A FORMAÇÃO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO NA CRIAÇÃO DA FREGUESIA RURAL DE IRAJÁ - 1644/47 Maria Celeste Ferreira1 Introdução O nome da cidade e do município é Rio de Janeiro, fato que merece atenção, seja no senso comum ou no mundo acadêmico, pois esta forma físico-geográfica deveria reafirma-se como objeto de preciosa atenção e estudo, não obstante essa importância em geral é redimensionada para o mar. A importância turística e a construção histórica , que adquiriu os “bairros atlânticos”, consolidados na primeira metade do século XX, confirmam uma intensa valoração dos bairros banhados pelo Oceano Atlântico, fora da baía de Guanabara. A historiografia oficial consagrou espaços geográficos fora da baía de Guanabara, em detrimento de um “palco histórico” chamado de Recôncavo da Guanabara e de territórios ao fundo da baía de Guanabara de grande relevância social, política e econômica nos séculos XVI, XVII e XVIII. O artigo chama atenção para a necessidade de uma desnaturalização de qualquer processo de valorização espacial, em si, e serve de alerta para as escolhas feitas em sociedade, isto é, para a construção coletiva dessa cidade ao longo do tempo. É certo que, como diz o dito popular : “todos os rios correm para o mar”, e no caso do “Rio”, ironicamente correm também os olhares e os investimentos (históricos e patrimoniais) para a costa atlântica, esquecendo-se dos rios ao fundo da baía de Guanabara. Os caminhos fluviais são fundamentais para entender a história da cidade. Fatos lembrados por vários autores como Maurício de Abreu, Fânia Fridman, Carlos Lessa, Nelson da Nóbrega Fernandes, entre outros, que destacam a morfologia estratégica da baía de Guanabara e seus inúmeros rios que nela deságuam como caminhos viáveis de expansão e desenvolvimento da colonização portuguesa, além de enfatizarem as transformações na formação da cidade carioca, integrado dinamicamente a uma vasta área do município do Rio de Janeiro ao longo de sua história. O rio Irajá juntamente com o rio Meriti , entre outros, próximos a localização da primeira freguesia rural do Rio de Janeiro, e alguns portos fluviais da época colonial relacionam-se 1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro /UERJ.Mestranda PPGH, professora SME/SEEDUC-RJ :[email protected] 1 com a criação da paróquia e matriz de Nossa Senhora da Apresentação do Irajá – 1644/47 - que guarda em sua história, centralidades e sociabilidades que devem ser ampliadas em novas pesquisas acadêmicas. A formação da cidade do Rio de Janeiro e as baixadas geográficas. A posição estratégica da baía de Guanabara para a “construção” da cidade do Rio de Janeiro, é reafirmada pela historiografia como lugar de grande interesse ao colonizador europeu, por sua pequena embocadura capaz de assegurar boa vigilância, facilidade de navegação, ilhas, lugares de atracação e navegação de cabotagem. Chegava-se de canoas ao fundo da baía dando acesso a um vasto território, formando um conjunto de possibilidades para a interiorização em busca das riquezas da época. Conclui-se que por volta de 1530 “(...) é um fato comprovado que as vantagens da posição geográfica da baía eram já sobejamente conhecidas pelos navegadores” (ABREU, 2010, Tomo I, p.51); e que as potencialidades geográficas da baía e de seu entorno eram inigualáveis: “Logo, a Baía de Guanabara guardava excelentes características estratégicas para a tecnologia militar da época: fortificações e observatórios naturais em seus morros. (...)Tais vantagens permanecerão no período que vai do século XVI à primeira metade do século XX.” (LESSA, 2001, p.23). A “Cidade Flutuante”, idéia desenvolvida por Fânia Fridman, devido a grande importância do porto marítimo no centro da cidade, repleto de mastros de navios portugueses e depois estrangeiros, seria o lugar onde pulsava com dinamismo a cidade, o seu centro. O rio Irajá, navegável em boa parte, permitiu, pouco à pouco, a interiorização da região, assim como tantos outros rios que ligavam a terra firme ao Porto do Rio de Janeiro. Os rios eram servidos com pequenos e médios portos fluviais, aumentavam em importância com o tempo. “Estes surgiam em vários pontos dentro da Baía de Guanabara, como no Caju, Inhaúma, Maria Angu, Irajá e Porto Velho, este último na foz do rio Merity.”( FRIDMAN, 1999, p.90, grifo meu). Os portos fluviais, os engenhos de açúcar e posteriormente fazendas agrícolas de variadas vocações e cultivos, além de capelas, paróquias e as “matrizes” de uma freguesia mostram a construção de centralidades com novos povoados, logo nos dois primeiros séculos da história colonial. 