o regime militar vigente, a “canção de protesto”. As “canções de protesto”, que vinham ao lado dos protest songs norte-americanos e da nueva canción latino-americana, tinham um caráter de cultura de “resistência” (arte popular revolucionária2, anti- establishment). Para o regime, essa relação interamericana seria organizada. Um documento do Departamento de Polícia Federal (DPF), de 1973, ao descrever o I Encuentro de la Canción Protesta, em 1967, fala de “[...] uma organização cuidadosamente montada para desenvolver, em cada país, a promoção da canção de protesto. Essa organização funcionava em Havana, Cuba, e iniciou suas atividades em agosto de 1967 [...]” (Informe 01/73 – DCDP, 27 abr. 1973). 1 Em 2005 ingressou na Licenciatura Plena em História da Universidade de Pernambuco (UPE), campus Nazaré da Mata, em 2010 ingressou na Especialização em Teorias da Comunicação e da Imagem da Universidade Federal do Ceará (UFC), em 2012 ingressou na Licenciatura em Música da Universidade Federal do Ceará (UFC), atualmente é mestrando em História do Império Português [e-learning] pela Universidade Nova de Lisboa (UNL) onde ingressou em 2013. e-mail: [email protected]. 2 Ver: Anteprojeto do Manisfesto do Centro popular de Cultura. mar. 1962. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/ 70. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2004, pp. 135-168. No Brasil, stricto sensu as “canções de protesto” tiveram sua base na música engajada (participante) de Carlos Lyra e nos ideais do Centro Popular de Cultura (CPC)3, assim como nos catárticos espetáculos Opinião4, Arena Conta Zumbi, Arena Canta Bahia e outros. Heloisa Buarque de Hollanda nos explica que “[...] a produção cultural, largamente controlada pela esquerda, estará nesse período pré e pós-64 marcada pelos temas do debate político. Seja ao nível da produção em traços populistas, seja em relação às vanguardas, os temas da modernização, da democratização, o nacionalismo e a “fé no povo” estarão no centro das discussões, informando e delineando a necessidade de uma arte participante, forjando o mito do alcance revolucionário da palavra poética.” (HOLLANDA, 2004, p. 21). Era o avanço da esquerda para e pelas artes. De acordo com Marcelo Ridenti: “do fim dos anos 1950 ao início dos 1970, nos meios artísticos e intelectualizados de esquerda, era central o problema da identidade nacional e política do povo brasileiro” (RIDENTI, 2014, p. 01). Também é Ridenti quem nos fala sobre um certo idealismo romântico que ficou indelevelmente associado ao período sessentista, adjetivo este (romântico), que aparece por vezes em sua obra Em Busca do Povo Brasileiro, ocorrências sobre as quais ele mesmo nos esclarece: “Em geral, o termo [romântico] não é empregado [na obra] com um sentido unívoco, preciso; por vezes é usado com uma conotação pejorativa, identificada a certa ingenuidade e falta de realismo político. Contudo, não cabe tomar o romantismo revolucionário com desdém. [...] Se o uso do termo carece de um sentido único nas várias falas, por outro elas revelariam certas percepções de uma época, dita romântica” (RIDENTI, op. cit., p. 08). De toda forma, a intelligentsia revolucionária mantém uma solidariedade espiritual com o povo, ela deve encontrar seu lugar ao lado do proletariado, “[...] o lugar do intelectual na luta de classes só pode ser determinado, ou escolhido, em função de sua posição no processo produtivo.” (BENJAMIM, 1987, p. 127). Na esfera musical Carlos Lyra, Nelson Lins e Barros, Geraldo Vandré e Sérgio Ricardo (que pertencem à ala esquerda e corrente mais nacionalista 3 Grupo fundado no Rio de Janeiro em 1962 e ligado a UNE. 4 “Ainda no final de 1964, estreava no Rio de Janeiro o espetáculo Opinião, criado por remanescentes do CPC. Foi um sucesso, ao juntar no palco uma cantora de classe média (Nara Leão, depois substituída por Maria Bethânea), um representante do homem do campo (João do Vale, e outro do malandro urbano (Zé Keti).”. (RIDENTI, 2002, p. 124). “Após o Golpe, os principais protagonistas do CPC ligados PCB [...] organizaram o Show Opinião, que viria a dar nome ao teatro onde era montado.” (RIDENTI, 2014, p. 106). da Bossa Nova5), foram os personagens que se envolveram de corpo e alma nessa clivagem. Outros como Edu Lobo e Vinícius de Moraes também contribuíram para este quadro. Segundo Miliandre Garcia de Souza: “No final dos anos 1950 e início de 1960, acentuar as diferenças, e não as semelhanças, entre a bossa nova e o jazz tinha como objetivo resgatar os vínculos com a tradição da música popular brasileira e precaver-se contra as críticas que a consideravam elitista, sem conteúdo e voltada para o consumo externo. Nesse contexto, podemos considerar o diálogo entre tradição e modernidade como uma das tentativas de politização e popularização da bossa nova por músicos que