Composição e distribuição espacial da avifauna na RPPN Fazenda Macedônia, Ipaba – MG Roney Assis Souza1,2 & Cleber Ribeiro Júnior1 A avifauna brasileira está entre as mais ricas do mundo, sendo mais de 1900 espé- cies catalogadas (Piacentini et. al. 2015). Grande parte dessa riqueza está associada à Mata Atlântica, que é um bioma rico em biodiversidade e muito devastado, restan- do apenas 8,5% de remanescentes flores- tais acima de 100 ha do que existia origi- nalmente (SOS Mata Atlântica 2014). A Mata Atlântica abriga uma grande quanti- dade de espécies endêmicas de aves (Stotz et al. 1996 apud Faria et al. 2006). As Aves são um grupo de relevante im- portância para o equilíbrio dos ecossiste- mas, visto que ocupam os mais variados nichos, agindo desde a polinização e dis- persão de sementes até o controle de inver- tebrados e pequenos vertebrados (Anjos 1991, Mikich 2002). Esse grupo ainda tem uma grande importância como indicador de qualidade ambiental, principalmente no que diz respeito à fragmentação florestal (Piratelli et al. 2008). Figura 1. Área de estudo. Verde escuro: parte reconhecida pelo Ibama como RPPN. Verde claro: A fragmentação das florestas tem modi- remanescentes florestais preservados. Cinza: monocultura de eucalipto. Fonte: Cenibra. ficado a dinâmica dos habitats, o que influencia diretamente na No presente estudo objetivou-se conhecer a composição de composição de espécies animais e vegetais, incluindo as aves. espécies de aves presentes na RPPN Fazenda Macedônia, além Sendo assim, a redução da paisagem a pequenos fragmentos co- de estudar a distribuição dessas espécies entre interior e borda loca em vantagem espécies mais comuns e generalistas em detri- de mata e ao longo dos estratos verticais, visando enriquecer o mento de espécies mais especializadas e dependentes de hábitat conhecimento que se tem da avifauna da região. preservado (Marini 2001). A distribuição das espécies de aves também é fortemente Material e métodos influenciada pela estratificação vertical da vegetação. A maior Área de Estudo abundância de frutos na parte superior da vegetação (dossel) é o O estudo foi realizado na RPPN Fazenda Macedônia, que se principal fator que influencia a distribuição das espécies frugí- localiza na cidade de Ipaba, Minas Gerais, à margem direita do voras. Espécies insetívoras predominam nos estratos inferiores, Rio Doce. A reserva, propriedade da Celulose Nipo-Brasileira onde existe grande abundância de insetos (Vecchi et al. 2007). S.A (Cenibra), tem uma área de 3000 ha, sendo 50% desses A região do Vale do Rio Doce tem um grande potencial para compostos por vegetação nativa. Dessa área, 560 ha são reco- abrigar uma diversidade elevada de espécies de aves, principal- nhecidos pelo Ibama como Reserva Particular do Patrimônio mente pela presença do Parque Estadual do Rio Doce, que é o Natural (CENIBRA 2014) (Figura 1). maior fragmento contínuo de Mata Atlântica de Minas Gerais. A vegetação da reserva é formada por Mata Atlântica Esta- Contudo, os levantamentos de avifauna realizados nessa região cional Semidecídua de baixada (até 240 metros de altitude). O são escassos, tornando difícil conhecer sua verdadeira riqueza clima da região é do tipo Aw, com invernos secos e amenos e (Machado & Fonseca 2000). verões chuvosos (classificação de Köppen) (Corrêaet al. 2014). Atualidades Ornitológicas, 191, maio e junho de 2016 - www.ao.com.br 33 Na reserva é desenvolvido, desde 1990, o Projeto Mutum, que visa a reintrodução de aves ameaçadas de extinção. A partir desse projeto já foram realizadas introduções das espécies Crax blumembachii, Aburria jacutinga, Tinamus solitarius, Cryptu- rellus noctivagus, Crypturellus obsoletus e Odontophorus ca- pueira (CENIBRA 2014). Procedimentos Durante o estudo foi realizado um levantamento de aves, sen- do que as observações foram feitas a partir de busca direta por meio de um transecto através do interior e bordas da mata. O transecto, realizado em diferentes horários do dia, distribuídos entre os períodos matutino, vespertino e noturno, apresenta aproximadamente oito quilômetros e foi percorrido em um tem- po médio de quatro horas. O esforço amostral entre interior e borda foi equivalente. Figura 2. Diversidade de espécies de aves em cada guilda identificadas na RPPN Fazenda Macedônia, Ipaba, Minas Gerais, durante Foram realizadas 14 campanhas, com duração de dois dias o período de setembro de 2014 a julho de 2015. IN: insetívoros, cada, de setembro de 2014 a julho de 2015, totalizando 10 meses FR: frugívoros, ON: onívoros, GR: granívoros, CA: carnívoros, de amostragem e cerca de 280 h de observação. NT: nectarívoros, NE: necrófagos, HE: herbívoros, PI: piscívoros. As aves foram identificadas principalmente por meio da vo- ser ME66. Os registros fotográficos e sonoros estão disponíveis