2 A freguesia de Nossa senhora da Apresentação de Irajá, era um extenso território de área rural, que incluía a baixada de Inhaúma e as baixadas de Jacarepaguá e Campo Grande. A capela inicial, foi fundada por volta de 1613 na área Norte da capitania real do Rio de Janeiro. Transformada em paróquia , foi nomeada em 30 de dezembro de 1644, para o início de suas atividades temporais e espirituais como matriz de uma extensa freguesia, como consta em documento do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro2. As freguesias eram jurisdições espirituais de um vigário, o qual representava também autoridade temporal sobre esta unidade de administração civil. Em 1647, antes do fim da primeira metade do século XVII, também foram confirmadas (com alvará régio) outras matrizes como freguesias permanentes, mas todas localizadas além dos limites, do que chamamos hoje, de município do Rio de Janeiro: a de Santo Antônio de Cacerebu (existente desde 1624), São João de Trairaponga (1645) e São Gonçalo de Amarante (1645) . Todas pertencem à época de ampliação e povoamento de territórios em dinâmicas próprias com o centro urbano da cidade que se formava. Época marcada pelo concílio de Trento ( 1545- 1663) no contexto da Contra-Reforma e formação do Barroco , além da conjuntura política do fim da União Ibérica (1580 à 1640). No que se refere à Igreja Nossa Senhora da Apresentação de Irajá, encontramos esparsos estudos acadêmicos sobre, a região e também sobre a matriz, inserida na vasta área rural colonial da cidade do Rio de Janeiro. É a terceira Freguesia da cidade, anteriores somente as matrizes da Freguesia de São Sebastião e a de Nossa Senhora da Candelária. A Matriz de Irajá ( usado doravante como sinônimo de Igreja Nossa Senhora da Apresentação de Irajá) ficava no “termo da cidade”, mas precisamente na sede do termo, pois essa expressão na época colonial abrangia imensas regiões: “O termo da Capitania Real do Rio de Janeiro definia-se pela área delimitada entre Cabo Frio e a vila de Santo Antônio de Sá; pelo litoral, de Cabo Frio a Angra dos Reis e, pelo interior, até o rio Paraíba do Sul, perfazendo 23 léguas de norte a sul e 24 léguas de leste a oeste. Sua sede possuía seis léguas de 2 AGCRJ – Notação 45.2.4 – Data 1644/47 – Título:Criação da Freguesia do Irajá - Provisão do padre Gaspar da Costa a vigário da igreja Nossa Senhora da “Presentação” no Distrito de Irajá. 3 sudeste a noroeste e seis léguas de nordeste a sudoeste.” (FRIDMAN, 2011, grifo meu) A expressão “baixada de Irajá” é geográfica, atualmente compreendendo hoje aproximadamente 38 bairros3, mas sua compreensão não se limita a tais aspectos; pois é uma área de confluência, de fluxos comerciais, de antigo povoamento, mesmo que ainda incipiente, na primeira metade do século XVII. Ilustração 1 - As Baixadas Geográficas do Município do Rio de Janeiro: 1-Irajá ( ao Norte) em laranja. 2- Inhaúma/Centro em verde. 3- Jacarepaguá em amarelo. 4-Santa Cruz/Campo Grande ( à Oeste) em azul esverdeado. 5- Baixada Oceânica ( ao Sul), em cinza, não especificada no mapa. Retângulo rosa - área de primeira localização da fundação da cidade. Oval vermelha - área do centro urbano inicial:morro de Santo Antônio, Praça XV e arredores. OBS: Observar a proximidade com a Ilha do Governador, que facilita a localização. (MARTINS, 2009, p.19. – Mapa remarcado pelo autor) 3 Acari, Anchieta, Barros filho, Bento Ribeiro, Brás de Pina, Campinho, Campos dos Afonsos, Coelho Neto, Colégio, Cordovil, Costa Barros, Deodoro, Guadalupe, Honório Gurgel, Irajá, Jardim América, Sulacap, Madureira, Marechal Hermes, Olaria, Oswaldo Cruz, Parada de Lucas, Parque Anchieta, Parque Columbia, Pavuna , Penha, Penha circular, Ricardo de Albuquerque, Ramos, Rocha Miranda, Turiaçu, Vaz Lobo, Vicente Carvalho, Vigário Geral, Vila da Penha, Vila Kosmos, Vila Valqueire ,Vista Alegre. 4 No contexto econômico, os colonos investiram na criação de portinhos fluviais, engenhos, igrejas e capelas, em uma sociedade impulsionada pela economia açucareira no século XVII. A criação da matriz foi posterior à organização da Prelazia de São Sebastião do Rio de Janeiro em 15754, ligada aos poderes eclesiásticos da Diocese de São Salvador da Bahia, que já existia desde 1551. Chamada atualmente de “igreja de Irajá”, guarda um passado histórico pouco mencionado e permanece como referência do bairro de Irajá, área suburbana da cidade carioca. A Igreja e seu local de fundação devem ser analisadas no contexto do Antigo Regime, através da instituição do padroado, onde a fé católica era aliada do rei lusitano, estava encarregada da conversão dos índios e difusão da fé católica como componentes da colonização . A Praça Nossa Senhora da Apresentação, no entorno da Igreja, representa, nos dias de hoje, o que restou desta centralidade, de outrora. Foi tombada, no âmbito municipal , Decreto nº 12654 de 28 de janeiro de 1994, na gestão do Prefeito Cezar Maia. Ilustração 2-Igreja Nossa Senhora da Apresentação de Irajá. (foto cedida pela arquiteta Fernanda Costa) 4 “Fundada a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro no ano de 1565, seu território continuou sujeito à jurisdição espiritual do Bispo da Bahia até (...) 19 de julho de 1575, foi criada a Prelazia. Desmembrada do Bispado da Bahia, o território da nova Prelazia estendia-se desde a Capitania de Porto Seguro, até o Rio da Prata.(...).”: http://arqrio.org/curia/anuario/historico_da_arquidioceseAcesso 2.02.2018.
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