BILL BERNBACH: REVOLUÇÃO NA HISTÓRIA DA PROPAGANDA Eduardo Refkalefsky e Carolina van der Linden RESUMO: O conceito de posicionamento é considerado central porque divide a história da propaganda em três momentos: fase do produto, fase da imagem e fase do posicionamento. Mas pouco se falou sobre a base empírica para estas idéias. Na verdade, a fonte tem nome e sobrenome, Bill Bernbach, o grande criativo que fez campanhas como a do Fusca e da Avis, que revolucionaram a história da propaganda. OS AUTORES: Eduardo Refkalefsky é professor da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ e professor associado da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE), da Fundação Getúlio Vargas. Tem graduação e mestrado na própria ECO, defendendo a tese “A gênese do jornalismo polêmico de Hélio Fernandes”, orientada pelo prof. Francisco Dória. É consultor editorial da Coleção Administração e Negócios da Editora Rocco e foi editor das revistas “Tendências do Trabalho” e “Marketing e Negócios”. Trabalha como consultor em Comunicação e Marketing. Carolina van der Linden é graduanda em Publicidade na ECO/UFRJ e trabalha na Doctor Propaganda, no Rio de janeiro. 1. Um publicitário e dois consultores O conceito de posicionamento, formulado por Al Ries e Jack Trout (1997), é um dos mais importantes da propaganda. Os autores mostraram de que a maneira a comunicação deve ser orientada numa era de hipercomunicação, onde cada vez é mais difícil falar com os consumidores. Algumas sentenças do livro viraram verdadeiros axiomas do marketing, na definição de Madia (1998), como “é melhor ser o primeiro do que o melhor” e “é mais importante obter o share of mind do que o share of market”. Madia, considerado uma das maiores autoridades em marketing no país, é extremamente influenciado pelo posicionamento, embora, como não poderia deixar de ser, mantenha uma distância do livro por razões comerciais: “Posicionamento” é da editora Pioneira e Madia é sócio da Makron Books, que publicou outros livros da dupla. Mas “Posicionamento” é enigmático porque os autores utilizam o raciocínio dedutivo, enunciando regras gerais sobre propaganda, sem deixar claro de onde esses conceitos saíram e qual foi a base empírica para isso. O que nos propomos a demostrar é que essa base empírica partiu do trabalho de William (Bill) Bernbach, criador da agência DDB e das campanhas do Fusca e da Avis, entre outras. A influência de Bernbach na publicidade é bastante conhecida, assim como a do posicionamento. O modelo da DDB serviu de inspiração para as agências brasileiras, em especial a DPZ (Petit, 1991), e grandes profissionais de Propaganda, como Alex Periscinoto (1995). Mas não encontramos nenhum trabalho que relacionasse a Bernbach e Ries-Trout, a realidade e o conceito, a base empírica e a teoria. Não nos parece difícil se estabelecer a relação quando se mergulha no universo criativo das campanhas da DDB. Esta análise também permite discutir alguns conceitos que quase todos os profissionais de propaganda utilizam para falar do dia a dia da atividade. 2. Al Ries e Jack Trout Em 1969, Al Ries e Jack Trout escreveram um artigo para a revista “Industrial Marketing”, comentando diversos casos de empresas, entre elas a RCA, que entrou de cara no mercado de computação e teve grandes prejuízos. Foi a primeira vez que se usou o termo posicionamento. A dupla repetiria a dose, três anos depois, em uma série de artigos na “Advertising Age”, que mais tarde, com novos casos, se transformaria no livro (1997). O posicionamento consiste em ocupar a mente do consumidor, ganhar o share of mind, para manter a participação de mercado (share of market). O grande problema para ocupar este espaço é a quantidade de informação que é transmitida pelos mais diversos meios: TV aberta, TV a cabo, rádio, jonal, revista, livro, mídia exterior e, mais 1 recentemente, a internet. O consumidor médio está saturado, não adianta mais as empresas utilizarem grandes verbas para serem ouvidas. Para Ries e Trout, é preciso ser o primeiro na mente do consumidor em potencial (prospect). Marcas como Coca-cola, Marlboro, Gillette e Xerox são alguns dos exemplos de marcas que ocupam o primeiro lugar em suas categorias — e só muito dificilmente saem de lá. São o maior patrimônio que uma empresa pode ter, um espaço definido na mente dos prospects. Quando não se é o primeiro em uma categoria, os autores de posicionamento afirmam que é preciso criar uma nova categoria onde se é o primeiro. Normalmente, isto significa orientar a propaganda contra o conceito da marca líder. Foi o caso do Tylenol, que tinha um slogan posicionado contra a aspirina: “cure sua dor de cabeça sem ter dor de estômago”. Ou da Seven Up, que em meio à guerra das colas, se posicionava como “The UnCola”. O Marketing, na era do posicionamento, é muito mais uma guerra entre categorias de produtos do que entre