calização, mas também por meio de visualização. Em alguns no WikiAves (http://www.wikiaves.com.br/perfil_roneysouza) e casos, foram registradas por meio de fotos ou gravações de no Xeno-canto (http://www.xeno-canto.org/contributor/OVK- suas vocalizações, usando-se para isso uma câmera Fujifilm SL CAKZJTT), fontes que também foram consultadas em casos de 300, um gravador Marantz PMD660 e um microfone Sennhei- dúvidas na identificação. Figura 3. Espécies de aves identificadas na RPPN Fazenda Macedônia, Ipaba, Minas Gerais, durante o período de setembro de 2014 a julho de 2015. Superior esquerda: Crax blumenbachii; superior direita: Aburria jacutinga; inferior esquerda: Tinamus solitarius; inferior direita: Phaethornis idaliae. Fotos: Roney Souza. 34 Atualidades Ornitológicas, 191, maio e junho de 2016 - www.ao.com.br Figura 4. Número de espécies de aves de acordo com o local de Figura 5. Diversidade de espécies em cada substrato, incluindo os estratos identificação (borda da mata, interior da mata e interior e borda verticais, registradas na RPPN Fazenda Macedônia, Ipaba, Minas Gerais, da mata) na RPPN Fazenda Macedônia, Ipaba, Minas Gerais, durante o período de setembro de 2014 a julho de 2015. SO: solo, SB: sub- durante o período de setembro de 2014 a julho de 2015. -bosque, EM: estrato médio, DO: dossel, AE: aéreo, FI: fios de eletricidade. A taxonomia das espécies registradas seguiu a lista do Aburria jacutinga, Crax blumenbachii, Aramides saracura, CBRO (Piacentini et. al. 2015). Foi observada a guilda à Amazona vinacea, Pulsatrix koeniswaldiana, Phaethornis qual cada espécie pertence, adaptado de Farias et. al. (2005), idaliae, Veniliornis maculifrons, Campephilus robustus, sendo elas: insetívoro, onívoro, frugívoro, granívoro, carní- Thamnophilus ambiguus, Conopophaga lineata, Dendrocin- voro, nectarívoro, necrófago, piscívoro e herbívoro. cla turdina, Xiphorhynchus fuscus, Todirostrum poliocepha- Também se observou a distribuição espacial horizontal lum, Myiornis auricularis, Tachyphonus coronatus, e Ram- (borda e interior) e vertical (estrato florestal) em que a ave phocelus bresilius. O alto número de espécies endêmicas da foi encontrada. Foram considerados quatro substratos utili- Mata Atlântica na área de estudo confirma a característica zados pelas aves, sendo eles solo, vegetação, aéreo e fios de de alto endemismo apresentada por esse bioma, corroboran- eletricidade. No substrato vegetação consideraram-se três do com Faria et al. (2006) e Moreira-Lima (2013). estratos verticais, sendo eles sub-bosque (menor que 2 m), Também foram encontradas quatro espécies ameaçadas de estrato médio (entre 2 e 5 m) e dossel (superior a 5 m). extinção, sendo elas Aburria jacutinga, Crax blumenbachii (Figura 3), Crypturellus noctivagus, sendo essas reintrodu- Resultados e discussão zidas pelo Projeto Mutum (CENIBRA 2014), e Amazona vi- Diversidade nacea (ICMBio 2014). Foram encontradas 138 espécies de aves, sendo essas per- tencentes a 20 ordens e 40 famílias (Tabela 1). As famílias Distribuição espacial mais representativas (com maior número de espécies) foram A borda foi representada por um maior número de espé- Tyrannidae e Thraupidae, ambas com 17 espécies (12,3%). cies (n=129) do que o interior (n=64). Destas, cinquenta e Resultados semelhantes foram encontrados por Donatelli cinco frequentaram ambas as áreas (Figura 4), corroborando et al. (2007), Paetzold & Querol (2008), Pereira & Silva com Piratelli et al. (2005), que observaram o uso tanto do (2009) e Pinheiro et al. (2009). interior como da borda dos fragmentos florestais pela maio- A guilda mais representativa foi a dos insetívoros, com 64 ria das espécies. espécies (46,4%), seguida dos frugívoros, com 27 espécies Os estratos verticais mais representativos foram o dossel, (19,6%) e dos onívoros, com 15 espécies (10,9%) (Figura com 81 espécies (58,7%), e o estrato médio, com 75 espé- 2). Farias et al. (2005), Piratelli et al. (2005), Scherer et al. cies (54,3%). O estrato frequentado pelo menor número de (2005), Curcino et al. (2007) e Donatelli et al. (2007) tam- espécies foi o sub-bosque, com 40 espécies (29%), apresen- bém encontraram insetívoros e frugívoros como as guildas tando diferença de riqueza mais acentuada em relação aos mais representativas em diversos habitat diferentes. outros dois estratos (Figura 5). A maior representatividade da família Tyrannidae e da guilda dos insetívoros pode ser explicada pela riqueza dessa Relação entre guildas e distribuição espacial família na avifauna brasileira (Piacentini et al. 2015), cujas A guilda dos insetívoros foi a mais representativa tanto espécies são majoritariamente insetívoras, e pela abundân- na borda quanto no interior, sendo que na borda totalizou cia dos recursos dessa
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