integravam o CPC, a exemplo de Carlos Lyra.” (SOUZA, 2007, p. 60). De acordo com Ruy Castro, “Os furúnculos nacionalistas ainda não estavam tão inflamados em 1960 quanto se tornariam dois ou três anos depois. Mas já começavam a pipocar na sede da UNE (União Nacional dos Estudantes), na Praia do Flamengo, onde se reuniam os rapazes que estavam criando o CPC (Centro Popular de Cultura). Alguns desses rapazes (vá lá) era Ferreira Gullar, Leon Hirszman, Carlos Estevam, Oduvaldo Viana Filho e, este sim, o garoto Carlinhos. O CPC vinha para ‘recuperar’ as ‘raízes’ da ‘autêntica’ cultura ‘popular’, ‘sufocadas’ pelos ‘tentáculos’ da General Motors, da Esso Standard Oil, da Coca-Cola, da Metro-Goldwyn-Mayer e de outras múltis mamutes.” (CASTRO, 2001, p. 81). José Ramos Tinhorão nos esclarece que “O primeiro compositor ligado à bossa-nova a demonstrar inquietação em face do excesso de informação cultural estrangeira no movimento foi Carlos Lira. [...] Carlos Lira compôs em 1957 um samba em que, citando nominalmente o bolero, o jazz, o rock e a balada, criticava sua influência na música brasileira. Essa composição, intitulada Criticando, ia revelar-se afinal uma antecipação do seu samba Influência do Jazz, composto dentro do mesmo pensamento crítico em 1961, mas que estava destinado a soar como uma ironia: apontando a absorvente influência do estilo americano de tocar, a música de Influência do Jazz indicava ela mesma o quase mimetismo a que chegara a bossa-nova na incorporação de células musicais e recursos particulares da música norte- americana.” (TINHORÃO, 1974, pp. 227-228). Segundo Waldenyr Caldas: “De qualquer forma, a música de Carlos Lyra é uma das mais expressivas do movimento da bossa nova. Além disso, seu discurso traduz o pensamento de uma ala política, naquele momento histórico, ou seja, o período de maior engajamento político da UNE, a partir de 1961, em que um grupo de jovens 5 Ver: CASTRO, Ruy. Chega de Saudade. 16ª ed.. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. Ver também: GARCIA, Miliandre. Do teatro militante à música engajada: A experiência do CPC da UNE (1958 – 1964). São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007. talentosos não admitia qualquer interferência estrangeira em nosso país, em particular em nossa cultura e no samba.” (CALDAS, 1989, p. 52). É o próprio Carlos Lyra quem fala sobre esse engajamento, “Isso acontece no momento em que vou para São Paulo ser o diretor musical do Teatro de Arena. Eu travei conhecimento com o Vianinha (Oduvaldo Vianna Filho), com o Guarnieri... Esse pessoal, posteriormente, veio para o Rio de Janeiro e fundou o Centro Popular de Cultura. Quando o Centro Popular de Cultura da UNE começou a se desenvolver, havia evidentemente um engajamento político da minha parte e da parte dos outros participantes. Aquilo deu uma reviravolta grande na cabeça das pessoas não somente de forma política, mas também cultural. A minha presença no CPC fez com que a minha cabeça musical mudasse. Eu já estava preocupado em fazer música do tipo da Marcha da quarta-feira de cinzas e não só em criar canções como Você e eu e Coisa mais linda.” (LYRA apud CHEDIAK, 1994, p. 23). É a partir dessa nacionalização da bossa-nova que irá surgir a vertente chamada “canção de protesto”, através do engajamento político-social de alguns bossanovistas que passaram a incorporar em suas músicas elementos ligados a tradição popular brasileira como forma de negação da importação cultural e da influência estrangeira em nossa cultura. “Podemos igualmente incluir na rubrica do protesto, canções que denunciavam as condições de vida dos oprimidos da cidade e do campo (como as canções do show Opinião) [...]” (MIRANDA, 2009, p. 128). De acordo com Arnaldo Contier: “A chamada canção de protesto, escrita por dezenas de compositores durante os anos 60, num primeiro momento, representava uma possível intervenção política do artista na realidade social do país, contribuindo assim para a transformação desta numa sociedade mais justa.

View Full Text

Details

  • File Type
    pdf
  • Upload Time
    -
  • Content Languages
    English
  • Upload User
    Anonymous/Not logged-in
  • File Pages
    13 Page
  • File Size
    -

Download

Channel Download Status
Express Download Enable

Copyright

We respect the copyrights and intellectual property rights of all users. All uploaded documents are either original works of the uploader or authorized works of the rightful owners.

  • Not to be reproduced or distributed without explicit permission.
  • Not used for commercial purposes outside of approved use cases.
  • Not used to infringe on the rights of the original creators.
  • If you believe any content infringes your copyright, please contact us immediately.

Support

For help with questions, suggestions, or problems, please contact us