produtos ou marcas. Pois ser o primeiro em alguma categoria virou condição necessária para as marcas permanecerem no mercado. Ries e Trout ainda historicizaram a propaganda em três fases. A primeira, que eles circunscreveram aos anos 50 e batizaram de “era do produto”, correspondia aos anúncios orientados para as características físicas do produto e nos benefícios que ele traria para o consumidor. Era o USP (Unique Selling Proposition — Proposição Única de Venda), termo criado por Rosser Reeves e popularizado pelo livro “Ciência da Propaganda”, de Claude Hopkins (1997). O problema surgiu quando começaram a aparecer produtos “eu também” (me-too), com as mesmas características dos já existentes. O consumidor se perdeu em meio a produtos idênticos e promessas semelhantes desta propaganda. Quem salvou a pátria, segundo Ries e Trout, foi David Ogilvy, ao iniciar a “era da imagem”. O produto físico ficou em segundo plano, a estrela agora era a imagem da marca. A função da propaganda era criar um vínculo emocional com os consumidores. Produtos fisicamente semlhantes poderiam ser diferenciados pela imagem. Mas novamente surgiram os “eu também”. Todas as propagandas começaram a exibir charme, elegância, belas modelos, locações cinematográficas e tudo aquilo que os 2 detratores da propaganda, até hoje, chamam de “mundo de fantasia”. Todos os profissionais e estudantes de propaganda compraram o livro do Ogilvy (1993), assim como os de John Caples (1997), e novamente o consumidor se perdeu na selva de promessas de “meu produto é lindo, meu produto é charmoso”. Foi aí que Ries e Trout conceituaram a “era do posicionamento”. Em vez de orientar a propaganda para o benefício básico do produto ou para a imagem da marca, eles defendem a orientação para a concorrência, o que significa dizer para a própria propaganda. De nada adianta fazer uma anúncio como se fosse a única peça que o consumidor vai ver. O consumidor, na verdade, está saturado de informação e não tem mais capacidade de absorver mais nada. A não ser quando se é o primeiro na mente do consumidor. Será? 3. Bill Bernbach William Bernbach nasceu em 13 de agosto de 1911, no bairro judeu do Bronx, em Nova York. Na New York University, estudou Inglês, música e filosofia, depois de passar pela escola pública. O primeiro emprego foi no escritório das Indústrias Schenley, onde nas horas vagas ficava bolando conceitos para a publicidade da empresa e as remetia para a agência responsável, a Lord & Thomas. Logo depois veria vários dos conceitos em anúncios nos jornais. Não foi difícil para Bernbach ser transferido para o setor de marketing e propaganda. O presidente do conselho de administração da Schenley, Grover Whalen, logo reconheceu a capacidade de Bernbach e o encarregou de ser seu ghost-writer. Whalen, que também foi importante político em Nova York, introduziu Bill no meio. Vários políticos da cidade tiveram discursos produzidos por Bernbach, que também foi responsável pela parte de pesquisa da Feira Internacional de 1939. O mundo da propaganda fascinava Bernbach. “Se eu posso ser ghost-writer de pessoas, por que não posso ser também de produtos? Deve ser lucrativo e muito mais interessante”. Depois da Feira, ele entrou na agência de Bill Weintroub, depois passando para a Grey, uma das poucas dirigidas por judeus, em vez de WASPs (brancos, anglo- 3 saxões e protestantes). Divergências fizeram-no sair e montar sua própria empresa, com o Ned Doyle (atendimento) e Maxwell Dane (administração). O nome escolhido foi Dole Dane Bernbach, já que nas palavras de Bill, “nada vai ficar entre nós, nem mesmo pontuação (Cardoso, 1998, p. 10)”. A primeira campanha de sucesso da foi da loja de departamentos Orbach’s, conta que Bill Bernbach trouxe da Grey. Em uma das peças, aparece a foto de um cachorro feio dizendo, no título, “Odeio Orbach’s”. A maioria do público não se lembrava de ver uma propaganda que agredisse o próprio produto. No texto, se encontrava a explicação para a raiva do cachorrinho: sua dona só queria saber de ir à loja e não tinha tempo de passear com ele. Em seguida, foi a vez do pão de centeio judaico Levy’s, com uma verba de apenas 50 mil dólares. A mídia escolhida, inicialmente, foi o jornal “The Post”, que possuía 80% da circulação entre os judeus de Nova York. Bernbach discordou da estratégia, preferindo veicular para o público não judeu, através do jornal “World Telegram”. Por que? Por mais fresquinho e bem feito que fosse o Levy’s, ele nunca se compararia ao pão judeu artesanal, feito na hora nas padarias. O público-alvo ideal, portanto, deveria ser quem nunca comeu este pão. A campanha final consistia num cartaz com pessoas de várias etnias comendo o pão e com o slogan “You don’t have to be jewish to love Levy’s Real Jewish Rye” (“Você não precisa ser judeu para amar Levy’s”).
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